Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
376/06.6TTCSC.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: TÍTULO PROFISSIONAL
CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I – As partes podem apor uma condição suspensiva um contrato de trabalho desde que o façam por escrito.
II – Tal cláusula em que se mostra prevista a condição suspensiva pode ser revogada posteriormente pelas partes.
III – A falta de certificação profissional obrigatória do INAC para as funções de co-piloto, relativamente a uma trabalhadora, implica a nulidade do contrato de trabalho, nos termos do artigo 113.º do Código do Trabalho de 2003.
IV – Tal nulidade tem os efeitos decorrentes dos artigos 115.º e 116.º do Código do Trabalho de 2003, não prejudicando os efeitos legais derivados da ilicitude do despedimento sem justa causa e sem procedimento disciplinar de que a trabalhadora foi alvo em momento anterior à declaração judicial da nulidade – muito embora esses efeitos legais só se produzam até à notificação às partes da referida invalidade do contrato de trabalho – nem a percepção das demais prestações laborais devidas durante a vigência do contrato de trabalho e por virtude da sua cessação.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO

AA, casada, (…), instaurou, em 28/09/2006, a presente acção declarativa de condenação com processo comum laboral contra BB – TRANSPORTES AÉREOS, SA, (…), pedindo, em síntese, pelos fundamentos que constam da sua douta petição inicial de fls. 3 a 14, que aqui se dá por reproduzida, o seguinte:
1) Que o contrato de trabalho a termo certo que celebrou com a AIR CC, SA, em 1/11/2003, e que depois se transmitiu, em 1/06/2005, para a Ré, ao abrigo do artigo 318.º do Código de Trabalho de 2003, seja considerado um contrato de trabalho sem termo, por ser falso o motivo dela constante para a aposição do prazo de 12 meses em questão;
2) Que a Ré seja condenada a reconhecer que o referido contrato teve início em 01 de Maio de 2004, com a sua largada, na categoria de co-piloto e ainda ao serviço da AIR CC, SA e com o vencimento inicial de € 1.500,00 + € 661,25 e, posteriormente, de € 1.500,00 + € 1.000,00;
3) Que seja declarado ilícito o despedimento sem justa causa e sem prévio procedimento disciplinar em que se traduz a carta de não renovação de um invocado contrato de trabalho a termo certo de 15/04/2005, que contudo nunca foi firmado entre as partes, remetida pela Ré à Autora em 6/03/2006, pois o vínculo laboral existente emerge unicamente do aludido contrato de 1/11/2003;
4) Em consequência, condenar-se a Ré a pagar-lhe as seguintes quantias:
a) 7.500,00 Euros, a título de indemnização pelo despedimento ilícito, acrescida das retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até à data da sentença, acrescida de juros vencidos e vincendos;
b) 16.250,00 Euros, a título de salários de Outubro de 2005 a Abril de 2006;
c) 2.500,00 Euros, a título de subsídio de Natal de 2005.
d) 3.958,33 Euros, a título de férias vencidas, e não gozadas, nos anos de 2004 e 2005;
e) 5.000,00 Euros, a título de férias e subsídio de férias vencidas em 01/01/2006;
f) 2.187,46 Euros, a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 2006;
g) 27.072,45 Euros, a título de danos patrimoniais (despesas do curso de formação para co-piloto);
h) 20.000,00 Euros, a título de danos não patrimoniais.
Subsidiariamente, e caso se entenda que o contrato era a termo certo e que foi validamente denunciado, deverá a Ré ser condenada a pagar-lhe uma compensação correspondente a dois dias de retribuição por cada mês de duração do contrato, no montante de 4.000,00 Euros.
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Foi agendada data para a realização da Audiência de Partes, tendo a Ré sido citada para o efeito, por carta registada com Aviso de Recepção, como resulta de fls. 76 e 78.
Mostrando-se inviável a conciliação das partes, foi determinado que os autos aguardassem a contestação da Ré (fls. 80 e 81), por a mesma ter já sido citada para, no prazo e sob a cominação legal contestar, o que a Ré fez, em tempo devido, e nos seguintes termos, conforme ressalta de fls. 82 e seguintes, onde defendeu que é parte ilegítima, excepção que deverá ser decretada e chamada aos autos a sociedade AIR CC, SA, com vista a esta se defender de toda a matéria da petição inicial que só a esta diz respeito, impugnando por isso e nessa medida grande parte do que nesse articulado se mostra alegado, tudo nos termos e pelos fundamentos do referido articulado que aqui se dá por reproduzido.
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A Autora respondeu (fls. 103 e seguintes), pugnando pela legitimidade da Ré BB, TRANSPORTES AÉREOS, SA.
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Foi junta a os autos cópia não autenticada de Certidão emitida, em 13/12/2006, pela Conservatória do Registo Comercial, relativa à Ré BB, TRANSPORTES AÉREOS, SA (fls. 110 e 116).
A Ré foi convidada, por despacho de fls. 116, a juntar aos autos o documento que titula o contratado de trabalho a termo certo alegadamente celebrado entre as partes em 15/04/2005, o que nunca veio a ser cumprido pela demandada.
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Foi proferido, a fls. 120 e seguintes, despacho saneador, no qual se considerou regularizada a instância, julgando-se improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva e se indeferiu o incidente de intervenção provocada da AIR CC, SA, tendo sido, finalmente, dispensada a elaboração do despacho que fixa a matéria de facto assente e a base instrutória.
Procedeu-se ao julgamento com observância de todas as formalidades legais, como resulta da respectiva acta (fls. 164 a 168), tendo os depoimentos das testemunhas sido objecto de registo-áudio.
A matéria de facto foi decidida por despacho proferido a fls. 169 a 180 que não foi objecto de qualquer reclamação, sendo certo que nenhuma das partes compareceu à sua leitura.

Foi então proferida a fls. 185 a 218 e com data de 26/06/2009, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
IV – DECISÃO:
Em face do exposto, julgo a presente acção parcialmente provada e parcialmente procedente e, em consequência, decido:
1. - Declarar a incompetência deste Tribunal em razão da matéria, para conhecer do pedido de indemnização por danos patrimoniais formulado pela Autora e absolver a Ré da instância, quanto ao mesmo.
2. - Condenar a Ré a reconhecer que o contrato de trabalho da Autora é um contrato de trabalho sem termo e teve início em 01 de Maio de 2004.
3. - Declarar ilícito o despedimento da Autora, AA, promovido pela Ré BB – TRANSPORTES AÉREOS, S.A., e condenar esta a pagar à Autora as seguintes quantias:
a) - Nove mil e setecentos euros, (€: 9.700,00), a título de retribuições devidas pelo trabalho prestado nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2005 e de Janeiro, Fevereiro, Março e até 14 de Abril de 2006, a que acrescem juros de mora, à taxa de 4 % ao ano, desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento.
b) - Mil e quinhentos euros, (€: 1.500,00) devidos pela retribuição correspondente ao subsídio de Natal de 2005, acrescida de juros de mora, à taxa de 4 % ao ano, desde a data do seu vencimento até integral pagamento.
c) - Mil euros, (€: 1.000,00), por retribuição de férias vencidas em 01/01/ 2005 e relativas ao ano de 2004, não gozadas pela Autora, acrescida de juros de mora, à taxa de 4 % ao ano, desde a data do seu vencimento até integral pagamento.
d) - Três mil euros, (€: 3.000,00) a título de retribuições devidas pelas férias não gozadas e respectivo subsídio, vencidas em 01 de Janeiro de 2006, acrescida de juros de mora, à taxa de 4 % ao ano, desde a data do seu vencimento até integral pagamento.
e) - Mil duzentos e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos, (€: 1.282,19) pelos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondentes ao trabalho prestado pela Autora em 2006, acrescida de juros de mora, à taxa de 4 % ao ano, desde a data do seu vencimento até integral pagamento.
f) - Sete mil, setecentos e vinte e três euros e vinte e nove cêntimos, (€: 7.723,29), a título de indemnização por despedimento, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a presente data até à data do seu integral pagamento. Mais condeno a Ré, se for caso disso, a pagar à Autora o montante indemnizatório, que venha a ser devido desde a presente data até ao trânsito em julgado desta decisão judicial condenatória.
g) - Sessenta mil, seiscentos e dezanove euros e oitenta e sete cêntimos (€: 60.619,87), a título de retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da presente acção, até á presente data (26 de Junho de 2009), a que acrescem juros de mora, à taxa de 4 % ao ano, desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento. A esses montantes deve ser deduzido o valor das importâncias que a Autora comprovadamente tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como, o montante do subsídio de desemprego auferido pela trabalhadora, se for caso disso, devendo a Ré entregar essa importância à segurança social.
Aos valores aqui indicados, acrescem os das retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado desta decisão, relegando-se o apuramento desses valores para o incidente próprio de liquidação de sentença.
4. - Absolver a Ré do demais contra si peticionado pela Autora.
Custas por ambas as partes, na proporção dos respectivos decaimentos.
Registe e notifique, sendo a Ré com a advertência expressa do disposto no artigo 76º do Código de Processo do Trabalho.”
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A Ré BB – TRANSPORTES AÉREOS, S.A., inconformada com tal sentença, veio, a fls. 227 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 257 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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A Apelante apresentou, a fls. 228 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões, que pecam, tão-somente, pela sua desnecessária extensão:
(…)
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A Autora não apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, apesar de notificada para o efeito.
*
O relator, no despacho de admissão do presente recurso, convidou o Ministério Público e as partes, querendo, a pronunciarem-se sobre a eventual invalidade da relação laboral dos autos (artigo 113.º do Código do Trabalho de 2003) e suas consequências jurídicas, tendo somente a Autora vindo apresentar o requerimento de fls. 273 a 276, onde conclui o mesmo da seguinte forma: «Assim e em conclusão, ainda que a relação laboral entre recorrida e Recorrente viesse a ser declarada nula, em nada se alteraria o doutamente decidido na douta sentença, mantendo-se todos os direitos na mesma reconhecidos à Recorrente, mantendo-se inalterada a condenação da Recorrente no pagamento das quantias indicadas».
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O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 269 e 270), não tendo as partes se pronunciado acerca do seu teor dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de terem sido notificados para o efeito.
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Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – OS FACTOS

1. - Com data de 1 de Novembro de 2003, a Autora celebrou com a sociedade AIR CC, o seguinte:
“CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
ENTRE
CC, S.A, sociedade anónima (…), de ora em diante designada por CC, ou PRIMEIRA CONTRAENTE,
E
AA, (…) como SEGUNDO CONTRA ENTE,
é celebrado e reciprocamente aceite o presente Contrato de Trabalho a Termo; que se rege pelo disposto nas cláusulas seguintes:
PRIMEIRA
(Objecto, Categoria e Funções)
1. Pelo presente instrumento, a PRIMEIRA CONTRAENTE contrata o SEGUNDO CONTRAENTE, para que, sob a sua direcção, orientação e fiscalização, este exerça as funções de Piloto de Linha Aérea, com a categoria de co-piloto.
2. A PRIMEIRA CONTRAENTE poderá atribuir ao SEGUNDO CONTRAENTE qualquer tipo de aeronave desde que este possua as necessárias qualificações.
SEGUNDA
(Retribuição)
O SEGUNDO CONTRAENTE receberá mensalmente a remuneração ilíquida de 1.500 € (mil e quinhentos Euros).
TERCEIRA
(Local de Trabalho)
1. O local de trabalho do SEGUNDO CONTRAENTE será nas aeronaves operadas pela PRIMEIRA CONTRAENTE, ou, caso seja necessário, em locais relacionados com as operações destas aeronaves.
2. A base operacional do tripulante será o Aeroporto de Lisboa, podendo, no entanto, a PRIMEIRA CONTRAENTE deslocar o SEGUNDO CONTRAENTE para qualquer outra base, em Portugal ou no estrangeiro, onde a PRIMEIRA CONTRAENTE se encontre a operar por períodos não superiores a 30 dias.
QUARTA
(Deslocações e Alojamento)
1. A PRIMEIRA CONTRAENTE pagará ao SEGUNDO CONTRAENTE todas as despesas de transporte necessárias às operações que lhe sejam atribuídas.
2. Compete à PRIMEIRA CONTRAENTE determinar os percursos, companhias e condições em que o transporte deva ser efectuado, ficando desde já convencionado que para o transporte aéreo será disponibilizado um bilhete em classe económica.
3. A PRIMEIRA CONTRAENTE providenciará ainda, uma vez por mês, o transporte para Lisboa sempre que o SEGUNDO CONTRAENTE esteja deslocado noutras bases operacionais.
4. Sempre que, no exercício das suas funções, o SEGUNDO CONTRAENTE esteja fora de Lisboa, terá direito a:
a) Alojamento num hotel de quatro estrelas ou equivalente onde disponível, com pequeno-almoço incluído,
b) As ajudas de custo serão processadas de acordo com as tabelas constantes do anexo 1 (deste contrato)
A este valor acresce um subsídio de 16,67 Euros por cada dia para deslocações fora da base de duração superior a 10 dias.
c) Transporte terrestre de e para o Hotel, e de e para o aeroporto.
d) Pagamento integral, mediante apresentação de recibo, do Estacionamento para uma viatura própria no Aeroporto no período em que o voo decorra.
5. Para efeitos do presente contrato considera-se que o SEGUNDO CONTRAENTE inicia as suas funções uma hora antes do tempo da partida estimada da aeronave e termina trinta minutos depois da chegada ao aeroporto.
QUINTA
(Obrigações)
1. O SEGUNDO CONTRAENTE é responsável por garantir que todos os voos sejam realizados de acordo com as leis, regras e regulamentações aplicáveis em Portugal e no país ou países em que a aeronave esteja a operar e por observar rigorosamente todos os procedimentos e regulamentos da PRIMEIRA CONTRAENTE estabelecidos no seu Manual de Operações.
2. O SEGUNDO CONTRAENTE deverá deter as necessárias licenças exigidas pelo INAC (que serão comparticipadas em 50 % do seu valor pela PRIMEIRA CONTRAENTE), devidamente actualizadas, bem como satisfazer os requisitos estabelecidos pela PRIMEIRA CONTRAENTE. A PRIMEIRA CONTRAENTE tem o direito de fazer cessar o presente contrato sempre que as qualificações requeridas não forem mantidas.
3. O SEGUNDO CONTRAENTE obriga-se a manter um período de serviço de assistência não superior a 60 minutos em relação ao aeroporto onde a aeronave se encontre estacionada.
4. O SEGUNDO CONTRAENTE, no exercício das suas funções, deverá observar a seguinte conduta:
a. Usar toda a sua diligência, conhecimento e experiência no cumprimento dos seus deveres e proteger sempre o interesse da PRIMEIRA CONTRAENTE e dos seus clientes;
b. Deverá manter sigilo sobre todas as operações e outros assuntos referentes à actividade da PRIMEIRA CONTRAENTE e/ou dos seus clientes, durante e após o termo do presente contrato;
c. Não exercer qualquer outro tipo de actividade como piloto sem prévia e expressa autorização da PRIMEIRA CONTRAENTE;
d. Não participar em nenhum acordo ou contrato que envolva a PRIMEIRA CONTRAENTE ou algum dos seus clientes, sem a prévia aprovação daquela;
e. Não exercer, durante a vigência do presente contrato qualquer actividade profissional ou negócio relacionados com operações de aeronaves, com qualquer terceiro ou em seu nome, com empresas ou organizações que tenha conhecido no exercício directo das suas funções objecto do presente contrato, a menos que tal actividade seja autorizada pela PRIMEIRA CONTRAENTE.
f. Não consumir, por qualquer forma, quaisquer estupefacientes e/ou outras substâncias proibidas, salvo prescrição médica e nos termos do manual de operações da PRIMEIRA CONTRAENTE;
g. Não consumir álcool nas oito horas imediatamente anteriores ao início de um voo para que esteja escalonado ou de prevenção;
h. Ser zeloso e cuidadoso na manutenção do equipamento, seja este da propriedade da PRIMEIRA CONTRAENTE ou de terceiros, bem como de quaisquer outros bens utilizados por esta, colocados ou não à disposição do SEGUNDO CONTRAENTE.
SEXTA
(Termo e Vigência)
1 - O presente contrato é celebrado pelo período de doze meses com início na data de largada do tripulante, a qual será registada pela Direcção de Operações de Voo.
2 - O contrato é renovável por igual período caso nela venha a ser denunciado.
Não havendo prorrogação do presente contrato este termina por caducidade, nos termos do n.º 1 do artigo 46° do Decreto-lei 64-A/89 de 27 de Fevereiro, mediante aviso prévio, por escrito, que a PRIMEIRA CONTRAENTE fará à SEGUNDA CONTRAENTE, com a antecedência mínima de oito dias.
3 - As partes aceitam, expressa e conscientemente, que, para além da compensação a que se refere o artigo 46°, n.º 3 do DL 64-A/89, a caducidade do contrato não confere à SEGUNDA CONTRAENTE o direito a qualquer outra indemnização.
SÉTIMA
(Justificação do Prazo)
O presente contrato é celebrado ao abrigo do disposto no artigo 41.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Decreto-lei n.º 64-A/89, porquanto a PRIMEIRA CONTRAENTE, em virtude das operações de transporte aéreo charter e lançamento da operação das linhas regulares para Londres e Madrid cujos “slots” têm a validade de 12 meses, representam um acréscimo temporário da actividade da empresa, o que implica um reforço de pessoal navegante técnico.
OITAVA
(Cessação por parte do Trabalhador)
1. Caso o SEGUNDO CONTRA ENTE pretenda rescindir o presente contrato de trabalho, e considerada a complexidade e responsabilidade inerentes às funções por si desenvolvidas, terá este de observar um pré-aviso mínimo de trinta dias nos termos do n.º 5 do artigo 52.º da Lei de cessação do contrato de trabalho e do contrato a termo.
2. Na eventualidade de o SEGUNDO CONTRAENTE pôr termo ao presente contrato antes de decorridos 6 meses da sua duração, a primeira contraente debitará ao segundo contraente o valor de 1.500 € (mil e quinhentos euros) para cobertura de despesas de formação. Os uniformes não devolvidos serão debitados pelo valor de 500 € (quinhentos euros).
NONA
(Período Normal de Trabalho/Horário)
O SEGUNDO CONTRAENTE exercerá as suas funções de acordo com as disposições legais aplicáveis e do manual de operações da PRIMEIRA CONTRAENTE.
DÉCIMA
(Duração das Férias Remuneradas)
A duração das férias remuneradas será calculada e regida pelos termos do decreto-lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo decreto-lei n.º 397/91 de 16 de Outubro.
DÉCIMA PRIMEIRA
(Integração de lacunas)
Na integração das lacunas e resolução das dúvidas eventualmente emergentes do clausulado no presente contrato, aplicar-se-ão as disposições vigentes sobre o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e caducidade do contrato de trabalho a termo, constantes do Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro”.
2. - Na sequência e por conta do contrato referido no ponto anterior, a AIR CC emitiu os recibos de vencimentos relativos aos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2004, e Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, juntos de fls. 27 a 45, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, dos quais consta, essencialmente, que foi processado e pago à autora a quantia de 1.500,00 Euros a título de vencimento base, o qual foi objecto dos legais descontos para a Segurança Social e IRS.
3. - Nos recibos de vencimento relativos aos meses de Julho e Dezembro de 2004, consta, respectivamente, que foram processados e pagos os subsídios de férias (fls. 29) e de Natal (fls. 38).
4. - Tais quantias eram pagas à autora através de transferência bancária.
5. - A Autora nunca chegou a ser largada.
6. - Não obstante isso, a Autora co-pilotava um LOCKHEED e nunca efectuou operações de transporte aéreo charter, nem fez linhas regulares para Londres e Madrid.
7. - Nos primeiros três/quatro meses do ano de 2005, a aqui Ré adquiriu à sociedade AIR CC toda a frota dos aviões – dois – LOCKEED TRISTAR 1011, tendo, em simultâneo, contratado as respectivas tripulações e equipas de manutenção, que passaram a exercer as suas funções ao serviço da sociedade BB – TRANSPORTES AÉREOS, S.A., nuns casos, mediante a continuidade, por sucessão, dos contratos de trabalho, até então celebrados com a AIR CC, noutros, mediante a celebração de novos contratos de trabalho.
8. - Na sequência do referido no ponto anterior, os recibos de vencimentos da autora, relativos aos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2005, juntos de fls. 64 a 67, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, foram processados e pagos pela aqui Ré BB – TRANSPORTES AÉREOS, S.A., dos quais consta, essencialmente, que foi processado e pago à Autora a quantia de 1.500,00 Euros a título de vencimento base, o qual foi objecto dos legais descontos para a Segurança Social e IRS.
9. - No recibo de vencimento relativo ao mês de Julho de 2005, consta, também, que a Ré processou e pagou à Autora o subsídio de férias (fls. 65).
10. - A Autora não assinou qualquer contrato de trabalho, com ou sem termo, a não ser o contrato referido no supra ponto 1.
11. - Com data de 06 de Março de 2006, a Ré enviou à Autora uma carta registada com aviso de recepção, cuja cópia se acha junta a fls. 68, do seguinte teor:
“Exma. Senhora,
Reportamo-nos ao contrato de trabalho a termo certo que celebrou com a nossa sociedade em 15 de Abril de 2005.
Pela presente, e de harmonia com o disposto no artigo 388.º do Código do Trabalho, vimos comunicar-lhe que tal contrato de trabalho caducará, deixando, portanto, de vigorar findo o período de vigência em curso, ou seja, no próximo dia 14 de Abril de 2006.
Assim, ser-lhe-á paga a compensação correspondente a dois dias de remuneração de base por cada mês completo de duração do contrato e o proporcional na parte excedente, relativamente ao gozo de férias e respectivo subsídio e a parte proporcional do subsídio de Natal.
Da mesma forma a empresa passará o certificado de trabalho e a declaração em impresso próprio para acompanhar o requerimento que, eventualmente, venha a apresentar para a atribuição de subsídio de desemprego”.
12. - A Ré não instaurou contra a Autora qualquer procedimento disciplinar.
13. - A Ré não pagou à Autora os salários dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2005 e de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2006.
14. - A Ré não pagou à Autora o subsídio de Natal de 2005.
15. - A Autora não gozou as férias vencidas nos anos de 2004 e 2005.
16. - A Ré não pagou à Autora, as retribuições devidas pelas férias não gozadas e respectivo subsídio, vencidas em 01 de Janeiro de 2006.
17. - A Ré não pagou à Autora as retribuições correspondentes aos proporcionais de férias, subsídios de férias e Natal relativos ao trabalho prestado no ano de 2006.
18. - Antes da celebração do contrato de trabalho referido em 1, a AIR CC informou a Autora, que teria de frequentar um curso de simulador, para o avião LOCKEED e que, à semelhança dos outros pilotos, teria de ser ela a custear tal curso.
19. - A frequência de tal curso era condição para a celebração do contrato de trabalho, o qual a Autora frequentou, tendo suportado todos os encargos daí decorrentes.
20. - A Autora despendeu, na frequência daquele curso, as seguintes quantias:
a) - 15.000,00 Euros no voo base;
b) - 10.509,00 Euros no simulador;
c) - 1.563,45 Euros em passagem aérea e hotel, pois o curso foi ministrado em Inglaterra.
21. - A Autora frequentou o referido curso por se tratar do curso que lhe permitiria pilotar o avião LOCKEED, que estava ao serviço da AIR CC, tendo em vista celebrar com esta um contrato de trabalho e de manter um posto de trabalho estável e sólido.

Factos não Provados:
(…)
*
III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 690.º e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 28/09/2006, ou seja, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada muito depois da entrada em vigor da reforma do Código de Processo Civil introduzida em 2003 pelo Decreto-Lei número 38/2003, de 8/03 mas antes da vigência das reformas de 2007 e 2009, introduzidas por seu turno e, respectivamente, pelos Decretos-Lei n.ºs 303/2007, de 24/08 e 226/2008, de 20/11, que, em regra e de acordo com os artigos 21.º e 22.º desses diplomas legais, só se aplicam aos processos instaurados a partir de 1/1/2008 e 31/03/2009 (sem prejuízo, contudo, das ressalvas constantes do número 2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 303/2007 e 22.º, número 1 e 23.º do Decreto-Lei 226/2008).
Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do actual Código do Processo do Trabalho e da reforma do processo civil de 2003 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em regra e em termos de custas devidas no processo, o Código das Custas Judiciais publicado em 1996, com as subsequentes modificações entretanto sofridas até 28/09/2006, pois o actual Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12 e Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, só entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e unicamente se aplica a processos entrados em juízo após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho aprovado pelo Decreto n.º 49 408, de 24/11/1969 e legislação complementar (com particular realce para o Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02) e do Código do Trabalho de 2003 (o Código do Trabalho de 2009 entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, os regimes daqueles decorrentes que aqui irão ser sucessivamente chamados à colação.
A consideração do RJCIT e da demais legislação complementar radica-se na circunstância do contrato de trabalho a termo certo dos autos ter sido firmado pela Autora e pela AIR CC em 1/11/2003, ou seja, antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, vigorando, nessa medida e para o efeito, o referido quadro legal.
Afigura-se-nos, contudo, que tal regime só é reclamado pela apreciação da validade da celebração e conteúdo de tal negócio jurídico, matérias que praticamente foram esgotadas pela sentença em recurso, sem reacção atempada das partes, dado a produção de efeitos do dito contrato ter estado suspensa até 1 de Maio de 2004, não tendo decorrido para as partes quaisquer consequências práticas ou jurídicas com relevância para a economia dos autos durante esse período de 6 meses, sendo, portanto e essencialmente, o regime derivado do Código do Trabalho de 2003 que iremos aplicar (cf., a este respeito, os artigos 8.º, 9.º e 21.º da Lei n.º 99/2003, de 27/08).

B – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(…)

C – QUESTÕES DEFINITIVAMENTE DECIDIDAS

Afigura-se-nos essencial e antes de entramos na abordagem das questões jurídicas suscitadas pela Ré no seu recurso de Apelação, que se faça um ponto da situação relativamente às matérias já definitivamente julgadas, por não terem sido objecto de oportuna impugnação, quer de facto, como de direito, dado as mesmas afectarem e influenciarem a análise e decisão das pendentes.
Importa, por um lado, confrontar os pedidos formulados pela Autora com o que foi apreciado e decidido na sentença da 1.ª instância, e, por outro, compulsar as alegações de recurso e constatar que questões são aí levantadas e quais as deixadas cair pela recorrente com referência à condenação de que foi alvo.
A Apelante pretende que este Tribunal da Relação de Lisboa reaprecie as seguintes questões:
a) Contrato de trabalho a termo certo e não largada da Autora - não verificação da condição suspensiva - não início e vigência da relação laboral - não prestação de serviço efectivo - impossibilidade absoluta - indisponibilidade das partes;
b) Não pagamento da retribuição – meras liberalidades;
c) Para o caso de contrato em vigor – extinção do contrato - impossibilidade de cumprimento da obrigação (artigo 387.º do Código do Trabalho, 790.º e 791.º do Código Civil);
d) Diversas prestações reclamadas – não são devidas face ao defendido em a) ou em c).
Logo, da conjugação das diversas realidades mencionadas, é possível considerar como assentes as seguintes pretensões e/ou problemáticas:
1) Incompetência em razão da matéria do Tribunal do Trabalho para conhecer do pedido de pagamento dos prejuízos patrimoniais relativos às despesas efectuadas pela Autora com a sua formação, no montante total de 27.072,45 Euros e, ainda que assim não fosse, improcedência do mesmo (fase pré-contratual - responsabilidade eventual da AIR CC e não da Ré);
2) Não consideração do motivo justificativo para a aposição do termo certo ao contrato de trabalho de 1/11/2003, com a qualificação do vínculo jurídico do mesmo decorrente como sendo por tempo indeterminado;
3) Não consideração do contrato de trabalho a termo certo de 15/04/2005, invocado pela Ré e nunca junto aos autos;
4) Não transmissão de estabelecimento, nos termos e para os efeitos do artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003 (venda das duas aeronaves e acompanhamento das mesmas pelas respectivas tripulações);
5) Apesar de não ter sido reconhecida tal transmissão de estabelecimento, assunção pela Ré da antiguidade e demais responsabilidades contratuais que a AIR CC tinha para com a Autora;
6) Improcedência do pedido de indemnização, no montante de Euros 20.000,00, por danos morais;
7) Condenação em juros de mora relativamente à indemnização por despedimento apenas a partir da sentença.

D – OBJECTO DO RECURSO

D1 – CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO – CONDIÇÃO SUSPENSIVA – SUA VALIDADE

Se atentarmos na cláusula 6.ª, número 1, do contrato de trabalho a termo certo junto a fls. 17 e seguintes e reproduzido no Ponto 1 da Matéria de Facto dada como Provada, podemos ler o seguinte:
“1 - O presente contrato é celebrado pelo período de doze meses com início na data de largada do tripulante, a qual será registada pela Direcção de Operações de Voo.”
Ora, tendo ficado provado que a Autora nunca foi largada, ou seja, esteve sempre impedida de exercer as funções de co-piloto, é óbvio que o dito negócio jurídico de cariz laboral nunca começou a produzir efeitos, não se podendo, consequentemente, retirar qualquer das conclusões extraídas pelo Tribunal do Trabalho de Cascais.
Será, de facto, assim?
O artigo 9.º do RJCIT, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24/11/1969 e em vigor à data da celebração do contrato de trabalho (1/11/2003), determinava o seguinte: “Ao contrato de trabalho pode ser aposta condição ou termo suspensivo, mas a correspondente cláusula deve constar de documento assinado por ambas as partes” (o artigo 127.º do Código do Trabalho de 2003 estatuía, por seu turno, que “ao contrato de trabalho pode ser aposta, por escrito, condição ou termo suspensivos, nos termos gerais”).
A nossa doutrina mais conceituada admite que seja aposta uma condição suspensiva num contrato de trabalho (cf., a este respeito, Abílio Neto, “Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados”, 2.ª Edição, Setembro de 2010, EDIFORUM, páginas 268 e 269, em anotação ao artigo 135.º do actual Código do Trabalho, que não difere, neste particular, dos anteriores), não se colocando sequer a questão da existência de algum entrave legal a que tal aconteça no quadro de um contrato de trabalho a termo certo, dado este último ter ficado definitivamente desconsiderado na sentença recorrida (de qualquer maneira, não nos parece que, quer o regime decorrente dos artigos 41.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02, quer o dos artigos 128.º e seguintes do Código do Trabalho de 2003, proibissem, em função da sua natureza especial, tal condição suspensiva).

D2 – CONDIÇÃO SUSPENSIVA – VALIDADE DA SUA REVOGAÇÃO

Chegados aqui e face à legalidade da referida condição suspensiva, que dizer quanto à sua não verificação – largada – e à vigência ou não do mesmo?
Tal tese seria juridicamente defensável, não se desse o caso da AIR CC ter começado a pagar retribuição à Autora, prática que depois foi continuada pela BB.
Resultando a fixação da aludida condição suspensiva da vontade das partes, estando a sua manutenção ou revogação na sua livre disponibilidade, dado não nos encontrarmos perante matéria irrenunciável ou inderrogável pelas mesmas, nada impedia que a AIR CC e a Autora, 6 meses depois da sua celebração, a revogassem, de uma forma expressa ou tácita, como efectivamente veio a ocorrer no caso dos autos (tal revogação emerge, em nosso entender, do primeiro recibo de vencimento emitido pela AIR CC - fls. 27 - e pela aceitação daquele por parte da Autora, através da assinatura daquele documento - muito embora a mesma não conste do recibo que se acha junto aos autos e que é a cópia entregue à Autora - ou, pelo menos, da utilização das quantias depositadas).
A revogação de tal condição suspensiva, através da entrega e recepção periódicas dos aludidos montantes, muito embora não implicasse, necessária e inevitavelmente, o exercício das funções de co-piloto pela Autora, pois a AIR CC e aquela podiam ter acordado, enquanto a trabalhadora não lograsse obter a sua certificação profissional, o exercício de outras tarefas necessárias à estrutura, organização e actividade da aludida empresa, mas a pouca prova efectuada apontam no sentido da Autora, para além dos voos de formação, ter igualmente realizado voos de linha, ignorando-se quantos ao certo.
Diremos que, nesta matéria do concreto e efectivo desempenho funcional da Apelada, nem a sua alegação é reconfortante, pois para além de afirmar ter sido largada em 1/5/2004 – embora sem juntar qualquer documento do INAC comprovativo de tal facto – e passado a ser co-piloto nas aeronaves da AIR CC e da BB, nada especifica nem comprova depois a esse respeito – número mensal de voos, percursos, sua duração, etc. –, nem a resposta da Ré é esclarecedora, pois também ela, como já realçámos antes, ao mesmo tempo que procura imputar, em exclusivo, o vínculo existente à sua antecessora, fala de um contrato de trabalho a termo certo firmado com a Autora que nunca conheceu a luz dos presentes autos e, apesar de parecer dar a entender que a demandante estava legalmente impedida de prestar “serviço” como co-piloto, acaba por admitir que a mesma, ainda que com “uma prestação absolutamente miserável” (artigo 42.º da contestação) voou nos aviões da BB, com tripulações da BB e sob as licenças da BB (artigo 27.º), tendo-a, para o efeito, inscrito na Segurança Social e comunicado a sua situação ao INAC (artigo 28.º), havendo muitos elementos das tripulações que se recusavam a voar com ela (artigo 42.º), o que a obrigou a adoptar a conduta exposta no artigo 43.º (integração na tripulação dos voos da Autora de mais um co-piloto, por ela não conseguir levantar ou aterrar um avião), acabando por explicar, depois e numa reviravolta lógica, o não pagamento das retribuições dos meses de Outubro de 2005 a Abril de 2006, pelo facto da Autora ainda não estar largada e ter chegado a acordo com a empresa de nela ficar, sem despesas e numa aparente situação de “não serviço”, até à sua legalização, sendo certo que a ela esteve ligada durante 10 meses e meio.
Dá a sensação que as partes não têm grande interesse em trazer à superfície da acção o que se passou realmente, em toda a sua extensão, ao longo daqueles 2 anos e meio de vínculo jurídico sucessivo com a AIR CC e a BB.
De qualquer maneira, a circunstância da Autora ter realizado voos em linha sem estar largada, ou seja, certificada pelo INAC para o fazer, coloca-nos perante o facto da mesma andar a desempenhar funções de co-piloto em contravenção ao legalmente determinado, o que nos obrigará, noutro ponto deste Acórdão, a tentar descortinar as consequências jurídicas de tal situação ilícita (cf., a este respeito, o Decreto-Lei n.º 17-A/2004, de 17/01, que entrou em vigor no dia imediato à sua publicação e que revogou os artigos 67.º a 170.º, 179.º a 187.º, 189.º a 192.º, 200.º e 201.º do Decreto n.º 20 062, de 13/07/1931).

D3 – RETRIBUIÇÃO OU LIBERALIDADE?

A Ré, nas suas alegações – o que não acontece na sua contestação –, pretende desvalorizar as entregas pecuniárias feitas à Autora, classificando-as de meras liberalidades e de generosa e desinteressada a atitude das duas empresas.
Como já referimos, a revogação da condição suspensiva aconteceu a partir de 1 de Maio de 2004, quando a AIR CC começou a pagar à Apelada uma quantia certa, mensal e ilíquida de 1.500,00 € (abstemo-nos de falar da importância complementar de 661,25 €, num primeiro momento, e depois de 1.000,00 €, porque o seu pagamento não foi dado como demonstrado pelo tribunal recorrido), sujeita a descontos para a Segurança Social e para o IRS, tendo entregue ainda e esporadicamente outros montantes a título de estacionamento, per diems (despesas/ajudas de custo?), abonos e material de escritório.
Impõe-se ainda realçar que, quer uma entidade empregadora, quer outra, pagaram à Autora subsídios de férias e/ou Natal, igualmente sujeitos aos descontos legais, sendo certo que os documentos que titulam tais pagamentos são denominados pela AIR CC como “Recibo de vencimento” e havendo referências à categoria profissional da Apelada – “Piloto” – e a um “seguro de acidentes de trabalho” e pela BB, como relativos ao pessoal de voo, sendo a Autora classificada como co-piloto e trabalhadora, com o correspondente número, surgindo os quatro recibos juntos a fls. 64 a 67 dos autos, como Docs. n.ºs 35 a 38, devidamente assinados pela Apelada.
A própria contestação não nega a natureza retributiva das quantias pagas, afigurando-se-nos manifesto, após tudo conjugado e atenta a noção de liberalidades, que muito dificilmente podem tais entregas pecuniárias ser configuradas como doações, adiantamentos ou outra categoria de prestações que não a de retribuição, salário ou remuneração.
Pretender tapar o Sol com a peneira e encarar tais periódicas e reiteradas prestações pecuniárias como outra qualquer realidade que a não indicada é litigar temerariamente, se não mesmo de má-fé.
Logo, não podem existir dúvidas de que, com o início do pagamento de tais remunerações e com a inerente realização de voos, em instrução ou em linha, sozinha ou assessorada por um co-piloto, o contrato de trabalho a termo certo teve o seu começo de vigência em 1 de Maio de 2004.

D4 – IMPOSSIBILIDADE OBJECTIVA E ABSOLUTA DA PRESTAÇÃO

A Ré ainda sustenta que o dito contrato de trabalho a termo certo não se iniciou por se estar face a uma impossibilidade objectiva e absoluta da Autora em prestar as suas funções como co-piloto.
Pensamos que a Ré, mais uma vez, suscita uma questão nova nos autos, pois não ressalta da sua contestação esta linha de argumentação, mas, por se traduzir numa excepção peremptória de conhecimento oficioso (artigos 496.º do Código de Processo Civil, 280.º do Código Civil e 113.º do Código do Trabalho de 2003) e cujos factos essenciais já se mostravam alegados em sede de contestação, na obsta a que a mesma seja apreciada por este Tribunal da Relação de Lisboa.
Não é claro o que entende a Ré por impossibilidade absoluta e objectiva da prestação da Autora, indo interpretar tais expressões nos termos gerais, por aproximação ao que consta do artigo 387.º, alínea b) do Código do Trabalho de 2003, com respeito a uma das causas da caducidade da relação laboral (impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva) e, ao disposto no artigo 790.º do Código Civil (impossibilidade objectiva de cumprimento contratual), no sentido seguinte: impossibilidade total da prestação e não meramente relativa, ou seja, susceptível de convolação futura ou de substituição por outra ou outras prestações, bem como não respeitante somente ao devedor (neste caso, à recorrida), podendo, nessa medida, a prestação em questão ser efectuada por terceiro.
Conforme já deixamos referido, constata-se que, apesar dos constrangimentos jurídicos já mencionados, a Autora, necessariamente com o consentimento, usufruto e benefício da Ré, integrou voos de linha como co-piloto (sozinha ou com um co-piloto de reserva), podendo, em qualquer altura, ver-lhe ser concedida a necessária certificação profissional, o que, desde logo, coloca em crise a existência da referida impossibilidade objectiva e absoluta de prestação por parte da recorrida.
Importa, por outro lado, realçar que a Apelante invoca agora, em desespero de causa, uma impossibilidade de prestação a que fechou os olhos durante o aludido período de 10 meses e 15 dias, tendo retirado da sua violação eventuais proveitos económicos – tanto mais que não pagou à Autora parte dos salários devidos –, podendo mesmo equacionar-se aqui a sua legitimidade para o fazer, por tal atitude ser reconduzível a uma situação de abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil).

D5 – PRESTAÇÃO DA AUTORA E FALTA DE CERTIFICAÇÃO – INVALIDADE DO CONTRATO

Julgamos, contudo, que as objecções – ainda que tardias – da Ré podem ser configuráveis juridicamente de uma outra forma, a saber, como uma nulidade da relação laboral que a ligava à Autora, face ao disposto no artigo 113.º do Código do Trabalho de 2003, que rezava o seguinte:

Artigo 113.º
Título profissional
1 - Sempre que o exercício de determinada actividade se encontre legalmente condicionado à posse de carteira profissional ou título com valor legal equivalente, a sua falta determina a nulidade do contrato.
2 - Se posteriormente à celebração do contrato, por decisão que já não admite recurso, a carteira profissional ou título com valor legal equivalente vier a ser retirado ao trabalhador, o contrato caduca logo que as partes disso sejam notificadas pela entidade competente.
3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação de outras sanções previstas na lei.

Impõe-se ouvir Maria Rosário da Palma Ramalho, Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, Julho de 2006, páginas 112 e 113, acerca de tais aspectos do regime laboral aplicável, em nosso entender, ao caso dos autos:
IV. Os efeitos da falta de idoneidade profissional do trabalhador no contrato de trabalho são tratados pelo Código do Trabalho no art.º 113.º. Nesta norma são equacionadas duas situações:
i) A situação de falta da carteira profissional ou do título profissional equivalente no momento da celebração do contrato de trabalho (art. 113.º n.° 1): neste caso, o contrato é nulo, por impossibilidade legal originária de desenvolvimento da actividade. Esta solução (também estabelecida no art. 6.° n.° 1 do Decreto-Lei n.° 358/84, de 13 de Novembro) deve ser estendida aos casos de falsas declarações sobre as habilitações do trabalhador ou de falsificação de documentos comprovativos dessa habilitação, independentemente de outras sanções legais que caibam no caso (e que o Código do Trabalho ressalva no n.° 3 do art.º 113.°).
ii) A situação relativa à cessação da carteira profissional ou do título profissional equivalente posteriormente à celebração do contrato de trabalho, pela entidade para tal competente (art. 113.° n.° 2): neste caso, o contrato de trabalho caduca, por impossibilidade legal superveniente e absoluta de desempenhar a actividade: exige-se, contudo, que a decisão de retirada do título profissional seja irrecorrível, uma vez que esta é a única situação que se configura como uma impossibilidade absoluta. Cabe aplicar a esta situação o regime da cessação do contrato de trabalho por caducidade estabelecido nos arts. 387.º e segs. do CT.
Ora, considerando os factos dados como assentes – com especial relevo para a não largada da Autora e para a revogação da condição suspensiva em 1/05/2004, com início de produção de efeitos do contrato de trabalho por tempo indeterminado a partir dessa mesma data – o que determina, em nosso entender, não somente a aplicação do Código do Trabalho de 2003, como já defendemos anteriormente, como as normas pertinentes – artigos 1.º a 6.º e 11.º a 13.º, para além dos Anexos aplicáveis – do Decreto-Lei n.º 17-A/2004, de 17/01, em vigor no começo de vigência efectiva do mesmo, não restam dúvidas de que o contrato de trabalho firmado com a AIR CC e “continuado” pela Ré BB está ferido de nulidade, por a Apelada carecer, desde o seu primeiro período de vigência, de credenciação profissional para tripular aeronaves como co-piloto.

D6 – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO

Chegados aqui, importa chamar à colação os artigos 115.º e 116.º do Código do Trabalho de 2003, de natureza especial face ao regime legal das invalidades do negócio ou acto jurídico (artigos 289.º e seguintes e 295.º do Código Civil) e que rezavam o seguinte:

Artigo 115.º
Efeitos da invalidade do contrato
1 - O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.
2 - Aos actos modificativos inválidos do contrato de trabalho aplica-se o disposto no número anterior, desde que não afectem as garantias do trabalhador.
Artigo 116.º
Invalidade e cessação do contrato
1 - Aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato.
2 - Se, porém, for declarado nulo ou anulado o contrato celebrado a termo e já extinto, a indemnização a que haja lugar tem por limite o valor estabelecido nos artigos 440.º e 448.º, respectivamente para os casos de despedimento ilícito ou de denúncia sem aviso prévio.
3 - À invocação da invalidade pela parte de má fé, estando a outra de boa fé, seguida de imediata cessação da prestação de trabalho, aplica-se o regime da indemnização prevista no nº 1 do artigo 439.º ou no artigo 448.º para o despedimento ilícito ou para a denúncia sem aviso prévio, conforme os casos.
4 - A má fé consiste na celebração do contrato ou na manutenção deste com o conhecimento da causa de invalidade.

A propósito do regime de nulidade do contrato de trabalho, regressamos à Professora Maria Rosário Palma Ramalho, obra citada, páginas 184 a 191:
I. A segunda especificidade do regime laboral em matéria de invali­dade decorre da regra da não retroactividade dos efeitos da declaração de nulidade ou da anulação do contrato de trabalho executado, ao contrário do que sucede no regime geral da invalidade (art.º 289.º, n.º 1 do CC).
O regime laboral nesta matéria esta estabelecido nos art.º 115.º a 117.º do Código do Trabalho. Este regime reveste, contudo, alguma complexidade, compreen­dendo diversas regras:
- A regra geral da não retroactividade dos efeitos da declaração de nulidade ou da anulação do contrato de trabalho (art.º 115.º n.º 1);
- A regra relativa aos actos modificativos inválidos do contrato de trabalho (art.º 115.º, n.º 2);
- Regras relativas aos factos extintivos do contrato de trabalho ocorridos antes da sua declaração de nulidade ou anulação (art.º 116.º, n.ºs 1 e 2);
- Regras sancionatórias em relação ao contraente de má-fé, que invo­que a invalidade (art.º 116.º, n.ºs 3 e 4, e art.º 117.º).
II. A regra geral, enunciada no art.º 115.º, n.º 1 do Código do Trabalho, é a de que o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado, mas que tenha sido executado, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.
As razões de ser desta regra são a impraticabilidade da repetição das prestações laborais, não apenas no que toca à actividade laboral mas também por força da complexidade da posição debitória das partes no con­trato de trabalho, a necessidade de tutela do trabalhador nestas situações e, por último, a conveniência de estabelecer um regime de aplicação escorreita num contrato que, apesar de inválido, pode ser executado durante largo tempo. O pressuposto desta regra é, naturalmente, que o contrato tenha sido executado, uma vez que, se não tiver havido execução do contrato, não emergem razões justificativas de qualquer desvio à regra geral do art.º 289.º, n.º 1 do CC.
Deve, contudo, ficar claro que este regime não valida o contrato nulo ou anulado pelo tempo que esteve em execução, mas também não con­substancia uma ficção de contrato de trabalho. A nosso ver, trata-se de um regime concebido para salvaguardar os efeitos de um contrato cele­brado e executado, mas que padece de um vício de invalidade.
O alcance concreto desta regra justifica ainda uma observação complementar, em razão da supressão da referência feita pelo regime anterior (art.º 15.° n.° 1 da LCT) à ressalva dos efeitos produzidos pelo contrato durante a acção de declaração de nulidade ou de anulação do contrato, se este continuasse a ser executado e até ao trânsito em julgado da sentença de anulação ou de declaração de nulidade. Desaparecida esta referência, suscita-se a questão do relevo da mera propositura da acção (e não já do trânsito em julgado da respectiva sentença) para efeitos do fim da sujeição do contrato a este regime. Crê-se, no entanto, que os interesses que a lei acautela com este regime são os que decorrem da execução efectiva do contrato, sendo tais interesses independentes da propositura da acção tendente à extinção do vínculo. Assim, se o contrato continuar a ser executado no decurso da acção, não se vislumbram motivos para o dispensar da aplicação deste regime, enquanto tal execução perdurar. Questão diversa é a de saber se o conhecimento da causa da invalidade confere, por si só, à parte beneficiada pela respectiva declaração, o direito de suster de imediato a execução do contrato, com aquele fundamento. Julga-se que sim, no caso da nulidade, porque a nulidade opera ipso jure, mas entende-se que não, no caso de vício gerador de anulabilidade, porque o efeito invalidante do contrato carece de ser determinado judicialmente.
(…)
IV. O Código do Trabalho estabelece ainda uma regra para o trata­mento dos factos extintivos do contrato de trabalho inválido, que ocorram antes da declaração de nulidade ou da anulação: nos termos do art.º 116.º n.º 1 do Código do Trabalho, estes factos seguem o regime da cessação do contrato de tra­balho, com os respectivos requisitos e efeitos (nomeadamente indemnizatórios), sendo assim independentes da invalidade do mesmo.
A razão de ser desta regra reside em que, nos casos em que o contrato seja tido como válido e cesse, nos termos gerais, se perde o interesse na declaração de nulidade ou na anulação do contrato. Se o próprio acto de cessação do contrato estiver viciado, tal deve ser apurado em sede própria, ou seja, na acção de impugnação do despedimento ou da denúncia do contrato; assim como nada impede que, nesta mesma sede, se discuta um problema de invalidade do contrato, que pode ser relevante para efeitos de fixação de um eventual dever de indemnizar ou para efeitos de obstar à reintegração do trabalhador.
Julgamos pertinente ouvir ainda, acerca do regime jurídico especial da invalidade do contrato de trabalho, a jurisprudência mais recente do nosso mais alto tribunal.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2011, processo n.º 528/08.4TTSTR.E1.S1, em que foi relator o Juiz-Conselheiro Gonçalves Rocha e que se mostra publicado em www.dgsi.pt, diz, no seu Sumário, que “Tendo a relação laboral cessado por extinção do posto de trabalho e sem o Réu, Estado, invocar a nulidade do contrato, sendo este despedimento ilícito por omissão do procedimento legal, para além da indemnização de antiguidade tem também a trabalhadora direito às retribuições intercalares, mas só até à data em que esta tomou conhecimento da invocação da nulidade do contrato pelo empregador.” (sublinhado nosso)
Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/03/2011, processo n.º 267/08.6TTCVL.C1.S1, em que foi relator o Juiz Conselheiro Fernandes da Silva, que igualmente se mostra publicado em www.dgsi.pt, refere ao nível do seu Sumário que “IV – Um contrato de trabalho nulo, celebrado com o Estado/Instituto Público, e feito cessar mediante declaração unilateral deste em 2008, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo em que esteve em execução”, assim como que “V – Tendo cessado o convénio nulo, por declaração que configure um despedimento ilícito, mas ocorrendo o facto extintivo antes da declaração de nulidade do contrato de trabalho, aplicam-se as normas sobre a cessação, tendo o trabalhador direito a indemnização substitutiva da reintegração, às retribuições intercalares e a indemnização por danos não patrimoniais.”.
Julgamos conveniente, para uma melhor compreensão da parte do Sumário acima transcrito, fazer a reprodução de parte da fundamentação de tal Aresto:
Nos termos do art.º 115.º/1 do Código do Trabalho/2003, o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.
E aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato – art.º 116.º/1 do mesmo Compêndio.
O facto extintivo da relação contratual sujeita ocorreu em 14.11.2008, sendo posterior a declaração da sua nulidade, que foi proclamada na decisão proferida na Relação, no Acórdão “sub judicio”.
Foi reconhecido à Autora o direito à reparação prevista nos arts. 436.º, 437.º e 439.º do Código do Trabalho, bem como às remunerações intercalares ocorridas entre 28.11.2008 (data considerada na sentença e que não foi contrariada, como se consignou a fls. 838), e até à data do conhecimento da invocada nulidade, que se reteve como tendo sido 15.1.2009, sem objecção.
Finalmente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/04/2010, processo n.º 413/08.0TTCBR.C1.S1, em que foi relator o Juiz-Conselheiro Pinto Hespanhol, também publicado em www.dgsi.pt, sustenta no seu Sumário que”2. Aplica-se à cessação daquela relação laboral, operada pelo empregador e ocorrida antes da declaração oficiosa da respectiva nulidade, o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho contemplado no artigo 116.º do mesmo Código”, sendo tal conclusão justificada, em termos de fundamentação, nos seguintes moldes:
Ora, o n.º 1 do artigo 115.º do Código do Trabalho de 2003, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem, preceitua que «[o] contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução».
Isto é, nos termos do transcrito normativo, a declaração de nulidade não tem efeito retroactivo, se o contrato foi executado, nem determina a emergência da obrigação de restituição recíproca do recebido.
Portanto, no apontado regime específico, a nulidade só opera para o futuro.
Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 116.º, «[a]os factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato».
Ou seja, a regra de que o contrato de trabalho inválido produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontra em execução, estende-se aos próprios actos extintivos, até que a nulidade seja declarada ou o contrato anulado.
Tudo para concluir que à cessação unilateral do contrato por iniciativa do réu, antes da declaração oficiosa da sua nulidade (o réu não invocou a invalidade do contrato celebrado, antes da declaração oficiosa da sua nulidade, na sentença da 1.ª instância) aplica-se o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho.
Logo, a invalidade do contrato de trabalho, depois de reconhecida pelo tribunal e conhecida pelas partes, provoca o fim imediato do vínculo laboral que, apesar da ilegalidade existente, dele emergiu e foi-se corporizando ao longo do tempo, sendo também essa a consequência jurídica que conhecerão as relações laborais que, em momento anterior a tal reconhecimento e declaração da nulidade ou anulabilidade, foram alvo de uma cessação (ilícita), só se prolongando, nessa medida, os efeitos que o legislador normalmente associa a tal situação (no nosso caso, indemnização em substituição da reintegração - aliás, inviável, em termos práticos e de direito - e retribuições intercalares) até à comunicação às partes da referida invalidade.
Sendo assim, é com o quadro legal acima transcrito e com a interpretação que dele faz a nossa melhor doutrina e jurisprudência, que iremos analisar e julgar as questões do recurso que ainda estão pendentes.

D7 – CESSAÇÃO DO CONTRATO E PRESTAÇÕES RECLAMADAS PELA AUTORA

É possível chegar, atendendo aos factos dados como assentes e às normas aplicáveis (artigos 115.º, 116.º, 250.º, 254.º, 255.º, 267.º a 269.º, 384.º, 396.º, 411.º a 417.º e 429.º, 430.º, 436.º, 437.º, 438.º e 439.º do Código do Trabalho de 2003), chegar às seguintes conclusões:
- O contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início em 1/05/2004, apesar de nulo, nos moldes acima expostos, foi alvo de um despedimento individual ilícito, por carência de justa causa e de prévio procedimento disciplinar;
- Tal implica o direito da Apelada em receber a indemnização em substituição da integração, a calcular até à notificação do presente Acórdão às partes, atenta a nulidade do contrato de trabalho declarada;
- A ilicitude do despedimento implica ainda o direito da Autora ao recebimento das retribuições vencidas entre 30 dias antes da propositura da acção e a notificação do presente Acórdão às partes (atenta a nulidade do contrato de trabalho declarada), tudo sem prejuízo das deduções constantes dos números 2 a 4 do Código do Trabalho;
- Direito ao recebimento das retribuições relativas aos meses de Outubro de 2005 a 14 de Abril de 2006;
- Direito ao recebimento da retribuição de férias relativa ao trabalho prestado no ano de 2004 e com vencimento em 1/1/2005;
- Direito ao recebimento da retribuição referentes às férias que se venceram em 1/1/2006 e correspondente subsídio de férias (trabalho prestado no ano de 2005);
- Direito ao recebimento do subsídio de Natal de 2005;
- Direito ao recebimento dos proporcionais das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao ano de 2006 (ano da cessação do contrato);
- Não há lugar à condenação de má-fé nos termos do artigo 116.º, números 3 e 4, do Código do Trabalho, por entendermos que, quer a Autora, como a Ré, mantiveram o contrato de trabalho, apesar de conhecerem ambas a causa de invalidade.
Se confrontarmos as presentes conclusões – com excepção da última, relativa à nulidade do contrato –, verificamos que a nulidade aqui declarada só modifica a sentença, no que concerne às prestações e montantes em que a Ré foi condenada, com referência ao momento até onde deve ser calculada a indemnização em substituição da reintegração, bem como relativamente à exigibilidade das retribuições intercalares, que também se fixa com a notificação da invalidade da relação laboral dos autos, podendo-se, nessa medida, falar em parcial decaimento da Autora por força do recurso da Ré e/ou da declaração oficiosa da nulidade do contrato de trabalho dos autos.
Sendo assim e em conclusão, pelos motivos expostos, julga-se o presente recurso de Apelação parcialmente procedente.


IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 712.º e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:
a) Em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por BB – TRANSPORTES AÉREOS, SA, no que respeita à impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, que, consequentemente, se mantém nos seus precisos termos;
b) Em declarar nulo, nos termos e para os efeitos do artigo 113.º do Código do Trabalho de 2003, o contrato de trabalho dos autos;
c) Por força de tal declaração de nulidade do contrato de trabalho dos autos, em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por BB – TRANSPORTES AÉREOS, SA, na sua vertente jurídica, nessa medida se alterando, na parte impugnada e ainda que com fundamentos parcialmente diversos, a decisão judicial recorrida, mantendo-se, consequentemente, a condenação da Ré no pagamento da indemnização em substituição da reintegração, que, contudo, somente será devida até à notificação às partes do presente Acórdão, o mesmo acontecendo relativamente às retribuições intercalares, que, sem prejuízo das legais deduções, serão calculadas entre 30 dias antes da data da propositura desta acção do despedimento e a referida notificação à Autora e à Ré deste mesmo Aresto, onde se mostra declarada a nulidade do correspondente contrato de trabalho.

Custas da acção e do presente recurso a cargo da Apelante e Apelada, na proporção do decaimento, que se fixa, respectivamente, em 19/20 e 1/20 avos – artigo 446.º, número 1, do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012

José Eduardo Sapateiro
Maria José Costa Pinto
Seara Paixão
Decisão Texto Integral: