Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3380/11.9TBCSC.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: MENOR
RESIDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O direito de um dos progenitores de escolher o seu local de residência, mesmo que noutro país, não implica de modo nenhum a transferência da filha menor de ambos, do país onde habitualmente residia para o país onde o referido progenitor decidiu passar a viver, tanto mais quanto não está ainda definida judicialmente a responsabilidade pelo exercício dos poderes parentais e a transferência se faz com total oposição do outro progenitor.
II - Operada mesmo assim tal transferência, da Suíça para Portugal, esta é ilícita nos termos do artigo 3º da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de que são estados partes ambos os países, devendo ser ordenado, pelas autoridades judiciais portuguesas, o regresso da criança aos país onde tinha a residência habitual, neste caso a Suíça.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Cascais, ao abrigo da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de Haia, de 25 de Outubro de 1980, veio propor Acção Especial visando o regresso à Suíça da menor A…, nascida em 22.9.2006, filha de B… e de C….
Fundamentou, alegando, em síntese, que:
- Os progenitores casaram entre si desde 17.7.2009, em Delémont, na Suíça, país onde residiam com a menor.
- O Tribunal Suíço competente, por decisão proferida em 17.6.2010, atribuiu o exercício das Responsabilidades parentais a B…, mãe da A… a título provisório.
- Em sede de recurso, tal decisão foi anulada por decisão do tribunal suíço, em 10.11.2010, tendo sido ordenada a realização de inquérito social relativamente aos progenitores.
- Por acordo entre ambos os progenitores, foi determinado que a menor viajaria com a mãe, com destino a Portugal, durante o período entre 26.12.2010 e 2.1.2011.
- A menor não regressou à Suíça no dia 2.12.2011.
- Em 4.1.2011, a progenitora da A… comunicou ao progenitor da mesma que passaria a residir com a filha em Portugal.
- A data em que a menor viajou para Portugal estava pendente acção de regulação das responsabilidades parentais no tribunal Suíço, local onde a menor residia.
Conclui no sentido de que, sendo os pais casados, face à lei Suíça, as responsabilidades parentais são exercidas por ambos os pais em conjunto, incluindo o direito de determinar o lugar e residência da criança, pelo que a permanência da menor em Portugal é ilícita, devendo ordenar-se o regresso imediato da menor.

Deu entrada no Tribunal de Família e Menores de Cascais o Processo de Regulação do Exercício do Poder Paternal N°613/11.5TBCSC do 3° Juízo, referente a esta menor, tendo, em 4.5.2011, sido proferido despacho a suspender a instância, no termos do disposto no art.16° da Convenção de Haia
Em 9.6.2011, procedeu-se à audição da progenitora, assistida por Advogada que constituiu, a qual se comprometeu a deslocar-se à Suíça no prazo de uma semana, o que não fez ( vide fls. 83 e 84).
Posteriormente, em 14.6.2011, a progenitora juntou aos autos oposição a esta acção alegando, em síntese, que:
- Os progenitores são ambos portugueses e o casamento de ambos não foi reconhecido pelo Estado Português.
- A progenitora teve a filha no estado de solteira, pelo que, face à lei portuguesa, nos termos do disposto no art. 1911°, n °2, do C. Civil, detêm o poder paternal da menor, por presunção ilidível judicialmente.
- É aplicável a lei portuguesa.
- Dado que a progenitora sofreu maus tratos, perpetrados pelo progenitor, sempre seria aplicável o disposto no art. 13°, al. b) da Convenção.
Conclui o sentido de que não houve qualquer ilicitude na transferência, pelo que se opõe ao regresso da menor à Suíça.

Em 19.7.2011, o progenitor veio reiterar o pedido de regresso imediato.
Alegou que, em 18.7.2011, se deslocou a Portugal para ver a filha e que a progenitora obstou ao convívio entre pai e filha.
Respondeu a progenitora alegando que permitiu que o progenitor visse a menor apenas na sua presença, dado que o progenitor pretendia levar a criança à força para a Suíça. Reitera que não se aplica"in casu" a presente com convenção, face às normas de conflito e face à lei portuguesa.
O MP emitiu parecer nos autos, pugnado pela determinação do regresso da menor à Suíça.

Dos autos resultam assentes os seguintes factos:
1- A menor A… nasceu em 22.9.2006, no Concelho da ..., e é filha de B…, e nacionalidade portuguesa, e de C…, de nacionalidade portuguesa.
2- Os progenitores casaram entre si no dia 17.7.2009 em Delémont, na Suíça, país onde residiam com a menor.
3- Os progenitores separaram-se.
4- O Tribunal Suíço competente, por decisão proferida em 17.6.2010 atribuiu o exercício das responsabilidades parentais da B…, a título provisório.
5- Em sede de recurso, tal decisão foi anulada por decisão do tribunal suíço em 10.11.2010, tendo sido ordenada a realização de inquérito social relativamente a ambos os progenitores.
6- Por acordo entre os progenitores, foi determinado que a menor viajaria com a mãe com destino a Portugal durante o período entre 26.12.2010 e 2.1.2011.
7- Em 4.1.2011, a progenitora da A… comunicou ao progenitor da mesma que passaria a residir com a menor em Portugal.
8- A menor não mais regressou à Suíça.
9- Em 26.4.2011, o processo referente às responsabilidades parentais foi arquivado.
10- Deu entrada no tribunal de família e menores de Cascais o processo de Regulação das responsabilidades parentais com o n° 613/11.5TBCSC do 3º juízo, no qual foi, em 4.5.2011, proferido despacho a determinar a suspensão da instância até à prolação de decisão no presente processo convencional.
11- A progenitora foi ouvida nos autos em 9.6.2011, estando assistida por Advogada por si constituída, tendo afirmado que, no prazo máximo de uma semana, se deslocaria à Suíça a fim de resolver a situação no tribunal suíço.
12. A progenitora não procedeu como referido no ponto anterior.

Foi proferida decisão nos seguintes termos:
- Ordeno o imediato regresso da menor à Suíça.
- Determino que os Serviços do Instituto de Reinserção Social, em articulação com os progenitores e com a autoridade policial competente, executem esta decisão. A progenitora entregará ao IRS os documentos da menor, com vista à concretização do regresso da menor à Suíça.
- Caso a progenitora decida não acompanhar a menor no seu regresso à Suíça ou caso esta não cumpra as directivas do IRS quanto ao momento e forma como decorrerá o regresso da menor, a menor será entregue ao pai, em Portugal, o qual a conduzirá à Suíça protestou fazer).
- Passe mandados de entrega da menor ( e bens pessoais desta) ao pai, com autorização de recurso a arrombamento, se necessário, a cumprir pelo IRS com vista ao cumprimento da presente decisão e caso se verifique alguma das situações referidas na alínea c).

Inconformada recorreu a requerida B, concluindo que:
- A oponente, ora recorrente, baseou-se nas normas citadas na sentença e nas que aqui reproduz e cita no corpo das alegações porque interpretou a Convenção de acordo com a Constituição, como explica no dito corpo das presentes alegações.
- De acordo com a interpretação supra não se pode falar de retenção da menor, mas de exercício de direitos consagrados na constituição, como melhor se explica supra.
- Portanto inverteram-se as situações: aqui onde o processo deveria ser suspenso a aguardar a regulação das obrigações parentais, a correr, para se decidir com critério, decidiu-se um tanto arbitrariamente, por se colocar acima dos interesses da mãe, protegidos na Constituição, em relação à liberdade de escolha de onde pretende residir e, pelo contrário, decidiu-se, com a mesma falta de critério, suspender o da regulação das obrigações parentais, à espera de decisão neste.
- Não se cuidou de proteger os direitos da mãe, no que concerne ao seu direito à liberdade de escolher a sua residência, nem da criança, por não se cuidar - incumbência do Estado (artigo 67 alínea c) e d), 68 n° 1 e 69 n° 1, nomeadamente, todos da Constituição) - de saber o que é melhor para ela - se ficar aos cuidados da mãe se ser enviada como uma peça de um inerte para fora do seu país, na base de uma decisão sobre a "pertença da coisa", alheada do animus vivendi inerente às pessoas e alheada delas próprias "pessoas" enquanto questão de saber o que é melhor e mais justo para elas.
- A Convenção foi interpretada na douta sentença recorrida, por o não ter sido interpretada conforme com a Constituição, de forma inconstitucional, em todas as disposições em que se baseia e que se identificaram supra.
- Por isso, por não se ter agido de acordo com aquilo que são os deveres do Estado, toma-se necessário juntar dois documentos: um da médica pediatra de 9 de Junho de 2011 atestando o bom comportamento físico e psíquico da menor (documento n° 1); outro consistente numa declaração da Directora do estabelecimento de ensino que frequenta (documento n° 2).
- E era necessário averiguar da situação social do progenitor, tendo cessado o processo que lá procurava fazê-lo, e não só, por razões imputáveis ao próprio progenitor, que desistiu do processo, como se demonstrou com uma junção oportuna de documento.

O Mº Pº contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida, o mesmo fazendo o pai da menor.

Cumpre apreciar.
A questão que se coloca no presente recurso tem a ver com a oposição da recorrente à decisão que ordenou o imediato regresso da menor, sua filha, à Suíça.
Provou-se que B… e C… casaram um com o outro em 17/7/2009, na Suíça, onde viviam com a filha menor A…, nascida a 22/9/2006.
Posteriormente separaram-se, não estando atribuído a um dos progenitores o exercício das responsabilidades parentais.
Deu entrada no Tribunal de Família e Menores de Cascais o processo 613/11 de regulação das responsabilidades parentais, no qual foi proferido despacho a determinar a suspensão da instância até à prolação de sentença nos presentes autos.

Assim, constata-se que a menor vivia com os pais na Suíça, até que estes decidiram separar-se.
Os progenitores acordaram que a menor viajaria com a mãe para Portugal durante o período compreendido entre 26/12/2010 e 2/1/2011. Contudo, em 4/1/2011 a mãe da menor comunicou ao pai da mesma que passaria a residir com a menor em Portugal.
Nos termos do art. 297º nº 1 do Código Civil Suíço na pendência do casamento o pai e a mãe exercem em conjunto as responsabilidades parentais. Ocorrendo separação, pode o tribunal atribuir o exercício das responsabilidades a um dos progenitores, o que não ocorreu até ao momento.
Mesmo sem que o casamento não esteja reconhecido na ordem jurídica portuguesa, o certo é que os progenitores casados ou que vivam ou tenham vivo em condições análogas às dos cônjuges exercem as responsabilidades parentais em comum, nos termos dos art. 1911º nº 1 e 2 e 1906º nº 1 do Código Civil Português.
O nº 2 do art. 1911º na redacção anterior à dada pela Lei nº 61/2008 de 31/10, que estabelecia a presunção de que a mãe, não casada com o outro progenitor, tinha a guarda do filho, foi revogado, sendo agora aplicável aos factos em apreço o regime legal decorrente da focada Lei nº 61/2008.

Daqui decorre que as decisões relativas à menor têm de ser tomadas em conjunto por ambos os progenitores (salvo os casos de urgência manifesta, situação que não se aplica aqui). É evidente que a decisão de fazer a menor abandonar o país onde vivia e ir para outro país, à revelia da vontade do outro progenitor é, não só ilegal como profundamente contrária aos interesses da menor, que se vê privada do relacionamento com ambos os progenitores.

Nos termos do art. 8º nº 2 da Constituição da República Portuguesa “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
É o caso da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25/10/1980, a qual foi ratificada por Portugal e Suíça.
Como decorre do art. 3º da Convenção, é ilícita a deslocação de uma criança quando tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia, exercido individual ou conjuntamente e atribuído pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da transferência, ou quando esse direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência.
Sendo obrigação da autoridade judicial do Estado onde a criança se encontra, fruto de tal transferência ilícita, ordenar o regresso imediato da criança – art. 12º.

Contra estes fundamentos, constantes da sentença recorrida, insurge-se a ora recorrente. Pretende sobretudo que se interprete a Convenção referida mas à luz dos princípios constitucionais portugueses, nomeadamente os estabelecidos nos artigos 67º a 69º da CRP.
Para a recorrente deve ser acatado o seu direito de optar por residir na sua pátria.
Contudo, não se vê em que medida tal direito lhe foi coarctado. A recorrente pode viver onde quiser. Não pode é levar consigo a menor, ao arrepio da vontade do outro progenitor, pelo menos até que esteja definida a atribuição do exercício do poder e responsabilidades paternais.
Está em curso um processo, no Tribunal de Cascais, visando exactamente atribuir tal exercício. Perante isto, a recorrente não pode deslocar a filha do país onde esta tinha a sua vida habitual e tentar criar uma situação de facto consumado, contra a vontade do outro progenitor e sem qualquer suporte legal. É nesse processo que deverá ser definida a responsabilidade pelo exercício das responsabilidades parentais, além de outros factores, como o direito de visita.
Nos presentes autos contudo isso não está em discussão. O que releva aqui é fazer a menor regressar ao país onde vivia habitualmente e de onde foi ilicitamente transferida.
Nos presentes autos e nomeadamente no presente recurso não pode ser questão de tratar das questões relativas à guarda da menor. Do mesmo modo, não podemos abordar aqui a questão da decisão de suspensão do processo onde se discute a regulação do exercício das responsabilidades parentais; é nesse processo que o problema da suspensão deveria ser colocado, não no recurso em apreço, recurso esse de uma decisão proferida num processo diferente.
Não podemos pois aceitar que a recorrente tente deslocar a questão para uma área que se aplica à atribuição do poder paternal, quando o que está em causa é tão só a ilicitude de transferência da menor do país onde tinha a sua residência habitual para outro país, contra a vontade do outro progenitor e sem que esteja judicialmente definida a questão do exercício dos poderes parentais.

A única excepção atendível seria a verificação de alguma das circunstâncias previstas no artigo 13º da Convenção. Contudo, a ora recorrente não logrou fazer a respectiva prova.

Logo, nada há que censurar na sentença recorrida.

Conclui-se assim que:
– O direito de um dos progenitores de escolher o seu local de residência, mesmo que noutro país, não implica de modo nenhum a transferência da filha menor de ambos, do país onde habitualmente residia para o país onde o referido progenitor decidiu passar a viver, tanto mais quanto não está ainda definida judicialmente a responsabilidade pelo exercício dos poderes parentais e a transferência se faz com total oposição do outro progenitor.
– Operada mesmo assim tal transferência, da Suíça para Portugal, esta é ilícita nos termos do artigo 3º da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de que são estados partes ambos os países, devendo ser ordenado, pelas autoridades judiciais portuguesas, o regresso da criança aos país onde tinha a residência habitual, neste caso a Suíça.

Assim e pelo exposto julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2012

António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais