Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
264/05.3TCLSB.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
CONTUMÁCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/31/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECUSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Iº O art.120, do Código Penal, ao consagrar o regime de causas de suspensão da prescrição, não estabelece qualquer prazo máximo para a suspensão, a não ser no caso da alínea b) do respectivo nº1, em que impõe o limite de três anos (nº2) e no caso da alínea a, com o limite previsto no art.7, do Código de Processo Penal;
IIº Em relação às restantes alíneas do nº1 do art.120, do Código Penal, não há prazo máximo para a suspensão da prescrição. Verificando-se o facto suspensivo, nomeadamente a declaração de contumácia, o processo permanece indefinidamente suspenso até que cesse esse facto;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 264/05.3TCLSB, o arguido A..., melhor identificado nos autos, foi pronunciado como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º1, 146.º, n.º1 e 2 e 132.º, n.º2, alíneas c) e g), do Código Penal/1995 (por referência ao ofendido B...).
Em 5 de Setembro de 2011, o M.mo Juiz da 5.ª Vara Criminal de Lisboa proferiu o seguinte despacho:

«1 - O arguido A..., melhor identificado nos autos, encontra-se pronunciado com base nos factos constantes da peça de fls. 475 e ss., como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto pelos arts. 143/1, 146/1/2 e 132/2/c/g, do CP/95 e punido com prisão de 40 dias a 4 anos.
O indiciado crime terá ocorrido em 31/12/1998.
A prescrição é de 5 anos (art. 118/1/c, do CP) e compulsados os autos verifica-se que o procedimento criminal se encontra prescrito.
Obviamente considera-se que a declaração de contumácia (fls. 1213) não suspende (nem interrompe) a prescrição, visto que ocorreu em 07.10.2004, ou seja decorridos mais de 5 anos sobre a data dos factos.
Por outro lado, se é certo que o arguido foi notificado da pronúncia na data em que esta foi proferida já que esteve presente na respectiva leitura (fls. 488), também não é menos certo que por aplicação do disposto no art. 121/3 do CP já se mostra decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade e ressalvado o tempo de 3 anos de suspensão, ou seja 10 anos e 6 meses.
Sendo assim, conclui-se, como acima se afirmou, que o procedimento criminal se encontra prescrito.
Termos em que, face ao exposto, declaro extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra o arguido nestes autos e determino o seu oportuno arquivamento.
2 - Face ao decidido em 1, declaro cessada a situação de contumácia em que o arguido se encontra.
Cumpra o disposto no art. 337/6, do CPP (redacção da Lei n.º 48/2007, de 29.08).
3 - Notifique.»

2. Inconformado com o referido despacho, dele recorreu o Ministério Público, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. - O Despacho de que ora se decorre, além do mais, declarou extinto, por força da prescrição, o procedimento criminal contra o Arguido A..., determinando, consequentemente, o oportuno arquivamento dos autos;
2. - Como procuraremos demonstrar, a prescrição, não só não se verificou, como nem sequer está prestes a ocorrer;
3. - A 17.10.2001 (fls. 186 e ss.), o M.P. deduziu Acusação contra, de entre outros, o ora Arguido;
4. - Do Despacho Acusatório foi o Arguido notificado, pessoalmente, em 16.11.2001 (fls. 295 a 297, tendo em conta o que tivemos oportunidade de salientar, no Requerimento de interposição do presente Recurso, relativamente a fls. 296 V.) - o que implicou que o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal se interrompeu e suspendeu (quanto à suspensão, pelo prazo de 3 anos, ou seja, até 16.11.2004), por força do disposto, respectivamente, nos arts. 121.º, n.º 1, b) e 2 e 120, n.º 1, b), 2 e 3, ambos do CP;
5. - A 28.01.1999, o Arguido fora já constituído e interrogado como tal (fls. 150 a 154) - o que implicara que o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal, já então, se interrompera, por força do disposto no art. 121.º, n.º 1, a) e 2, do CP;
6. - Por Decisão Instrutória, proferida em 24.3.2003 (fls. 475 e ss.), a cuja leitura esteve presente, foi o Arguido pronunciado pela prática, em 31.12.1998, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto nos art. 143.º, n.º 1, 146.º, n.º 1 e 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, c) e g), todos do C. Penal, punível com pena de prisão até 4 anos;
7. - Nos termos do Despacho de 07.10.2004 (fls. 1213), foi o Arguido declarado contumaz - o que implicou que o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal se interrompeu e suspendeu (pese embora decorresse, ainda, o período de suspensão de 3 anos, com a prolação do Despacho que decretou a contumácia passou a vigorar nova suspensão, concomitante com aquela - embora, esta, sem limite temporal -, entre 07.10.2004 e 16.11.2004, por força do disposto, respectivamente, nos art°s. 1210, nas. 1, c) e 2, e 120, nas. 1, c) e 3, ambos do CP;
8. - Em 29.8.2011, o Arguido apresentou-se em Juízo (fls. 1378), tendo, no acto, sido notificado para, querendo, apresentar a sua Contestação e rol de testemunhas, o que, decorrido que foi o respectivo prazo, não fez;
9. - Concluso o processo ao Mm.º Juiz, foi proferido o Despacho de que ora se recorre.
10. - Atendendo ao limite máximo da moldura penal aplicável ao crime imputado ao Arguido, o prazo ordinário de prescrição é de 5 anos, atento o disposto no art° 118.º, n.º 1, c), do CP;
11. - O decurso do prazo prescricional esteve suspenso entre 16.11.2001 29.8.2011, tendo-se reiniciado, nesta data, o seu decurso, ab initio, posto que a declaração de contumácia, entretanto, cessada, pelo Despacho recorrido (com o qual, nessa parte, naturalmente, se concorda), para além de o suspender, igualmente interrompera o prazo de prescrição;
12. - Por outras palavras, o prazo de prescrição decorreu, tão só, entre 31.12.1998 e 28.01.1999 (28 dias), entre esta data (28.01.1999) e 16.11.2001 (2 anos, 9 meses e 19 dias) e a partir de 05.9.2011, ou seja, num total, até à data da prolação do Despacho recorrido (05.9.2011), de 2 anos, 10 meses e 17 dias, muito longe, quer do prazo normal de prescrição (art. 118, n.º 1, c), do CP), quer do limite máximo absoluto (previsto e calculado nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 121.º, do CP);
13. - Por outro lado, a notificação do Despacho de Pronúncia, invocada no Despacho de que se recorre, é, para este efeito, absolutamente irrelevante, uma vez que ela só teria a virtualidade de interromper e suspender o decurso da prescrição, caso não tivesse sido deduzida Acusação - cfr. art. 120.º e 121.º, n.º 1, b), do CP. O que relevou foi a notificação da Acusação, ao Arguido. Daí que, a suspensão/interrupção tenha ocorrido, não em 24.3.2003, mas, sim, em 16.11.2001;
14. - Por fim, tão pouco - ao contrário do que, igualmente, se consigna no Despacho impugnado - se esgotou o prazo a que alude o n.º 3, do art. 121°, do CP, tendo em conta que, no respectivo cômputo, haverá, sempre, que ressalvar o tempo de suspensão, o qual, no caso de que nos ocupamos, não se ficou por 3 anos;
15. - O Despacho recorrido violou, assim, o disposto nos art. 118.º, n.º 1, c), 120.º, n.º 1, b), c), 2 e 3, 121.º, n.º 1, a), b), c), 2 e 3, todos do Código Penal.
Por todo o exposto, entende-se que deve ser revogado o Despacho recorrido, determinando-se a sua substituição por outro, no qual se designe data para julgamento do Arguido A....

3. O arguido em causa não apresentou resposta.

4. Admitido o recurso e mantida a decisão recorrida (entendendo o M.mo Juiz que o limite de 3 anos de suspensão referido no n.º2 do artigo 120.º do Código Penal, deve ser aplicado no caso, assim suprindo-se a “lacuna” que diz existir), os autos subiram a este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), limitou-se a apor o seu visto.

5. Foi efectuado exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, a questão suscitada consiste em saber se ocorreu a prescrição do procedimento criminal.

2. Elementos relevantes
- Os factos imputados ao arguido A... ocorreram no dia 31 de Dezembro de 1998.
- O arguido foi constituído como tal no dia 28 de Janeiro de 1999.
- Deduzida acusação pelo Ministério Público, o arguido dela foi notificado no dia 16 de Novembro de 2001.
- Requerida a instrução, foi proferida decisão instrutória em 24 de Março de 2003, sendo o referido arguido pronunciado como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º1, 146.º, n.º1 e 2 e 132.º, n.º2, alíneas c) e g), do Código Penal/1995 (por referência ao ofendido B...). Nessa mesma data, o arguido foi notificado da decisão instrutória.
- Em 8 de Outubro de 2003 foi proferido despacho de designação de dia para julgamento.
- Em 4 de Maio de 2004, por despacho proferido em sessão de julgamento, foi ordenada a “separação de culpas” em relação ao arguido (no que agora nos importa) e determinada a sua notificação edital para os efeitos do artigo 335.º do C.P.P.
- Por despacho de 7 de Outubro de 2004, o arguido foi declarado contumaz, o que foi notificado ao seu defensor por via postal registada remetida em 22 de Outubro do mesmo ano.
- Em 29 de Agosto de 2011, o arguido apresentou-se em juízo, sendo declarada cessada a contumácia por despacho de 5 de Setembro seguinte.


3. Apreciando
Foi imputada ao arguido a prática como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º1, 146.º, n.º1 e 2 e 132.º, n.º2, alíneas c) e g), do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março (por referência ao ofendido B...).
Tendo em conta a moldura penal abstracta em causa, é de 5 anos o prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do que dispõe o artigo 118.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, a correr desde a data da prática dos factos.
O curso da prescrição pode ser suspenso ou interrompido nas situações previstas nos artigos 120.º e 121.º do Código Penal (pertencem ao Código Penal todas as disposições infra citadas sem indicação de proveniência).
Há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, com o tempo decorrido após a causa de suspensão ter desaparecido.
Diversamente, verifica-se a interrupção quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, começar a correr novo prazo de prescrição depois de cada interrupção.
No caso em apreço, o despacho recorrido enuncia que «a declaração de contumácia (fls. 1213) não suspende (nem interrompe) a prescrição, visto que ocorreu em 07.10.2004, ou seja, decorridos mais de 5 anos sobre a data dos factos».
É evidente que o despacho recorrido incorre num vício de raciocínio: parte do pressuposto de que, entre a data da prática dos factos (a data em que o facto se consumou, tendo em vista o disposto no artigo 119.º, n.º1) e a declaração de contumácia não se verificaram quaisquer factos com eficácia interruptiva ou suspensiva da prescrição.
Ora, para além da interrupção da prescrição resultante da constituição de arguido [art. 121.º, n.º1, al. a)], também se verificou um facto com efeito interruptivo e suspensivo da prescrição: a notificação da acusação ao arguido, verificada em 16 de Novembro de 2001 [arts. 121.º, n.º1, al. b) e 120.º, n.º1, al. b)].
Do que se infere que, quando foi declarada a contumácia, a prescrição encontrava-se suspensa.
Por sua vez, a declaração de contumácia teve, igualmente, um duplo efeito, já que constitui um facto que, em si, interrompe a prescrição [art. 121.º, n.º1, al. c)] e, simultaneamente, é uma causa de suspensão da prescrição do procedimento [art. 120.º, n.º1, al. c)].
O artigo 121.º, n.º3, determina que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
Ora, o artigo 120.º, ao consagrar o regime de causas de suspensão da prescrição, não estabelece qualquer prazo máximo para a suspensão, a não ser no caso da alínea b) do respectivo n.º1, em que se impõe o limite de três anos (cfr. art. 120.º, n.º2).
O n.º2 do artigo 120.º não deixa, a nosso ver, margem para dúvidas, ao dizer:
«No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar três anos.»
Não tem razão de ser, por conseguinte, a identificação de qualquer lacuna quanto ao prazo máximo de suspensão, em relação às restantes alíneas do n.º1 do artigo 120.º, que tenha de ser integrada por analogia, já que o legislador, com toda a clareza, não quis estabelecer, para essas situações, o prazo máximo de três anos que expressamente fixou no caso da alínea a).
Referindo-se à declaração de contumácia, ensina Germano Marques da Silva (Direito Penal Português, III, Verbo, 2.ª edição, p. 258):
«Da conjugação da alínea c) do n.º1 do art. 120.º com a alínea c) do n.º1 do art. 121.º resulta que enquanto vigorar a declaração de contumácia não pode ocorrer a prescrição. Temos assim que em caso de declaração de contumácia e enquanto ela durar os crimes não prescrevem.»
Paulo Pinto de Albuquerque, por seu turno, sustenta (Comentário do Código Penal, UCE, 2008, p. 333, anotação 10 ao artigo 120.º):
«No caso da al.ª a) do n.º1, o prazo máximo para a suspensão da prescrição resulta do disposto no artigo 7.º do CPP, ou seja, um ano. No caso da al.ª b) do n.º1, o prazo máximo é de 3 anos. Nos casos das al.ª c), d) e e) do n.º1 do artigo 120.º, não há prazo máximo para a suspensão da prescrição. Portanto, verificando-se o facto suspensivo, o processo permanece indefinidamente suspenso até que cesse o facto suspensivo. Esta suspensão do prazo não é inconstitucional, em face do artigo 2.º da CRP, na medida em que se deve a facto imputável ao arguido
Fazendo nossos estes argumentos, temos que, com a notificação da acusação ocorreu um facto interruptivo e suspensivo da prescrição, suspensão que, nos termos legais, não podia exceder os três anos, sobrevindo, porém, novo facto com eficácia interruptiva e suspensiva da prescrição, mais concretamente a declaração de contumácia. E enquanto durou a contumácia, manteve-se a suspensão da prescrição, ou seja, o prazo de prescrição não correu até à cessação desse facto suspensivo.
Do que se conclui que, ao contrário do decidido no despacho recorrido, a prescrição do procedimento criminal não se consumou. Desde logo, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, não decorreu o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Por outro lado, se contarmos o tempo decorrido desde a última interrupção da prescrição, mas tendo em conta, necessariamente, o tempo de suspensão que se verificou, conclui-se que a prescrição não se consumou.
O recurso merece, por conseguinte, provimento.

III – Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e determinando que, em sua substituição, seja proferido outro que faça prosseguir os autos.
Sem tributação.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2012

Relator: Jorge Gonçalves;
Adjunto: Neto de Moura;