Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1208/08.6TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. Contanto que sejam verdadeiros os motivos invocados no contrato de trabalho a termo, e que os mesmos tenham gerado um acréscimo temporário de actividade, nada impede que seja contratado um trabalhador a termo para fazer face a tal acréscimo, não directamente, isto é, não executando as tarefas que estão na origem desse acréscimo, mas sim indirectamente, ou seja, desempenhando as tarefas a que é necessário dar resposta, em virtude de outros trabalhadores se encontrarem a desempenhar as tarefas directamente relacionadas com o acréscimo de actividade.
2. Todavia, no caso em apreço, não resultou apurado que as razões invocadas, quer no contrato inicial, quer nas duas posteriores renovações, constituam um acréscimo excepcional e temporário da actividade normal da ré.
3. Como não se apurou que o autor tivesse desempenhado, nem as tarefas que estão na origem do alegado acréscimo, nem que indirectamente tivesse desempenhado as tarefas a que era necessário dar resposta em virtude de outros trabalhadores se encontrarem a desempenhar as tarefas directamente relacionadas com o alegado acréscimo temporário da actividade da ré.
4. Assim sendo, a sentença recorrida decidiu correctamente ao considerar sem termo o contrato de trabalho no qual a estipulação da cláusula acessória tinha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo, e considerou ilícito o despedimento do autor.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA, (…), propôs acção emergente de contrato individual de trabalho contra:
Radiotelevisão de Portugal, SA, com sede na Av. Marechal Gomes da Costa, n.º 37, 1849-030 Lisboa pedindo que: seja declarado que o contrato entre as partes existente desde 08.08.2005 se considere contrato sem termo; ser declarada a ilicitude do despedimento ao autor; ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 1.340,45 (mil trezentos e quarenta euros e quarenta e cinco cêntimos) deduzida de € 1.050,00 (mil e cinquenta euros) perfazendo a diferença de € 290,45 (duzentos e noventa euros e quarenta e cinco cêntimos), apurada por referência à data da propositura da acção acrescida das que, por igual título de compensação, se vencerem até final; ser a ré condenada a reintegrar o autor ou, se tal for a opção deste indemnizá-lo nos moldes e pelo quantitativo estabelecido pelo prudente arbítrio do tribunal.

Fundamenta a sua pretensão alegando que autor e ré celebraram em 08.08.2005 contrato de trabalho a termo certo que foi renovado para vigorar de 08.02.2006 a 07.02.2007 e 08.02.2007 a 07.02.2008. A ré dirigiu carta ao autor comunicando a caducidade do contrato em 07.02.2008. Mais alega que os motivos que fundamentaram a celebração são falsos porquanto o autor nunca efectuou tais serviços pelo que o termo aposto é nulo e em consequência a carta de caducidade do contrato configura um despedimento sem processo disciplinar pelo que é ilícito.

Na contestação a ré alega que o motivo invocado na celebração do contrato corresponde à verdade, pugnando pela legalidade do termo aposto.

Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“ 3.1. Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, julga-se a acção procedente, e, em consequência decide-se:
3.1.1. Declara-se ilícito o despedimento que o autor foi alvo;
3.1.2. Condena-se a ré "Radiotelevisão, SA" a pagar ao autor a quantia correspondente ao valor das retribuições incluindo subsidio de férias e de Natal que deixou de auferir desde trinta dias antes da propositura da acção – 01 de Março de 2008 – até à data da sentença, deduzida das importâncias que o autor tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, sendo o montante do subsídio de desemprego que o autor tenha eventualmente auferido a entregar pela ré à segurança social;
313. Condenar a ré a pagar ao autor sobre as quantias referidas 3.1.2.juros de mora desde a data de vencimento de cada uma delas até integral e efectivo pagamento,
3.1.4 Condenar a ré Radiotelevisão portuguesa SA a reintegrar o autor sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

A ré, inconformada, interpôs recurso, tendo para o efeito nas respectivas alegações elaborado as seguir transcritas,
Conclusões:
(…)


Nas contra-alegações o autor pugna pela confirmação da decisão recorrida.
O Exmº Procurador-geral-adjunto deu parecer no sentido da confirmação do decidido.

Cumpre apreciar e decidir

I. Tal como resulta das conclusões do recurso interposto, a única questão suscitada prende-se com a validade do motivo justificativo do termo aposto no contrato celebrado entre autor e ré.

II. Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. Autor e Radiotelevisão Portuguesa – Serviço Público de Televisão, SA, celebraram em 08 de Agosto de 2005 o escrito designado por "Contrato de Trabalho a Termo Certo", junto a fls. 10 a 12 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
"Cláusula Primeira
O presente contrato é celebrado nos termos da alínea f) do n. °2 do art.º129, conjugado com o art.º139, ambos do Código de Trabalho, decorrente de um acréscimo excepcional de actividade da empresa, designadamente pela cobertura de eventos desportivos não regulares, tais como a Volta a Portugal em bicicleta; a incrementação da programação RTP-N, com novos programas produzidos em Lisboa, tais como o magazine internacional, um programa de debate semanal sobre temas nacionais e um outro baseado em reportagens internacionais; bem como o lançamento da nova grelha de programas da RTP a apresentar em Setembro e dos programas diários nela previstos; tudo acompanhado da reorganização dos recursos humanos afectos à Direcção de Informação e vigorará entre 08 de Agosto de 2005 e 07 de Fevereiro de 2006.
(...).".
2. Em 30 de Janeiro de 2006, autor e ré celebraram o escrito designado por "Acordo de Renovação de Contrato de Trabalho a Termo Certo", junto a fls. 13 e s. que se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
Cláusula Primeira
Com data de 8 de Agosto de 2005, as partes celebraram contrato de trabalho a termo certo, em que o 2° outorgante se obrigava como técnico de imagem.
Cláusula Segunda
1. Nos termos do n.°1 do artigo 139° do Código de Trabalho, porque se mantêm os pressupostos da contratação inicial, e o acréscimo excepcional da actividade da empresa, temporário, conforme previsão da alínea 17 do n.º 2 do artigo 129° do mesmo Código, o contrato identificado na cláusula anterior é renovado pelo prazo de 12 (doze) meses, com efeitos as partir de 08.02.2006 e termo em 07.02.2007 (o que determina a consequente anulação dos efeitos previstos na carta rescisória enviada ao 2° outorgante em 20.12.2005).
2. O acréscimo excepcional revela-se pela necessidade de assegurar a cobertura televisiva de programas, cuja natureza é temporária ou ocasional, de que em síntese e designadamente se referem eventos desportivos não regulares, tais como a fase final do Europeu de Futebol de Sub-21; a incrementação da programação da RTP-N com novas séries de programas produzidos em Lisboa, tais como um magazine internacional, um programa de debate semanal sobre temas nacionais e reportagens internacionais, tudo acompanhado da reorganização em curso dos recursos humanos afectos à Direcção de Informação"
3. Em 05 de Fevereiro de 2007, autor e ré celebraram o escrito designado por "Acordo de Renovação de Contrato de Trabalho a Termo Certo", junto a fls. 15 e s. que se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
"Cláusula Primeira
Com data de 30 de Janeiro de 2006, as partes celebraram contrato de trabalho a termo certo, em que o 2° outorgante se obrigava como técnico de imagem.
Cláusula segunda
1. Nos termos do n.º1 do artigo 139° do Código de Trabalho, porque se mantêm os pressupostos da contratação inicial e o acréscimo excepcional da actividade da empresa, temporário, conforme previsão da alínea I) do n.º 2 do artigo 129° do mesmo Código, o contrato identificado na cláusula anterior é renovado pelo prazo de 12 (doze) meses, com efeitos a 08/02/2007 e termo em 07/02/2008 (o que determina a consequente anulação dos efeitos previstos na carta rescisória enviada ao 2° outorgante em 11.12.2006).
2. O acréscimo excepcional da actividade da empresa resulta da necessidade de assegurar a cobertura dos trabalhos e eventos especiais relacionados com a Presidência Portuguesa da União Europeia durante o ano de 2007. (...)".
4. Em 20.12.05 e 11.12.06, a ré emitiu e enviou ao autor as cartas juntas a fls. 17 e 18 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, as quais viriam a ficar sem efeito.
5. Por força do disposto no art. 1°, n.º 2 da Lei n. °8/2007 de 14.02, a Radiotelevisão Portuguesa, Serviço Público de Televisão, SA foi incorporada na ora ré "Radiotelevisão de Portugal, SA"
6. Por carta de 13 de Dezembro de 2007, junta a fls. 19 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, a ré comunicou ao autor, "que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre esta empresa e V. Exa. em 08 de Fevereiro de 2007, caducará no termo do prazo estipulado, ou seja, no dia 07 de Fevereiro de 2008."
7. O autor trabalhou de modo ininterrupto, desde 08.02.2005 até 07.02.2008 para a Radiotelevisão Portuguesa – Serviço Público de Televisão, SA e depois para a Rádio Televisão de Portugal, SA, na Av. General Gomes da Costa, n.º 37, em Lisboa.
8. O autor deixou de trabalhar para a ré e, esta deixou de lhe dar trabalho em 08 de Fevereiro de 2008, nos termos da carta junta a fls. 19 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido
9. A autora pagou ao autor as quantias referidas no documento de fls. 21 cujo teor se dá por reproduzido.
10. O autor é associado do STT – Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações e Comunicação Audiovisual.
11. O autor esteve sempre afecto ao serviço de operação de estúdios, integrado na RTP/Informação – Direcção de Informação
12. Podendo ser-lhe exigido trabalho de "exterior", a ré distribuía ao autor predominantemente, trabalho de estúdio, concretizado nas funções de câmara em vários programas efectuados nos seus estúdios.
13. O autor, durante a relação laboral foi afecto, entre outros, aos seguintes programas: Antena Aberta – Estúdio – RTP N; África Global – Estúdio – RTP África; Bom Dia Portugal – Estúdio – RTP 1; Contas em Dia – Estúdio – RTP2; Desporto 2 – Estúdio – RTP2; Duplex – Estúdio – RTPN; Debate da Nação – Estúdio – RTP 1; Especial Informação – (50 anos RTP) – Estúdio – RTP 1; África Global – Estúdio – RTP África; Grande Entrevista – Estúdio – RTP 1; Jornal 2 – Estúdio – RTP 2; Liga dos Campeões – Estúdio – RTP 1; (Marcelo) Prof. Marcelo Rebelo de Sousa – Estúdio – RTP 1; Meteorologia – Estúdio – RTP 1; RTP N (Noticias) – Estúdio – RTP N; Noticias de Portugal – Estúdio – RTP África; Notas Soltas — Estúdio — RTP 1; Olhar o Mundo (entrevista) — Estúdio; Portugal Directo — Estúdio – RTP 1; Pontapé de Saída – Estúdio; Repórter África – Estúdio – RTP África; Telejornal 1 — Estúdio — RTP1; António Vitorino — Notas Soltas — Estúdio — RTP 1 — (17°, 18° e 19° p.i.)
14. O autor nunca foi destacado para a cobertura da Volta a Portugal em bicicleta.
15. O autor não foi afecto à cobertura de eventos como o referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez ou eleições presidenciais ou legislativas, com o esclarecimento que tais eventos não constam dos contratos juntos aos autos.
16. O autor não foi afecto à cobertura do Europeu de Futebol de sub-21.
17. O autor não foi afecto à cobertura de trabalhos e eventos especiais relacionados com a Presidência Portuguesa da União Europeia.
18. A presidência da União Europeia ocorreu de 01.07.2007 a 31.12.2007.
19. O autor não foi afecto à cobertura dos eventos relacionados com a presidência da União Europeia.
20. O canal RTPN iniciou actividade em 31 de Maio de 2004.
21. A volta a Portugal acontece todos ou quase todos os anos
22. A RTP adquiriu a sociedade "Porto TV", Informação e Multimédia, SA", detentora "NTV" (canal regionalista português da televisão por cabo), em Fevereiro de 2002, a qual foi substituída pelo canal RTPN no dia 31 de Maio de 2004, tendo alguns dos seus programas mantidos neste novo canal
23. A transformação da NTV de um canal regional num canal que abrangesse todo o território nacional, com particular incidência na informação de natureza local levou a acréscimo de actividade com a elaboração de nova grelha, novos conteúdos e novos programas.
24. A partir de 2005, alguns dos programas que eram produzidos no norte, na RTP Porto – os novos programas da RTP N passaram a ser produzidos em Lisboa.
25. Pelo facto referido no número anterior a ré necessitou de mais operadores.
26. A ré confiava as equipas mais experientes a eventos como a Volta a Portugal em bicicleta colocando os novos trabalhadores em tarefas menos complexas.
24. Desde Junho de 2005 estava em curso um plano de redução de folgas em atraso, ou seja, um plano para diminuir as folgas compensatórias acumuladas, devidas aos trabalhadores que haviam prestado trabalho suplementar.
25. A ré recorreu à celebração de "contratos a termo" com novos trabalhadores para tentar diminuir aquelas folgas acumuladas e por gozar, pois as necessidades não podiam ser satisfeitas devido à ausência dos trabalhadores que se encontrassem em gozo de folgas.

III. Fundamentos de direito

Questão prévia.
Nas contra-alegações o recorrido veio invocar a extemporaneidade do recurso de apelação interposto pela recorrente, pelo facto da sentença ter sido notificada aos mandatários das partes a 19 de Janeiro de 2011, tendo aquela interposto recurso somente no dia 14 de Fevereiro de 2011.
Vejamos se lhe assiste razão
Dos autos resulta que a notificação da referida sentença aos mandatários foi efectuada através do sistema informático Citius. Consta daquela notificação, como data de "elaboração", o dia 19 de Janeiro de 2011.
O n. 5 do art.º21 - A da Portaria n. °114/2008, de 6 de Fevereiro, dispõe que: "O sistema informático CITIUS assegura a certificação da data de elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil". Trata-se de uma regra idêntica à constante do art.º254, n.°3 do CPC, visando esta as notificações efectuadas por via postal.
Ora, aplicando o referido dispositivo ao recurso interposto, verifica-se que consta da notificação a certificação da data de elaboração da mesma em 19 de Janeiro de 2011, pelo que se presume feita a expedição daquela notificação no dia 24 de Janeiro de 2011 (uma vez que os dias 22 e 23 de Janeiro foram, respectivamente, um Sábado e um Domingo).
Assim sendo, tendo a recorrente sido notificada da sentença no dia 24 de Janeiro, o prazo de 20 dias para interposição do recurso de apelação completou-se precisamente no dia 14 de Fevereiro de 2011, data em que a recorrente interpôs recurso de apelação, pelo que é o mesmo tempestivo.

Apelação interposta pela ré/recorrente
Como acima se referiu a única questão que importa apreciar é relativa à validade da justificação do termo aposto no contrato celebrado entre autor e ré.
Na sentença recorrida foi entendido que: “Não ficou provado que o autor tivesse executado qualquer tarefa relacionada com o motivo justificativo do seu contrato sendo que face ao conteúdo deste em confronto com a factualidade provada não é possível estabelecer qualquer nexo de causalidade entre os motivos invocados e a contratação do autor. Acresce, tal como referimos que não obstante exaustivo, o motivo aposto é genérico nomeadamente quando refere "reorganização em curso dos recursos humanos afectos à Direcção de Informação", fórmula abrangente que dificulta a sindicância do motivo invocado. Estamos pois perante uma fórmula genérica e imprecisa que nada esclarece sobre os motivos da contratação ou sobre o carácter temporário de tal acréscimo, não sendo possível estabelecer nexo de causalidade entre o motivo invocado e a contratação do autor nomeadamente quanto à duração de tal necessidade.”
A recorrente discorda alegando que os motivos invocados, relativos ao do acréscimo de actividade da recorrente, existem, são válidos e foram determinantes da celebração e renovação do contrato de trabalho com o recorrido.
Analisemos a validade da invocada motivação.
O princípio da liberdade contratual é, no âmbito do direito do trabalho e no que respeita à estabilidade da relação laboral subordinada, condicionado por imperativos legais sustentados em interesses de ordem pública, que surgem como corolários do princípio constitucional da Segurança no Emprego, consagrado no art.º53 da Constituição.
A legislação ordinária tem, então, colocado aos empregadores diversos entraves à liberdade de desvinculação, bem como restrições nas admissões que proponham à partida a existência de uma vinculação precária, e neste contexto, tem surgido toda uma legislação relativa à contratação a termo, que começou com DL n.º 787/76, de 28.10, permitindo o contrato a prazo. Mais tarde o DL n.º 64-A/89 de 27.2, passou a regular de forma mais completa o agora denominado contrato a termo. Este diploma legal sofreu, entretanto, no que respeita à contratação a termo as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/96, que consagrou no seu artigo 3°, a necessidade da concretização factual do motivo justificativo para celebração de um contrato de trabalho a termo, cuja redacção foi alterada pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, no sentido de exigir que na redacção do motivo justificativo se estabeleça com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
O Código do Trabalho/2003, em vigor à data de celebração do contrato em apreço, veio alargar a admissibilidade da contratação a termo e sua duração. No entanto, exige os mesmos requisitos de forma para a sua validade e manteve os requisitos da indicação do motivo justificativo, nos moldes consignados no art. 3º da Lei n.º38/96, na redacção introduzida pela Lei n.º 18/2001, tal como resulta do n.º3 do seu art.º131, tendo consignado, expressamente, que a prova dos factos que justificam a celebração do contrato a termo cabe ao empregador – n.º1 do art.º130 do CT/2003.
Quer isto dizer que para a validade de um contrato de trabalho a termo certo não basta a remissão para os termos da lei para satisfazer a exigência legal da indicação do motivo justificativo, sendo indispensável a indicação concreta da factualidade real que motiva a necessidade de tal contratação, pelo que, também, não é legalmente admissível o contrato a termo em que os motivos indicados não correspondam à realidade. Por outras palavras, não basta para a validade do termo estipulado no contrato de trabalho a termo que se indique o motivo justificativo do termo, pela concretização factual dos trabalhos e funções que o trabalhador seja contratado, sendo ainda necessário que tais motivos sejam verdadeiros.
Assim, num primeiro momento há que saber se o contrato se apresenta formalmente válido no que respeita à indicação do motivo justificativo e num segundo momento há que averiguar se esse motivo corresponde à verdade, ou seja, se houve correspondência entre a situação invocada para a celebração do contrato e a situação real.
No caso vertente, no 1º contrato de trabalho celebrado pelas partes, em 8.8.2005, foi indicado como motivo justificativo da contratação a termo, “tratar-se de um acréscimo excepcional da actividade da empresa, temporário, cf. previsão da al.f) do n.º2 do art.º129 do CT – e identifica essa actividade excepcional com vários itens, a saber: - pela cobertura de eventos desportivos não regulares, tais como a volta a Portugal em bicicleta; - a incrementação da programação RTP-N, com novos programas produzidos em Lisboa, tais como o magazine internacional, um programa de debate semanal sobre temas nacionais e um outro baseado em reportagens internacionais o lançamento da nova grelha de programas da RTP a apresentar em Setembro e dos programas diários nela previstos; - tudo acompanhado da reorganização dos recursos humanos afectos à Direcção de Informação - facto n.º1.
Em 30.1.2006, a recorrente renova o contrato e inscreve que o acréscimo excepcional revela-se, pela necessidade de assegurar a cobertura televisiva de programas, cuja natureza é temporária ou ocasional, de que em síntese e designadamente se referem eventos desportivos não regulares, tais como a fase final do Europeu de Futebol de Sub-21; a incrementação da programação da RTP-N com novas séries de programas produzidos em Lisboa, tais como um magazine internacional, um programa de debate semanal sobre temas nacionais e reportagens internacionais, tudo acompanhado da reorganização em curso dos recursos humanos afectos à Direcção de Informação – facto n.º2.
Em 5.2.2007, porque se mantêm os pressupostos da contratação inicial - o acréscimo excepcional da actividade da empresa, temporário, - o mesmo contrato renova-se, acrescentando que “o acréscimo excepcional da actividade da empresa resulta da necessidade de assegurar a cobertura dos trabalhos e eventos especiais relacionados com a Presidência Portuguesa da União Europeia durante o ano de 2007 - facto n.º3.
Começamos por salientar que, tal como a recorrente, entendemos que, contanto que sejam verdadeiros os motivos invocados no contrato de trabalho a termo, e que os mesmos tenham gerado um acréscimo temporário de actividade, nada impede que seja contratado um trabalhador a termo para fazer face a tal acréscimo, não directamente, isto é, não executando as tarefas que estão na origem desse acréscimo, mas sim indirectamente, ou seja, desempenhando as tarefas a que é necessário dar resposta, em virtude de outros trabalhadores se encontrarem a desempenhar as tarefas directamente relacionadas com o acréscimo de actividade.
Todavia, no caso em apreço, afigura-se-nos que não resultou apurado que as razões invocadas, quer no contrato inicial, quer nas duas posteriores renovações, constituam um acréscimo excepcional e temporário da actividade normal da ré. Com efeito, no contrato inicial, a ré começa por indicar como justificação de um acréscimo excepcional, temporário, da sua actividade, a cobertura de eventos desportivos não regulares, exemplificando com a cobertura televisiva da volta a Portugal em bicicleta, evento que ocorre todos os anos, e que nada tem de excepcional. Depois invoca a incrementação da programação da RTPN com novos programas produzidos em Lisboa, tais como o magazine internacional, um programe de debate semanal sobre temas nacionais e outros baseados em reportagens internacionais, ora, estes motivos representam na verdade um acréscimo da actividade, mas não de natureza excepcional ou temporário. Assim como não se nos afigura com carácter excepcional o lançamento de uma grelha de programas da RTP a apresentar em Setembro e dos programas neles previstos, pois insere-se na actividade normal da renovação da programação recorrente a qualquer canal de televisão.
Mas, também, a reorganização de recursos humanos afectos à informação, – desde Junho de 2005 está em curso um plano de redução de folgas em atraso, ou seja, um plano para diminuir as folgas compensatórias acumuladas, devidas aos trabalhadores que haviam prestado trabalho suplementar – não se nos afigura como acréscimo excepcional da actividade da ré, antes significando, como bem observou o recorrido nas suas contra-alegações, um decréscimo dos meios humanos disponíveis, resultante da ré ter de conceder num curto espaço de tempo as folgas acumuladas a trabalhadores a quem não as deu em tempo oportuno.
Deste modo, os motivos invocados para a justificação do termo no contrato celebrado com o autor não configuram a natureza de excepcionalidade pretendida pela recorrente. Assim, como não se apurou que os trabalhadores mais experientes, a quem a ré diz ter entregue as tarefas mais complexas, tivessem sido retirados dos seus locais e equipas de trabalho nos quais o autor foi integrado. Com efeito, não se apurou que o autor tivesse desempenhado, nem as tarefas que estão na origem do alegado acréscimo, nem que indirectamente tivesse desempenhado as tarefas a que era necessário dar resposta em virtude de outros trabalhadores se encontrarem a desempenhar as tarefas directamente relacionadas com o alegado acréscimo temporário da actividade da ré.
Aliás, o contrato durou no seu todo de 8.8.2005 a 7.2.2008, ou seja dois anos e meio, o que nos parece incompatível com um acréscimo excepcional ou temporário da actividade da ré. Assim sendo, a sentença recorrida decidiu correctamente ao considerar sem termo o contrato de trabalho no qual a estipulação da cláusula acessória tinha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo, e considerou ilícito o despedimento do autor.
Carece pois de razão o fundamento do recurso interposto pela ré /recorrente.

IV. Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto confirma-se a sentença recorrida
Custas pela recorrente

Lisboa, 25 de Janeiro de 2012.

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena de Carvalho
Decisão Texto Integral: