Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4181/09.0TBOER.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
PROMESSA UNILATERAL
MORA DO CREDOR
FIXAÇÃO DE PRAZO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
OBRIGAÇÃO PURA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I- A promessa unilateral de contrato produz uma obrigação, por sua natureza, carecida de prazo de cumprimento.
II- Sendo o objecto da obrigação a prestação de facto, como é o caso da obrigação de contratar, não podendo o devedor, face à mora accipiendi, exonerar-se da sua obrigação, ou seja, cumpri-la, mediante a consignação em depósito, nenhum conteúdo útil restaria, assim, ao art.º 777/1 do CCiv.
III- Tendo o devedor a iniciativa do cumprimento nos termos do art.º 777/1 do CCiv, não é a recusa pura e simples, ainda que injustificada do recebimento, ou seja, de comparecer na data e hora da escritura que produziria automaticamente a mora accipiendi, ou seja a mora da promissário, até porque este pode invocar não dispor de todos os elementos para essa aceitação, carecendo então de se fixar um prazo que o devedor poderia requerer ao tribunal nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 777 do CCiv.
IV- A mora do credor não deve prejudicar o devedor e muito menos deve agravar a sua posição, não sendo admissível que o devedor, para se exonerar, tenha de esperar indefenidamente, pela cooperação do credor e que o credor injustiçadamente, recusa, ainda que sem culpa.
V- O promitente devedor da obrigação da outorga da escritura não a pode efectivar sem a colaboração do promissário credor da mesma, e essa colaboração há-de ser uma colaboração activa, caso a iniciativa parta do promitente devedor, sobretudo se as partes estiverem de acordo em que o preço inicialmente fixado está desajustado.
VI- Contudo, a colaboração do credor promissário não pode ir ao ponto de aceitar, sem mais, um novo preço que o promitente lhe contra proponha.
VII- Inexistindo forma de as partes acordarem em novo preço para a promessa, resta ao promitente devedor fixar prazo ao promissário credor para exerça o seu direito.
VIII- Se, fixado mesmo judicialmente, um prazo razoável ao promissário para que este desenvolva a colaboração que é indispensável ao cumprimento da obrigação, este último a não desenvolver, incorre em mora creditícia e fá-lo com culpa presumida (art.º 799 do CCiv), o que pode permitir a presunção da perda de interesse creditório no cumprimento da obrigação de contratar.
IX- Inexistindo mora creditícia, não se demonstrando que por via dessa mora ficaram os promitentes devedores impossibilitados de cumprir a sua obrigação (bastaria a fixação extrajudicial ou judicial de um prazo ao credor promissário para exercer o seu direito de comprar), não se vislumbrando a desistência expressa ou tácita de comprar por parte da credora promissária, não assiste aos promitentes o direito de resolverem, por essa razão, a promessa a que se vincularam
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTES/AUTORES: “A”, “B” e marido “C”, “D” e marido “E” “F” e MARIDO “G”, “H” e mulher “I”, “J” e marido “L” (Representados em juízo pela ilustre advogada ... , com escritório em  Oeiras , conforme instrumento de procuração de 11/5/2009 de fls.31/35 dos autos).

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APELADO/RÉ: “M” & FILHO, S.A. (Representada em juízo, entre outros, pelo ilustre advogado ..., com escritório em Lisboa, conforme instrumento de procuração de fls. 97 dos autos)
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Com os sinais dos autos.
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Os Autores propuseram contra a Ré acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário a que deram o valor de 200.000,00 EUR (valor esse que foi fixado no despacho saneador de 25/11/2009 a fls. 219) onde pedem a declaração da resolução do contrato-promessa celebrado a 21-11-1973, condenando-se a Ré a restituir o imóvel aos Autores. Em suma alegaram:
  • A favor dos Autores está inscrita na respectiva Conservatória do Registo Predial a propriedade do prédio rústico denominado B...; por escritura de 26/7/2007 foram declarados habilitados como herdeiros de “N” a 1.ª Autora e sua filha 2.ª Autora (art.ºs 1 e 2)
  • Correu termos no 2.º juízo do Tribunal Judicial de Oeiras sob o n.º .../2001 acção declarativa em que foram Autores os ora Autores e Ré a ora Ré tendo esta sido condenada a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio rústico denominado B... e a absolver os Autores do pedido reconvencional de aquisição originária pela usucapião; e, 21/11/73 os familiares já falecidos dos Autores assinaram um documento intitulado de recibo no qual declararam ter recebido da Ré a quantia de 100.000$00 como sinal e princípio de pagamento do montante de 358.400$00 pela venda do terreno melhor descrito no item 1.º da p.i., mais conferiram autorização para que a Ré passasse a usar o terreno não abdicando da respectiva posse causal, tendo a Ré instalado com a concordância das pessoas que constam do documento 3 no prédio aí iniciando a exploração de uma pedreira para extracção e transformação das rochas ali existentes em diferentes tipos de cascalho para a construção civil (art.ºs 3 a 10)
  • Essa exploração terminou aproximadamente no ano de 2000 por esgotamento das rochas e impossibilidade de daí retirar mais pedra, tendo are retirado lucros elevadíssimos ao longo de 27 anos; nunca foi celebrada a escritura definitiva da promessa e nunca foi pago pela Ré o montante de 358400$00 pela venda do terreno; os familiares dos Autores diligenciaram junto da Ré pela marcação do negócio final, em vão, os anos foram passando e o preço fixado na promessa unilateral foi-se tornando desajustado da realidade quer pela evolução monetária quer pela evolução do valor dos solos na zona, já que na época não se perspectivava a construção no local, o que logo foi evidente pela expansão urbanística no local e o decurso desse tempo interessou à Ré (art.ºs 11 a 21)
  • Após várias reuniões frustradas em 1984 o Snr “O” legal representante da Ré apresentou por conta e em nome da Ré uma proposta verbal de compra pelo preço de 700.000$00, a qual, por desajustada, foi recusada pelos Autores, tendo-se mantido os contactos até 1997 sem outra definição de posição por parte da Ré que continuava sempre a obter elevados dividendos da exploração da pedreira, tendo os senhores “P”, “A” e “Q” em 1984 exigido a desocupação do prédio por estar desajustado o preço de 700.000$00, desocupação recusada sempre pela Ré (art.ºs 22 a 27)
  • Em 30/4/1997 os Autores através do seu antecessor “R” comunicaram à Ré que deveria sair do prédio, pondo em causa a licitude da detenção pela Ré, tendo para tal marcado 3 reuniões às quais a Ré não compareceu e nessa data foi requerido o embargo junto da Polícia Municipal de uma obra levada a cabo pela Ré sem autorização para o efeito dos respectivos donos, na reunião de 16/6/97 a Ré propôs adquirir aos Autores o prédio pela quantia de 7.752.000$00, e após troca de correspondência os Autores decidiram não aceitar o valor oferecido; em 4/7/2000 foi enviada nova carta assinada pelo marido e pai da 1.ª e 2.ª Autores, enquanto representante de todos, propondo preço de 10.000$00/m2, tendo a Ré respondido continuar interessada na celebrar a escritura mas nos termos por si anteriormente propostos (art.ºs 28 a 42)
  • Entretanto os Autores inconformados com o desinteresse da Ré em 13/7/2001 propuseram contra a Ré acção sob o n.º .../2001 que mereceu recurso até ao STJ sempre interposto pela Ré tendo esta sido condenada a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio e os Autora absolvidos do pedido reconvencional de aquisição originária pela usucapião desse terreno (art.ºs 43 a 46)
  • Com os comportamentos enunciados por ter a Ré requerido em acção judicial o reconhecimento do direito de propriedade por usucapião por nunca ter até à data querido celebrar a escritura inerente ao negócio prometido é patente a falta de interesse em comprar, sendo manifesto que a Ré, contraente não promitente, deve pautar a sua conduta pelas regras da boa fé, não obstruindo não dificultando a prestação do contraente promitente: a invocação da prescrição aquisitiva é uma declaração séria e segura de não cumprimento definitivo da correlativa obrigação de comprar (art.ºs 47 a 52)
    A Ré, citada, veio impugnar alguns dos factos alegados e contestar pedindo a absolvição do pedido em suma alegando:
  • Sendo verdade que os herdeiros de “S” por escrito particular de 21.11.73 só assinado por eles, prometeram vender à Ré o prédio B... pelo preço de 358.400$00( €1.787,70 EUR), nessa data a título de sinal e princípio de pagamento a ré entregou ao promitente a quantia de 100.000$00 (€498,79), nada se dizendo sobre o prazo para a marcação da escritura ou quem tinha o dever de a marcar (art.ºs 1 a8)
  • Na acção .../2001 citada os Autores pretendiam não só o reconhecimento da propriedade como a declaração de nulidade do contrato-promessa e a restituição do imóvel, sendo que estes pedidos sentenciados de improcedentes decorrendo da fundamentação da sentença que a Ré estava “ocupar licitamente o imóvel ao abrigo de autorização e entregar efectuada pelso Autores”, sentença com a qual se conformaram sendo inquestionável não só a validade do contrato-promessa unilateral (assim qualificado na sentença) como a ocupação, estando, assim os autores vinculados a celebrarem o contrato definitivo de compra e venda do B... e se a escritura não se realizou tal não se deve a qualquer entrave da ré ou perda objectiva de interesse em comprar, já que quem tem de facto impedido a outorga da escritura prometida são os autores sendo-lhes imputável a sua não realização (art.ºs 9 a 32)
  • Têm sido os Autores que fazendo tábua rasa da promessa que os vinculava e vincula que se aproveitaram do decurso do tempo que os próprios promoveram para obter para si negócio mais lucrativo nunca o legal representante se furtou a reuniões, devendo considerar-se que a inércia e incúria dos autores entre 1973 e 1997 ficou a dever-se ao propósito de darem o dito por não dito e venderem o terreno em questão por preço muitíssimo superior àquele pelo qual se haviam comprometido vender (art.ºs 33 a 46)
  • Foi imbuído de boa fé que a ré promoveu a realização de uma reunião com os autores tendo até admitido nessa reunião uma actualização do preço de aquisição do imóvel para o valor de 7.752.000$00, informando que esse valor fora calculado de acordo com os índices de correcção monetária de publicação oficial segundo portaria em vigor, mas a admissão dessa actualização do preço não é mais do que uma simples liberalidade da Ré pois de acordo com a promessa o preço que restava pagar era apenas de 358.400$00, valor aquele que os autores não aceitaram por o terem considerado desajustado; foi legítima a recusa da ré em aceita a proposta posterior dos autores de 4/7/2000, estando em 13/7/2000 a ré interessada no negócio (art.ºs 47 a 70)
  • O simples facto de a ré ter invocado no processo ... a posse usucapível constitui o exercício de um direito legítimo que lhe assistia constitucionalmente e não pode querer significar que tenha com isso declarado prescindir do direito de adquirir a propriedade do prédio através da realização do contrato definitivo; se má fé existe ele revela-se na pessoa dos autores; por carta de 20/5/09 a Ré comunicou aos Autores que se encontra agendado para o dia 05.08.09 a outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel que merece resposta dos autores que consideraram abusiva a marcação da escritura a que não compareceram; o pedido destes autos consubstancia abuso de direito nos termso do art.º334 do cCiv.
    Foi elaborado despacho saneador tabelar e organizados os factos assentes e controvertidos na base instrutória de que houve reclamação e arguição da excepção do caso julgado material da referida acção ...
    Inconformada com a sentença de 16/6/2011 que, julgando a acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu a Ré do pedido, dela apelaram os Autores em cujas alegações concluem:
    1 – Na alínea “Q” dos factos provados, deveria constar como provado que: a Pedreira referida em “D)”  tinha muito suporte rochoso.
    2 – Efectivamente, o prédio denominado B..., de 4480m² foi explorado como Pedreira desde 1973 até ao ano 2000, durante 27 anos até esgotamento das rochas ali existentes – conforme provado na alínea “D” dos f. p. (factos provados).
    3 – Além desta matéria estar assente, o depoimento da testemunha “T”, registada em C.D. único, tempo 15:49 a 16:34 passagem 6:59 a 11:10, audiência de julgamento de 07-10-2010, refere que o terreno identificado em A) tinha muito suporte rochoso e que de lá saíam diariamente camiões.
    4 – Também a testemunha “U”, cujo depoimento se encontra registado no C. D. único, tempo 16:50 a 17:06, passagem 2:30 a 5:05, audiência de julgamento de 07-10-2010, refere com convicção que o “B...” tinha muito suporte rochoso, bastante até; que de lá saiam muitos, muitos camiões, durante muitos anos.
    5 – Finalmente a testemunha “V” cujo depoimento se encontra registado no C. D. único, tempo 16:34 a 16:49, passagem 2:30 a 7:18,  referiu que o B... foi uma Pedreira muito famosa, porque ouvia dizer que tinha muita pedra. Que foi lá com o irmão e era uma Pedreira grande, saindo de lá camiões.
    6 -  O depoimento da testemunha “X” – C.D. único, tempo 17:06 a 17:16, audiência de julgamento de 07-10-2010,  passagem 2:13 a 4:45, referiu que trabalhou para a Ré, no terreno chamado B..., que a Ré  explorou a rocha ali existente durante muitos anos, que era uma pedreira de grande dimensão e com camiões a entrar e a sair.
    7 – Resulta assim claro, que o prédio denominado B... tinha muito suporte rochoso, pelo que deverá este Tribunal da Relação alterar em conformidade a resposta dada à alínea “Q” dos factos provados.
    8 – O quesito 8º da Base Instrutória - continuando no entanto os AA. a tentar contactar a Ré para efectuar a escritura - mereceu resposta negativa, pretendendo os Recorrentes ver este quesito considerado provado.
    9 – Da prova testemunhal produzida, resultou isso mesmo, nomeadamente do depoimento da testemunha “T”, registada em C.D. único, tempo 15:49 a 16:34 passagem 10:58 a 23:57, que referiu que o Sr. “N”, já falecido, sempre representou os herdeiros / AA. junto da Ré, diligenciou por diversas reuniões para marcação da escritura, pois queria resolver a questão do «B...»; que muitas dessas reuniões marcadas não se realizaram por ausência da Ré.
    - Que o Sr. “N”, representante dos AA. insistia com a Ré.
    10 – Também no sentido de que os AA. sempre tentaram contactar a Ré para efectuar a escritura, abona este facto, a resposta dada na alínea X) dos factos provados que refere expressamente que após várias reuniões frustradas, em 1984, a ré apresentou uma proposta verbal, havendo mesmo contradição, entre a resposta positiva dada à alínea “X)” e a resposta negativa dada ao quesito 8º da Base Instrutória, bem como havendo contradição com a  matéria provada na alínea “Z)” dos factos provados; referindo a alínea “G” que «pela 3ª vez o senhor não cumpriu o acordado... do qual o senhor não quer fazer a escritura» sendo este facto constante de documento, admitido pela Ré e constando também de matéria assente, viola a resposta negativa ao quesito 8º, porque em contradição com esta alínea “G” dos factos assentes, viola o disposto no n.º 4 do artigo 646º do C.P.Civil.
    11 – Também a testemunha “U”, cujo depoimento se encontra registado no C. D. único, tempo 16:50 a 17:06, passagem 5:10 a 12:04, demonstrou conhecimento directo de que os AA. continuaram a tentar contactar a Ré para efectuar a escritura; na verdade, deslocou-se aos escritórios da ré, com o falecido Sr. “N”, marido da 1ª Autora, presenciou duas reuniões, lembrando-se que o Sr. “N” falou em outras reuniões de anos anteriores; sabe que o Sr. “N” envia cartas à Ré, para ser recebido.
    12 – O quesito 11º da Base Instrutória obteve resposta de não provado, quando a testemunha “T”, registada em C.D. único, tempo 15:49 a 16:34 passagem 22:30 a 23:56, refere expressamente que quando o senhor “N” percebeu a dificuldade de marcar a escritura, pediu verbalmente que a Ré «deixasse o terreno, sim». Não sabendo, se o Sr. “N” chegou a comunicar essa intenção, à Ré, por escrito.
    - Deverá, por conseguinte, este Venerando Tribunal, responder afirmativamente a este quesito.
    13 – Finalmente, o quesito 14º da Base Instrutória mereceu resposta negativa, ou seja, não ficou provado que os AA. nunca obtiveram da Ré, a sua anuência para a realização da escritura tendente à venda mencionada no documento referido em C), quando tal facto deveria ter sido considerado provado.
    14 – O Tribunal «a quo» fundamentou esta convicção de prova de forma inexplicável, pois tomou em consideração apenas a documentação junta aos autos pela Ré, mesmo quando estas foram sequenciais a outras, juntas pelos AA.
    15 – Na realidade, encontrava-se especificado na alínea E) dos factos provados que nunca foi celebrada a escritura pública e na alínea G) que, por sua vez reproduz o doc. n.º 4 junto com a p.i., que, porque a Ré não cumpriu o acordado, passava a partir de 1997 a usufruir ilicitamente o «B...»... do qual não queria fazer a escritura ---- ficando sem efeito o negócio.
    16 – A resposta negativa ao quesito 14º confronta e contradiz directamente a matéria assente por acordo na alínea G) dos factos provados, pelo que, deverá ser considerada não escrita – n.º 4 do artigo 646º C.P.C. e respondida positivamente .
    17 – A carta da ré – doc. de fls 27 – 28 onde propõe a compra do «B...» pelo valor alterado de 7.752.000$00, valorizada pela sentença recorrida para suporte da resposta negativa ao quesito 14º, não colhe, pois esta carta surge, somente em 1997 e após a ocorrência dos factos assentes na alínea G) e H) dos factos provados, ou seja, após a ré ter incumprido reiteradamente e após os AA. escreverem a dar sem efeito a promessa unilateral de 1973.
    18 – Também se baseia a douta sentença para responder negativamente a este quesito 14º, na carta da Ré datada de 13-07-2000, de fls. 30 dos autos; porém, mais uma vez a sentença recorrida desconsiderou o doc. n.º 8 junto pelos AA. que consubstancia a carta que precede o envio da carta da ré, datada de 13-07-2000.
    19 – Na verdade, a Ré, apenas responde à carta cujo teor se encontra reproduzido na  alínea “L” da matéria assente no despacho saneador, enviada pelos AA. à Ré a 04-07-2000, propondo a venda do terreno «B...» pelo valor de 10.000$00 o metro quadrado.
    20 – A Meritíssima Juíza «a quo» desconsiderou este documento n.º 8 e a matéria assente sob a alínea “L” dos factos provados, pelo que a resposta negativa ao quesito 14º deve ser dada por não escrita e ser o quesito, considerado provado.
    21 – Se a sentença recorrida tivesse atentado no facto de que as cartas da Ré são sempre sequenciais às dos AA., teria valorizado com carácter de prova, estas cartas, tal como foi feito no despacho saneador.
    22 – Também considerou fundamental a douta sentença recorrida para a resposta negativa ao quesito 14º, a remessa electrónica junta aos autos pela Ré, na última sessão de julgamento a 29-10-2010 de uma cópia da acção de execução específica intentada em juízo.
    23 – Impugnada foi a junção desta cópia, porquanto não foi junta Certidão Judicial.
    24 – Porém, o valor probatório desta tardia propositura de acção de execução específica – ao fim de 37 anos sobra a assinatura da promessa unilateral de venda – não pode ser tendente a formar a convicção de que a Ré dá a sua anuência à realização do negócio definitivo.
    25 – A conduta do devedor e do credor numa obrigação pura como a retratada nos autos, tem de ser pautada segundo critérios de boa-fé objectiva, que esta propositura de acção de execução específica não respeita, pois decorreram 37 anos, durante oito dos quais a Ré tentou adquirir judicialmente o terreno «B...» por usucapião.
    26 – Fica desvalorada em termos probatórios uma acção judicial desta natureza, quando se encontra provado sob a alínea G) da matéria assente que já em 1997 a Ré, incumpria e não queria realizar a escritura.
    27 – Tão pouco não pode servir de prova séria tal interposição de acção de execução específica em que a Ré peticiona a adjudicação pelo preço fixado em 1973, quando se encontra assente sob a alínea «I» dos factos assentes que a Ré propõe comprar o «B...» por 7.752.000$00.
    28 – A Meritíssima Juíza «a quo» (cartas de fls. 134 a 210) (pág. 45) fundamenta também a resposta negativa ao quesito 14º porque, entendeu que os doc. de fls. 134 a 210 que consubstanciam as cartas enviadas aos AA. em Maio de 2009, aquando da entrada do presente processo em juízo, a comunicar a data da escritura de venda, são enunciativas da vontade da Ré em comprar.
    29 -  Com o devido respeito, essas cartas não podem produzir tal efeito probatório; quer porque surgem em 2009, ou seja, 36 anos depois da assinatura da promessa unilateral de venda, quer porque surgem após a Ré não ter conseguido provar, em 3 instâncias a aquisição do «B...», por usucapião, quer porque pretendia realizar a escritura de venda no cartório pelo preço  de 358.400$00, quando em 1997 tinha dito que o adquiriria por 7.752.000$00, quer porque, essas cartas surgem depois de a Ré estar interpelada para entregar o prédio «B...», conforme consta da alínea «G»; «H»; «I»; «J»; «K»; e «L» da matéria assente e, quer porque ainda, essas cartas marcavam a realização da escritura de venda para 05-08-2009, quando a Ré se encontrava citada para a presente acção, encontrando-se há longa data, desde 2001, em litígios judiciais com os AA.
    30 – Acresce que à 2ª A. e marido, nunca lhe foi enviada nenhuma carta de teor idêntico, às juntas aos autos a fls. 134 a 210, pelo que, perante a ausência desta Autora, a escritura de venda não poderia validamente, ocorrer; facto que deveria ter sido observado na sentença recorrida.
    31 – Sendo que a Ré apenas enviou a carta a comunicar a estranha e intempestiva marcação da escritura a 20-07-2009 (em Julho/2009), depois de se encontrar citada para contestar, querendo, a presente acção.
    32 – Por tudo o que vem exposto, as cartas da Ré de fls. 134 a 210 não traduz qualquer observância da boa-fé objectiva a que está obrigada, apesar de não ter assinado a promessa unilateral de venda, de 1973, pelo que, não são interpelações aos AA. à celebração da escritura de venda.
    33 – A douta sentença recorrida olvidou também a prova testemunhal que quanto ao que interessa a este quesito, referiu as inúmeras abordagens, ao longo dos anos dos AA. já falecidos para o agendamento da escritura, os protelamentos e ausências da Ré, a tentativa desta de formular novos preços, irreais contudo, apenas depois de ter sido interpelada para sair do B..., pois negava-se à escritura, apesar da constante valorização dos 4.480m² que constitui o B... – alíneas U), V) e W) da matéria provada, tudo – conforme depoimento da testemunha “T”, registada em C.D. único, tempo 15:49 a 16:34 passagem 12:20 a 23:56 e mais à frente em outra passagem 24:50 a 26:07; e da testemunha “U”, cujo depoimento se encontra registado no C. D. único, tempo 16:50 a 17:06, passagem 9:58 a 12:27;
    34 – Houve assim, erro na apreciação da prova gravada, documental e matéria assente, devendo o Tribunal da Relação, com os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712º do C.P.C. alterar as repostas aos quesitos em apreço, conforme exposto, uma vez que se mostram cumpridas as exigências previstas no artigo 685ºB do C.P.C.
    35 – Quanto ao julgamento da matéria de facto, entende-se ter havido contradição na decisão proferida, porquanto, a resposta dada ao quesito 1º da Base Instrutória, correspondente à alínea Q) dos factos provados, colide com a matéria assente na alínea «D)».
    36 – Também resulta contradição entre a resposta dada ao quesito 9º correspondente à al. X) da matéria provada e a resposta negativa conferida ao quesito 8º da Base Instrutória.
    37 – Igualmente da resposta negativa ao quesito 14º da Base Instrutória resulta contradição com a matéria provada nas alíneas «G», «S», «T», «X» e «Z».
    38 – Pelo que, violou a douta sentença em crise, o disposto no n.º 2 e 4 do artigo 653º do C.P.C.
    39 – Evidencia-se também, na sentença ora posta em crise, contradição entre a fundamentação e a factualidade provada, porquanto entende aquela que não se demonstrou a falta de interesse da credora/Ré, na concretização do negócio, porquanto não mereceu resposta positiva, o quesito 14º da Base Instrutória.
    40 – Tal fundamentação colide com a matéria provada na alínea F), na alínea G), na alínea T) e na alínea Z).
    41 – Também consta da douta sentença recorrida que a Ré continua interessada na execução da promessa, nunca tendo obstado a que a mesma fosse executada, pois na pendência da acção até requereu a execução específica,  o que está em tempo, pois os autos tratam de uma obrigação pura e os AA. não tentaram contactar a Ré para celebrar a escritura, conforme respondido negativamente ao quesito 8º da Base Instrutória.
    42 – Mas a alínea G) dos factos provados, demonstra que, já em 1997 a Ré não vinha a cumprir reiteradamente pelo que, os AA. cansados desde 1973, com a Ré sempre a obter lucros e o «B...» a valorizar-se, escreveram-lhe alegando o incumprimento e a falta de vontade de outorgar a escritura – doc. n.º 4 junto com a p.i., e exigiram a saída da Ré do «B...»
    43 – Também milita a favor da tese de que os AA. sempre insistiram com a Ré para a celebração da escritura e esta é que não acedia à sua realização, a matéria provada na alínea S) e T) que dita que os familiares dos AA. com vista à escritura de venda diligenciaram pela marcação de diversas reuniões com a Ré e que algumas delas se frustaram, por ausência desta.
    44 – Consta ainda da douta sentença que os AA. nunca «interpelaram a Ré para cumprir qualquer contrato, nem qualquer tentativa de se exonerarem da obrigação de vender o prédio através da interpelação da Ré para o comprar nos termos e para os efeitos do artigo 777º n.º 1 do Código Civil» não sendo suficiente os factos provados nos quesitos 5º a 7º da Base Instrutória.
    45 – Efectivamente os artigo 5º a 7º da Base Instrutória (preço inicial desajustado, atenta a valorização crescente do «B...» não são os factos provados que aqui interessam ser tidos em conta, mas sim o provado na alínea H) que refere em 1997 foi comunicado à Ré que o negócio acordado em 1973, ficava sem efeito, sendo certo que tal na expressa exoneração da obrigação de vender culmina pelo que se encontra provado na alínea «G» que foi o facto de a Ré não cumprir, desde 1973 a 1997, já por três vezes, não querendo fazer a escritura.
    50 – Atento o referido encontra-se a douta sentença proferida nos autos, ferida de nulidade, porquanto nos termos da alínea C) do n.º 1 do artigo 668º do C.P.Civil, apresenta fundamentos que se encontram em oposição com a decisão.
    51 – Existe nos autos, matéria provada que permite concluir pela desistência definitiva e categórica de querer o contrato definitivo, por parte da R.
    52 – O que consubstancia, uma  recusa da credora inequívoca e definitiva em cumprir, celebrando a escritura de compra e venda do «B...».
    53 – E por isso, têm os AA. direito a ver declarada a resolução da promessa unilateral de venda outorgada a 21-11-1973 e a que lhes seja restituído, o «B...».
    54 – Na verdade a falta de querer comprar, por parte da Ré, já vem verificada e provada, pela alínea G), desde a ocorrência dos factos, em 1997, pelos incumprimentos da Ré e comportamentos que levaram os AA. na altura, a escreverem – lhe , dizendo que a Ré não queria fazer a escritura.
    55 – Mas, depois de 1997, a ré também demonstrou expressamente não querer comprar o «B...»; sendo um facto assente – alínea E) que nunca pagou a diferença de valores acordada em 1973, também é um facto que defendeu judicialmente, desde 2001 a 2008, em três instâncias judiciais que sempre actuou  com «animas possidendi», como se proprietária fosse do «B...», pelo que, obviamente, adquirindo o prédio, por usucapião, não pagaria qualquer preço pelo mesmo e não haveria compra e venda.
    56 – O protelamento e adiamento  de reuniões, as novas propostas de valores de venda apresentadas pela Ré ao longo dos tempos, mas sem nunca alcançarem minimamente a realidade  - alínea «I» em que oferecem em 1997, o valor de 7.752.000$00 e alínea «L», em que o valor aproximado do real seria em 2000, 10.000$00m², ou seja 44.800.000$00, tiveram, somente, o objectivo de, deixando o B... valorizar-se em termos de mercado, vir a Ré, adquiri-lo por usucapião; essa espera era interessante, até porque o B... tinha rocha para explorar, originado  lucros, conforme matéria provada.
    57 – A matéria provada sob a alínea «O» dos factos assentes, não foi, por conseguinte , como entende a Meritíssima Juíza «a quo», um mero meio de defesa da Ré.
    58 -  Com o comportamento provado na alínea «O» dos factos provados, a Ré abdicou «sponte sua» de um direito que lhe cabia, não o podendo ver renascer como pretende, ao marcar uma escritura de venda, trinta e seis anos depois e em pleno litígio judicial, após ter perdido a aquisição da propriedade por usucapião.
    59 – Cópia simples da instauração em 29-10-2010 de uma acção judicial de execução específica contra os AA., tem o efeito de demonstrar que, a Ré, trinta e oito anos depois, afinal, quer comprar o «B...», depois de ter apresentado os comportamentos enunciados nas conclusões 53, 54, 55, 56, 57 e 58, deste recurso.
    60 – De toda a factualidade produzida, não resulta nenhuma responsabilidade imputável aos AA/Recorrentes, pela não celebração do contrato prometido.
    61 – Atendendo ao disposto no artigo 268º do C.P.C. – princípio da estabilidade da instância – bem como ao principio da boa-fé decorrente do n.º 2 do artigo 762º do c. Civil, a junção aos autos da cópia da propositura em 2010, da acção de execução específica, não deveria ter sido valorada como foi na douta sentença recorrida.
    62 – Pelo que, deverá ser destituída de qualquer sentido de oportunidade e jurídico, porquanto, junto aos autos por mera cópia, não certificada judicialmente,
    63 – A promessa unilateral de venda, outorgada em 1973, pelos familiares dos AA., consubstancia  uma obrigação pura, podendo o credor exigi-la a todo o tempo, bem como o devedor, dela se exonerar a todo o tempo – artigo 777º C.C..
    64 – O artigo 437º do Código Civil, é uma clausula geral dominada pela boa-fé objectiva, que de entre as várias situações típicas mais importantes, resulta a do desequilíbrio inesperado entre o valor da prestação e o da contraprestação.
    65 – Entretanto, há que não esquecer que na promessa unilateral de venda, é fundamental a importância do papel da boa-fé, que assegure o predomínio da solução mais justa.
    66 – Da leitura da matéria provada nas alíneas S) T) X) Y) e Z), verifica-se uma adequação comportamental, por parte dos AA. no cumprimento da obrigação unilateral assumida, em 1973.
    67 – Pois, desde cedo, tentaram sempre aproximar-se da Ré, marcando reuniões e às vezes, vendo-as não realizadas sem explicação alguma, reunindo, renegociando, mesmo depois de darem sem efeito o negócio inicial e, sobretudo, apesar de verem o respectivo terreno B... a valorizar-se progressivamente para valores muito elevados – alíneas U), V) e W) dos factos assentes – e a Ré sempre a obter lucros / rendimentos, da exploração do prédio – alínea Q) dos factos provados, até esgotamento da rocha existente – alínea D) dos factos assentes.
    68 – Após estes comportamentos, requereu judicialmente a aquisição por usucapião e, não conseguindo em 2010, propôs em juízo uma acção de execução específica, pugnando pelo valor inicial de 1973; tais comportamentos da Ré, são em ordem a falta de intenção de comprar ou adquirir onerosamente o «B...»;
    69 – Resultando, inclusivamente, um aproveitamento da honestidade e boa-fé dos AA. e seus antecessores.
    70 – Ora, pelo decurso de dezenas de anos e pela logo verificável valorização do terreno, que pela evolução dos solos na zona, expansão urbanística, o valor de 358.400$00 tornou-se desajustado, alterando-se total e «irreversivelmente as circunstâncias do negócio, o que,
    71 – Gerou um desequilíbrio inesperado e incontrolável entre o valor da prestação e o da contraprestação, pois em 1997 a Ré entendia que o terreno valia 7.752.000$00 e em 2000 os AA. entendiam – alínea «L» dos factos assentes  - que o terreno valia 44.800.000$00 ( dez mil escudos, por metro quadrado), tudo conforme prova existente sob as alíneas I), J), K) e L).
    72 – Estas alterações das circunstancias em situações graves também conduzem à procedência do pedido de resolução da promessa unilateral de venda outorgada, e, restituição do prédio «B...», aos AA., até porque, já se exoneraram dessa obrigação, em 1997, alínea G) e H) dos factos provados.
    73 – A douta sentença recorrida parece ter analisado criticamente, apenas a prova documental oferecida pelos RR. e nunca a oferecida pelos AA., bem como parece ter ponderado apenas na matéria provada e não provada da Base Instrutória e não a matéria já assente no douto despacho saneador.                                  

    X
    X         X

    Este Venerando Tribunal deverá  ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC., modificar a decisão sobre a matéria de facto proferida nos autos nos termos alegados, apreciar a prova documental referida, proceder à analise de toda a prova produzida harmonizando a provada na Base Instrutória e a já anteriormente assente no Despacho Saneador e, então, conhecendo do mérito, conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e  julgando  procedente o pedido de declaração da resolução da declaração unilateral de venda do prédio  “ B...”, datada de 21-11-1973 e sua  restituição aos AA..

     A  douta sentença recorrida violou o nº 4 do artigo, 646º ,nº 2 e 4 art. 653º, nº1, al.c) do art. 668º , art. 268º do CPC e artigos  762º , 777º e 437º do Código Civil
    Em contra-alegações conclui o réu:
    1. Para que fosse dado como provado o quesito 1º, ou seja, que a pedreira tinha muito suporte rochoso, era necessário que tivesse existido uma efectiva quantificação do volume normal médio de suporte rochoso que uma pedreira com a dimensão, localização e demais características do “B...”, ou, pelo menos, a especificação concreta do volume de pedra efectivamente extraído deste prédio durante os anos que em que o mesmo foi explorada pela recte., a fim de se poder determinar, com propriedade, a quantidade de suporte rochoso presente em tal local.
    2. Não foi produzida em juízo qualquer prova, seja testemunhal ou documental, que permita perceber, no caso concreto, o que é “muito” suporte rochoso.
    3. A testemunha “T”, para além de não ter especificado quantidades, refere a existência de muita movimentação de camiões “daquele local”, o que desde logo denota a confusão em que o mesmo labora quando entende que a pedreira da recda. é o “B...” e que tem por efeito a impossibilidade de aproveitamento do seu depoimento.
    4. A confusão entre o pequeno terreno denominado “B...” e a pedreira da recda., na qual se encontra o terreno em causa, foi transversal a todos os depoimentos das testemunhas arroladas pelos rectes., o que prejudica as afirmações pelas mesmas proferidas acerca do terreno, das suas características e da sua exploração.
    5. A verdade é que o prédio denominado “B...” não era a pedreira da recda., mas antes apenas um prédio rústico, de dimensão relativamente pequena, inserido no meio de muito outros que constituem, globalmente, a referida pedreira, conforme esclarece a testemunha “Z”.
    6. Não pode ser levado em conta o depoimento da testemunha “U” que refere muito superficialmente que havia “muito suporte rochoso”, sem cuidar de especificar números e/ou quantidades, caindo no mesmo erro de enquadramento da testemunha acima referida.
    7. As declarações prestadas pela testemunha “V” são totalmente irrelevantes para a resposta ao quesito n.º1, desde logo, porque a mesma refere nunca ter passado perto da pedreira em causa nem ter conhecimentos técnicos quanto à actividade exercida pela recda..
    8. A testemunha “X” também não forneceu dados concretos e efectivos no que toca à quantidade de suporte rochoso na mesma existente.
    9. O quesito nº 8 refere-se ao período anterior a 1984, como se depreende da redacção do artigo 9º subsequente, sendo que os depoimentos das testemunhas da recte. referidos na alegação da mesma se reportavam a “reuniões” num período posterior, o que desde logo é motivo bastante para a não alteração do quesito.
    10. Resulta inequivocamente do depoimento prestado por “T”, que acompanhou o “Senhor “N”” em deslocações à sede da recda., que houve reuniões que não se realizaram apenas porque o respectivo legal representante não podia ou não estava presente, pelo que se afasta, desde logo e inequivocamente, o pretenso cariz de manifestação de vontade do legal representante da recda. em não estar presente nestes encontros, sendo certo que, do depoimento desta testemunha resulta que as reuniões não eram previamente agendadas.
    11. Quanto ao depoimento da testemunha “U”, este apenas refere que se deslocou com o “Senhor “N”” por diversas vezes à sede da recte., não referindo, porém, se tais reuniões estavam, ou não, agendadas, pelo que de modo nenhum se pode daqui retirar qualquer conclusão a favor da alteração do quesito 8º.
    12. Quando lhe foi perguntado se “o Sr. “O” estava na sede e tinha disponibilidade, ele atendia ou não atendia as pessoas?”, a testemunha “Y” respondeu peremptoriamente que “Sempre, sempre”, confirmação que encerra o assunto das reuniões e do quesito 8º.
    13. O que efectivamente releva para a confirmação da resposta a dar ao quesito 8º foi a circunstância de os rectes. terem podido interpelar a recda. para a celebração da escritura pública mas nunca o terem feito.
    14. Resulta dos depoimentos das testemunhas referidas pelos rectes. que as reuniões e os contactos dos rectes. com a recda. foram sempre no sentido de aqueles procurarem alterar o preço acordado e não a efectiva celebração da escritura pública, o que é, em bom rigor, matéria diferente daquele que se encontra plasmada no quesito 8.º, pelo que nunca o referido quesito poderia ser dado como provado.
    15. Quanto ao quesito 11º, analisando o depoimento prestado por “T” e transcrito pelos rectes., verifica-se que este refere não se recordar se os rectes. pediram ou não, à recda. que desocupasse o terreno em causa, o que significa que tal transcrição é inútil e que a resposta deve ser mantida.
    16. No que concerne à testemunha “U”, o seu depoimento vai no sentido de confirmar a existência de uma proposta por parte da recda. aos rectes. no valor de “700 contos” – itálico nosso -, inexistindo, porém, qualquer contextualização temporal e assim tornando o mesmo insusceptível de ser aproveitado para a pretendida alteração ao quesito 11º.
    17. Não foi efectuada qualquer outra prova testemunhal com relevância para a resposta à matéria deste quesito, não tendo sido, também, carreada para os autos prova documental passível de a sustentar, pelo que, não tendo os rectes. logrado fazer a prova que lhes competia, dúvidas não subsistem das razões pelas quais o quesito foi – e bem – considerado como não provado.
    18. O único documento que refere a questão da desocupação é o documento nº 4 junto à p.i., o qual, além de capcioso, condicional e posteriormente desmentido e contrariado, data de 1997, enquanto que o quesito 11.º respeita a factos pretensamente ocorridos no ano de 1984, pelo que não é idóneo para efeitos de prova da matéria controvertida em causa.
    19. Quanto ao quesito 14º, analisada a prova produzida em audiência de julgamento, a única conclusão que se pode extrair é que foi, de facto, a recda. quem sempre procurou celebrar a escritura pública e que esta apenas não teve lugar por os rectes. não a pretenderem celebrar nos termos a que se obrigaram, designadamente por pretenderem uma revisão do preço.
    20. De todos os depoimentos de que os rectes. se socorrem na sua tentativa vã de colocar em crise o entendimento do Tribunal a quo, conclui-se que estes, ou alguém em sua representação, apareciam arbitraria e pontualmente nas instalações da recda. apenas com vista a renegociar o preço de venda do imóvel em causa e que há muito se encontrava convencionado.
    21. Nenhuma das testemunhas dos rectes. afirmou ter havido da parte da recda.. qualquer recusa ou não concordância com a realização da escritura nos termos acordados.
    22. As testemunhas “T” e “U” referiram terem existido propostas da recda. para compra do imóvel por um preço superior àquele pelo qual o mesmo havia sido prometido vender, o que demonstra inequivocamente vontade de celebrar o contrato prometido.
    23. A carta da recda. de 24.11.1997, de fls. 27 e 28, nunca foi uma tentativa de a recda. celebrar um “novo negócio”, sendo inadmissível a tentativa de alteração da ordem cronológica dos factos perpetrada pelos rectes. com vista a convencer o Tribunal do contrário.
    24. O facto de a recda. ter anuído no pagamento de um valor superior ao inicialmente acordado, apenas demonstra, ao contrário do alegado pelos rectes., uma inequívoca manifestação de vontade de comprar o terreno, mas, como decerto se compreenderá, pelo seu justo preço – calculado por recurso a índices de actualização monetária sobre o preço prometido – e não por um valor arbitrariamente fixado pelos rectes..
    25. Contrariamente ao referido pelos rectes., a carta da recda. de 13.07.2000 contém uma manifestação expressa de vontade de em adquirir o imóvel em causa.
    26. Relativamente à correspondência enviada pelos rectes., que, na opinião dos rectes., não terá sido apreciada, sempre se dirá que o tribunal a quo retirou da mesma as ilações correctas, logo, que os rectes. quiseram impor um novo preço para a compra do imóvel e que face à recusa da recda. de pagar o preço exigido pelos rectes., estes se recusaram a celebrar a escritura pública.
    27. A carta dos herdeiros do 08.07.1997, junta à p.i. como documento n.º 6, revela que as hesitações relativamente à celebração da escritura partiram daqueles e não da recda., revelando tal carta ter existido desacordo entre os herdeiros relativamente ao preço da venda.
    28. Depois de formalmente interpelados pela recda. para outorgarem a escritura pública prometida, em dia, hora e data, agendada pela recda., estes não compareceram, alegando agora que alguns deles não receberam a convocação em causa, o que é falso, sendo certo que a razão invocada foi terem considerado o preço desajustado.
    29. Dúvidas houvessem relativamente à intenção de a recda. celebrar a escritura, o que por mera hipótese se admite, sem conceder, as mesmas ficariam totalmente dilucidadas pelo facto de a recda. ter instaurado acção de execução específica contra os rectes. com vista ao cumprimento da promessa feita em 1973, acção esta que, não obstante correr termos no mesmo Tribunal da presente acção, foi objecto de prova no dia do encerramento da audiência por junção da cópia-recibo e, uma vez que a acção tinha entrado no mesmo dia, por certidão que se protestou juntar e que se apresenta com o presente recurso.
    30. A recda. alegou usucapião na primeira acção apresentada pelos rectes. apenas como estratégia processual para os intimidar, o que resulta desde logo, de a recda. não ter deixado de sustentar a validade da promessa de venda e de ter reiterado a disponibilidade para o cumprir.
    31. A resposta dos rectes. à interpelação para escritura denota, mesmo após a contestação da recda. e da invocação de usucapião por parte desta, que o motivo pelo qual não comparecem à escritura não é porque o contrato em promessa não fosse válido e, ainda, em vigor: é porque continuam a queixar-se da falta de acordo sobre um preço diferente do que consta do contrato.
    32. No que concerne à suposta contradição entre a alínea Q) (quesito 1.º dos factos provados) e aliena D), é manifesto que a mesma não existe porque não é possível caracterizar o suporte rochoso de «muito» ou de «pouco», pelo simples facto de se desconhecer a quantidade de pedra efectivamente extraída pela recda..
    33. Relativamente à alegada contradição entre a alínea X) e o quesito 8.º da b.i., esta pura e simplesmente não existe, nem sequer fazendo sentido a alegação dos rectes. pois o facto de a recda. ter apresentado uma proposta de preço diferente da que foi prometida significa exactamente que os rectes. não queriam celebrar a escritura prometida, mas antes se recusavam a fazê-lo pelo preço contratado, pretendendo modifica-lo.
    34. No que tange à alegada contradição entre a resposta ao quesito 14.º e a matéria de facto considerada provada nas alíneas G), S), T), X) e Z), a recda. não vislumbra qualquer contradição, referindo-se ainda que nem os rectes. conseguiram fundamentar o seu entendimento, pelo que nada deverá ser alterado.
    35. Quanto à suposta contradição entre a fundamentação e a factualidade dada como provada, os rectes. limitam-se a transcrever, a este respeito, várias passagens não contraditórias do despacho de fundamentação de matéria de facto e dos factos assentes, sem nada alegar, concluir e/ou requerer, pelo que devem ser integralmente desconsiderado.
    36. A perda, ou não, do interesse do credor a que alude o art. 808.º do Código Civil releva, unicamente, para efeitos de o credor – in casu a recda. – poder considerar que a obrigação foi definitivamente incumprida por parte do devedor, dando-lhe, consequentemente, a faculdade de, caso queira, resolver a promessa ao abrigo do art. 801.º do mesmo código, pelo que quem pode extrair efeitos da perda do interesse na prestação é justamente a parte que perde esse interesse em face da mora da outra, ou seja, o credor, o que significa que quem poderia converter a mora dos rectes. em incumprimento definitivo seria sempre a recda. e nunca os rectes..
    37. Improcede a alegação de que a recda. terá, afinal, desistido, definitiva e categoricamente, de contratar, não se subsumindo nem à Lei, nem ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27.09.2007 que para tanto invocam.
    38.  Com efeito, mesmo que tal desistência se verificasse – facto este no qual não se concede, atendendo a todo o supra alegado –, e tivesse como consequência a extinção da obrigação, não se vê como pode tal obrigação, já extinta, ser posteriormente resolvida.
    39. É irrelevante a alegação de que o facto de a recda. não ter pago o remanescente do preço possa ter consequências pelo simples facto de que os rectes. nunca a deixaram pagar tal parte por não se satisfazerem com o que a esse respeito tinha sido fixado, nem com o que lhes foi oferecido pela recda. como actualização.
    40. O Usucapião não constitui qualquer renúncia ao direito de adquirir o “B...” pois tal invocação nunca passou de um expediente processual com vista a pressionar os rectes. na acção por eles apresentada, não tendo posto em causa a validade da promessa e a sua intenção de cumprir o acordado.
    41. Quanto à invocação da questão das obrigações puras, o que se verifica no caso vertente é que, por um lado, a recda. já exigiu o cumprimento da obrigação, mas, por seu turno, os rectes. ainda não se libertaram da obrigação que voluntariamente assumiram.
    42. Os rectes., até ao presente momento, nunca procuraram se exonerar da obrigação de vender o prédio, o que significa que, ao contrário do que vão referindo por várias vezes na sua alegação, nada tendo feito, em bom rigor, com expressão jurídica ao nível do contrato.
    43. A figura da exoneração compreende o acto prático de efectivo cumprimento da obrigação e, quando necessário a fixação de prazo para o efeito, não sendo relevante uma mera declaração de desvinculação unilateral como a da alínea G) da matéria dada como assente, pelo que há que concluir que os rectes. continuam ainda hoje vinculados à promessa.
    44. A carta referida em G) da matéria assente foi revogada pelos rectes. pela contraproposta que apresentaram à recda. para a venda do terreno, indicando o preço que pediam para vendê-lo, facto provado sob a al. L).
    45. Em momento algum da lide foi alegada existência de resolução por alteração das circunstâncias e aplicação do regime jurídico previsto no art. 437.º do cod. civ., pelo que esta nova contextualização fáctico-jurídica configura uma ampliação da causa de pedir unilateral, inadmissível nesta fase processual.
    46. A verificação de alteração das circunstâncias, como conceito misto que é, carece da alegação cumulativa de requisitos de direito e de facto que têm de ser expressamente alegados como fundamento do pedido, sob pena de, não sendo alegados oportunamente, não poderem ser apreciados em juízo.
    47. A inflação e a valorização dos terrenos verificados com o decurso de 36 (trinta e seis) anos – contabilizados desde a data da promessa de venda até à data da propositura dos presentes autos – não é obviamente subsumível ao art. 437.º do cód. civ., uma vez que não preenche o conceito de alteração anormal das circunstâncias, sendo, muito pelo contrário, um facto absolutamente normal e previsível.
    48. Finalmente e para acabar com este assunto, resta dizer que os rectes. não resolveram o contrato por alteração superveniente das circunstâncias.
    Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências a quanto alegado, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos rectes. e mantida integralmente a decisão recorrida.
    Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão que por via electrónica foi enviado aos Meritíssimos Juízes-adjuntos, enviado o processo a vistos de 5 dias, nada foi sugerido; nada obsta ao conhecimento do mérito do mesmo.

    Questões a resolver:
    a)Saber se ocorre contradição entre a fundamentação e a factualidade dada como provada, ferindo de nulidade a sentença recorrida (art.º 668/1/c do CPC; saber se ocorre contradição entre a matéria dada como provada no quesito 1.ª e o constante da alínea D) da especificação, entre a resposta dada ao quesito 9 e a resposta negativa dada ao quesito 8.º e entre a resposta negativa dada ao quesito 14 e a matéria já assente constante das alíneas G), S),T, X) e Z)
    b) Saber se ocorre erro de julgamento da decisão de facto quanto à matéria de facto constante dos quesitos 1, 8, 11, 14.
    c) Saber se ocorre erro de julgamento de direito quando entende inexistir perda de interesse da ré em comprar o terreno dos autos, na medida em que existe prova bastante para concluir pela desistência definitiva e categórica da Ré de querer o contrato definitivo de compra e venda, o que consubstanciando uma recusa inequívoca da credora em cumprir devolve aos Autores que nenhuma culpa têm no incumprimento,  o direito de ver declarada a resolução contratual;
    d) Saber se ocorre alteração das circunstâncias de contratar a justificar a resolução do contrato, ocorrendo violação do disposto nos art.ºs 762, 777 e 437 do CCiv.

    II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
    O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
    A)      A favor dos AA. mostra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sem determinação de parte ou direito, a propriedade do prédio rústico denominado B..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº ... e na respectiva matriz sob o artigo ... (al. A) dos factos assentes).
    B)      Na escritura notarial datada de 26/7/2007, denominada “ Habilitação”, foi declarado que no dia 7/6/2007 faleceu “N” que foi casado em primeiras núpcias com a 1ª A. sob o regime de comunhão geral de bens, sem deixar qualquer disposição de última vontade, e que deixou como herdeiros a viúva, ora 1ª A., e a sua filha, ora 2ª A (al. B) dos factos assentes).
    C)      A 21/11/1973 “P”, “W” e “K”, na intitulada qualidade de herdeiros de “S” (familiares já falecidos dos AA.), assinaram um documento intitulado de “Recibo – Esc. 100.000$00” no qual declararam que “Recebemos da firma Transportes “M” & Filho, Lda., com sede em ... – ... – ..., a importância supra de (cem mil escudos) como sinal e princípio de pagamento da importância de 358.400$00 (trezentos e cinquenta e oito mil e quatrocentos escudos) pela venda que lhe fazemos de um terreno com a área de 4.480m² denominado B... e registado sob o n.º ..., a folhas 39, na secção de finanças do concelho de Oeiras, ficando, desde já, a referida Firma autorizada a entrar na posse do imóvel, podendo dele se utilizar conforme lhe aprouver» (al. C) dos factos assentes).
    D)      A 21/11/1973 a R., com a concordância daqueles subscritores do documento referido em C), instalou-se no prédio identificado em A), aí iniciando a exploração de uma pedreira para extracção e transformação das rochas ali existentes em diferentes tipos de cascalho para a construção civil, exploração essa que cessou aproximadamente no ano 2000, por esgotamento das rochas e impossibilidade de daí retirar mais pedra (al. D) dos factos assentes).
    E)      Após a assinatura do documento referido em C) nunca foi celebrada escritura de compra e venda respeitante ao prédio identificado em A) (al. E) dos factos assentes).
    F)      Também nunca foi entregue pela R. aos AA. ou aos seus antecessores a diferença entre os dois valores expressos no documento referido em C) (al. F) dos factos assentes).
    G)     Com data de 30/4/1997 os AA., através do seu antecessor “R”, enviaram à R., que a recebeu, a carta com o teor que consta do documento 4 junto com a P.I. e que aqui se dá por integralmente reproduzido, ali lhe comunicando, para além do mais, que “Dadas as circunstâncias e não ser do nosso agrado, informamos V. Exas. que com plenos poderes como herdeiros, e pela 3ª vez o Sr. não cumpriu o acordado, a partir deste dia, 30/04/97, passa a estar ilicitamente usufruindo do terreno denominado B... (…), do qual o senhor não quer fazer a escritura” (al. G) dos factos assentes).
    H)      E tendo-lhe ainda declarado pela mesma carta que “desde já ficava sem efeito o negócio acordado em 22-11-73” (al. H) dos factos assentes).
    I)       Na sequência dessa carta teve lugar em 16/6/1997 uma reunião entre a R. e os AA., representados pelos seus familiares “N”, “U” e “T”, na qual a R. propôs adquirir aos AA. o prédio identificado em A) pelo montante de 7.752.000$00 (al. I) dos factos assentes).
    J)       Na sequência dessa reunião e com data de 8/7/1997 os AA. enviaram à R., que a recebeu, uma carta com o teor que consta do documento 6 junto com a P.I. e que aqui se dá por integramente reproduzido, ali lhe comunicando que “na sequência da nossa reunião de 16 de Junho do corrente, no vosso escritório, e após nos ter sido oferecido a quantia de 7.752.000$00 ( sete mil setecentos e cinquenta e dois contos), pelo terreno denominado B..., mas havendo desacordo entre todos os herdeiros, solicitamos a V. Exa um esclarecimento por escrito de como chegou a essa verba, o que se agradece com a máxima urgência (...)”(al. J) dos factos assentes).
    K)      A R. respondeu a essa carta por carta de 24/1/1997, que os AA. receberam, ali lhe comunicando, para além do mais, que “(…) a escritura de compra e venda não foi, até à presente data, celebrada por razões alheias ao comprador. No entanto, face aos presentes contactos e interesse na resolução deste assunto, tendo em consideração que vários anos passaram e que o valor do terreno se alterou em função disso, na reunião de 16 de Junho de 1997, o aqui signatário propôs pagar o preço de 7.752.000$00, valor entendido como justo face aos índices de correcção monetária de publicação oficial. Tal preço resulta assim da aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda aos bens e direitos alienados durante o ano de 1977, após deduzido o valor do sinal e princípio de pagamento de 100.000$00, coeficientes esses, para o efeito, publicados por Portaria do Ministério das Finanças. Esperando ter dado resposta à solicitação expressa na vossa carta e no sentido de uma rápida resolução desta questão, mantendo a presente proposta de compra pelo preço indicado, por um prazo de quinze dias a partir desta data, findo o qual considerar-me-ei desvinculado desta proposta (...)”(al. K) dos factos assentes).
    L)      Reunidos, os AA. decidiram não aceitar o valor oferecido, por o terem considerado desajustado, pelo que a 4/7/2000 enviaram à R. nova carta, que esta recebeu, ali declarando, para além do mais, que “(…) sendo o senhor proprietário dos terrenos que confrontam com o nosso terreno 4850m² B... é nosso dever informar V. Exa. da venda que nós pretendemos fazer do referido terreno ( nós herdeiros de “S”). Julgamos o nosso procedimento o mais correcto e sério. Mais informamos dos valores que pretendemos, 10.000$00m² – negociáveis, como é óbvio (…)”(al. L) dos factos assentes).
    M)     Em resposta a tal carta a R. enviou aos AA., que a receberam, a carta datada de 13/7/2000, ali lhes comunicando, para além do mais, que “(…) é portanto com estranheza que recebo a presente carta de anúncio da pretensa venda a terceiros, quando existe um contrato promessa de compra e venda com tradição uso e fruição do bem, desde 22.11.73. Com efeito, continuo interessado na celebração da respectiva escritura nos termos do preço proposto, tal como exposto na carta de 29 de Setembro de 1998, dirigida à sua Advogada (…)”(al. M) dos factos assentes).
    N)      Correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Oeiras sob o nº .../2001 uma acção declarativa em que foram Autores os ora AA. e Ré a ora R., na qual os mesmos pediram a declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 1973, devendo ainda condenar-se a R. a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio identificado em A), a devolver imediatamente o mesmo aos AA., livre de pessoas e bens e a pagar-lhes uma quantia a liquidar em execução de sentença, devida pela utilização e exploração das utilidades do prédio durante 27 anos (al. N) dos factos assentes).
    O)     Nessa acção a R. deduziu pedido reconvencional, pedindo a declaração da aquisição da propriedade do prédio identificado em A), por usucapião (al. O) dos factos assentes).
    P)      Por sentença confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (em recursos sucessivamente interpostos pela R.) tal acção foi julgada parcialmente procedente e a R. condenada a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio identificado em A), sendo absolvida do demais peticionado e sendo ainda os AA. absolvidos do pedido reconvencional (al. P) dos factos assentes).
    Q)     A pedreira referida em D) tinha suporte rochoso (resposta dada ao art. 1º da base instrutória).
    R)      A ré logrou retirar lucros da exploração da pedreira referida em D) (resposta dada ao art. 2º da base instrutória).
    S)      Com vista à concretização da escritura tendente à venda mencionada no documento referido em C), os familiares dos autores diligenciaram pela marcação de diversas reuniões com a ré (resposta dada ao art. 3º da base instrutória).
    T)      Algumas dessas reuniões frustraram-se por ausência do representante da ré (resposta dada ao art. 4º da base instrutória).
    U)      Com o passar dos anos o valor de 358.400$00 foi-se tornando desajustado da realidade como preço devido pelo prédio referido em A) (resposta dada ao art. 5º da base instrutória).
    V)      Quer pela própria evolução monetária, quer pela própria evolução do valor dos solos na zona (atento que na época não se perspectivava a construção no local) (resposta dada ao art. 6º da base instrutória).
    WW) O que logo foi evidente, após poucos anos, atenta a expansão urbanística, na zona (resposta dada ao art. 7º da base instrutória).
    X)      Após várias reuniões frustradas, em 1984, a ré apresentou uma proposta verbal de compra do prédio referido em A) pelo preço de 700.000$00 (resposta dada ao art. 9º da base instrutória).
    Y)      Tendo os AA. recusado tal proposta porque a acharam desajustada (resposta dada ao art. 10º da base instrutória).
    Z)      Continuando até 1997 os contactos dos AA. com a R. tendo em vista a efectivação da venda do prédio referido em A) (resposta dada ao art. 12º da base instrutória).
    *
    Os Autores recorrentes impugnam as respostas dadas aos quesitos 1, 8, 11, 14, impugnação que se irá apreciar em III, em sede de fundamentação de direito.

    III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
    Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
    Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
    a)Saber se ocorre contradição entre a fundamentação e a factualidade dada como provada, ferindo de nulidade a sentença recorrida (art.º 668/1/c do CPC; saber se ocorre contradição entre a matéria dada como provada no quesito 1.ª e o constante da alínea D) da especificação, entre a resposta dada ao quesito 9 e a resposta negativa dada ao quesito 8.º e entre a resposta negativa dada ao quesito 14 e a matéria já assente constante das alíneas G), S),T, X) e Z).
     
    A nulidade da alínea c) do n.º 1 do art.º 668 do CPC ocorre quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão.”
    A nulidade em causa traduz-se num vício lógico da sentença, o juiz escreveu o que queria escrever mas a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não a resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto.[2] Assim o tem entendido também a jurisprudência do STJ, acrescentando que a nulidade também ocorre, quando os fundamentos conduzam lógica e necessariamente a um resultado diferente
    Relativamente à nulidade assacada à sentença a Meritíssima Juíza sustentando o decidido, entendeu inexistir, tal como as mencionadas contradições.
    No que toca à nulidade entendeu a Meritíssima Juíza, e a nosso ver bem, adiantamos nós, que inexiste essa contradição, quanto muito erro de julgamento da matéria de facto.
    Deverá realçar-se que não pode haver contradição entre o julgamento negativo de certa matéria de facto constante da base instrutória e aquela factualidade que já resultava assente desde o saneador. É que o tribunal recorrido ao considerar essa factualidade como não provada é como se tal factualidade inexistisse, como nunca tivesse sido alegada (tal tem sido o entendimento dos tribunais superiores) e como tal não pode haver contradição com matéria já assente e incontestada. Relativamente à contradição entre a resposta dada ao quesito 1.º correspondente à alínea Q) dos factos provados na sentença e a matéria de facto já especificada e assente na alínea D) (tem a ver com a exploração da pedreira para extracção                          e transformação de rochas, ali existentes em diferentes tipos de cascalho para a construção civil exploração essa que cessou aproximadamente no ano de 2000, por esgotamento das rochas e impossibilidade de daí retirar mais pedra).
    Ora, a matéria de facto ao quesito 1 (“a pedreira…tinha muito suporte rochoso”) está também ligada à do quesito 2.º onde se perguntava se a “Ré logrou retirar da exploração da mesma lucros muito elevados”. E esta factualidade toda está ligada à alegação do art.º 12.º da p.i. onde os Autores alegam que “A Ré retirou dessa exploração lucros elevadíssimos, pois a pedreira tinha muito suporte rochoso, o que aliás foi notório atento o elevado movimento de camiões carregados de pedras que saiam da pedreira ao longo de praticamente 27 anos”)
    A resposta ao quesito 2.º mereceu resposta restritiva na medida em que o adjectivo “muito” foi suprimido e foi suprimido, no entender da motivação da decisão de facto, porque “não foi produzido qualquer tipo de prova – testemunhal ou outro – sobre a quantidade de suporte rochoso ou sobre os lucros a que se referem respectivamente os art.ºs 1, 2, 13 da base instrutória.”
    A resposta ao quesito 2.º não mereceu impugnação e não mereceu, pensamos nós, na medida em que o adjectivo “elevados” encerra um juízo de valor que dificilmente se pode considerar um juízo de valor de facto na medida em que faltam baias numéricas para se formular um tal juízo e precisamente porque essas baias numéricas não foram alegadas. Trata-se, assim de um juízo de valor meramente conclusivo. Percebe-se que se o suporte rochoso era em grande quantidade a sua exploração renderia, em princípio (a menos que a qualidade fosse má), elevados lucros, mas não é suficiente. No tocante ao adjectivo “muito” qualificativo do suporte rochoso existente, a sua supressão não encerra uma contradição lógica com os factos assentes: a exploração durou efectivamente aqueles anos todos mas não vinha assente a forma como decorria essa exploração (se contínua, se diária, se envolvia muitas viaturas diárias etc) e o esgotamento da pedra em 2000, nada nos diz, sobre a quantidade de suporte rochoso e, por isso, o adjectivo “muito” não contém, por si só, outros dados (aqueles da exploração diária, número aproximado de veículos que numa base diária transportou essa pedra transformada ou não…) que permitam concluir uma relação de causa e efeito entre o especificado e o perguntado. Nesse contexto o adjectivo “muito” apenas ganha significado factual se relacionado com outros factos que as testemunhas eventualmente podem carrear, o que é outra questão a questão do erro de julgamento de facto.
    Nenhuma contradição.
    Quanto à impugnação.

    b)Saber se ocorre erro de julgamento da decisão de facto quanto à matéria de facto constante dos quesitos 1, 8, 11, 14
    O teor do quesito 1.º e sua resposta são já conhecidos.
    Pergunta-se:
    quesito 8: “Continuando no entanto os Autores a tentar contactar a Ré para efectuar a escritura?
    quesito 11: “Ainda em 1984 alguns dos Autores exigiram verbalmente e por inúmeras vezes à Ré que desocupasse o prédio em causa, invocando, para tanto, que os proprietários do mesmo não estavam de acordo na venda pelo preço de 700.000$00?”
    Quesito 14: “E nunca obtiveram da Ré a sua anuência para a realização da escritura tendente à venda mencionada no documento referido em C)?”
    A todos os quesitos 8, 11, 14 o tribunal recorrido respondeu “não provados”
    Dispõe o n.º 1 do art.º 685-B: “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a)],e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b)]”
    E o n.º 2: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termso do disposto no n.º 2 do art.º 522-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à sua transcrição.”

    A este propósito refere António Santos Abrantes Geraldes que o recorrente deve especificar sempre nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; para além disso deve especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (documentos, relatórios periciais, registo escrito), deve indicar as passagens da gravação em que se funda quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos, deve igualmente apresentar a transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos, deve especificar os concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes da gravação, quando esta foi feita por equipamento que permitia a indicação precisa e separada e não tenha sido cumprida essa exigência pela secretaria e por último a apresentação de conclusões deficientes obscuras ou complexas a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência da especificação na conclusão dos concretos pontos de facto impugnados ou da localização imediata dos concretos meios probatórios. Tudo isto sob pena de rejeição imediata sem convite ao aperfeiçoamento[3].
    Ora, os recorrentes indicam os concretos pontos de facto incorrectamente julgados e, no que toca aos meios de prova testemunhais que aqui relevam, indica as testemunhas, referindo, com exactidão, as passagens da gravação em que se funda a impugnação, transcrevendo as passagens dos depoimentos, devendo considerar-se satisfeito o cumprimento do ónus processual.
    Os recorrentes cumprem o seu ónus de impugnação desse segmento da fundamentação de facto, a prova produzida em audiência foi gravada, constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão, está, por isso este Tribunal Superior em condições de reapreciar essa decisão (art.º 712/1/a); como se tem vindo a entender noutros acórdãos, proferidos por este colectivo, a reapreciação da decisão de facto (fora a situação da renovação dos meios de prova) não busca uma nova convicção agora junto do colectivo dos juízes da Relação, antes se limita a saber se ocorre erro patente, manifesto na apreciação dos meios de prova circunstância em que a decisão deve ser alterada.
    Foi também ouvido o suporte áudio
    O Tribunal recorrido motivou do seguinte modo a decisão de facto relativa aos quesitos 1, 8,11, 14: “(…) “T” – motorista de pesados afirmou conhecer o terreno em causa, explicando que o mesmo tinha “grande” dimensão de suporte rochoso que foi explorado pela ré, durante mais de dez anos. Explicou, também que, devido à deficiência de que padecia o marido da 1.ª autora, “N”, designadamente para conduzir veículos, o mesmo pedia à testemunha em causa para o acompanhar a reuniões, com o legal representante da ré, com o objectivo de ser solucionada a questão relativa ao prédio em causa e obter consenso para se fazer a escritura do terreno, já que com o passar do tempo, o preço acordado, inicialmente, se havia desajustado da realidade. Precisou que assistiu a 3 ou 4 reuniões, ocorridas em 1984, 1990 e 1997, esclarecendo que esteve presente numa reunião, em 1984, onde a ré ofereceu pela compra do terreno aqui em causa 700.000$00, que não foram aceites pelos autores, por considerarem tal valor desajustado. Mais referiu que, algumas vezes, as reuniões estavam marcadas e não se realizaram, por não terem sido atendidos, visto o legal representante da ré não estar presente, ou não os poder atender. Mais referiu que não recorda de, nas reuniões a que assistiu, ter ouvido, da parte dos autores, qualquer pedido para a ré desocupar o terreno em questão. A testemunha em causa prestou um depoimento com isenção e revelou ter conhecimento directo dos factos, tendo o mesmo sido relevante para as respostas dadas aos art.ºs 1 a 5, 9ª 13. “V”(…)afirmou conhecer o terreno e saber que tem sido explorado pela ré, já que o seu irmão lá trabalhou, até há pouco tempo, ao serviço da mesma. Quanto aos demais factos não demonstrou ter conhecimento directo…o seu depoimento foi relevante para a resposta dada ao art.º 1.º da base instrutória. “U” - motorista de serviços públicos, afirmou conhecer  terreno em causa e que o mesmo tinha muito suporte rochoso, tendo assistido a grande movimento de camiões a entrar e a sair. Mais referiu que, em 1997, foi a duas reuniões, com o marido da 1.ª autora, “N” a pedido deste, que tinha dificuldades em se transportara, tendo nas duas estado, também, presente a testemunha “T”. Afirmou que na primeira reunião foram recebidos pelo legal representante da ré, que identificou como sendo “O”, que lhes referiu que o filho (“OO”), não estava e ques ó ele é que podia resolver o problema do preço de compra do terreno aos autores, sabendo, que tinha havido, anteriormente, da parte da ré, uma proposta de compra de terreno, no valor de 700.000$00. Na segunda reunião, onde afirmou terem estado presentes, para além da testemunha em causa, a testemunha “T”, o marido da primeira Autora, “O” e o filho, estes dois últimos ofereceram pelo terreno o valor de 7.750.000$00. A testemunha em causa prestou depoimento com isenção e revelou ter conhecimento directo dos factos, tendo o mesmo sido relevante para as respostas dadas aos art.ºs 1 a 13.
    “X” – tractorista: afirmou ter trabalhado para a ré, no terreno denominado B..., durante 15 anos, tendo deixado de o fazer na década de setenta. Referiu que houve grande evolução urbanística…relevante para as respostas dadas aos art.ºs 1, 2, e 5 a 7(…)”Z” engenheiro mecânico, trabalhador da sociedade T... da qual o legal representante da aqui ré também é sócio. Afirmou conhecer o terreno aqui em causa, por ter trabalhado na pedreira durante 11 anos, tendo ido pata lá em 1982. (…) Na sua opinião ré não retirou grandes lucros na exploração do terreno dos autores, pois a pedra dali retirada não interessava à actividade económica desenvolvida pela ré. O seu depoimento foi relevante para as respostas dadas aos art.ºs 1 e 2. Não foi produzido qualquer tipo de prova – testemunha ou outro – sobre a quantidade de suporte rochoso, ou sobre os lucros a que se referem respectivamente os art.ºs 1, 2, 13 da base instrutória que assim receberam as respostas restritivas e negativa(…) não havendo dúvidas que existiram contactos e reuniões entre as partes, ao longo do tempo…nos quais se discutiu o preço de venda do terreno, por o inicialmente contratado se entender desajustado da realidade. E prova que o preço inicial era considerado desajustado por parte de ambas as partes é-nos dada desde logo, pelas regras da experiência comum (terreno com a área de 4.480 m2 vendido pelo preço de 358.4000$00) e pela própria ré, que, ao longo do tempo, ofereceu duas propostas de compra do prédio por valores sempre superiores aos anteriormente falados: em 1984 700.000$00 em 1997 7.752.000$00, assim como pelos depoimentos das testemunhas…nenhuma prova igualmente se fez quanto ao facto de alguma vez os autores terem interpelado a ré para efectuar a escritura de compra e venda do terreno aqui em causa, termos em ques e deu como não provado o art.º 8 da base instrutória. Na resposta aos art.º4 (…atendeu ao teor dos documentos juntos aos autos a fls. 27-28 (carta da ré aos autores datada de 24.11.1997, onde a ré explica a forma como chegou ao valor anteriormente proposto de compra do terreno pelo valor de 7.752.000$00, informando que mantém tal proposta de venda pelo prazo de 15 dias), de fls. 30 (carta da ré aos autores a reiterar a proposta de compra do terreno pelo preço proposto em carta enviada em 29.91998), de 134 a 210 (cópia das cartas enviadas pela ré aos autores a comunicar data para outorga da escritura de compra e venda do prédio aqui em causa) e documentos juntos aos autos em 29.10.2010 – ref 5637224 – ref 5637224 (cópia da petição de acção de execução específica apresentada pela ré contra os aqui autores com vista á obtenção da sentença que produza os efeitos da promessa de venda objecto dos presentes autos). Tal prova, pelo seu teor, refuta claramente, o alegado pelos autores no sentido de nunca terem conseguido da ré a sua anuência para a realização da escritura tendente à venda do terreno.(…)”
    A motivação no tocante aos depoimentos das testemunhas está em conformidade com aquilo que se consegue ouvir no suporte áudio.
    No tocante ao quesito 1.º, não obstante o carácter de juízo de valor do adjectivo muito e não obstante não ter sido transposta para o quesito a factualidade relativa ao movimento de camiões carregados de pedra (art.º 12 da p.i.), o certo é que as testemunhas referiram-no, assim como a utilização (tal como consta da motivação) do adjectivo muito. A testemunha “T”, entre o mais disse: “(…)a ré explorou a pedreira antes de isto ser dos donos actuais…era uma pedreira bastante produtiva..via-se o rochedo e a profundidade que tinha…não avançou mais porque não lhes pertencia…havia bastante suporte rochosos…era bastante movimento de camiões por dia…”De igual modo a testemunha “U”: “(…) exploraram a pedreira durante 10 anos, a exploração era lucrativa, havia bastante pedra, extraíam-na e vendiam-na, possivelmente exploraram até ao limite(…)”Também a testemunha “X”: “(…) trabalhei na pedreira do ..., B..., foi explorada durante mais de 30 anos…com muito suporte rochoso…extraíam pedra para as obras dele e vinham outros buscar, comprar, era tudo moído lá dentro…vários camiões diários…”É certo que a testemunha “Z” que trabalha para a T... e que conhece bem as pedreiras referiu que a pedreira dos Autores está integrada no conjunto de outras pedreiras que a T... também adquiriu tendo em vista sobretudo a construção da A5 e que esta zona, não só a pedreira dos autores tinha um problema pois a pedra era vidraço que não era própria para a construção da auto-estrada do Estoril, tanto que não foi aprovada para ser usada pela Brisa. Supõe-se que a actividade da T... não se circunscreveu à construção da auto-estrada e a testemunha não disse que a pedra não tinha utilidade para outros fins, designadamente construção civil e que não tirasse lucro da sua venda. Desconhece-se o valor do “vidraço” e se a sua venda permite ou não obter grandes lucros, o certo é que conforme resposta dada ao quesito 2 a Ré obteve lucros da extracção da pedra e que a avaliar pelo movimento dos camiões era muita.
    Donde o erro de julgamento da matéria do quesito 1 cuja decisão correcta é: “A pedreira referida em D) tinha muito suporte rochoso”
    O que se pergunta no quesito 8 é se os Autores contactaram a Ré para efectuar a escritura. Dos documentos especificados tal não resulta que tenha ocorrido uma interpelação formal para a realização da escritura correspondente à promessa dos autos. Do documento 3, a carta de 30/4/97 que “R” dirigiu à Ré consta a alegação de que a Ré “pela 3.ª vez não cumpriu o acordado…passa a estar ilicitamente usufruindo um terreno denominado B...…” Como documento 6 da p.i. temos uma carta datada de 8/7/1997 dirigida ao senhor “O” que é o legal representante da ré e assinada por “N” onde o mesmo dá conta da reunião de 16/6/1997 e da oferta da ré de 7752000$00 o desacordo entre todos os herdeiros e um pedido de esclarecimento por escrito sobre o modo como chegou a essa verba. Como documento 7 da p.i. temos a resposta da Ré a essa carta onde entre o mais a ré diz: “(…) a escritura de compra e venda não foi, até à presentes data celebrada por razões alheias ao comprador(..) tendo em consideração que vários anos passaram e que o valor do terreno se alterou em função disso, na reunião de 16 de Junho de 1997, o aqui signatário propôs o preço de 7752.000$00…tal preço resulta da aplicação do coeficiente da desvalorização da moeda aos bens e direitos alienados durante o ano de 1977, após deduzido o valor do sinal e princípio de pagamento de 100.000$00, coeficientes esses, para o efeito, publicados por portaria do Ministério das Finanças(…) mantendo a presente proposta de compra pelo preço indicado, por um prazo de quinze dias a partir desta data, findo o qual considerar-me-ei desvinculado desta proposta” Como documento 8 da p.i. especificado sob M), na sequência de reunião de todos os Autores, cópia de carta de 4/7/2000 de resposta com o teor já mencionado, de difícil leitura, diga-se, onde, entre o mais se conclui: “Conscientes de termos cumprido nossa obrigação aguardamos resposta por escritos ou se pretendem…reunião no vosso escritório em ... com a brevidade possível(…)”
    *
    O Tribunal recorrido entendeu o quesito como dizendo respeito à interpelação formal para outorga da escritura, enfim a marcação da própria data da escritura de compra e venda. Contudo não é isso, exactamente, o que se pergunta. O que se pergunta é se na sequência da desvalorização do preço ajustado para a venda do terreno (quesitos a 7) os Autores continuaram a tentar contactar a Ré para efectuar a escritura. O Tribunal convenceu-se de que “com vista à concretização da escritura tendente à venda mencionada no documento referido em C) os familiares diligenciaram pela marcação de diversas reuniões com a ré (resposta ao quesito 3.º)”, “continuando até 1997 os contactos dos Autores com a Ré tendo em vista a efectivação da venda do prédio referido em A) (resposta dada ao art.º 12 da base instrutória”. Ora se o tribunal se convenceu que as diligências tinham em vista a concretização da escritura também resulta do depoimento das testemunhas que, na sequência da desvalorização do terreno, os contactos continuaram com esse objectivo último ainda que pela via da renegociação do preço.
    Do depoimento das testemunhas também, tal como na motivação se diz, não decorre que os contactos visassem a interpelação formal com designação de data para a marcação da escritura correspondente à promessa, mas resulta que os contactos visavam a alteração do preço constante da promessa, na medida em que os Autores o consideravam desajustado pelo decurso do tempo, com vista à outorga da escritura. A testemunha “T”, entre o mais disse: “(…) os  donos tentaram ir lá várias vezes para que as coisas se resolvessem e fazer a escritura e o valor já não podia ser aquele derivado ao terreno ter outra valorização…os donos tentaram várias reuniões com a Ré para se fazer a escritura…as reuniões que nãos e fizeram foi por fala de comparência do senhor “O” que as marcava…nas reuniões, 3 ou 4 o senhor “O” representa a Ré na última estava também o filho, fez a conta da inflação e dava 7.750.000$00 e o senhor “N” disse-lhe “dá-me os dez mil contos, fica arrumado” e o senhor “O” não quis, em 1997…antes o senhor “O” tinha proposto 700 contos que não fora aceite…o senhor “N” fez tudo para chegar a consenso…o senhor “N” e os herdeiros, soube que houve essa conversa, pediram para a Ré desocupar a pedreira (essa reunião já não foi comigo)…nunca o senhor “N” e o senhor “O” chegaram a acordo sobre a escritura…as reuniões a que eu assisti forma duas em 1997, uma em 1984 e outra em 1990….” Também assim o depoimento da testemunha “U” que assistiu a duas reuniões: “(…)Fui a duas reuniões com o senhor “N” que eu acompanhava que era pessoa doente…numa delas o senhor “O” disse que tinha que ser resolvido com o senhor “OO” com quem se marcou uma reunião…o senhor “O” tinha apresentado uma proposta de 700 contos, o senhor “N” não aceitou…na primeira reunião em que o senhor “N” contra propôs os 10 mil contos aos 7 mil contos o senhor “O” disse que quem resolvia isso era o senhor “OO”. Na 2.ª reunião com o senhor “OO” estive presente e o senhor “O”, o senhor “OO” trouxe o Diário da República e disse que o valor que podia dar pelo terreno eram os 7 mil contos, o senhor “N” disse que não…depois dessa reunião não sei se houve mais contactos, o senhor “N” usava um saco e tínhamos que o agarrar, foi nas instalações em ..., eles mudaram-se para .... O senhor “N” queria resolver a questão, nunca houve qualquer interesse do senhor “O” em fazer a escritura. O senhor “O” nunca contactou o senhor “N” para fazer a escritura, foi o senhor “N” que o contactou…se o senhor “N” é que ía às reuniões é porque tinha o aval das outras pessoas para negociar com o senhor “O”.”
    Da conjugação dos depoimentos com os documentos e bem assim com as respostas positivas dadas aos quesitos 3 e 12 resulta patente o erro de julgamento da matéria de facto do quesito 8 que passa a ser: quesito 8: “Continuando no entanto os Autores a tentar contactar a Ré para efectuar a escritura.”
    Já a resposta dada ao quesito 11, não merece censura dado que a testemunha “T” apenas ouviu dizer que tal se tinha falado numa reunião.
    Quanto ao quesito 14.
    Anuência, diz o Diccionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2005, é um substantiva feminino e é sinónimo de “acção ou efeito de anuir; anuição, aprovação, consentimento”. Anuir, verbo, é sinónimo de “consentir, estar de acordo, aprovar, assentir”
    Resulta suficientemente demonstrado nos autos das respostas dadas aos quesitos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, que, não obstante terem deixado passar os 11 primeiros anos após o “escrito” da promessa, os Autores começaram a contactar a Ré, diligenciando a marcação de diversas reuniões, nas quais se discutiu a alteração do preço de venda do terreno prometido à Ré vender 11 anos antes, com vista à concretização da escritura de compra e venda do terreno prometido vender. Houve propostas, houve contra propostas mas as partes não acordaram no preço é o que resulta pacificamente assente. Ora, o acordo que as partes pretendiam alcançar não era apenas o da outorga da escritura era o da celebração da escritura de compra e venda com um novo preço diferente daquele pelo qual inicialmente a promessa fora feita. A Ré esteve, pelo menos durante algum tempo, aparentemente, interessada na outorga da escritura da compra e venda, pois de contrário não teria havido proposta de novo preço e contraproposta dos Autores e resposta etc.
    Na sequência da proposta verbal da Ré dos 700 contos, apresentada em 1984, os Autores recusaram essa proposta porque a consideraram desajustada (respostas aos quesitos 9 e 10). Não resulta provado porque é que os Autores a consideraram desajustada, ou seja a recusa, nessa altura, do novo preço da Ré, sendo certo que os contactos dos AA com a Ré prosseguiram até 1997 (resposta ao quesito 12 da base instrutória). Também não resulta provado que nesse espaço de tempo os Autores tenham apresentado um contraproposta de preço à Ré, o que parecia razoável que tivesse ocorrido, já que, aparentemente, decorria uma renegociação do preço da venda. Daí que se não perceba em que é que consiste o incumprimento pela Ré, o terceiro segundo a carta, do acordado e constante da carta de 30/4/1997 que os Autores enviaram à Ré e na qual, sem mais declaram ficar sem efeito o negócio de 22/11/73. Menos se percebe, ainda, que, depois de unilateralmente “resolvida” a promessa, por essa carta como de H) consta, tenham os Autores anuído a reunir com a Ré com vista á apreciação de uma nova proposta de preço de aquisição do terreno, isto em 16/6/1997, proposta à qual os Autores deram seguimento com pedido de esclarecimento sobre a forma como se alcançou o novo valor proposto. Das missivas que se lhe seguiram resulta em 4/7/2000 os Autores ainda pretendiam vender o terreno à Ré, só que não pelo valor da última proposta da Ré antes pelo preço de 10.000$00/m2. Ou seja, em 4/7/2000 e já depois de em Abril de 1997 terem “resolvido” a promessa, os Autores voltam a estar interessados em vender à Ré o terreno por um novo preço, que a Ré não aceitou, é essa a verdade dos factos.
    Ainda que se considere que a missiva de Abril de 1997 encerra a promessa de 1973, mediante declaração resolutória, estando em causa no quesito 14 saber se os Autores nunca obtiveram da Ré a anuência para a realização da escritura de venda definitiva correspondente a essa promessa, a única certeza dos autos é que os Autores não aceitaram a proposta de venda do terreno pelo preço proposto pela Ré de 700 contos, inexistindo contraproposta dos Autores, não havia nada para a Ré dar anuência. Da matéria de facto provada fica a certeza de que as propostas de novo preço de venda até Abril de 1997 foram todas apresentadas pela Ré. Isto sem necessidade de apreciar da pertinência da cópia simples da petição de execução específica da promessa apresnetada pela Ré em 2010.
    Mantém-se assim a resposta ao quesito 14.
    b) Saber se ocorre erro de julgamento de direito quando entende inexistir perda de interesse da ré em comprar o terreno dos autos, na medida em que existe prova bastante para concluir pela desistência definitiva e categórica da Ré de querer o contrato definitivo de compra e venda, o que consubstanciando uma recusa inequívoca da credora em cumprir devolve aos Autores que nenhuma culpa têm no incumprimento, o direito de ver declarada a resolução contratual;

    Entendeu o tribunal recorrido em suma o seguinte:
  • Resulta da factualidade provada e da análise do documento de fls. 23 intitulado recibo – esc. 100.000$00 que estamos perante um contrato promessa unilateral, constante do documento escrito e datado de 21/11/1973 nos termos do qual os ascendentes dos autores, únicos subscritores, prometeram vender à ré o prédio dos autos, não sendo a qualificação do contrato motivo de controvérsia, com entrega de sinal e tradição da coisa;
  • Até à data não foi outorgada a escritura de venda.
  • O direito à resolução do contrato promessa é regido pelos preceitos de carácter geral previstos nos art.ºs 790 e ss do Cciv em virtude da equiparação do art.º 410/1 do CCiv, exigindo-se a perda do interesse do credor em consequência da mora apreciada objectivamente em conformidade com o art.º 808/2 do CCIv, ou perda subjectiva de interesse do credor pelo decurso do prazo fixado por este mediante interpelação admonitória, recusa do credor, ou recusa inequívoca e definitiva de cumprir ou impossibilidade culposa do art.º 801/1 do CCiv.
  • No caso concreto apenas a resposta positiva ao quesito 14 permitiria demonstrar a inexistência de interesse da ré credora em celebrar o contrato prometido e a circunstância de na acção judicial especificada em N) a ré em Reconvenção ter pedido o reconhecimento do direito de propriedade sobre o terreno pela usucapião, pugnando sempre pela validade do negócio, não significa qualquer perda de interesse, e, pugnando sempre pela validade da promessa é um sinal inequívoco do seu interesse na execução da promessa, ao invés dos Autores que ali pretendiam ver declarada a nulidade da promessa.
  • A promessa unilateral de venda é uma obrigação pura podendo o credor exigir a todo o tempo o cumprimento, podendo o devedor exonerar-se dela (art.º 777 do CCiv).
  • Não resultou provado que os autores tenham tentado contactar a ré para efectuar a escritura. (resposta negativa ao 8, restritivas aos 3 e 4, e 5 a 7), não tendo ocorrido interpelação da ré para outorgar a escritura da compra e venda definitiva, havendo aproximação para renegociar o preço acordado.
  • Quem poderia converter a mora em incumprimento definitivo era a ré credora em consequência da mora dos autores, resolvendo o contrato ao abrigo do art.º 801/1 do CCiv e não ao contrário e não se demonstrou qualquer facto apto a demonstra a perda de interesse da Ré na celebração da venda definitiva
    Inconformados e em suma sustentam os Autores:
  • A Ré não pagou durante 40 anos a diferença entre o valor prestado e o valor fixado na promessa unilateral de venda, a escritura de compra e venda definitiva não foi realizada, a Ré nada fez para essa marcação nem solicitou qualquer reunião com esse fim, explorou com lucro a pedra existente na pedreira objecto da promessa, deixando passar o tempo até ao esgotamento da pedra, sem recusar totalmente as insistentes investidas dos antepassados dos Autores, comportamento esse que inequivocamente demonstrou aos falecidos proprietários que a Ré já não desejava em tempo algum comprar o terreno mas apenas mantê-lo na sua posse, atitude que manteve após 1997 ao defender, em reconvenção, na acção que os Autores lhe moveram a aquisição do terreno por usucapião o que constitui renúncia inequívoca de querer comprar que é sinónimo de recusa inequívoca e definitiva em querer comprar; por seu turno so Autores tentaram desonerar-se da obrigação de vender como resulta do facto assente em G)
  • Os factos provados em G), H), U), V), Z), I), J), K), L) demonstram que sendo a obrigação dos Autores uma obrigação pura os Autores exoneraram-se dela, de foram legítima, actuando de boa fé e qualquer modo a alteração das circunstâncias legitima a resolução contratual
    Em contra-alegações a Ré sustenta em suma:
  • Trata-se de um contrato unilateral de venda e a perda de interesse ou desistência definitiva do direito a comprar o imóvel por parte da Ré não encontra apoio na lei ou então é dúbia; de todo o modo a perda do interesse da credora que é a Ré nos termso do art.º 808 do CCiv apenas releva para lhe conferir a ela a faculdade de resolver a promessa.
  • Não podem coexistir a extinção do contrato por desistência do credor e o direito a resolvê-lo.
  • Os factos invocados não permitem concluir pela desistência a defesa na acção em causa não é renúncia inequívoca a compra o terreno
  • A obrigação dos autos é uma obrigação pura, a recorrida já exigiu o cumprimento da obrigação mas os recorrentes ainda nãos e libertaram da obrigação que voluntariamente assumiram, na medida em que interpelou os recorrentes para o cumprimento da sua obrigação designando para tal dia e hora para a outorga da escritura à qual os Autores não compareceram. O art.º 777/1 do CCiv ao estatuir que o devedor se pode exonerar a todo o tempo da sua obrigação quer dizer que o devedor pode cumprir a todo o tempo essa sua obrigação, desde logo fixando prazo para o exercício do direito do credor promissário não relevando a desvinculação unilateral da alínea G), além de que face a ponto L) tal não é uma declaração séria e firme de desvinculação.
  • A valorização de um terreno não é por si só uma circunstância anómala, uma vez que a inflação é um fenómeno previsível e a circunstância de se não perspectivar a construção no local, expansão urbanística essa que se veio a verificar não significa que a construção não fosse possível nesse local, não ocorrendo uma alteração anormal das circunstâncias.
  • A recorrida actuou de boa fé dispôs-se a comprar o terreno por preços actualizados segundo índices de correcção monetária de publicação, não havendo ao contrário do que dizem os recorrentes desequilíbrio das prestações, de resto os recorrentes não resolveram o contrato com base na alteração das circunstâncias.
    Trata-se de um recibo de “Esc 100.000$00” datado de 21/11/1973 (anterior por isso às reformas do Código Civil de 1980 e de 1986), assinado por “P”, “W” e “K”, que se identificam como herdeiros de “S”, documento esse em que dão conta do recebimento daquela quantia como “sinal e princípio de pagamento da importância de 358.400$00(…) pela venda que lhe fazemos de um terreno(…)
    As partes não têm dúvida em qualificar o negócio consubstanciado no escrito de fls. 23 como um contrato-promessa unilateral de venda do terreno.
    Na referida acção de 2001 e especificada em N) foi proferido, a final, acórdão do STJ de 16/10/08 que confirmou a sentença recorrida, sentença essa onde, entre o mais se pode ler em sede de fundamentação: “(…) O documento contém, apenas, uma declaração negocial, a dos promitentes vendedores (únicos subscritores), porquanto apenas esses assumem a obrigação de proceder à venda do prédio. O recebimento do sinal pago pela Ré comprova essa aceitação. Trata-se, pois, de um contrato promessa unilateral (…)não ficou demonstrado nos autos que tenha ocorrido um contrato bilateral irregular (em que na sua formalização tenha sido omitida a declaração de vontade do promitente comprador), o que imporia tratar da relevância de tal vício (nulidade total ou parcial, com recurso aos institutos de redução ou conversão) (…) a promessa será unilateral se A se vincula a vender, ficando B com liberdade para comprar ou não, ou se apenas B se vincula a compara, não ficando A sujeito a qualquer compromisso(…)O contrato dos autos não se encontra afectado na sua validade formal(..)”
    A questão da validade do negócio está pois ultrapassada.
    Do escrito, como se diz e bem, decorre apenas uma obrigação que é a obrigação da venda do terreno por parte dos subscritores, que, tal como entendem as instâncias (esta e a outra), prometem vender à Ré o terreno por aquele preço, autorizando do mesmo passo que a Ré se instale nesse terreno. Nenhuma declaração negocial expressa da Ré. Diz o acórdão da acção anterior que se trata de um contrato, com subscrição apenas dos vendedores, válido, em que há uma aceitação da Ré dessa promessa de venda, o que resulta do recebimento do sinal. O pagamento (comprovado pelo recebimento do valor do sinal pelos vendedores) é assim facto concludente da declaração negocial tácita de aceitação da venda (art.º 217/1 do CCiv). Contudo, a única declaração negocial, muito embora tácita, por parte da Ré compradora, é apenas essa, a da aceitação da venda. No escrito, os promitentes vendedores e únicos subscritores desse documento, não fixam prazo para a escritura nem sequer dizem quem é que marcará a escritura de venda, ou nada dizem sobre o contrato definitivo da compra e venda, esse sim negócio bilateral e sinalagmático. Nem naquela acção nem nesta acção se provaram factos relativos às vontades reais quer dos promitentes vendedores quer da Ré aceitante da venda.
    A interpretação e integração da declaração negocial valerá, assim, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder contar com ele, não podendo a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art.ºs 236 e 238 do CCiv). Inexistindo qualquer outra declaração negocial, para além da “venda” pelo referido preço com recebimento de sinal de 100 contos e declaração tácita dessa venda pela Ré, na medida em que no contrato-promessa de compra e venda, toda e qualquer quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor tem, presuntivamente, carácter de sinal, porque a Ré assim o entendeu e tem no escrito um mínimo de correspondência verbal, é legítima a conclusão das instâncias de que se trata de um contrato-promessa unilateral tal como previsto no art.º 411 do cCiv.
    Breves considerações sobre o regime legal da mora.
    Dispõe o art.º 411 do CCiv: “Se o contrato-promessa vinculara apenas uma das partes e não se fixar o prazo dentro do qual o vínculo é eficaz, pode o tribunal, a requerimento do promitente, fixar à outra parte um prazo para o exercício do direito, findo o qual este caducará”
    No que toca ao prazo da prestação, dispõe supletivamente o art.º 777/1 do CCiv que, na falta de estipulação ou de disposição da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.
    O n.º 2 estatui que se a natureza da prestação, as circunstâncias que a determinaram, ou os usos tornarem necessário o estabelecimento de um prazo e as partes não o acordarem a fixação dele é deferida ao tribunal. Estando a determinação do prazo deixada ao credor e este não usar da faculdade de o fixar compete ao tribunal fixá-la a requerimento do devedor (n.º 3).
    O prazo que não tiver sido estabelecido a favor do credor ou do credor e do devedor conjuntamente tem-se por estabelecido a favor do devedor (art.º 779 do CCiv).
    Não tendo a obrigação prazo certo, não impedindo o devedor a sua própria interpelação, o devedor só fica em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art.º 805, n.ºs 1 e 2).
    Se o credor, em consequência da mora perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação, sendo essa perda de interesse objectivamente apreciada (art.º 808, n.ºs 1 e 2).
    O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação (art.º 813 do CCiv), fazendo recair sobre o credor o risco de impossibilidade superveniente da prestação que resulte de facto não imputável a dolo do devedor (art.º 815/1 do CCiv), ficando obrigado a indemnizar o devedor das maiores despesas que este seja obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respectivo objecto).
    No caso concreto, nem o promitente vendedor nem o promissário não subscritor estabeleceram, no escrito, prazo para o cumprimento da obrigação de contratar definitivamente, ou seja para a outorga da escritura definitiva de compra e venda
    Caso inexistisse disposição especial da lei, na medida em que nem o promitente nem o promissário estabeleceram prazo para o cumprimento da obrigação de contratar, o promissário teria o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação de contratar definitivamente e o devedor teria a faculdade de se exonerar dela, quer dizer, de a cumprir.
    Concordamos com Ana Prata[4] quando diz que se está, à primeira vista, perante um regime especial relativo ao tempo do cumprimento da obrigação de contratar, cominando a lei com a extinção do crédito, por caducidade, por inacção do credor, regime especial esse que se justifica na medida em que o regime consagrado para as obrigações puras pelo art.º 777/1 do CCiv é insuficiente, por um lado, porque não se prevê, como regime geral, a liberação coactiva do devedor (como o parece permitir o art.º 411) e, por outro, na medida em que o regime de liberação coactiva do devedor legalmente previsto e que é o regime da consignação em depósito é insusceptível de aplicação à obrigação de contratar.
    A promessa unilateral de contrato produz uma obrigação, por sua natureza, carecida de prazo de cumprimento.[5]
    Assim sendo, tendo o devedor a iniciativa do cumprimento nos termos do art.º 777/1 do CCiv, não é a recusa pura e simples, ainda que injustificada do recebimento, ou seja, de comparecer na data e hora da escritura que produziria automaticamente a mora accipiendi, ou seja a mora da promissário, até porque este pode invocar não dispor de todos os elementos para essa aceitação, carecendo então de se fixar um prazo que o devedor poderia requerer ao tribunal nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 777 do CCiv; só então e depois de operada essa fixação de prazo a persistente recusa do promissário na outorga da escritura se constituiria o promissário em mora pela manifesta falta de colaboração no cumprimento da obrigação assumida pelo promitente.
    A questão que se coloca é a de saber se a mora accipiendi, traduzida na manifesta falta de colaboração do promissário no cumprimento da obrigação do promitente, pode produzir a liberação do promitente devedor por se considerar definitivamente impossibilitado pelo credor.
    O problema assume a máxima acuidade nos casos em que a mora do credor ou qualquer circunstância atinente à pessoa deste e de cuja verificação o devedor é isento de culpa não permite que o devedor se possa livra da obrigação mediante o depósito da prestação porque ela respeita a um facto, uma acção ou omissão. Sendo o objecto da obrigação a prestação de facto, como é o caso da obrigação de contratar, não podendo o devedor, face à mora accipiendi, exonerar-se da sua obrigação, ou seja, cumpri-la, mediante a consignação em depósito, nenhum conteúdo útil restaria, assim, ao art.º 777/1 do CCiv. Ora a mora do credor não deve prejudicar o devedor e muito menos deve agravar a sua posição, não sendo admissível que o devedor, para se exonerar, tenha de esperar indefenidamente, pela cooperação do credor e que o credor injustiçadamente, recusa, ainda que sem culpa.
    Tal construção implica, segundo nos parece, que se está perante um verdadeiro direito do promitente devedor ao cumprimento e não apenas de um dever de contratar.[6]
    Ana Prata rejeita esta hipótese e também Pessoa Jorge, pela mesma citada.[7]
    Não nos parece que o promitente devedor deva ficar indefenidamente vinculado e sujeito à pura discricionaridade do promissário, uma vez tomada a iniciativa e fixado prazo ao credor para exigir o cumprimento da obrigação.
    O promitente devedor da obrigação da outorga da escritura não a pode efectivar sem a colaboração do promissário credor da mesma, e essa colaboração há-de ser uma colaboração activa, caso a iniciativa parta do promitente devedor, sobretudo se as partes estiverem de acordo em que o preço inicialmente fixado está desajustado; nesse circunstancialismo pode falar-se, a nosso ver, com propriedade, de um verdadeiro direito à colaboração no cumprimento do dever em que as partes hão-de executar segundo os ditames da boa fé (art.º 762 do CCiv). Contudo, a colaboração do credor promissário não pode ir ao ponto de aceitar, sem mais, um novo preço que o promitente lhe contra proponha.
    Inexistindo forma de as partes acordarem em novo preço para a promessa, resta ao promitente devedor fixar prazo ao promissário credor para exerça o seu direito.
     Se, fixado mesmo judicialmente, um prazo razoável ao promissário para que este desenvolva a colaboração que é indispensável ao cumprimento da obrigação, este último a não desenvolver, incorre em mora creditícia e fá-lo com culpa presumida (art.º 799 do CCiv), o que pode permitir a presunção da perda de interesse creditório no cumprimento da obrigação de contratar[8]. Este mesmo regime é aplicável, tratando-se de uma promessa unilateral remunerada, como é o caso dos autos em que houve entrega de certa quantia a título de sinal e antecipação de cumprimento, sem que haja declaração negocial de obrigação de pagamento do remanescente preço correspondente à venda, ou seja sem que o promissário tenha declarado que promete comprar, na medida em que nitidamente o que ocorre é que existe uma única obrigação pura e que é a de vender aquele terreno ao promissário.
    Sustentam os Autores com base nos factos dados como provados:
    · A Ré não pagou durante 40 anos a diferença entre o valor prestado e o valor fixado na promessa unilateral de venda, a escritura de compra e venda definitiva não foi realizada, a Ré nada fez para essa marcação nem solicitou qualquer reunião com esse fim, explorou com lucro a pedra existente na pedreira objecto da promessa, deixando passar o tempo até ao esgotamento da pedra, sem recusar totalmente as insistentes investidas dos antepassados dos Autores, comportamento esse que inequivocamente demonstrou aos falecidos proprietários que a Ré já não desejava em tempo algum comprar o terreno mas apenas mantê-lo na sua posse, atitude que manteve após 1997 ao defender, em reconvenção, na acção que os Autores lhe moveram a aquisição do terreno por usucapião o que constitui renúncia inequívoca de querer comprar que é sinónimo de recusa inequívoca e definitiva em querer comprar; por seu turno os Autores tentaram desonerar-se da obrigação de vender como resulta do facto assente em G)
    Os Autores partem duma premissa que não é verdadeira: a Ré tinha a obrigação de marcar a escritura, tinha a obrigação de tomar a iniciativa de a marcar, nada fez, explorou a pedreira durante 27 anos, dela colheu os lucros e por isso se deve presumir que desistiu, perdeu o interesse na compra, até porque o tempo corria a seu favor.
    A obrigação de contratar é dos promitentes vendedores e não do promissário. Daí que a matéria de facto dada como provada não permita concluir pela desistência tácita do promissário em outorgar a escritura definitiva. E não permite, desde logo, na medida em que da matéria de facto dada como provada o que resulta é que os promitentes vendedores e seus herdeiros, decorridos 11 anos sobre a promessa, começaram a contactar a Ré com vista a um acordo de alteração do preço da venda (porque se tornou desajustado pelo decurso do tempo), e posterior outorga da escritura - respostas dadas aos art.ºs 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12. Mais se verifica que as propostas de novo preço são todas da Ré e nenhuma dela mereceu concordância da Autora. Não mereceu concordância da Autora nenhuma dessas propostas formuladas pela Ré quanto à alteração do preço sem que, aparentemente, (e é apenas a verdade processual que temos), houvesse justificação da promitente devedora para tanto.
    Na verdade, se o decurso do tempo tornou desajustado o preço da promessa de 1973, como parece resultar da matéria de facto provada, porque a obrigação de contratar em conformidade com o escrito de 1973 é apenas dos promitentes, cabia-lhes a eles o ónus de demonstrar que as propostas de preço apresentadas em 1984 e em 1997, de 700 contos em 1984 e de 7752 contos em 1997 estavam desfasadas não só pelo fenómeno da inflação e correspondente correcção monetária como pela valorização entretanto ocorrida fruto da expansão urbanística na zona. Neste processo inexiste uma perícia de avaliação do terreno para se apurar quanto ele vale e valeu naqueles períodos.
    A carta da alínea G) dos factos assentes datada de 30/4/1997, onde perpassa uma alegada perda de interesse dos promitentes vendedores, não tem a eficácia resolutória que os vendedores nela referem, não só porque, não se vislumbra da matéria de facto provada o incumprimento do promissário nela referido como porque, em Junho desse ano, Autores e Ré voltam a reunir-se para tratar da venda do terreno, tendo, nessa reunião havido uma proposta de compra da Ré por 7752 contos, valor que a Ré terá justificado conforme carta constante de K) mas que os Autores não aceitaram como resulta de L). Não só inexiste prova patente de perda subjectiva ou objectiva de interesse pelo promissário na outorga da escritura correspondente à promessa como não ocorreu, por parte dos promitentes vendedores a fixação de um prazo razoável à Ré para exigir o cumprimento dessa mesma obrigação (designadamente fixando-lhe um prazo para declarar se pretende comprar ou não), assim como não é possível concluir, da matéria de facto dada como provada que a Ré não colaborou, activamente, no cumprimento da obrigação de contratar posto que, verdadeiramente, os promitentes vendedores não se dispuseram a cumprir a escritura correspondente à promessa, apenas se dispuseram a acordar com a Ré a alteração do preço de venda com vista à escritura de venda do terreno.
    Ocorre, efectivamente, um retardamento do cumprimento da obrigação de contratar. É que, desde a promessa de venda decorreu já um período de quase 40 anos (em 2013 faz 40 anos).
    A esse retardamento não é alheio, durante os primeiros 11 anos e até 1984, o comportamento dos promitentes. Efectivamente, durante 11 anos, não obstante a exploração lucrativa da pedreira pela Ré, os promitentes não terão sequer contactado a Ré com vista à realização da escritura de venda e é notório o fenómeno inflacionário dos anos 80. A eles cumpria a tomada de iniciativa. Mesmo depois disso, a iniciativa que os promitentes tomaram não foi a adequada, na medida em que não só não marcaram qualquer prazo para que a promissária exercesse o seu direito de compra, como nem sequer eles próprios se predispuseram a vender o terreno pelo preço que os primitivos vendedores se obrigaram. A ser assim não é possível configurar a mora do promissário, a mora accipiendi.
    Inexistindo mora creditícia, não se demonstrando que por via dessa mora ficaram os promitentes devedores impossibilitados de cumprir a sua obrigação (bastaria a fixação extrajudicial ou judicial de um prazo ao credor promissário para exercer o seu direito de comprar), não se vislumbrando a desistência expressa ou tácita de comprar por parte da credora promissária, não assiste aos promitentes o direito de resolverem, por essa razão, a promessa a que se vincularam. Assistirá, por outro lado, aos credores o direito de resolverem o contrato com base na alteração das circunstâncias de contratar? Isso leva-nos à 3.ª das questões.
    c) Saber se ocorre alteração das circunstâncias de contratar a justificar a resolução do contrato, ocorrendo violação do disposto nos art.ºs 762, 777 e 437 do CCiv
    Sustenta a recorrida:
    49. Em momento algum da lide foi alegada existência de resolução por alteração das circunstâncias e aplicação do regime jurídico previsto no art. 437.º do cod. civ., pelo que esta nova contextualização fáctico-jurídica configura uma ampliação da causa de pedir unilateral, inadmissível nesta fase processual.
    50. A verificação de alteração das circunstâncias, como conceito misto que é, carece da alegação cumulativa de requisitos de direito e de facto que têm de ser expressamente alegados como fundamento do pedido, sob pena de, não sendo alegados oportunamente, não poderem ser apreciados em juízo.
    A sentença recorrida elegeu como questão a resolver, a par do caso julgado e do pedido de condenação em multa e indemnização por litigância de má fé a de “verificar se existe fundamento para a requerida resolução do contrato e suas consequências”
    A sentença recorrida abordou o direito resolutório sob a perspectiva da alegada perda de interesse, desistência de comprar por parte da credora promissária. O pedido, como bem se equaciona na sentença recorrida, é de resolução da promessa e em termos jurídicos invocam apenas um preceito legal que, de resto, enferma todo o ordenamento jurídico civilista e que é o art.º 762/2 do CCiv ou seja o de que no cumprimento da obrigação assim como no exercício do direito correspondente as partes devem proceder de boa fé.
    Trata-se de um princípio juscivilista incontornável, a ter em conta, particularmente neste tipo de contratos como são os contratos-promessa unilaterais, como acima se disse.
    Existem factos alegados pelos recorrentes que poderiam, se complementados por outros não expressamente alegados e referentes à vontade dos promitentes vendedores e prestador do sinal no que concerne à base dessa promessa (designadamente uma vontade não expressamente declarada quanto à duração daquela promessa), ser subsumidos à questão fáctico-jurídica da excepção ao princípio da estabilidade dos negócios jurídicos, à questão da alteração da base do negócio tal como prevista no art.º 437 do CCiv.
    É que os Autores invocaram factos relativos ao decurso do tempo e à sua influência no preço da promessa nos art.ºs 12, 13, 14, 17, 18, 19, mas na perspectiva da justificação dos contactos com vista à renegociação do preço e posterior desistência do negócio pela promissária. Saber se essa factualidade, que se encontra provada, é juridicamente relevante, suscita não apenas uma questão de direito, para cuja solução o juiz não está dependente de alegação das partes, mas também de facto, só podendo o juiz servir-se dos factos articulados pelas partes (art.º 664). O juiz, na sentença, deve resolver todas as questões que as partes tenham subsumido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (art.º 660/2). O Tribunal recorrido não analisou o direito resolutório sob a perspectiva da alteração anormal das circunstâncias de contratar previsto no art.º 437 do CCiv. Para que a parte possa, eficazmente, invocar judicialmente a resolução com fundamento nessa alteração da base do negócio é mister que as circunstâncias que em que as partes fundaram a decisão de contratar seja anormal, o que implica não só a alegação fáctica pertinente como a análise crítica dessa factualidade, a subsunção dos factos provados a esse conceito jurídico, aferindo se essa alteração torna o cumprimento da obrigação ofensivo dos princípios da boa fé (para o que é necessário ter em conta a finalidade do negócio e conjunto dos direitos e deveres que dele emergem para as partes, para se concluir se essa alteração atinge de modo insuportável o equilíbrio contratual resultante da equivalências das prestações que se presume existir ao tempo da celebração) e que essa alteração se não possa considerar abrangida pelo risco do negócio e que o lesado não esteja em mora (art.º 438 do CCiv)[9]
    Nada disto foi apreciado na sentença recorrida, porque assim não foi alegado.
    O direito português segue, em matéria de âmbito do recurso, o modelo do recurso de revisão ou reponderação. Daí o tribunal ad quem produzir um novo julgamento sobre o decidido pelo tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este, encontrando-se os juízes de 2.ª instância ao proferirem a sua decisão numa situação idêntica à do juiz da 1.ª instância no momento de editar a sua sentença. Os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, salva a hipótese de as partes poderem acordar na alteração ou ampliação do pedido (art.º 272), também a do art.º 663, e as questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito como é a matéria de excepção dilatória, nulidade do negócio jurídico, caducidade em matéria excluída da disponibilidade das partes, abuso de direito, atendimento de documentos novos, sendo o tribunal livre no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito (art.º 664)[10].
    As partes não acordaram, nesta instância, na ampliação do pedido e da causa de pedir (art.º 273/1).
    A matéria da resolução com fundamento na alteração das circunstâncias não é questão de conhecimento oficioso por esta Relação. A ser assim e porque não sendo apenas questão de direito, antes fáctico-jurídica que a sentença recorrida não apreciou, e não tinha que apreciar porque sendo fáctico-jurídica não foram alegados os factos e o direito pertinentes em nenhuma fase do processo, não tendo as partes acordado na ampliação do pedido e da causa de pedir, garantido que este Tribunal não pode decidir ex nuovo a questão da alteração das circunstâncias, pelas razões ditas, nãos e conhecerá da mesma.
    Improcede, também, nesta parte o recurso.

    IV- DECISÃO
    Tudo visto acordam os juízes em:
    a) julgar procedente a apelação no tocante à alteração da decisão de facto constante dos quesitos 1 e 8 tal como de III decorre;
    b) julgar, no mais, improcedente a apelação, concluir que a alteração da decisão de facto não permite a alteração da decisão recorrida, que se mantém.
    Regime de Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade dos recorrentes que decaem e porque decaem (art.º 446, n.ºs 1 e 2)

    Lisboa, 1 de Março de 2012

    João Miguel Mourão Vaz Gomes
    Jorge Manuel Leitão Leal
    Pedro Martins
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    [1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pelo DL 303/2007 de 24/08, entrado em vigor a 1/1/08,  atenta a circunstância de a acção ter dado entrada em juízo em 21/5/09 e ter sido autuada em 22/05/ 09na 1.ª espécie ao 5.º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Oeiras, como resulta dos autos e o disposto no art.º 11 e 12 do mencionado diploma; ao Código referido pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
    [2] A. Reis, obra citada, pág. 142.
    [3] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2008, págs.
    [4] “Contrato-Promessa e o seu Regime Civil”, Almedina, 2001, pág 554; a mesma autora faz uma resenha doutrinária e conclui que este entendimento é claro em Pires de Liam e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Eridiano de Abreu in Do Contrato promessa de compra e venda, Manuel Batista Lopes in Do Contrato de Compra e Venda; já Almeida Costa na 3.ª edição das suas Obrigações sustenta que esse prazo é um prazo para o exercício do direito e da correspectiva obrigação enquanto que na RLJ 116, n.º 3117, pág. 384 sustenta que o promitente tem a faculdade de requerer ao tribunal a fixação de um prazo à outra parte para o exercício do direito; também Galvão Telles na 4.ª edição do Direito das Obrigações, págs. 78-79 sustenta que é de caducidade do direito o prazo de que a lei ocupa, mas na 6.ª edição dessa obra exprimindo esse raciocínio com clareza em relação à ultrapassagem do prazo fixado no contrato bilateral, não é tão claro quanto à promessa unilateral; também Abel Pereira Delgado in Do Contrato Promessa retirando do art.º 411 argumento de que o contrato-promessa pode ser celebrado sem prazo, conclui que o devedor não ficando à mercê do credor pode provocar a sua exigibilidade; por último Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1.º volume, fala do prazo judicialmente fixado para o exercício, pelo promitente não vinculado, do seu direito, sob pena de caducidade do contrato.
    [5] Ana Prata, obra citada, fazendo referência à doutrina italiana; refere, todavia, que a posição do Tribunal de Cassacção Italiano é a de que o contrato-promessa não carece de termo para o cumprimento e que se ele não estiver estabelecido convencionalmente pelas partes, o credor pode exigir o cumprimento quando entenda (cum voluerit), O art.º 936, 2 do ABGB estabelece que a conclusão do contrato definitivo tem de ser exigida no prazo de um ano
    [6] F. A. Cunha de Sá,  “Direito ao Cumprimento e Direito a Cumprir”, RDES, Ano XX, 1973, págs. 229 e ss.
    [7] Obra citada; Ana Prata sustenta que na obrigação de contratar emergente da promessa unilateral, constituindo a modalidade de cumprimento mais frequente a celebração com terceiro de contrato incompatível com o cumprimento da promessa, o regime da mora creditória não representa significativa vantagem para o promitente, pois o cumprimento sendo caracteristicamente doloso continua a fazê-lo incorrer na respectiva responsabilidade obrigacional face ao credor
    [8] Acompanhando, ainda Ana Pata, obra e local citados, a mesma citando Cunha de Sá in Direito ao cumprimento e direito a cumprir, refere que este autor, por aplicação analógica do art.º 808 do CCiv à mora do credor, entende que o devedor pode fixar-lhe um prazo razoável para que desenvolva a colaboração que é indispensável ao cumprimento da obrigação findo o qual este tem de considerar-se impossibilitado por facto do credor. Segundo Cunha de Sá, obra e local citados, tanto na mora debitoris como na mora accipiendi o que ocorre é uma ilicitude de comportamento, activa ou omissiva, do respectivo sujeito, ilicitude que é o resultado de um juízo de objectiva contrariedade da não realização da prestação pelo devedor e da falta de colaboração do credor ao fundamento axiológico-jurídico da obrigação e do qual decorre para o devedor o dever de prestar e para o credor o dever de colaborar na realização coactiva da prestação sempre que esta não possa verificar-se sem tal colaboração, nada impedindo que as razões justificativas da regulamentação introduzida pelo art.º 808 na mora do devedor procedam em relação á mora do credor.
    [9] Rodrigues Bastos, “Das Obrigações em Geral”, 2.ª edição, Petrony, 1977, págs 128/129
    [10] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição,