Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
143/11.5PGLRS.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: Iº Com a nova redacção do art.363, do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei nº48/07, de 29Ago., caducou a jurisprudência fixada pelo S.T.J. no Acórdão 5/2002 (D.R., I Série-A, de 17Julho02), entendendo-se que a falta ou ausência de documentação, assim como a deficiência de documentação, constitui nulidade sanável e dependente de arguição;
IIº Essa arguição deverá ser feita por meio de requerimento formulado perante o tribunal de 1.ª instância, dentro do prazo legal previsto no art.105, nº1, do C.P.P., mantendo-se actual o postulado «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se», isto sem prejuízo do que se prevê no artigo 410, nº3, do C.P.P;
IIIº No caso de o tribunal não proceder, pura e simplesmente, à documentação da prova, a nulidade respectiva deve ser arguida pelo interessado no próprio acto – até ao termo da audiência ou da sessão da audiência, onde ocorrer -, nos termos do disposto no artigo 120, n.º1 e 3, alínea a), do C.P.P., por se tratar de omissão que é pública e patente;
IVº Nos casos em que, tendo sido feita a gravação das declarações e depoimentos, nada ficou gravado ou ficou gravado de forma tão deficiente que torna imperceptível o sentido das declarações, afectando de forma relevante o recurso da matéria de facto, só quando se procede, posteriormente, à análise das gravações é que a deficiência poderá ser detectada, iniciando-se o referido prazo de dez dias no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição do sujeito processual interessado;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. No processo sumário n.º 143/11.5PGLRS, do 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal, procedeu-se ao julgamento do arguido A..., melhor identificado nos autos, a quem foi imputada a prática de um crime condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º1 e 69.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, tendo sido condenado, pela autoria material do referido crime, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 9 (nove) euros, o que perfaz o montante total de 540,00 (quinhentos e quarenta) euros, e bem assim na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (três) meses.

2. Inconformado, o arguido recorreu da referida sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões:
…….
…….


3. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta em que concluiu no sentido de que o recurso não merece provimento.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), pronunciou-se como consta fls. 156.

5. Em exame preliminar, profere-se decisão sumária, por se entender existir fundamento para a rejeição do recurso.

II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
No caso em apreço, o recorrente começa por dizer que discorda da medida concreta da pena que lhe foi aplicada; invoca determinados vícios de procedimento que teriam ocorrido na determinação da taxa de alcoolemia, por alegado incumprimento do respectivo Regulamento de Fiscalização; diz que a sentença enferma de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º2, al. c), do C.P.P.; alega, finalmente, que a gravação da prova é deficiente e que, por isso, a audiência está ferida de nulidade. Relativamente à pena aplicada, alega que deveria ter sido dado como provado que a simples censura do facto é suficiente à prevenção e ocorrência de novos crimes praticados pelo arguido (alegação que suscita alguma estranheza, porquanto tendo sido aplicada ao recorrente pena de multa, a mesma não é susceptível de suspensão da execução) e que a sanção acessória deveria ser suspensa, com prestação de caução de boa conduta (alegação que suscita igual estranheza, por ser uniforme o entendimento de que a pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º1, alínea a), do C.P.P., ao contrário da sanção administrativa prevista no Código da Estrada, não admite suspensão, com ou sem caução).
Saliente-se que muito embora o recorrente invoque a questão da deficiência da gravação da prova, não enuncia, de forma inequívoca, a intenção de submeter a este tribunal a reapreciação ampla da prova, centrando as suas razões no alegado incumprimento de formalidades legais e no erro notório na apreciação da prova, vício cuja apreciação, conforme entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, não depende de qualquer reexame da prova gravada.
A nosso ver, coloca-se a questão da tempestividade do presente recurso, admitindo-se que, em termos lógicos, a questão relativa à alegada deficiência da gravação deve ter precedência na análise.
Vejamos, pois.

2. Preceituava o artigo 363.º do C.P.P., antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto:
«As declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos em que a lei expressamente o impuser

Debateu-se, amplamente, a finalidade da documentação das declarações, tendo em vista o disposto no referido artigo 363.º, e bem assim no artigo 364.º do C.P.P., discutindo-se, entre outras questões, a obrigatoriedade da documentação da prova produzida perante tribunal colectivo, questão que não obteve uma resposta unânime da jurisprudência, incluindo a do S.T.J.
Entretanto, foi publicado o Acórdão do S.T.J. n.º 5/2002 (D.R., I Série-A, de 17 de Julho de 2002), que fixou jurisprudência nos seguintes termos:
«A não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no artigo 363.º do Código de Processo Penal, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no artigo 123.º do mesmo diploma legal, pelo que, uma vez sanada, o tribunal já dela não pode conhecer.»
Temos, então, que a documentação era obrigatória e que a sua falta constituía uma irregularidade processual.
Não se pense, porém, que a jurisprudência fixada resolveu todas as querelas, pois subsistiram divergências jurisprudenciais quanto à possibilidade de conhecimento oficioso pelo tribunal da irregularidade traduzida na falta de gravação ou gravação deficiente, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º2, do C.P. Penal.
A Lei n.º 48/2007 alterou a redacção do artigo 363.º, do qual passou a constar:
«As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade

O artigo 364.º, por sua vez, estabelece, sobre a forma da documentação, que as declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas, em regra, através de gravação magnetofónica ou audiovisual, sem prejuízo da utilização de meios estenográficos ou estenotípicos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas.
Com esta alteração legislativa, caducou a jurisprudência fixada pelo S.T.J. no referido Acórdão 5/2002.
Assim, não pode subsistir qualquer dúvida quanto à obrigatoriedade da documentação das declarações prestadas oralmente na audiência e quanto à consequência jurídico-processual para o caso da não documentação – que é a nulidade.

2.1. Configurada como nulidade a falta ou ausência de documentação, assim como a deficiência de documentação – e esta será aquela deficiência que não permite que a documentação realize as suas finalidades, por inaudibilidade da gravação ou outro motivo relevante –, afigura-se-nos que se trata de uma nulidade sanável e dependente de arguição, porquanto não integra o elenco das nulidades insanáveis.
E, naturalmente, a sua arguição deverá ser feita por meio de requerimento formulado perante o tribunal de 1.ª instância, dentro do prazo legal previsto no artigo 105.º, n.º1, do C.P. Penal.
Mantém-se actual a jurisprudência a que Alberto dos Reis aludia, em sede de processo civil, quando citava o postulado «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se».
Isto sem prejuízo, como é óbvio, do que se prevê no artigo 410.º, n.º3, do C.P.P.
Da decisão proferida sobre o requerimento de arguição de nulidade caberá recurso, nos termos gerais.

2.2. Ainda quanto à arguição da nulidade perante o tribunal de 1.ª instância, importa identificar situações distintas.
No caso de o tribunal não proceder, pura e simplesmente, à documentação da prova – o que acontecerá raramente, pois todos os tribunais estão apetrechados com os equipamentos de gravação –, a nulidade respectiva deve ser arguida pelo interessado no próprio acto – até ao termo da audiência ou da sessão da audiência, onde ocorrer -, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º1 e 3, alínea a), do C.P.P., por se tratar de omissão que é pública e patente.
Diferentemente, nos casos em que tendo sido feita a gravação das declarações e depoimentos, nada ficou gravado ou ficou gravado de forma tão deficiente que torna imperceptível o sentido das declarações, afectando de forma relevante o recurso da matéria de facto, só quando se procede, posteriormente, à análise das gravações é que a deficiência poderá ser detectada, já que enquanto decorre a gravação é ao funcionário do tribunal que incumbe averiguar se o aparelho de gravação está a funcionar correctamente.
Já se disse supra que o prazo de arguição, na falta de disposição legal em contrário, terá de ser o prazo legal de 10 dias (artigo 105.º, n.º 1, do C.P.P.).
Como contar tal prazo?
Paulo Pinto de Albuquerque sustenta que a nulidade em causa sana-se «se não for tempestivamente arguida, contando-se o prazo de dez dias (artigo 105.º, n.º1) a partir da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido. Se a audiência de julgamento se prolongar por várias sessões, o prazo conta-se a partir de cada sessão da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido (…)» (Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 1.ª edição, p. 906).
No Acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Junho de 2009, proferido no processo 9/05.8TAAND.C1 (disponível em www.dgsi.pt), do mesmo relator deste, foi entendido, em consonância com o já decidido pela Relação do Porto, em acórdão de 29 de Outubro de 2008 (processo: 4934/08-4, www.dgsi.pt), que o prazo de dez dias para arguir a referida nulidade inicia-se no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição do sujeito processual interessado, visto que só nesta data poderão os interessados tomar conhecimento da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova, estando então habilitados a arguir o respectivo vício.
A mesma Relação de Coimbra, em Acórdãos de 26 de Janeiro de 2011 e de 9 de Novembro de 2011 (processos 68/10.1PBLRA.C1 e 2184/09.3TALRA.C1, respectivamente), trilhou o mesmo caminho, havendo que reconhecer que a questão se mantém controversa.
Porém, no caso vertente, desde logo constatamos que o recorrente, embora alegue a existência de deficiências de gravação, não manifesta a intenção de suscitar a reapreciação da prova gravada.
Por outro lado, tendo sido entregue ao Ex.mo Advogado do recorrente CD com a prova gravada, em 13 de Abril de 2011, o mesmo não arguiu qualquer nulidade perante o tribunal de 1.ª instância, mas apenas em sede de motivação de recurso e em 20 de Maio de 2011.
Acresce que o tribunal de 1.ª instância mandou transcrever a prova gravada e, pese embora a referida transcrição, em confronto com o CD que nos foi remetido, denote a existência de algumas deficiências na gravação, estas não colocam em causa a percepção do essencial das declarações e depoimentos. Se assim fosse, não teria sido possível, como é óbvio, realizar a transcrição.
Assim, por exemplo, diversamente do que diz o recorrente, no sentido de que apenas se entende, do depoimento da testemunha T1…, seu médico, ter dito que o recorrente sofre de diabetes e que «a glicose pode aumentar a taxa de alcoolemia» (diz o recorrente que «o resto da prova gravada não se consegue entender»), a verdade é que tal afirmação não corresponde à realidade, como se alcança da transcrição junta aos autos (sendo certo que, do confronto desta com a gravação, constata-se que algumas passagens ali referidas como “imperceptíveis” resultam de meros instantes de sobreposição de vozes e, noutros casos, logramos perceber o que se diz, ao contrário do que se assinala na transcrição), sendo inteligível que a testemunha em causa disse, em síntese: o recorrente sofre de diabetes tipo II; até agora não tem sido insulino-dependente; já foi diagnosticado há alguns anos; a diabetes umas vezes está controlada e outras não, em função de diversos factores, sendo que a capacidade pancreática de produção de insulina pode sofrer variações; o recorrente, além de diabético, é hipertenso; pode ter acontecido que o recorrente viesse de uma refeição copiosa e que, ao acumular tanta glicose que o sistema nervoso já não era capaz de captar, só restaria a acção do fígado, que por incapacidade de metabolização levaria a que glicose se transformasse em álcool, fazendo aumentar a taxa de alcoolemia por efeito somatório; o recorrente está medicado; a testemunha recomendou ao recorrente que bebesse álcool em quantidades moderadas e, no caso, o recorrente terá bebido quantidades moderadas com uma refeição copiosa, produzindo o mencionado efeito; a testemunha, porém, não esteve presente nessa refeição e desta apenas sabe o que lhe foi contado pelo recorrente, que tem como homem verdadeiro; a um diabético será difícil avaliar o nível de álcool que pode beber; um copo de vinho e um copo de whisky não poderiam justificar a taxa de álcool acusada, a não ser pelo efeito somatório de uma refeição muito copiosa; a medicina não é matemática; uma refeição com muitos hidratos de carbono pode levar ao aumento da taxa de álcool, mesmo a um não diabético, embora nesse caso a eliminação seja mais rápida; num homem normal, a metabolização do álcool ingerido é mais rápida do que num diabético.
Como se vê desta síntese, mesmo admitindo que a gravação não é primorosa e existem alguns instantes imperceptíveis, certo é que tais deficiências não afectam a capacidade de entendermos o fio de raciocínio da testemunha e o sentido do seu depoimento, pelo que não estava afectada, de forma minimamente relevante, a possibilidade do recurso da matéria de facto, se essa fosse a intenção do recorrente e para esse efeito mobilizasse um mínimo de esforço (idêntico, pelo menos, ao esforço de quem fez a transcrição e ao nosso, que acabamos de sintetizar o depoimento da testemunha T1…, de harmonia com a gravação da prova, contrariando, sem margem para dúvidas, a alegação do recorrente que a dá como praticamente ininteligível).
Assim, podemos concluir com facilidade que o recorrente não só não suscitou perante o tribunal de 1.ª instância a eventual nulidade por omissão ou deficiência da gravação, mas também não se vislumbra que a mesma se verifique, pois as deficiências detectadas não impediriam o recorrente de, querendo, suscitar a impugnação ampla da matéria de facto, com reapreciação da prova gravada.
Cai por terra, assim, este fundamento do recurso.

3. Ultrapassada esta questão, importa saber se o recurso é ou não tempestivo.
Adiantamos que não é, pelas razões que passamos a explicitar.

3.1. Nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, do C.P.P., constitui fundamento de rejeição do recurso, além de outras, a verificação de uma “causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º”, o que inclui as situações em que o recurso tenha sido interposto para lá do prazo legalmente estabelecido.
A decisão que admita um recurso (tal como a que lhe fixa o regime de subida e o efeito) não faz caso julgado e não vincula o tribunal superior (n.º 3 do citado artigo 414.º), pelo que nada obsta, antes se impõe, que se conheça a questão da tempestividade do recurso.
O prazo para interposição de recurso da sentença é de 20 dias, a contar do depósito na secretaria. Esse prazo é elevado para 30 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada [artigo 411.º, n.º1, alínea b) e 4, do C.P.P.].
A decisão sobre a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma. Só esta última consente o alargamento do prazo de recurso para 30 dias, pois só esta tem em vista a reapreciação da prova gravada.
Quando estamos perante a arguição dos vícios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, a indagação sobre tais vícios da decisão sobre a matéria de facto faz-se à luz da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121). Não havendo, nesse caso, que reapreciar a prova gravada, o prazo de recurso é de 20 dias.
Diversamente, quanto se pretende a reapreciação da prova gravada, a apreciação pelo tribunal de recurso não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de (tríplice) especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P. Penal.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente a exigência do n.º 4 do artigo 412.º do C.P.P.
É neste acréscimo de exigências que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411.º, n.º4.
Encontram-se na jurisprudência publicada entendimentos mais rigorosos e formalistas e outros menos exigentes quanto ao cumprimento do referido ónus de especificação e à conexão entre tal cumprimento e a aplicabilidade dos prazos de 20 ou 30 dias para interposição de recurso.
Pois bem: ainda que se adopte a tese mais benévola e menos formalista, em benefício do recorrente, temos como evidente que o recurso por si interposto, interpretado segundo os critérios usuais da interpretação dos textos, não permite inferir que tenha sido suscitada a reapreciação da prova gravada, sendo certo que, como vimos, não colhe a seu favor a invocada nulidade relativa à gravação da prova.
Analisado o recurso – motivação e conclusões -, verificamos que o recorrente invoca questões de índole jurídica e, quanto aos factos, não suscita a reapreciação da prova gravada, referindo-se ao vício do erro notório (cuja verificação não depende, como se disse, da reapreciação da prova gravada, mas apenas da própria sentença) e dizendo que diversos factos deveriam ter sido considerados assentes, mas sem que relativamente aos mesmos cumpra, minimamente, os apontados ónus de especificação, seja no corpo da motivação, seja na síntese conclusiva.
Não estamos, por isso, perante uma deficiência que fosse susceptível de aperfeiçoamento – e por isso não foi proferido despacho nesse sentido.
Realmente, de harmonia com o disposto nos nºs. 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., o aperfeiçoamento pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artigo 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso. Quando o corpo das motivações não contém as especificações exigidas por lei já não estamos perante uma insuficiência das conclusões, mas antes perante uma insuficiência do recurso, com a cominação de não poder a parte afectada ser conhecida. Trata-se de situação similar àquela que levou o S.T.J. (Acórdão de 31 de Outubro de 2007, processo 07P3218) a referir que o «convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente no corpo da motivação do recurso se absteve do cumprimento daquele ónus, que não é meramente formal, antes com implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciou as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, ao fim e ao cabo, contas direitas, inscreveria um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do direito ao recurso.»
É esta a jurisprudência do S.T.J. e do Tribunal Constitucional, no sentido de que o texto da motivação é o limite do aperfeiçoamento possível: o que dele não consta não pode ser levado às conclusões.
Por outras palavras: só as conclusões são susceptíveis de aperfeiçoamento e não o próprio recurso.
Sobre a inteira conformidade constitucional deste entendimento pronunciou-se já por diversas vezes o Tribunal Constitucional, sustentando não ser inconstitucional a norma do artigo 412.º, n.º 3, alínea b), e 4, do C.P.P., interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne a matéria de facto, da especificação nele exigida, tem como efeito o não conhecimento dessa matéria sem que haja prévio convite ao aperfeiçoamento (neste sentido, Acórdãos do T.C. n.º 259/2002, 140/2004, 488/2004, 342/2006, Decisões Sumárias do T.C. 58/2005, 274/2006 e 88/2008, www.tribunalconstitucional.pt; na jurisprudência do S.T.J., ver, igualmente, entre outros, o Acórdão de 19 de Maio de 2010, Processo 696/05.7TAVCD.S1, www.dgsi.pt).
A questão, verdadeiramente, não se coloca no caso vertente, pois, como se disse, o recurso não está minimamente configurado no sentido da reapreciação da prova gravada – e poderia ter sido gizado nesse sentido, se o recorrente assim quisesse.
Conclui-se, por conseguinte, que o recorrente não pode beneficiar do alargamento do prazo de 20 para 30 dias para recorrer, previsto no n.º4 do artigo 411.º do C.P.P.
O recurso foi interposto no dia 20 de Maio de 2011.
Considerando a data da sentença recorrida (a sentença impugnada é de 13 de Abril de 2011, data em que foi ditada para a acta e depositada na secretaria, sendo entregue cópia da gravação da prova ao Ex.mo advogado do recorrente), sendo de 20 dias o prazo de interposição do respectivo recurso, não havendo qualquer requerimento da recorrente a invocar justo impedimento da prática do acto no prazo legal, como não houve qualquer decisão da autoridade judiciária a prorrogar o respectivo prazo, será forçoso concluir que, quando o recurso foi interposto, já estava ultrapassado o prazo para o fazer, mesmo que se considerasse o acréscimo de três dias úteis seguintes ao termo do prazo, nos termos do artigo 145.º, n.º5 a 7, do C.P.C., ex vi artigo 107.º-A do C.P.P.
Realmente, o prazo para recorrer começou a contar a partir do referido dia 13 de Abril, suspendendo-se, apenas, no período de férias judiciais de Páscoa que decorreu de 17 a 25 de Abril (as férias judiciais de Páscoa decorrem do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa), pelo que teremos de concluir que o seu termo ocorreu no dia 12 de Maio de 2011. Até ao terceiro dia útil seguinte ao dia 12 de Maio de 2011 (portanto, até ao dia 17 de Maio, terça-feira) poderia ainda o recorrente apresentar o recurso, observado que fosse também o pagamento da sanção prevista no artigo 107.º-A, do C.P.P.
Assim, o recurso foi apresentado fora do prazo, razão por que não devia ter sido admitido (cfr. artigo 414.º, n.º2, do C.P.P.).
Como já se assinalou, a decisão que admitiu o recurso na 1.ª instância não vincula este tribunal (artigo 414.º, n.º 3, do C.P.P.).
Por outro lado, deve o recurso ser rejeitado, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º1, alínea b), do C.P.P., sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414.º n.º 2, nomeadamente quando for interposto fora de tempo.

4. Determina o artigo 420.º, n.º3, do C.P.P., que se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC, condenação que é cumulativa com a relativa às custas. No caso, entende-se fixar quer a taxa de justiça, quer a importância a que se refere o referido artigo 420.º, n.º3, em 3 UC.

Dispositivo
Em face do exposto, por decisão sumária proferida nos termos do artigo 417.º, n.º6, al. b), do C.P.P., rejeita-se, por ter sido apresentado fora de prazo, o recurso interposto por A....

Custas pelo referido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em € 3 a que acrescem € 3, nos termos do art. 420.º, n.º 4, do C.P.P.
Notifique.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2012

Relator: Jorge Gonçalves;