Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
428/09.0TTLSB.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: RECONVENÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2012
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I - Em processo laboral não é admissível reconvenção se a respectiva causa de pedir é distinta da causa de pedir da acção e, ainda que tenha com esta uma qualquer conexão, essa conexão não seja por acessoriedade, complementaridade ou dependência.
II - É de qualificar como relação de trabalho aquela que consiste na prestação duradoura de actividade profissional, remunerada (ainda que em função do número de actos praticados), integrada na estrutura organizativa de uma empresa, se o modo, o tempo e o lugar da prestação não são autodeterminados mas heterodeterminados pelo credor da prestação, que para o efeito proporcionou formação profissional ao prestador de trabalho.
III - É de considerar abusivo, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, invocar a falta de pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal para resolver o contrato, ao fim de vários anos de execução do mesmo - em cujo âmbito nunca essas prestações haviam sido prestadas - sem que se mostre que alguma vez tivessem sido reclamadas tais prestações ou que tivesse sido suscitada entre as partes discussão sobre a natureza do contrato, ainda que, a posteriori, venha a ser judicialmente reconhecida a natureza laboral deste.
IV - Configura justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador a ofensa na dignidade deste que consiste na instalação de uma câmara de videovigilância no respectivo gabinete, sem que particulares exigências relativas à actividade exercida o justifiquem.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra “Clínica Médica BB, Ldª.”, pedindo:
1) que a relação de trabalho entre autora e ré seja declarada como relação de trabalho subordinado, constituindo um efectivo contrato de trabalho regulado pelo Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, condenando-se a ré a reconhecê-lo como tal, com as legais consequências;
2) se declare que a sociedade ré adquiriu em Janeiro de 2006 a posição jurídica de empreg(ad)o(r) no contrato de trabalho da autora celebrado em Outubro de 2000 com CC, assumindo com isso a ré os direitos e obrigações correspondentes, condenando-a a reconhecê-lo;
3) se declare que a autora resolveu com justa causa o contrato de trabalho existente entre ela e a ré, com as legais consequências;
4) se condene a R. a pagar à autora os montantes a esta devidos a título de férias não gozadas e de subsídios de férias e de Natal não pagos, acrescidos de juros de mora calculados à taxa legal em vigor ao tempo da mora e até efectivo pagamento, montante esse que em 01 de Fevereiro de 2009 ascende a € 54.702,68 e
5)  a indemnizar a autora pelos danos sofridos e decorrentes da resolução unilateral do contrato de trabalho com justa causa, indemnização essa correspondente a 45 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade (e valor proporcional por fracção/ano), cujo montante deve ser fixado em € 21.210,34, acrescido de juros de mora até efectivo pagamento.
Fundamentou a sua pretensão alegando que iniciou prestação de trabalho por conta, sob as ordens e direcção da pessoa do médico CC quando foi por este admitida, em Outubro de 2000, para trabalhar no seu consultório, situação que perdurou até 31 de Dezembro de 2005, em que passou a trabalhar para a sociedade ré. Era o pessoal administrativo, primeiro de CC e depois da ré, quem sob as ordens destes procedia à marcação das consultas, exercendo as funções em horário fixado por aqueles de segunda a sexta-feira das 09.00 às 13.00 e das 15.00 às 18.30 horas, sendo remunerada de acordo com o cumprimento desse horário; dependendo economicamente dos réus, porquanto não tinha outros meios de subsistência, sendo o salário fixado composto por uma parte fixa e uma parte variável.
Durante todo o período a autora não gozou férias, parando apenas na 2ª e 3ª semanas de Agosto e no período de Natal, nunca lhe tendo sido pagos férias, subsídios de férias e de Natal.
No dia 13 de Fevereiro de 2008 a autora tomou conhecimento que tinham sido instaladas câmaras de filmar no interior dos gabinetes da clínica, vindo a verificar no dia 19 daquele mês que tinha também sido instalada uma câmara no seu gabinete, que retirou.
Em face da gravidade da situação a autora comunicou à ré a resolução do contrato invocando justa causa.
Contestou a ré, excepcionando a prescrição dos créditos peticionados pela autora, porquanto a autora rescindiu o contrato em carta de 23 de Fevereiro de 2008 enviada em 05 de Março de 2008, pelo que os créditos prescreveram em 24 de Fevereiro de 2009, sendo certo que a autora foi citada em 26 de Fevereiro de 2009, e impugnando os factos vertidos pela autora na petição inicial, sustentando que o contrato celebrado não é de trabalho, mas de prestação de serviços. Pediu a condenação da autora como litigante de má fé.
A ré formulou pedido reconvencional com diversos fundamentos. Por um lado, pelos alegados danos morais sofridos com a violação da sua privacidade, intimidade, sigilo profissional e propriedade, que avalia em € 50.000, provocados por a A. no dia 19/2/2008 ter, intencionalmente, aberto a Clínica a estranhos, fora das horas de serviços, sem autorização da gerência, com violação da privacidade dos gabinetes dos médicos e da gerência. Por outro, reclama o reembolso dos cursos de especialista e de mestrado de “Psicopatologia e Saúde” que a A. frequentou nos anos de 2001 e 2002 na Universidade Nacional de Educacion a Distancia (UNED), a expensas da sociedade, no valor de € 6100, acrescido de juros à taxa legal, desde a data da rescisão do contrato, sendo os vencidos de € 148,84. E, por último o valor da renda mensal da casa de habitação que ocupou no Condomínio ... Residence  entre 2003 e 2005, cedida para que pudesse prestar a sua actividade na Clínica, tendo ficado acordado que o pagamento das rendas se faria apenas se a A. deixasse de prestar a sua colaboração à Clínica, que avalia em € 18000..
A autora respondeu à excepção e ao pedido reconvencional pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador que não admitiu os pedidos reconvencionais consistentes no pedido de condenação da A. a indemnizar a R. em 50.000€ e juros de mora à taxa legal, pelos prejuízos morais resultantes para a sua imagem e reputação, por violação da privacidade, intimidade e sigilo dos gabinetes da Clínica, bem como da propriedade desta, que foi devassada por estranhos, sem autorização dos seus proprietários e no pagamento das rendas não pagas e agora vencidas, da habitação que ocupou no Condomínio ... Residence, no valor 18.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, admitindo a reconvenção apenas na parte em que pedia a condenação da autora a indemnizar as despesas assumidas pela ré com a formação académica da UNED no valor de 6.100,00 euros).
Foram seleccionados os factos assentes e a base instrutória, que sofreram reclamação da R., parcialmente atendida.
A R. interpôs recurso de agravo do despacho saneador na parte em que rejeitou o pedido de indemnização por danos morais. Nas respectivas alegações formula as seguintes conclusões:
(…)

A R. contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso da A. e que deve considerar-se provada a resposta ao quesito 32º, que só por erro de avaliação da prova documental existente nos autos terá merecido a resposta não provado.
Subidos os autos, o M.P. junto deste tribunal emitiu o parecer de fls. 489/490, favorável à confirmação da sentença.

Delimitado o objecto do recurso pelas alegações dos recorrentes, constata-se que:
O objecto do agravo interposto pela R. consiste na reapreciação da admissibilidade da reconvenção, relativamente ao pedido de indemnização por danos morais.
O objecto do recurso de apelação interposto pela A. consiste, por um lado, na reapreciação da prova relativamente aos factos impugnados, para apurar se houve erro de apreciação e se a factualidade contida nesses pontos deve ser alterada e, por outro, na reapreciação da questão de fundo que reside na qualificação jurídica do contrato que vigorou entre as partes. Caso o recurso proceda quanto a esta questão, haverá que conhecer da questão que ficou prejudicada, da justa causa de resolução do contrato pela A.


Na sentença recorrida foi dada por provada a seguinte matéria de facto:
1. A ré exerce a actividade de medicina e clínica médica especialmente na área da obesidade/emagrecimento e tratamento capilar, efectuando também tratamentos de medicina estética, nomeadamente mesoterapia, mesolift, peeling e ainda cirurgias estéticas – (A).
2 A autora é licenciada em Psicologia Social e das Organizações com mestrado e psicoterapia e saúde – (B).
3. À autora competia receber e conversar com os clientes da Clínica quando pela primeira vez ali se deslocavam, indagar nomeadamente sobre as suas rotinas e motivações, tentar averiguar a origem do problema e tratamentos já efectuados noutras clínicas e informá-los sobre os tratamentos disponíveis – (C).
4. Na posse dos referidos elementos, de que fazia um breve relatório, explicava aos clientes os procedimentos da consulta médica que se seguia, para os qual os encaminhava – (D).
5. A autora remeteu à ré carta registada datada de 05 de Março de 2008, e recebida pela ré em 10 de Março de 2008, junta a fls. 34 e s. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido comunicando “a cessação com justa causa do contrato de trabalho” – (E).
6. A autora emitia recibos verdes – (F).
7. A autora nunca recebeu férias, subsídios de férias ou de Natal – (G).
8. A presente acção deu entrada no Tribunal no dia 04 de Fevereiro de 2009 – (H).
9. CC proporcionou à autora uma formação profissional de dois anos durante os anos de 2001 e 2002, em Madrid, na “Universidade Nacional de Educacion a Distancia” de molde a possibilitar-lhe o acompanhamento das pacientes e a preparação dos relatórios – (I).
10. Na sequência do referido na alínea anterior, a autora frequentou e tirou o curso de Especialista Universitário em “Psicopatologia e Saúde” e o mestrado universitário em “Psicologia e Saúde”, na “Universidade Nacional de Educacion a Distancia” – (J).
11. A autora era sócia e gerente, de uma sociedade comercial denominada por “DD – ..., Lda.”, com sede na Rua  (…) em Moscavide – (L).
12. A Clínica encerra durante quinze dias no mês de Agosto e durante uma semana entre o Natal e o Ano Novo – (M).
13. Desde Outubro de 2000 que o pessoal administrativo de CC e posteriormente da ré procedia à marcação de consultas para a autora – (1º).
14. A autora permanecia na clínica pelo menos no período em que tivesse marcadas consultas com o esclarecimento que as marcações podiam ocorrer no período entre as 09.00 e as 13.00 e as 15.00 e as 18.30/19.00 pelo menos de 2ª a 5ª feira e à sexta entre as 09.00 e as 13.00 horas – (2º)[1].
15. Para efeitos de marcação, as consultas eram marcadas de dez em dez minutos – (3º).
16. Desde Outubro de 2000 a autora gozava férias na 2ª e 3ª semanas de Agosto num período de dez dias úteis, com esclarecimento que era o período em que a  clínica encerrava – (8º).
17. E no período de Natal desde o dia 24 de Dezembro até ao primeiro dia útil de Janeiro com o esclarecimento que era o período em que a clínica encerrava – (9º).
18. A autora recebeu do Dr. CC e ré no período compreendido entre o ano 2000 a 2008 as quantias inscritas nos recibos juntos a fls. 79 a 179 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – (11º, 12º, 14º a 19º).     
19. No ano de 2003 a autora esteve de licença de maternidade nos meses de Agosto e Setembro - (13º).        
20. A Directora da Clínica da ré deu ordens para que a autora se confinasse ao seu gabinete – (25º).
21. Em Fevereiro de 2008 a autora constatou que se encontrava instalada atrás da grelha do ar condicionado uma câmara de filmar – (29º)[2].

Apreciação
Do agravo
Porque o agravo não interessa à decisão da causa, tendo a ver apenas com a admissibilidade da reconvenção, deve ser conhecido em 1º lugar, já que foi o 1º recurso interposto. Começamos pois pelo respectivo conhecimento.
Dispõe o art. 30º do CPT que “a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na al. p) do art. 85º da L. nº 3/99, de 13/1, desde que em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal”.
A Srª Juíza rejeitou o pedido reconvencional quanto à indemnização por danos morais por o considerar inadmissível, visto, em seu entender, o mesmo não emergir do facto jurídico que serve de fundamento à acção, nem se subsumir à al. p) do art. 85º da LOFTJ..
A recorrente - que fundamentara esse pedido na alegação de que, no dia 19/2/2008, fora das horas de horas de serviço e sem autorização da gerência da R., a A. expôs intencionalmente a Clínica e os gabinetes médicos à devassa por parte de estranhos, desrespeitando a intimidade e violando a privacidade dos médicos e da Clínica, atentando contra o bom nome, imagem e dignidade desta - vem sustentar que este pedido assente precisamente na mesma causa de pedir que serve de fundamento à acção.
Não nos parece que tenha razão: a causa de pedir do pedido da A. é constituído pelo contrato que vigorava entre as partes (que ela qualifica como de trabalho e a R. qualifica como prestação de serviços) e pela alegada violação desse contrato, que deu causa à resolução do mesmo pela A., com invocação de justa causa.
Se bem que a própria A. tivesse alegado no art. 47º da p.i. que “no dia 19/2/2008 a A. fez-se acompanhar do seu pai, Sr. EE, do Sr. FF, de GG e do Sr. HH, a fim de todos poderem procurar e eventualmente comprovar a existência e localização da câmara no interior do gabinete da A.” estes factos não são rigorosamente integradores da causa de pedir, mas meramente adjuvantes. A R., embora invocando esses factos, acrescentou-lhes novos elementos (que a deslocação da A. e das demais pessoas referidas teve lugar fora das horas de serviço, sem autorização da gerência e consistiu na devassa de gabinetes médicos, que atentou contra o bom nome e a imagem da clínica, o que pressupõe que isso tivesse sido publicitado), que relevam para qualificar esse facto como ilícito e culposo, causador de danos para fundamentar o pedido de indemnização formulado. A causa de pedir do pedido reconvencional rejeitado (responsabilidade civil por violação da privacidade e do bom nome) é pois bem diferente da do pedido da A.. (violação do alegado contrato de trabalho).
É certo que há entre ambas alguma conexão, mas para que pudesse permitir a reconvenção era indispensável que a conexão entre as questões objecto da acção e as questões objecto da reconvenção fosse por acessoriedade, complementaridade ou dependência.
Conforme o ensinamento de Leite Ferreira, em anotação ao art. 13º do CPT:
“… a conexão objectiva pressupõe uma causa dependente de outra. Mas, na acessoriedade, a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal ainda que tenha por finalidade garantir as obrigações derivadas da relação fundamental.
Na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objectivo, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra. Em consequência disso, a competência do órgão jurisdicional projecta-se sobre a questão complementar na medida em que esta sofre a influência daquela.
Na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma, como na complementariedade. Simplesmente o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.”
A recorrente não especifica sequer que tipo de conexão se verifica entre a causa principal e a causa reconvencional rejeitada que pretende seja admitida. E, na realidade, não cremos que seja qualquer dos tipos de conexão que justificariam a admissibilidade da reconvenção.
Pelo exposto nenhuma censura nos merece o despacho recorrido, pelo que é de negar provimento ao agravo.

Da apelação
Impugnação da matéria de facto
(…)

Da questão de direito
A qualificação do contrato subjacente à relação
A Srª Juíza, depois de expor em termos genéricos o que distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços (concluindo, como é pacífico, que o elemento diferenciador determinante é a subordinação jurídica), aludir às dificuldades sentidas, na prática, na detecção desse elemento diferenciador essencial e aos métodos para tal utilizados, designadamente o método indiciário, à repartição do ónus da prova, não deixando de criticar a pouca valia prática trazida pela inclusão no CT, tanto na versão original, como após as alterações introduzidas pela L. 9/2006, da chamada presunção de laboralidade, quando passou à apreciação do caso concreto chegou à conclusão de que a factualidade assente não contém elementos que indiciem que a A. exercia a actividade com subordinação jurídica à R., nem que esta exercesse qualquer poder de direcção ou fiscalização sobre o trabalho da A., nem que sobre ela exercesse poder disciplinar. Em suma concluiu pela inexistência de vínculo laboral, fonte dos créditos reclamados, daí a improcedência da acção.
A recorrente insurge-se contra a valoração jurídica dos factos efectuada na sentença, sustentando que a factualidade assente contém indícios bastantes de que a actividade exercida pela A. em benefício da R. e, antes de 2006, do Dr. CC, era juridicamente subordinada,  que se integrava numa cadeia de actos complexos a levar a cabo conjuntamente pelos vários funcionários da R. (recepcionistas, que marcavam as consultas, e assistentes, como a A., que conversava com os clientes em primeira consulta, elaborava relatório e os encaminhava para a consulta) actos esses executados a mando da R. e que culminavam nas consultas médicas aos seus pacientes, efectuadas pelos médicos da Clínica (que não pela A.), sendo todos esses actos executados no interior das próprias instalações da R. e no interesse último desta, que procedia à cobrança das respectivas consultas médicas (e nunca das “consultas” da A., individualmente consideradas). O modo como o trabalho, preciso, específico e pré-determinado pela R. à A. (que não tinha livre escolha de o definir ou mesmo executar, tanto assim que antes dela já era levado a cabo em idênticas condições, ainda que por cada um dos médicos da respectiva consulta), prestado nas instalações e utilizando esta meios próprios da R., em período semanal, horário diário (o da abertura da Clínica) e com a duração por cliente e consulta de 10 em 10 minutos, também estabelecidos pela R., a (inter)dependência desse trabalho da A. com o demais prestado pelos outros trabalhadores da R. com vista a prosseguir o objectivo final da Clínica de prestar consultas médicas remuneradas aos seus pacientes, compreendem a existência de programação, direcção, organização, autoridade e fiscalização do empregador R. sobre a trabalhadora A., que, nomeadamente por isso, não goza de plena autonomia na prestação do seu trabalho.
Terá a mesma razão?
A questão da qualificação contratual é, de entre as que recorrentemente se discutem nos nossos tribunais de trabalho, das mais penosas porque, na prática, é muitas vezes extremamente difícil estabelecer a fronteira entre as duas espécies contratuais que se caracterizam pela prestação de trabalho intelectual ou manual de uma pessoa em benefício de outra (contrato de trabalho /contrato de prestação de serviços).
Dos conceitos vazados nos artigos 1152º e 1154º do Código Civil decorre que as diferenças entre ambos são estabelecidas através, por um lado, da obrigatoriedade da retribuição (presente no contrato de trabalho, mas não necessariamente no contrato de prestação de serviços, embora na realidade também nele exista retribuição, na maior parte dos casos); por outro, na prestação objecto do contrato - uma obrigação de meios (actividade, no contrato de trabalho) ou de resultado (no contrato de prestação de serviços) - e, por último, na existência ou não de subordinação jurídica do prestador de trabalho ao respectivo credor.
Os dois primeiros elementos distintivos são pouco relevantes porque, por um lado, como se disse, serão actualmente muito raros os casos de contratos de prestação de serviços sem retribuição, face à total desadequação da gratuitidade do trabalho, no contexto de uma sociedade com as características da contemporânea; por outro lado, porque, mesmo quando o objecto da prestação é a actividade, em última análise, pretende-se sempre retirar dessa actividade uma utilidade, um resultado, que não é indiferente e, por outro lado ainda, em muitos contratos de prestação de serviços cuja qualificação não oferece quaisquer dúvidas, como seja, por exemplo, o estabelecido entre o médico e o seu paciente ou entre o advogado e o seu cliente, o que aquele tem de prestar é apenas a sua actividade, não o resultado, que é aleatório.
Decisivo para a distinção acaba, pois, por ser o elemento “subordinação jurídica” que consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua actividade sob a autoridade e direcção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da respectiva prestação. A prestação de trabalho nesses casos é heterodeterminada (pelo empregador), contrapondo-se ao trabalho autodeterminado em que, em princípio, cabe apenas ao próprio trabalhador a definição do modo, tempo e lugar da prestação. No trabalho heterodeterminado o grau de dependência do prestador do trabalho da autoridade e direcção do empregador pode ser maior ou menor, sobretudo no que se refere ao modo da prestação, diminuindo, sensivelmente à medida que aumenta a especificidade técnica exigida para o desempenho da actividade. Como resulta do artigo 5º nº 2 da LCT (Decreto-Lei 49.408 de 24/11/69) e do art. 112º do CT aprovado pela L. 99/2003[3], o contrato de trabalho não é incompatível com a salvaguarda da autonomia técnica exigida pela observância das leges artis, que muitas vezes e sobretudo nos casos em que é exigível uma qualificação profissional muito específica, o prestador do trabalho pode até dominar melhor que o próprio tomador do trabalho. Mas, não obstante o elevado grau de autonomia exigível nesses casos, é possível o desempenho de funções de elevada craveira técnica e intelectual em regime de  subordinação jurídica. Basta que o empregador possa de algum modo conformar, orientar, organizar e controlar a actividade do trabalhador, ainda que mais não seja, no que se refere ao lugar ou momento da prestação (cfr. Prof. Galvão Teles, Contratos Civis, pag. 62-63). Assume particular relevo como manifestação do poder de direcção e fiscalização do empregador, a existência na esfera do empregador dos poderes regulamentar e disciplinar. Mesmo que esse poder não seja exercido, terá de existir, ainda que em potência, correspondendo-lhe, da parte do trabalhador, uma situação de sujeição.
            Tem-se assistido nos últimos anos a um aumento exponencial dos casos nebulosos, de fronteira, em que se torna por vezes extremamente difícil ajuizar se estamos perante uma situação de trabalho subordinado ou de trabalho autónomo.
            Desde logo, porque estamos no domínio da autonomia da vontade, haverá que ter em conta o acordo das partes. Sendo, em regra, escassos os elementos que permitam identificar a vontade comum das partes no momento da celebração do contrato (frequentemente reduzida a uma expressão mínima) e dando ele início a uma relação duradoura, esses elementos terão de ser colhidos através do modo como as partes desenvolveram, na prática, essa relação.
   Mesmo quando as partes formalizam o contrato, por si só o nomen iuris por elas atribuído não é determinante para a respectiva qualificação, havendo que proceder à interpretação do clausulado, em conformidade com os critérios definidos pelos art. 236º a 238º do CC para procurar alcançar o conteúdo do contrato que foi querido e que objectivamente dele resulta.
E, porque se trata de um contrato de execução continuada, se a respectiva execução revelar afinal que o clausulado não passa de uma mera fachada ou aparência, não conforme com a realidade, é a esta que o julgador deverá fundamentalmente atender para proceder à qualificação, que mais não seja, considerando modificado o contrato (que, legalmente não está sujeito a forma e por isso pode ser consensualmente alterado) nos termos em que a prática mostre um encontro das vontades distinto daquele que consta do clausulado.
Como nos dá conta o Prof. da Escola de Direito da Universidade do Minho, Heinrich Ewald Hörster[4] também a jurisprudência permanente do BAG (Bundesarbeitsgericht) é no sentido de que “para a qualificação jurídica de um negócio é decisiva não a designação escolhida pelas partes ou o efeito jurídico desejado por elas, mas sim o conteúdo do negócio. Em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado, prevalece a execução efectiva.”
            A detecção do elemento determinante - a subordinação jurídica - raramente é conseguida através do método subsuntivo, sendo usual o recurso ao método indiciário, que consiste na procura de indícios que permitam uma aproximação ao modelo típico do contrato de trabalho.
              «No elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e da segurança social do trabalho por conta de outrem»[5]
              A qualificação de um contrato como de trabalho (heterodeterminado) dependerá, pois, da referenciação, no desenvolvimento da relação concreta, de um conjunto de indícios que globalmente valorados revelem, de algum modo, a existência do poder de autoridade típico do contrato de trabalho e da sujeição que em contrapartida recai sobre o outro contraente, sendo certo que “cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso”[6]
De acordo com o disposto pelo artigo 342º nº 1 do Código Civil, incumbe àquele que invoca direitos laborais, alegar e provar os factos que permitam qualificar o contrato como laboral.
No caso em apreço verifica-se que nenhuns elementos foram trazidos sobre o acordo inicial estabelecido entre as partes, do qual se deveria partir para a qualificação. Há pois que atender, essencialmente, ao modo de execução. Por isso, embora à data do início da relação não estivesse legalmente prevista, como passou a estar no art. 12º do CT, a chamada “presunção de laboralidade”, não vemos qualquer óbice a que se proceda à apreciação com recurso a este instrumento, na medida em que, havendo que atender ao modo de execução do contrato, durante o tempo de vida deste, em grande parte desse período vigorava já a dita presunção. O que constatamos é que, pela forma como está legalmente definido, se trata de um instrumento de reduzidíssima valia.
Na redacção inicial do CT o art. 12º estabelecia uma presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho desde que se verificassem cumulativamente as seguintes condições:
“a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
c) O prestador do trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência face ao beneficiário da actividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período ininterrupto, superior a 90 dias”,
Com a alteração introduzida pela L. 9/2006, o mesmo artigo passou a dispor “presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.”
Quer uma, quer a outra redacção não podem deixar de causar estranheza, na medida em que o que delas parece resultar é que a prova dos factos base da presunção permite, de imediato, a qualificação jurídica do contrato como laboral, e não a prova de um facto desconhecido (art. 349º do CC), relevante para essa qualificação e que será a existência de poder de autoridade e concomitante subordinação jurídica. É como prova desse facto – relação de autoridade versus sujeição - que a presunção em causa deve ser entendida, já que a qualificação propriamente dita é algo que não está sujeito a prova, mas depende da valoração jurídica dos factos, esses sim objecto de procedimento probatório, no âmbito do qual tem cabimento o uso de presunções.
Em todo o caso, tem de reconhecer-se que, sendo propósito da introdução da dita presunção facilitar ao prestador do trabalho a prova da existência do contrato de trabalho, reconhecidamente difícil, não se mostra muito conseguido esse propósito, atento o número e o tipo de elementos base a provar, sobretudo aquele elemento que é referido como “trabalhar sob as orientações de” ou “sob as ordens, direcção e fiscalização de”. Com efeito, se a grande dificuldade reside precisamente na prova do elemento distintivo fulcral que é a diferente posição jurídica relativa de cada uma das partes no contrato (uma titular de um poder de autoridade e supervisão, a que correlativamente corresponde, na outra, uma posição de sujeição ou subordinação jurídica), não se compreende como se coloca como elemento base a provar para poder beneficiar da presunção precisamente aquele cuja prova se deveria facilitar através de tal presunção.
Não obstante isso, vejamos se, no caso, os factos base da dita presunção estão reunidos: adianta-se desde já que se nos afigura que não, quer se considere a versão decorrente da redacção inicial do Código, quer a decorrente da L. 9/2006, de 20/3. E precisamente porque não se mostra da factualidade provada o que quer que seja que permita afirmar peremptoriamente que a A. prestava a actividade sob as orientações da R., ou sob as ordens, direcção e orientação da R..
Os requisitos para o funcionamento da presunção em causa são cumulativos, como resulta com toda a clareza da redacção inicial, sendo-o também na redacção revista, apesar de ter deixado de o afirmar explicitamente, mas decorre do uso da conjunção copulativa “e”.
E, no caso, não se mostram preenchidos todos os requisitos.
Ainda que a factualidade assente permita considerar que a actividade prestada pela A.[7] estava inserida na organização empresarial da R., tanto mais que as consultas eram marcadas pelos serviços administrativos da R.; que a actividade da A. era prestada em local determinado e controlado pela R., respeitando um horário previamente definido (o de funcionamento da Clínica, o que não quer dizer que estivesse atribuído um horário à A.[8]); que se admita que os instrumentos de trabalho fossem essencialmente fornecidos pela R., beneficiária da actividade (apesar de nada se encontrar assente sobre o assunto, a circunstância de a actividade da A. ter lugar na clínica da R., permite presumir que sejam desta os instrumentos usados para o efeito) e sendo certo que a relação se prolongou por cerca de sete anos e meio, não se mostra preenchido não só o requisito atrás mencionado (que a A. trabalhasse sob as orientações da R. ou, sob as ordens, direcção e fiscalização da R.) mas também que o trabalho da A. fosse retribuído em função do tempo despendido na execução ou que a A. se encontrasse na dependência económica da R. (atente-se na resposta negativa ao quesito 4º).
Basta a falta de um dos eIementos referidos no art. 12º para que não opere a presunção de laboralidade. 
Assim sendo a questão da qualificação da relação volta a colocar-se apenas nos moldes tradicionais, havendo pois que procurar na matéria de facto se há elementos bastantes que  globalmente considerados indiciem suficientemente a relação de autoridade e de poder típica do contrato de trabalho, a que se contrapõe a sujeição ou subordinação do prestador.
Ora, compulsando a factualidade assente, verifica-se, desde logo que a remuneração (cf. resposta ao quesito 32) era estabelecida em função do resultado (por cada cliente atendido) e não em função do tempo, o que revela, de algum modo, que o objecto do contrato seria o resultado obtido e não a disponibilidade da A.. Aliás, a A. não tinha um horário pré-estabelecido em que devesse estar disponível (embora isso não seja necessariamente determinante, dado que pode haver trabalhadores com isenção de horário). As consultas eram marcadas dentro do horário de funcionamento da clínica, de acordo com as pretensões dos clientes, só se atendendo à pretensão da A. de as aproximar entre si, se os clientes a tal não objectassem. Assim, somos levados a concluir que a organização do tempo da prestação da A. dependia mais da R. (que procurava em primeiro lugar satisfazer as pretensões dos respectivos clientes) do que da A.. Também o lugar da prestação da A. era seguramente determinado pela R., uma vez que, constituindo a actividade da A. uma actividade preliminar a cada 1ª consulta ou consulta de reinício por parte dos médicos do seu corpo clínico, lhe interessava que tivesse lugar  no mesmo lugar, ou seja, na Clínica. Estes dois elementos, somados a um outro bastante significativo como é a integração da actividade da A. na estrutura organizativa da R. - evidenciado pelo facto de as marcações das consultas serem feitas pelo pessoal administrativo da R., e o resultado do trabalho da A. ser integrado no trabalho desenvolvido pelos médicos, constituindo como que um preliminar das 1ªs consultas e das consultas de reinício, de modo a diminuir o tempo de tais consultas pelos médicos e aumentar a respectiva produtividade – constituem indícios que nos levam a concluir que a actividade da A. não é autónoma, mas heterodeterminada, ou seja, juridicamente subordinada. É certo que não ficou provado que A. estivesse sujeita a orientações ou a ordens da R.. Mas afigura-se-nos inequívoco que a R., ou melhor, o Dr. CC (que, antes da constituição da sociedade, explorava a clínica em nome individual), ao atribuir à A. uma actividade que constituía uma parcela do que, até à admissão da mesma, era desempenhada por cada um dos médicos ao seu serviço, no princípio da 1ª consulta e de cada consulta de reinício (após mais de três anos de interrupção do tratamento), e que após a saída da A., voltou a ser de novo por eles desempenhada, teve necessariamente de ter definido à A. em que consistia o trabalho que dela pretendia. Nesse momento desempenhou o papel de empregador, determinando-lhe as respectivas funções. E para que o desempenho da A. melhor satisfizesse o objectivo de aumentar a produtividade de cada médico e consequentemente os resultados da clínica, proporcionou à A. a frequência do curso a que se refere os nºs 9 e 10. É muito provavelmente devido à especificidade técnica das funções e à autonomia técnica que lhe é inerente, que a necessidade de orientação e direcção da actividade não se faz sentir com grande acuidade. O que não significa que não exista, em potência. O poder de direcção foi exercido inicialmente como poder determinativo da função e manteve-se em potência, designadamente como poder regulamentar e poder disciplinar (se porventura se tornasse necessário) ao longo de todo o período de execução do contrato.
Em suma, pelo que antecede, somos levados a concluir que o modo, o tempo e o lugar da prestação foram verdadeiramente definidos pelo Dr. CC, a que mais tarde sucedeu a ora R., o que, conjugado com os indícios resultantes do facto de o Dr. CC ter proporcionado à A. a formação profissional (nº 9) e de a Directora Executiva da R. ter dado ordens à A. para que se confinasse ao seu gabinete (nº 20) é quanto  basta para que se considere que a actividade exercida pela A. tanto ao serviço do Dr. CC como, depois, ao serviço da ora R., era heterodeterminada e não autodeterminada, configurando, pois um verdadeiro contrato de trabalho.
Não acompanhamos, por isso a apreciação efectuada na sentença, que nessa parte deve ser alterada.
Porque no despacho saneador se relegou para a decisão final a apreciação da excepção de prescrição dos créditos peticionados, arguida pela R., há que conhecer dessa questão.
Os créditos emergentes do contrato, da sua violação ou cessação extinguem-se, por prescrição, decorrido um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato (art. 381º nº 1 do CT/2003).
A A. fez cessar o contrato por carta expedida em 5/3/2008 e recebida em 10/3/2008, embora tivesse invocado nessa carta que a cessação se verificava a partir de 23/2/2008.
Porque a resolução é uma declaração negocial receptícia, produz efeitos no momento em que é conhecida do destinatário, ou seja, em 10/3/2008 (cf. art. 224º do CC). Porém, a R. na contestação aceita que a cessação tenha ocorrido em 23/2/2008. Admitindo que fosse essa a data da cessação do contrato, o prazo de prescrição ocorreria no dia 23 de Fevereiro de 2009.
A acção foi proposta em 4/2/2009 (nº 8) e a R. foi citada em 25/2/2009. Porque a citação não teve lugar dentro dos cinco dias subsequentes à propositura da acção sem que essa situação seja de algum modo imputável à A., o prazo prescricional interrompeu-se em 9/2/2009, pelo que a prescrição não se consumou.
Pelo exposto improcede a arguida prescrição.
Consequentemente, há que condenar a R. a pagar a retribuição das férias, subsídio de férias e de Natal. Vejamos, então, quais os valores devidos.
Uma vez que a A. auferia uma retribuição variável, em função do nº de consultas, há que calcular a retribuição média dos doze meses anteriores ou do tempo de execução do contrato, quando inferior a doze meses (como sucede relativamente ao subsídio de Natal de 2000), cf.art. 84º da LCT e art. 252º CT/2003. Porém, visto que a A não trabalhava na 2ª quinzena de Agosto e na semana entre o Natal e o Ano Novo, por a Clínica encerrar (gozando férias nesses períodos), auferindo também valores inferiores aos que auferia quando trabalhava o mês completo, entendemos que apenas deve ser considerada, em cada ano, a retribuição média dos 10 meses completamente trabalhados, que, no ano de 2003, serão reduzidos a 9 meses, dado a A. não ter prestado trabalho durante dois meses, por ter estado de licença por maternidade.
A A. peticiona também o pagamento desses dois meses, mas a eles não tem direito.
Conforme peticionado, a retribuição de férias que lhe é devida nos anos de 2001 a 2007 é a correspondente a 7 dias úteis ou seja, 1/3 da retribuição média mensal, dado que, tendo direito a 22 dias úteis por ano (art. 4º nº 1 do DL 874/76, de 28/12 e 213º nº 1 do CT), deixou de gozar 7 dias úteis (22-15=7).
No ano de admissão, a A. não tinha direito a férias, atento o disposto no art. 3º nº 2 do DL 874/76, de 28/12).
Assim, atentos os valores resultantes dos recibos juntos a fls. 79/179 e o critério que atrás definimos, a retribuição média a considerar no ano de 2000 é de 214.500$00, ou €1.069,91, sendo devido a título de subsídio de Natal 3/12 desse valor, ou seja, €267,30.
No ano de 2001 a retribuição média a considerar é de 354.000$00, ou seja, €1.765,74, sendo-lhe devido esse valor a título subsídio de férias e de Natal e 1/3 desse valor, € 588,58, a título de retribuição de férias, o que perfaz € 4.120, 06
 No ano de 2002 a retribuição média a considerar é de €1.226,80, sendo-lhe devido esse valor a título subsídio de férias e outro tanto de Natal e 1/3 desse valor, € 408,93, a título de retribuição de férias, o que perfaz € 2.862,53.
No ano de 2003 a retribuição média a considerar é de €1.722,77 sendo-lhe devido esse valor a título subsídio de férias e outro tanto de Natal e 1/3 desse valor, € 574,25, a título de retribuição de férias, o que perfaz € 4.019,79.
No ano de 2004 a retribuição média a considerar é de €1.588,70, sendo-lhe devido esse valor a título subsídio de férias e outro tanto de Natal e 1/3 desse valor, € 529,56, a título de retribuição de férias, o que perfaz € 3.706,96.
No ano de 2005 a retribuição média a considerar é de €1.679,60, sendo-lhe devido esse valor a título subsídio de férias e outro tanto de Natal e 1/3 desse valor, € 559,86, a título de retribuição de férias, o que perfaz € 3.919,06.
No ano de 2006 a retribuição média a considerar é de €1.672,00, sendo-lhe devido esse valor a título subsídio de férias e outro tanto de Natal e 1/3 desse valor, € 557,33, a título de retribuição de férias, o que perfaz € 3.901,33.
No ano de 2007 a retribuição média a considerar é de €1.572,40, sendo-lhe devido esse valor a título subsídio de férias e outro tanto de Natal e 1/3 desse valor, € 524,13, a título de retribuição de férias, o que perfaz € 2.862,53.
Relativamente às férias vencidas em 1/1/2008, são-lhe devidas por inteiro, dado que não chegou a gozar qualquer dia e, uma vez que apenas consta dos autos o recibo de Janeiro de 2008, pelo valor de € 2.240,70, é esse o valor a atender, tendo assim a receber de férias e subsídio de férias: € 4481,40.
É esse também o valor a considerar para os proporcionais de férias, subsídio de férias  e de Natal do ano da cessação (art. 221º nº 2 e 254º nº 2 al. b) do CT), ou seja 373,45x3= 1.120,35.
Em suma, a título de férias, subsídio de férias e de Natal tem a A. direito ao valor global de € 31.261,31, a que acrescem juros de mora à taxa supletiva global desde a data de vencimento de cada prestação, até integral pagamento.
Cabe agora conhecer da questão da justa causa de resolução do contrato que serve de fundamento ao pedido de indemnização.
Ora a A. resolveu o contrato através da carta junta a fls. 34/36, que no essencial passamos a transcrever:
“Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 441, n°1. alíneas a). b). (1). e) e f) do n°2 e n°4, 442 e 443. n°s 1 e 2, todos do Código do Trabalho (C.1.), venho comunicar a cessação do meu contrato individual de trabalho fundada em justa causa.
Questão Prévia:
Apesar de não existir contrato de trabalho escrito, tal relação de trabalho subordinado existe e perdura desde Outubro de 2000, altura em que iniciei a prestação da minha actividade nessa sociedade
Embora venha recebendo por estipulação da Clínica o meu vencimento mensal a troco de “recibo verde" passado a essa sociedade, como se de trabalhadora independente se tratasse, a minha prestação de trabalho está sujeita ao regime do contrato de trabalho, porquanto, entre outros (cfr. artigos 10 e 12 do C.T.):
a) O trabalho é prestado nas instalações dessa Clínica Médica Dr. CC;
b) Sob a autoridade, direcção e orientação dessa Clínica, a qual estabelece, Inclusivamente, o tempo das minhas consultas com cada cliente ou paciente da Clínica;
c) A minha actividade é prestada em horário fixo diário (das 9 às 13 e das 13 às 18.30horas, e na segunda até às 19 horas), o qual foi estabelecido unilateralmente por essa Clínica, sendo remunerada de acordo com o cumprimento desse horário de trabalho;
d) Existe da minha parte uma verdadeira e efectiva dependência económica face a essa Clínica, porquanto não exerço qualquer outro trabalho ou actividade remunerados, facto que de resto seria impossível pelo cumprimento do dito horário de trabalho.
Razões da invocada justa causa
1- A Clínica Médica nunca me pagou férias ou sequer subsídios de férias ou de Natal, encontrando-se assim em falta o pagamento das mesmas, desde Outubro de 2000 (inclusive) até à presente data.
2- A Directora da Clínica, esposa do Dr. CC, tem vindo a sujeitar-me a pressões psicológicas constantes, tudo isso com vista à minha desestabilização, na tentativa de que abandone o trabalho, deixando de prestar a minha actividade profissional à Clínica. Com efeito,
A Directora da Clínica entra, sem sequer bater ou avisar, no meu gabinete enquanto estou no exercício da minha actividade, dando consultas aos clientes da Clínica; sempre que se dirige a mim fá-lo de forma agressiva e arrogante, sem qualquer razão ou motivos; acusa-me de me fingir de doente para faltar ao trabalho; de ocupar demasiado tempo na consulta com os clientes; impede-me, sem qualquer razão, de circular livremente na Clínica; refere que eu "uso dos homens" para conseguir os "fins pretendidos"; acusa-me de me "envolver" com todos os homens da Clínica, incluindo o seu marido, Dr. CC, fazendo estas e outras falsas acusações na presença dos demais trabalhadores e médicos da Clínica para me enxovalhar;
3- No dia 14 de Fevereiro passado soube, através de outros funcionários da Clínica Médica, que, a pedido da Direcção da mesma Clínica e do Dr. CC, uma empresa especializada havia colocado câmaras de filmar nas instalações.
Nesse mesmo dia e nos dias seguintes tentei apurar em que circunstâncias e locais da Clínica tais câmaras teriam sido colocadas, tendo vindo a saber que os trabalhadores daquela empresa teriam também entrado no gabinete onde presto serviço.
Após procura de local onde poderia ter sido colocada uma câmara de filmar oculta, suspeitei então que tal poderia ter sucedido atrás da grelha do ar condicionado, local de onde poderia ser visionado todo o meu gabinete.
Então no dia 19 de Fevereiro, a fim de poder comprovar as minhas suspeitas, acompanhada de meu pai EE, dos Senhores FF e GG e ainda de D. HH, todos verificámos que, no interior do meu gabinete de consultas, atrás da grelha do ar condicionado, estava instalada uma câmara oculta de filmar, através da qual eram visionadas as consultas e correspondentes conversas por mim trocadas com as clientes e pacientes da Clínica.
Tal facto foi posteriormente verificado no dia 22 de Fevereiro pelo próprio Dr. CC que, acompanhado por mim e pelo meu pai, assistiu no local à desmontagem da dita câmara de filmar. Alguns minutos após apareceu II e a funcionária da Clínica D JJ que também constataram a existência e localização da dita câmara de filmar.
Assim, pelo menos no período de 14 a 22 de Fevereiro de 2008, a Clínica Médica ofendeu a minha honra e dignidade, uma vez que eu estou obrigada a segredo profissional no exercício do meu trabalho, para além do facto de a própria Clínica estar abrangida pelo segredo médico. Tendo assim com tal actuação as pessoas directamente responsáveis pela colocação da câmara incorrido na prática de crimes, nomeadamente de devassa da vida privada e violação de segredo profissional e médico, para alem de procederem à colocação, nas instalações da Clínica de sistemas de vídeo vigilância, sem que fossem observadas as normas legais para o efeito, incorrendo assim em responsabilidade criminal e responsabilidade contra-ordenacional a própria Clínica e correspondentes sanções acessórias.
A cessação com justa causa do meu contrato de trabalho tem efeitos a partir de 23 de Fevereiro de 2008, por virtude da confirmação de colocação da câmara oculta no meu gabinete, o que, pela sua gravidade, inviabilizou de forma definitiva a subsistência da minha relação de trabalho.
Por força disso, devo ser indemnizada em importância equivalente a 45 dias de retribuição por cada ano de serviço e fracção (atento o último vencimento mensal) nos termos do disposto no artigo 443 do C.T., sendo-me ainda devidos os montantes por férias, subsídio de férias e de Natal desde 2000 até agora, acrescidos dos respectivos juros de mora calculados às taxas ao tempo em vigor, e ainda da importância de 20 000€ a título de indemnização por danos morais.Com os meus cumprimentos, subscrevo-me,”
            Dela se verifica que, apesar de invocar três tipos de razões como justificativas da resolução – falta de pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal; pressões psicológicas a que a tem sujeitado a Directora da Clínica e colocação, sem o seu conhecimento, de uma câmara de vídeo oculta no seu gabinete – no final da carta refere apenas esta última como assumindo gravidade bastante para inviabilizar de forma definitiva a subsistência da relação de trabalho.
E, na realidade esta era a mais próxima, aquela que terá feito “transbordar o copo” que continha aquilo que a A. considera como violação dos seus direitos, tornando insuportável a continuação da relação. Vejamos se lhe assiste razão quanto a esta questão.
À data da resolução ainda não fora publicada a L. 7/2009, de 12/2, sendo pois aplicável o CT aprovado pela L. 99/2003, de 27/8.
Desde logo se verifica quanto à segunda ordem de motivos invocados que, praticamente, resultaram não provados, com excepção do facto referido sob o nº 20. E, porque desprovido de qualquer enquadramento circunstancial, temos dificuldade em valorar este facto. Em todo o caso importa reconhecer que dele decorre, pelo menos, a sensação de que existia entre a mencionada directora da R. e a A. um clima hostil e autoritário. Ora cabe salientar que é obrigação do empregador proporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral [art. 120º al. c)], o que não parece que estivesse a ser plenamente conseguido e, face à falta de dados que permitam considerar justificada ou desculpável tal conduta (art. 799º), é de presumir culposa.
No que se refere à falta de pagamento das retribuições de férias, subsídio de férias e de natal, está realmente assente (nº 7), mas afigura-se-nos não poder deixar de se ter em conta que não consta que, até à carta a resolver o contrato e à propositura desta acção, as partes tivessem discutido entre si a natureza laboral do contrato, sendo certo que interna e externamente a relação era configurada como de trabalho autónomo (a A. emitia recibos verdes, não se mostra que estivesse sujeita ao regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, não tinha férias remuneradas, subsídio de férias e de natal). Sendo a questão da qualificação uma questão jurídica de alguma complexidade - e se bem que a fuga ao contrato de trabalho seja em regra um fenómeno imposto pelo empregador, para se subtrair aos constrangimentos legais inerentes ao contrato de trabalho – se no decurso da execução do contrato não existiu qualquer controvérsia entre as partes sobre a natureza laboral deste, sendo aceite por ambas o tratamento como contrato de prestação de serviços, não nos parece que a falta de pagamento da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal deva ser considerada culposa, porquanto, de acordo com o princípio da boa fé, é de admitir que a R. estivesse convencida de que não era obrigada, face ao contrato em causa, a pagar tais prestações.
É verdade que a falta de pagamento pontual de retribuições que se prolongue por um período superior a 60 dias ou, mesmo sem o decurso desse prazo, se o empregador declarar  por escrito a previsão de não pagamento, também pode justificar a resolução com direito a indemnização, ainda que a mora não seja culposa, cf. decorre dos art. 364 nº 2 do CT e 308º do RCT. Mas também para a resolução com este fundamento objectivo se nos afigura ser indispensável que, pelo menos, a questão da qualificação do contrato como laboral tivesse sido previamente suscitada e não se mostra que isso tivesse sucedido.
Invocar a falta de pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal para resolver o contrato, ao fim de vários anos de execução do mesmo, sendo que no âmbito do mesmo nunca essas prestações haviam sido prestadas, sem que alguma vez tivesse sido suscitada entre as partes discussão sobre a natureza do contrato e se tais prestações eram devidas, mesmo que a posteriori venha a ser judicialmente reconhecida a natureza laboral do contrato, afigura-se-nos  abusivo, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé (art. 364º CC). As regras da boa fé impunham que, pelo menos, antes de resolver o contrato, a A. tivesse reclamado perante a R. o pagamento de tais prestações, o que implicava a discussão sobre a natureza do contrato. Isso não se mostra que tivesse ocorrido.
Entendemos, pelo exposto que embora comprovada a falta de pagamento de férias, subsídio de férias e de natal, não justificava, nas circunstâncias referidas, a resolução do contrato.
            Por último, quanto à colocação, sem o seu conhecimento, de uma câmara de vídeo oculta no seu gabinete, ficou provado que em Fevereiro de 2008 a A. constatou que se encontrava instalada atrás da grelha do ar condicionado uma câmara de filmar (nº 21).  O que fora quesitado era (nº 29) se “No dia 19/2/2008 a A. constatou que se encontrava instalada e em funcionamento, atrás da grelha do ar condicionado, uma câmara oculta através da qual eram visionadas e ouvidas conversas trocadas pela A. com as utentes e pacientes da clínica?”. A resposta dada pelo tribunal - que a A. não impugnou – nem sequer permite situar a referida câmara de filmar no gabinete da A.. Verifica-se, todavia, que na contestação, embora negando ter mandado instalar ou autorizado a colocação de uma câmara de filmar no gabinete da A.  (nº 68), a R. reconhece que mandou instalar um sistema de videovigilância na zona de recepção, corredores e salas de espera da Clínica (69), de que avisou previamente os colaboradores e, com surpresa  “no dia 22/2/2008 verificou que no gabinete usado pela A. , por detrás de uma grelha de ar condicionado e sem estar ligado a qualquer  sistema, portanto, não podendo recolher imagens, estava uma pequena câmara de filmar.” Em face desta alegação não cremos que possa haver dúvidas de que a câmara de filmar a que se refere o ponto 21 se encontrava no gabinete da A.. pelo que se impõe aditar àquele nº21 a seguir à expressão “instalada” esta outra “no seu gabinete”.
Nos termos do art. 20º do CT
“1- O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2- A utilização do equipamento identificado no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3- Nos casos previstos no número anterior o empregador deve informar o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados.”
Nada permite considerar que particulares exigências inerentes à actividade justificassem de algum modo a instalação da câmara de filmar no gabinete da A., ainda mais atenta o tipo de actividade por ela exercia, sendo pois a instalação em causa, seguramente da responsabilidade da R., claramente ilícita e culposa. Trata-se claramente de um acto hostil contra a trabalhadora, que fere a sua liberdade e dignidade, gerando nela, naturalmente um sentimento de desconforto no trabalho que põe seriamente em causa a confiança necessária à manutenção da relação, tornando-lhe inexigível a permanência na empresa.
Com efeito, embora a lei o não refira, é consensualmente admitido que o conceito de justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador é sensivelmente idêntico ao de justa causa de despedimento ou resolução pelo empregador, com as devidas adaptações: um comportamento culposo com uma gravidade tal, em si mesmo e nas respectivas consequências, que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação, tornando inexigível à parte atingida a manutenção do contrato. Deve atender-se para apreciação da justa causa, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes, ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. Há que ter em atenção, como sublinha o prof. Júlio Gomes, a  particularidade de o trabalhador não dispor, como o empregador, de um leque de sanções possíveis, restando-lhe apenas a opção entre fazer cessar o contrato ou de prosseguir com a relação, sendo certo que a opção de fazer cessar o contrato é para ele gravosa, já que implica perder a fonte do seu rendimento, bem tanto mais apreciável quanto maior o desemprego, como sucede actualmente.
Nas circunstâncias entendemos que a ofensa na dignidade da A. que decorre da instalação no respectivo gabinete de uma videocâmara, associada à atitude hostil da Directora da R. referida no ponto 20 é suficientemente gravosa para tornar inexigível à A. a continuação da actividade ao serviço da R., constituindo justa causa de resolução do contrato, conferindo-lhe pois o direito a uma indemnização nos termos previstos no art. 443º
Atento o grau de ilicitude dos factos e o valor da retribuição da A., entendemos adequada para o cálculo do valor da indemnização a retribuição correspondente a 30 dias. Dado que a retribuição era totalmente variável, em função do número de consultas, não havendo uma retribuição base, nem diuturnidade, entendemos que deve proceder-se ao valor médio nos últimos doze meses de execução do contrato (art. 252º CT), que corresponde a € 1557.22. Porque a antiguidade da A. era à data da resolução de sete anos e quatro meses, a indemnização que lhe é devida pela perda do posto de trabalho é de € 11.409,61.
Não contém a matéria de facto elementos, designadamente em termos da gravidade do dano,  que fundamentem a atribuição de indemnização pelos danos não patrimoniais, uma vez que, não é qualquer incómodo ou sofrimento moral que é passível de ser indemnizado, mas apenas aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496º nº1 CC), pelo que nessa parte, julgamos improcedente a acção.

Decisão
Pelo exposto se acorda em:
- negar provimento ao agravo, confirmando o despacho recorrido e condenando a agravante nas respectivas custas;
- julgar procedente a apelação, alterando a sentença nos seguintes termos:
. declarar que a relação que vigorou entre a A. e o Dr. CC, a que sucedeu oportunamente a R. Clínica Médica Dr. BB, Ldª, emergia de um contrato de trabalho;
. reconhecer que a A. resolveu o contrato com justa causa;
. condenar a R. a pagar à A. a importância de € 31.261,31 relativa a férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal vencidos até à cessação e por força desta,  a que acrescem juros de mora à taxa supletiva global desde a data de vencimento de cada prestação, até integral pagamento;
. condená-la igualmente a pagar à A. indemnização por antiguidade, no valor de € 11.409,61, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal desde a data da citação, até integral pagamento;
. absolvê-la do restante pedido.
Custas da apelação pela apelada e na 1ª instância por ambas as partes, na proporção do decaimento.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2012

Maria João Romba
José Feteira
Paula Sá Fernandes  - vencida conforme declaração que segue

                   Declaração

Voto vencida
A sentença recorrida chegou à conclusão de que a factualidade assente não contém elementos que indiciem que a autora exercia a actividade com subordinação jurídica à ré, nem que esta exercesse qualquer poder de direcção ou fiscalização sobre o trabalho da autora, nem que sobre ela exercesse poder disciplinar. Concluiu pela inexistência de vínculo laboral, fonte dos créditos reclamados.
Concordo com esta decisão e subscrevo na íntegra a fundamentação constante da sentença recorrida, bastando-me, por isso, salientar alguns dos seus fundamentos. Na verdade, afigura-se-me que a autora não logrou provar indícios suficientes da sua subordinação jurídica, designadamente, nada ficou provado quanto à sua vinculação a um horário de trabalho e correspondente necessidade de justificação das ausências; também não se provaram quaisquer instruções ou orientações dadas pela ré à autora sobre o modo de execução do contrato, nem sobre a respectiva fiscalização (o facto de ser o pessoal administrativo agendar as consultas nada tem que ver com instruções sobre o trabalho da autora); e o facto dado como provado no ponto nº20, apenas, diz respeito ao local onde a autora devia prestar o seu trabalho. Deste modo, não se pode concluir que a autora estivesse inserida na estrutura organizativa da ré ou estivesse sequer na dependência de alguém dessa estrutura.
            Por outro lado, a forma de pagamento não era consentânea com a de um contrato de trabalho, pois era estabelecida em função do resultado (por cada cliente atendido) e não em função do tempo, o que revela que o objecto do contrato era o resultado obtido e não a disponibilidade da autora, que não tinha, como se referiu, um horário pré-estabelecido, provando-se, apenas, que as consultas que dava, na área da psicologia, eram marcadas dentro do horário de funcionamento da clínica.
            Quanto à denominada formação profissional não se apurou em que termos o Dr. CC a proporcionou à autora.
Parece-me pois manifestamente insuficiente a prova de factos que configurem a existência de um contrato de trabalho, cujo ónus de prova incumbia à autora.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2012
Paula Sá Fernandes
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[1] Adiante aditado.
[2] Adiante aditado.
[3] Regimes jurídicos a ter em conta, visto a relação ter perdurado no período de Outubro de 2000 a Fevereiro de 2008.
[4] A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 1992, pag 511, nota 40.
[5] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 10ª ed., pag. 133.
[6] Monteiro Fernandes, obra citada, pag. 134.
[7] Preliminar à consulta dos médicos que exercem na Clínica e orientada para facilitar a actividade dos mesmos, consistindo em atender os clientes da Clínica para 1ª consulta ou para reinício (isto é, que haviam interrompido o tratamento há mais de três anos), indagando junto deles quais as motivações da consulta, as respectivas rotinas, tratamentos efectuados noutras clínicas, procurando averiguar a origem do problema, elaborando, uma vez na posse desses elementos, um breve relatório, a que acresce ainda, informar os clientes sobre os tratamentos disponíveis, explicando-lhes os procedimentos da consulta médica para a qual os encaminhava. 
[8] Já que, como se referiu atrás, o primeiro critério para marcação das consultas era, dentro do horário de funcionamento da clínica, a pretensão das próprias clientes, só sendo marcadas em função da pretensão da A. de aproximar entre si as “1ªs consultas” e “reinícios” se as clientes não mostrassem indisponibilidade para as horas pospostas. A A. apenas tinha que estar presente desde que houvesse marcação de 1ªs consultas e reinícios, embora muitas vezes ficasse na clínica, mesmo sem marcação de consultas desse tipo, para o caso de surgir alguma consulta desse tipo sem marcação prévia.
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