Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1297/10.3TJLSB.L1-6
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – No caso de vendedor de imóvel que o tenha construído, destinado por sua natureza a longa duração, a denúncia por defeitos de construção deverá ser efetuada no prazo de um ano a contar do seu conhecimento e dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega do imóvel, por força do regime previsto nos art.ºs 1220.º/1, e 1225.º/1,2 e 4 do C. Civil.
II – O adquirente do imóvel ou de fração predial que pretenda exercer, contra o vendedor, o direito à indemnização pelos prejuízos causados pelos defeitos de construção, denunciados no prazo de cinco anos após a entrega e não reparados, terá que propor a ação no prazo de um ano a partir do momento em que efetuou a denúncia.
III- No âmbito da propriedade horizontal, quanto às partes comuns, deve considerar-se como sendo o momento da entrega das partes comuns, para determinar o início da contagem do prazo de garantia de cinco anos para o condomínio denunciar os defeitos detetados, ou seja, esse prazo inicia-se a partir do momento em que o vendedor entrega o prédio à assembleia de condóminos, ou da data em que teve lugar a reunião em assembleia de condóminos e nomeação da respetiva administração.
(Da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório.
A ( Condomínio do prédio ) , veio intentar a presente ação declarativa de condenação, na forma sumária, contra a B ( Sociedade de Construções…,Lda) , pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €18.513,00, a título de indemnização ou, subsidiariamente, que seja reconhecido aos condóminos o direito à redução do preço pago pela aquisição das respetivas frações autónomas, alegando que a ré construiu o edifício sito na Rua ….., Lisboa, procedeu à venda das respetivas frações autónomas, mas o prédio apresenta defeitos nas pedras do revestimento exterior, causando infiltrações nas frações adjacentes e as rampas de acesso às garagens não têm a largura indicada nas plantas aprovadas, tendo já interpelado a ré para reparação de tais defeitos, o que esta não fez, o que terá de despender a quantia de €18.513,00 com a respetiva reparação.
Citada, veio a ré, contestou e excecionou a caducidade do direito alegado pela autora, uma vez que entre as datas de transmissão das frações autónomas e a data em que entrou em juízo a presente ação já decorreu o prazo de cinco anos previsto no art. 1225º do Código Civil, bem como ter denunciado os alegados defeitos por carta datada de 04.12.2006, pelo que já decorreu o prazo previsto no nº2 do art. 1225º do Código Civil. E invocou ainda a falta de poderes de representação da autora e a sua ilegitimidade ativa, pois não dispõe a administração do condomínio de poderes para intentar ações, cabendo esta ao condomínio, representada pela assembleia de condóminos.
A Autora respondeu às invocadas exceções.
Posteriormente vieram os condóminos proprietários das frações A, D e E, respetivamente, C , D e E , requerer a sua intervenção principal ativa espontânea, a qual foi deferida.
E foi proferido despacho saneador sentença, no qual se considerou improcedentes as invocadas exceções de falta de poderes e da ilegitimidade da Autora e, conhecendo da exceção da caducidade do direito invocado, considerou-a procedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido, bem como improcedente, por falta de alegação que a suporte, o pedido de redução do preço do bem imóvel.
Desta decisão veio o Autor interpor o presente recurso, apresentando as seguintes,
Conclusões:
1. A lei aplicável à presente causa é o Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio, por ser lei especial relativamente ao Código Civil, sendo certo que o disposto no art.º 1225º deste Diploma não é norma imperativa.
2. O prazo de caducidade é, por isso, o estabelecido no art.º 5º-A, nº 3 daquele Decreto – Lei n.º 67/2003 e não o previsto no nº 2 do art.º 1225º do Código Civil.
3. O autor condomínio veio exercer o seu direito no último dia do prazo, ou seja, dentro dele.
4. Os autores condóminos vieram a juízo quase um ano antes do dia em que a caducidade ocorreria.
Em consequência,
5. Julgando como julgou, o Mmº Juiz a quo violou o disposto no artº 1225º, nº 2 do Código Civil, aplicando-o indevidamente e violou o nº 3 do artº 5º-A do Dec.-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, não o aplicando, como devia ter aplicado.
Subsidiariamente
6. O prazo de um ano previsto no nº 2 do artº 1225º do Código Civil, para pedir a indemnização começa a contar após esgotado o ano em que se formalizou a reclamação.
Logo,
7. Mesmo à luz desta disposição legal, o prazo para o exercício do direito que assiste aos autores condóminos só caducaria no dia 18 de setembro de 2010.
8. Porque o tribunal recorrido entendeu que o direito dos autores condóminos estava caducado em 10 de setembro de 2010, violou o disposto no nº 2 do art.º 1225º do Código Civil.
Quanto ao pedido subsidiário
9. A circunstância do defeito desvalorizante do valor do prédio em regime de propriedade horizontal, se verificar em parte comum, não ilegítima os condóminos, individualmente ou em coligação, de pedirem a redução do preço que pagaram pelos suas respetivas frações autónomas.
10. Os autores condóminos têm, pois, legitimidade para pedir a redução do preço, nos termos em que o fizeram.
11. O direito de pedir a redução do preço por parte do consumidor está estabelecido no art.º 4º do Dec.-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio, norma que o tribunal a quo violou.
Concluiu pela revogação da sentença e sua substituição por Acórdão que julgue improcedente a invocada exceção de caducidade, admita o pedido, subsidiário, de redução do preço e ordene que os autos voltem à primeira instância, para prossecução do julgamento.
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A Ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão e, concluiu nos seguintes termos:
- Subsidiariamente, e no caso de algum mérito vir a ser reconhecido ao recurso dos Apelantes, o que só por mera hipótese concebe, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º A, do Código de Processo Civil, vem a Ré Apelada requerer a ampliação do objeto do recurso para que sejam considerados os factos que alegou nos artigos 45.º a 53.º da sua contestação, impugnando pontos determinados da factualidade assente na douta sentença, da qual decorre que a reclamação do Autor Condomínio apenas foi feita em 10 de setembro de 2007 e a dos Autores Condóminos em 19 de setembro de 2008.
- É entendimento da Ré Apelada neste recurso, que a denúncia havia sido realizada muito antes dessas datas, mais concretamente em 4 de dezembro de 2006, conforme documento n.º 4 já junto aos autos, no artigo 50.º da contestação da Ré.
- Assim sendo, ainda que a tese dos autores, invocada a título principal nas suas alegações de recurso, fosse considerada procedente, o que não se concede nem admite, teria este venerando tribunal que ter em consideração os factos ora identificados, o que sempre ditaria a caducidade do direito a que estes se arrogam, pelo decurso do prazo.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (fls. 403).
Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Como é sabido o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 660.º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1, todos do C. P. Civil.
Os Autores aceitam a matéria de facto assente na 1.ª instância, limitando expressamente o recurso a pura questão de direito.
Assim, a questão essencial a decidir consiste em saber se ocorreu, ou não, o prazo de caducidade do direito invocado pelos Autores.
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IIIFundamentação.
A) Matéria de facto.
Foi considerada assente a seguinte factualidade:
1 - A 26 de fevereiro de 2004 foi realizada a primeira assembleia de condóminos do prédio sito na Rua …., Lisboa, e eleita a administração do condomínio.
2 - C adquiriu a fração designada pela letra “A”, correspondente ao rés do chão A do prédio sito na Rua ….., Lisboa, em 24 de maio de 2004.
3 - D adquiriu a fração designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar A do prédio sito na Rua ….., Lisboa, em 22 de dezembro de 2003.
4 – E adquiriu a fração designada pela letra “E”, correspondente ao primeiro andar B do prédio sito na Rua …., Lisboa, em 28 de novembro de 2003.
5 - Por carta datada de 10 de setembro de 2007, e remetida à ré, a administração do condomínio autor reclamou do estado de degradação da pedra de revestimento do edifício, solicitando a reparação/substituição do revestimento exterior do prédio, bem como das deficiências relativas à insuficiente largura dos acessos às garagens, que não seria conforme às plantas entregues aos condóminos, além de outras.
6 - Por carta datada de 19 de setembro de 2008, e remetida à ré, a administração do condomínio autor deu a conhecer as reclamações relativas a infiltrações devidas ao estado de degradação da pedra de revestimento do edifício, apresentadas pelos condóminos das fraçõesdo R/C A, 1ºA e 1ºB, solicitando que tome as medidas necessárias.
7 - Os presentes autos deram entrada em juízo em 10 de setembro de 2010.
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B) O Direito.
1. Da exceção perentória da caducidade do direito dos Autores.
Como se deixou dito, o presente recurso vem interposto do saneador-sentença que julgou verificada a exceção perentória da caducidade do direito à indemnização por certos defeitos de partes comuns do imóvel que integra o condomínio, invocada pela Ré, aceitando os recorrentes a matéria de facto assente pela 1.ª Instância.
Defendem os recorrentes que a lei aplicável à presente causa é o Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio, por ser lei especial relativamente ao Código Civil, sendo certo que o disposto no art.º 1225º deste Diploma não é norma imperativa, pelo que o prazo de caducidade é, por isso, o estabelecido no art.º 5º-A, nº 3 daquele Decreto – Lei n.º 67/2003 e não o previsto no nº 2 do art.º 1225º do Código Civil.
E, por isso, o autor condomínio veio exercer o seu direito no último dia do prazo, ou seja, dentro dele e os autores condóminos vieram a juízo quase um ano antes do dia em que a caducidade ocorreria.
Na decisão recorrida, conhecendo-se previamente desta exceção, considerou-se:
“(…
O direito de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização está sujeito ao prazo de caducidade previsto no nº1 do art. 1225º do Código Civil, ou seja, cinco anos a contar da entrega.
Tal prazo deve ser contado, no caso de defeitos que atinjam as partes comuns, a partir da constituição do condomínio.
Visto isto, fica assente que, relativamente às partes comuns (revestimento do prédio e acessos às garagens), o prazo de caducidade de cinco anos inicia-se em 26 de fevereiro de 2004, pelo que teria o seu termo em fevereiro de 2009, ou seja, antes da entrada em juízo dos presentes autos. No que respeita aos condóminos intervenientes, e defeitos nas respetivas frações, verifica-se que estes adquiriram as respetivas frações nos anos de 2003 e 2004, pelo que à data de entrada em juízo da presente ação também havia já decorrido o prazo previsto no nº1 do art.1225º do Código Civil.
No entanto, em setembro de 2007 e setembro de 2008 o autor denunciou à ré os defeitos nas partes comuns e também as queixas por infiltrações apresentadas pelos condóminos agora partes, e foi a ré interpelada pelo autor para que procedesse à correção dos vícios apontados. Significa isto que os defeitos foram descobertos e denunciados à ré ainda dentro do prazo de cinco anos previsto, ou seja, durante o período em que a ré é responsável pelos defeitos verificados, pelo que improcede a arguida exceção de caducidade prevista no nº1 do art. 1225º do Código Civil.
Sem embargo, para que possam os autores (condomínio e condóminos) agir contra a ré, é ainda necessário que os defeitos tenham sido denunciados no prazo de uma ano da sua descoberta, e o pedido de indemnização feito no ano seguinte à denúncia.
Ora não restam dúvidas de que o autor condomínio denunciou os defeitos existentes no revestimento exterior do edifício em setembro de 2007, e que os autores condóminos, através da administração do condomínio, denunciaram os defeitos relativos a infiltrações por quebra de pedras do revestimento em setembro de 2008. Todavia, a presente ação, na qual se pede a indemnização, apenas deu entrada em juízo em setembro de 2010. Em tal data havia já decorrido mais de uma ano sobre a denúncia dos defeitos, pelo que caduca o direito dos autores pedirem qualquer indemnização.
Procede, assim, a arguida exceção”.
Vejamos então de que lado está a razão, sendo esta a questão central do objeto do recurso.
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2. A resolução desta questão prende-se com a aplicação do art.º 1225.º do C. Civil ( diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem outra denominação de origem), o qual prescreve, no seu n.º1: “Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente”.
E o n.º 2 fixa em um ano o prazo de denúncia, devendo a indemnização ser pedida no ano seguinte à denúncia.
Estes prazos são aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º, bem como ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado (n.º4).
O atual redação deste preceito legal foi introduzido pelo art.º 3.º do Dec. Lei n.º 267/94, de 25/10, o qual entrou em vigor em 1/1/1995 ( seu art.º5.º), e substituiu a expressão “defeitos graves” que constava do seu n.º1 apenas por “defeitos”, e introduziu o n.º4, bem como o n.º3 ao artigo 916.º.
O legislador justificou estas alterações no n.º2 da parte preambular, nos seguintes termos:
Por outro lado, verifica-se que o crescente desenvolvimento da construção imobiliária, bem como a acentuada melhoria de condições de vida, vêm determinando, ao longo dos últimos anos, um aumento acentuado de transações de imóveis.
Assim, se, por um lado, se deve continuar a incentivar o desenvolvimento da construção civil, por outro, há que garantir boas condições de uso e fruição dos imóveis, deste modo se satisfazendo, no que respeita a esta área, o direito do cidadão adquirente enquanto consumidor.
Na realidade, trata-se de processo complexo, no qual, relativamente a todos os intervenientes, o cidadão adquirente assume, economicamente, uma posição mais desprotegida. E, numa perspetiva de bem-estar social, aquele tem o direito a exigir o reconhecimento da qualidade do bem que compra, assim como, em situações adversas, a responsabilização dos vários agentes intervenientes no setor em causa.
Ora, admitindo-se, face ao atual regime jurídico consagrado nos artigos 916.° e seguintes e 1224.° e seguintes do Código Civil, dificuldades na integração de situações relacionadas com a existência de defeitos motivados por erros de construção e por erros de execução - o que, aliás, vem sendo evidenciado pela jurisprudência dos tribunais superiores -, entende-se alargar o prazo para a denúncia de tais defeitos e, bem assim, o período dentro do qual a mesma é admissível, no caso do contrato de compra e venda a que se refere o artigo 916.º
Acresce que a complexidade de contrato de empreitada, sempre subjacente ao desenvolvimento do mercado imobiliário, e a negligência verificada em inúmeros casos de construção, exigem a responsabilização do empreiteiro, tenha ou não sido ele o vendedor, não só perante o dono da obra, como já sucedia anteriormente, mas também perante terceiro que adquiriu o imóvel, sempre sem dependência da gravidade dos defeitos que a obra apresente”.
Este diploma legal veio resolver os diferentes entendimentos que a nível jurisprudencial conflituavam quanto a saber se o art. 1225º só regulava as relações entre empreiteiro e dono da obra ou se também abarcava as situações em que o vendedor tivesse sido o construtor, consagrando esta última corrente, passando a ser seguro, a partir da sua vigência, que o vendedor do prédio que o tenha construído, não obstante inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos do prédio é aplicável o regime do art. 1225º e não o do art. 916º ( neste sentido, entre outros, o Ac. do T. R. Lisboa, de 30/11/1995, Col. Jur. 1995, 5.º, pág. 127, e Acs. do S. T. J. de 8/3/2007, Proc. n.º 07B372, de 26/10/2010, Proc. n.º 571/2002.P1.S1, e de 29/11/2011, Proc. n.º 121/07.TBALM.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj).
Decorre, por isso, que a lei fixou um regime especial para este tipo de empreitadas (destinadas a imóveis de longa duração), dilatando os prazos de garantia, abrangendo, neste regime, o consumidor/comprador de imóvel ou fração predial adquirido diretamente ao construtor/vendedor.
Assim, no caso de vendedor de imóvel que o tenha construído, destinado por sua natureza a longa duração, como é o caso dos autos, a denúncia por defeitos deverá ser efetuada no prazo de um ano a contar do seu conhecimento e dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega do imóvel, por força do previsto no art.º 1220.º/1, pois embora a lei não referia a data a partir da qual se inicia a contagem desse prazo, tem de se entender, por analogia com esse preceito legal, que também aqui o prazo começa a correr a partir da descoberta dos defeitos (cfr. Pedro Romano Martins, Direito das Obrigações, Contratos, 2.ª edição, pág. 494; e Ac. T. R. Lisboa, de 20/5/1999, BMJ, 487.º-354 e Acs. do S. T. J. de 8/3/2007, de 26/10/2010, e de 29/11/2011 supra citados).
A este propósito escreveu-se no Acórdão do S.T.J., de 26/10/2010:
“(… Nesta perspetiva, o legislador, no caso de imóveis destinados a longa duração, pôs á disposição do dono da obra e do terceiro adquirente: um, de cinco anos, durante os quais se forem descobertos defeitos os pode denunciar (prazo de garantia supletivo), e outro, de um ano, a partir do seu conhecimento, para os denunciar, o que valerá por dizer que o dono da obra tem um prazo - de cinco anos - em que se ocorrer a descoberta de um defeito o pode denunciar, mas que exaurido esse prazo, e não tendo operado qualquer denúncia, queda peado o direito à denúncia de defeitos.
Resumindo, parece dessumir-se deste regime especial que, o dono da obra ou o terceiro adquirente, para fazer valer com êxito uma pretensão para reparação de defeitos detetados numa obra de longa duração, terá: 1) denunciar os defeitos no prazo de garantia da obra, ou seja cinco anos após a entrega da mesma; b) propor a ação, caso o empreiteiro ou vendedor do imóvel não aceitem proceder á reparação dos defeitos, no prazo de um ano a partir do momento em que efetuou a denúncia”.
Estão, por isso, estabelecidos prazos de caducidade para a denúncia dos defeitos do prédio e para o exercício do direito à indemnização.
Como sublinha Pedro Romano Martins, ob. citada, a pág. 493, “não foram estabelecidos prazos de prescrição, mas de caducidade, pelo que não estão sujeitos à interrupção, nem à suspensão (art.º 328.º) e só poderão ser impedidos (art.º 331.º CC)”.
Como se escreveu no Ac. S.T.J., de 1998/11/25, in B.M.J., 481º-430, “o impedimento da caducidade, não tem como efeito o início de novo prazo, mas o seu afastamento definitivo.
Com efeito, decorre expressamente do art.º 328.º que o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine.
E o art.º 331.º, n.º1 estatui que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
Dai que a caducidade possa impedir o exercício do direito, mas nunca interrompe ou suspende o prazo respetivo.
Mais determina o n.º2 do art.º 331.º, que quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, “não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida” - Vaz Serra, “Prescrição e caducidade”, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 296).
Assim, no caso concreto, importa apurar se o Autor Condomínio, quanto ás partes comuns, e Autores intervenientes, quanto às respetivas frações, denunciaram os defeitos do imóvel à Ré, que esta construiu, no prazo máximo de garantia ( cinco anos) e exerceram o direito de ação no prazo de um ano após a denúncia, ou se houve, ou não, por banda da Ré, o reconhecimento desse direito, impedindo definitivamente a caducidade.
Previamente importa ainda esclarecer qual o momento a partir do qual de inicia a contagem do prazo máximo de garantia.
Como decorre expressamente do art.º 1225.º/1, o prazo de cinco anos referido inicia-se a partir do momento da entrega do prédio pelo vendedor/construtor, que na ausência de outros elementos, terá que coincidir com a celebração das respetivas escrituras de compra e venda, visto que a entrega da coisa constitui efeito essencial do contrato de compra e venda - 879.º, al. b).
Mas no âmbito da propriedade horizontal, quanto às partes comuns, deve considerar-se como sendo o momento da entrega das partes comuns, para determinar o início da contagem desse prazo.
Com efeito, no que respeita ao condomínio para denunciar os defeitos detetados nas partes comuns, tem sido entendido que tal prazo se inicia a partir do momento em que o vendedor entrega o prédio à assembleia de condóminos, ou seja, no momento a partir do qual o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos e identificados com os interesses comuns, posição que acolhemos por considerar mais ajustada face aos interesses em presença, pois que só a partir da efetiva reunião em assembleia dos condóminos e nomeação da administração se poderá assumir essa efetiva administração ( cfr. Ac. do S. T. J. de 26/10/2010, Proc. n.º 571/2002.P1.S1, e Ac. T. Rel. de Lisboa, de 18/01/2011, Proc. n.º 9480/09.8TBOER.L1-1, entre outros, disponíveis em www.dgsi.pt).
Neste sentido escreveu-se no Acórdão do S. T. J., de 1/6/2010, Proc. N.º 4854/03.0TBGDM.P1.S1A, in www.dgsi.pt/jstj, “(…) também Cura Mariano ( Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 3ª ed, pág. 212/215) sustenta que o que é decisivo é a data em que o construtor /vendedor procedeu à transmissão dos poderes de administração das partes comuns, o que só pode suceder quando os condóminos constituírem a sua estrutura organizativa e, não se verificando um ato expresso dessa transmissão, então deverá a mesma considerar-se reportada ao momento em que a assembleia de condóminos eleger o administrador do condomínio.
O construtor / vendedor das frações de um prédio será sempre o primeiro administrador das partes comuns do edifício até ao momento da transferência dos poderes de administração das partes comuns para o condomínio”.
No caso que nos ocupa, está assente que o imóvel foi construído pela Ré e em 26 de fevereiro de 2004 foi realizada a primeira assembleia de condóminos e eleita a administração do condomínio.
Assim, o início do prazo de cinco anos para a denúncia dos defeitos nas partes comuns terá de contar-se a partir de 26/2/2004, pelo que deveriam ser denunciados pelo condomínio até 26/2/2009.
E quanto aos intervenientes, no que respeita às suas frações, C adquiriu a fração designada pela letra “A”, correspondente ao rés do chão A, em 24 de maio de 2004, D adquiriu a fração designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar A do prédio em 22 de dezembro de 2003, e E adquiriu a fração designada pela letra “E”, correspondente ao primeiro andar B, em 28 de novembro de 2003, pelo que esse prazo ocorreu em 24 de maio de 2009, 22 de dezembro de 2008 e 28 de novembro de 2008, respetivamente.
E mais ficou assente que por carta datada de 10 de setembro de 2007, remetida à ré, a administração do condomínio autor reclamou do estado de degradação da pedra de revestimento do edifício, solicitando a reparação/substituição do revestimento exterior do prédio, bem como das deficiências relativas à insuficiente largura dos acessos às garagens, que não seria conforme às plantas entregues aos condóminos, além de outras.
E, por carta datada de 19 de setembro de 2008, e remetida à ré, a administração do condomínio autor deu a conhecer as reclamações relativas a infiltrações devidas ao estado de degradação da pedra de revestimento do edifício, apresentadas pelos condóminos das frações do R/C A, 1ºA e 1ºB, solicitando que tome as medidas necessárias.
Assim, importa concluir que o Autor condomínio denunciou os defeitos dentro do prazo de cinco anos. Porém, efetuando tal denúncia em 10 de setembro de 2007 deveria ter exercido o direito à indemnização no ano subsequente, ou seja, até 10 de setembro de 2008.
Porque apresente ação foi proposta em 10 de setembro de 2010, é por demais evidente ter decorrido o prazo de caducidade.
E o mesmo se dirá quanto aos intervenientes, mesmo que se considere que a denúncia efetuada em 19 de setembro de 2008, pelo condomínio, foi efetuada individualmente e em nome desses condóminos e relativamente aos defeitos das suas próprias frações prediais.
Como sustenta igualmente Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações – Contratos em Especial”, Vol.III, 4.ª Edição, pág. 554, “ a denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia ” – art.º 1225.º/2
E disso tem o Autor Condomínio e intervenientes perfeita noção, pois que de outro modo não invocariam os prazos de caducidade previstos no Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril.
Na verdade, quanto à aplicação do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio, em vez do disposto no art.º 1225º do C. Civil, como sustentam nas conclusões, carecem de razão.
Em primeiro lugar, o Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio, que deu nova redação àquele diploma legal e o republicou, entrou em vigor em 21 de junho de 2008 ( seu art.º 5.º), e que no seu art.º 5.º, n.º1, veio alargar os prazos para o exercício dos direitos do consumidor consignados no respetivo art.º 4.º fixando-os em 2 dois ou 5 anos a contar da entrega do bem, consoante se trate de coisa móvel ou imóvel, bem como o prazo de três anos após a denúncia para exercer os seus direitos, como prazos de caducidade, não é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados anteriormente ( art.º 12.º/1 do C. Civil).
E, nesse sentido, o prazo de caducidade aplicável no âmbito do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, na sua versão originária, era de seis meses, após a denúncia, para exercer os direitos previstos no seu art.º4.º, como decorria expressamente do então art.º 5.º, n.º4 : “Os direitos conferidos ao consumidor nos termos do nº 1 do artigo 4.º caducam findo qualquer dos prazos referidos nos números anteriores sem que o consumidor tenha feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses”.
Depois, porque não se trata de lei especial que prevaleça sobre as disposições do C. Civil citadas, nomeadamente sobre o art.º 1225.º, porquanto estão em causa realidades distintas e, consequentemente, não existe coincidência quanto ao objeto e âmbito de aplicação.
Como ensina Batista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1983, pág. 95: “As normas especiais ( ou de direito especial) não consagram uma disciplina diretamente oposta à de direito comum; consagram, todavia, uma disciplina nova ou diferente para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou relações”. Ou como refere Oliveira Ascensão, in “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, 11.ª Edição, pág. 512, “uma regra é especial em relação a outra quando, sem contrariar substancialmente o princípio nela contido, a adaptar a circunstâncias particulares”.
No diploma legal invocado pretende-se garantir o consumidor relativamente a aquisição de bens de consumo ( móveis ou imóveis), em que o bem entregue padece de desconformidade face ao contrato de compra e venda, presumindo o diploma legal as seguintes situações em que ocorre desconformidade com o contrato: a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem - ( seu art.º2.º/1 e 2).
Por isso que no seu art.º 1.º, ao definir o seu objeto, se refere justamente que o diploma em causa apenas regula certos aspetos da venda de bens de consumo ….., enquanto que o art.º 1225.º. do C. Civil ( na parte que ora importa) é aplicável unicamente ao vendedor de imóvel destinado a longa duração, que o tenha construído, modificado ou reparado, e do qual, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresente defeitos.
No art.º 1225.º do C. Civil, pretende-se, pois, como expressamente decorre do texto preambular do Dec. Lei n.º 267/94, de 25/10, continuar a incentivar o desenvolvimento da construção civil, mas também garantir boas condições de uso e fruição dos imóveis, deste modo se satisfazendo, no que respeita a esta área, o direito do cidadão adquirente enquanto consumidor.
Trata-se, pois, de campos de aplicação distintos, sendo inquestionável que o Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, não derrogou as disposições do Código Civil relativamente a esta matéria.
Bem andou, pois, o tribunal a quo, no enquadramento jurídico feito dos factos e em julgar procedente a exceção da caducidade do direito dos autores de exigir qualquer indemnização.
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3. E quanto ao pedido subsidiário formulado pelos Autores, sustentando que a circunstância do defeito desvalorizante do valor do prédio em regime de propriedade horizontal, se verificar em parte comum, não ilegítima os condóminos, individualmente ou em coligação, de pedirem a redução do preço que pagaram pelas respetivas frações autónomas, tendo, por isso, legitimidade para pedir a redução do preço, nos termos em que o fizeram, carecem igualmente de razão.
Desde logo porque o eventual direito de redução do preço das frações prediais adquiridas á Ré tinha de ser exercido no prazo de um ano a contar da denúncia, sob pena de caducidade, nos termos do art.º 1224.º, n.º2, 1.ª parte, e 1225/.º1 e 4 do C. Civil.
Ora, como se referiu supra, as frações dos intervenientes foram adquiridas em 24 de maio de 2004, 22 de dezembro de 2003 e 28 de novembro de 2003, e a denúncia só foi efetuada em 19 de setembro de 2008, ou seja, decorridos mais de quatro anos, tendo a ação sido proposta em 11 de setembro de 2010, ou seja, cerca de dois anos após essa denúncia.
Donde, mostra-se igualmente decorrido o prazo de caducidade do direito, ou seja, caducou o direito a exigir da Ré qualquer redução do preço relativamente às frações prediais.
Acresce que o autor condomínio, tal como consta da decisão recorrida, é parte ilegítima relativamente a esse pedido, pois trata-se de um direito dos proprietários dessas frações e a exercer por eles, não pelo condomínio, cujas atribuições se circunscrevem apenas às partes comuns do edifício (art.º 1430.º do C. Civil).
Ora, nos presentes autos intervêm apenas três desses condóminos, pelo que só relativamente às respetivas frações poderiam exercer tal direito.
Finalmente, sublinhar ainda, relativamente a tais proprietários, que apenas foram alegados factos relativos a danos provocados pelas infiltrações, isto é quanto às partes comuns, não sendo sequer alegados concretos defeitos nas suas frações provenientes de erros ou vícios de construção e, consequentemente, também não os podiam demonstrar, enquanto causa de redução do preço da respetiva aquisição, não fora a demonstrada caducidade desse direito.
Decorrentemente, a apelação improcede in totum, devendo manter-se nos seus precisos termos a decisão apelada.
Vencidos no recurso, suportarão os apelantes as respetivas custas – art.º 446.º/1 do C. P. Civil.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 713.º/7 do C. P. C.
I – No caso de vendedor de imóvel que o tenha construído, destinado por sua natureza a longa duração, a denúncia por defeitos de construção deverá ser efetuada no prazo de um ano a contar do seu conhecimento e dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega do imóvel, por força do regime previsto nos art.ºs 1220.º/1, e 1225.º/1,2 e 4 do C. Civil.
II – O adquirente do imóvel ou de fração predial que pretenda exercer, contra o vendedor, o direito à indemnização pelos prejuízos causados pelos defeitos de construção, denunciados no prazo de cinco anos após a entrega e não reparados, terá que propor a ação no prazo de um ano a partir do momento em que efetuou a denúncia.
III- No âmbito da propriedade horizontal, quanto às partes comuns, deve considerar-se como sendo o momento da entrega das partes comuns, para determinar o início da contagem do prazo de garantia de cinco anos para o condomínio denunciar os defeitos detetados, ou seja, esse prazo inicia-se a partir do momento em que o vendedor entrega o prédio à assembleia de condóminos, ou da data em que teve lugar a reunião em assembleia de condóminos e nomeação da respetiva administração.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2012

Tomé Ramião
Jerónimo Freitas
Maria Manuela Gomes