Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3250/09.0TTLSB.L1-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
PORTARIA DE EXTENSÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. As cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias.
2. Assim, é necessário, por um lado, que o empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, que o trabalhador esteja filiado na associação sindical signatária.
3. Se o STAD-Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Doméstica e Actividades Diversas não subscreveu o CCT celebrado entre a APFS e a FETESE, nem está filiado nesta, à partida o CCT celebrado entre a APFS e a FETESE, publicado no BTE, n.º 15, 1ª Série, de 22/04/2008, não poderá ser aplicável aos seus associados.
4. O regulamento de extensão tem por destinatário quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores signatárias da convenção colectiva ou da convenção arbitral que deu origem à decisão arbitral, surgindo, assim, como forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais ou de empregadores existentes.
5. A Portaria de Extensão n.º 1519/2008, publicada no DR I Série, de 24/12, não pode, por isso, aplicar-se aos trabalhadores filiados do STAD, uma vez que este tem o seu próprio CCT.
6. O CCT celebrado entre a APFS e a FETESE, publicado no BTE, n.º 15, 1ª Série, de 22/04/2008, foi fruto do livre desenvolvimento das negociações efectuadas entre ambas, mediante cedências e conquistas de parte a parte e nele se encontra definido um novo regime de enquadramento das relações de trabalho, com novos direitos, deveres e obrigações, que integram o novo estatuto contratual dos trabalhadores filiados nas associações sindicais membros daquela Federação que o subscreveu e que a ele se sujeitou, sendo evidente que o que foi aceite por qualquer das partes outorgantes em certas áreas teve as suas contrapartidas em outras áreas da convenção, dentro ou fora da matéria específica em que essa cedência teve lugar, constituindo, assim, tal CCT um todo unitário do qual não podem dissociar-se as tabelas salariais.
7. Daí que pretender, como pretende o STAD, a aplicação das tabelas retributivas de tal CCT às trabalhadoras suas filiadas, identificadas nos autos, sem a aplicação em bloco de tal IRCT, invocando os princípios da igualdade de tratamento e do “trabalho igual, salário igual” se nos afigure abusivo, na medida em que se está a pretender colher os benefícios sem querer suportar as contrapartidas acordadas para o efeito; se está a pretender obter as vantagens de um IRCT aplicável a outros trabalhadores, sem ter de suportar as desvantagens; se está a pretender que o princípio da igualdade funcione apenas em relação às partes mais vantajosas e não funcione em relação às desvantagens.
8. Se a tese defendida pelo STAD fosse legalmente admissível, a cláusula 37ª do CCT celebrado entre a APFS e a FETESE funcionaria como uma cláusula de inércia negocial: o STAD não necessitaria de negociar o que quer que fosse; bastava esperar que os outros o fizessem, podendo depois exigir o cumprimento das cláusulas dos CTT’s celebrados por esses sindicatos que fossem mais favoráveis aos seus associados e aproveitar o que lhes fosse mais conveniente de cada um desses CCT’s.
9. Os trabalhadores filiados no STAD veriam, assim, o seu estatuto definido sempre com recurso a mais de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho: o celebrado pelo seu sindicato e todos os outros que pudessem vir a ser aplicados, mas apenas nas partes que lhe fossem mais convenientes, o que seria altamente discriminatório e violaria flagrantemente os princípios da igualdade de tratamento e da liberdade sindical.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam em conferência na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

         I. RELATÓRIO

STAD-Sindicato dos Trabalhadores de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas, com sede na Rua de S. Paulo, n.º 12, 1º, em Lisboa, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra
AA, Lda, com sede (…);
 BB, S.A., com sede (…), pedindo a condenação destas no pagamento às suas associadas identificadas nos autos, da quantia de € 18.260,48, sendo a condenação da AA, a título de responsabilidade solidária e restrita aos créditos vencidos até 1 de Setembro de 2008, sendo as condenações acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Alegou para tanto e em síntese o seguinte:
É uma associação regularmente constituída e que representa, entre outros, os trabalhadores de limpeza que prestam a sua actividade ao serviço das empresas prestadoras de serviços de limpeza, como as ora demandadas.
Até 31 de Agosto de 2008, a ré AA teve a seu cargo a execução da empreitada de prestação de serviços de limpeza do Hospital ..., no ..., local de trabalho que foi adjudicado à BB, S.A., a partir de 1 de Setembro de 2008.
Às relações jurídicas estabelecidas entre os trabalhadores ao serviço daquelas empresas, aplica-se o CCT outorgado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares, publicado no BTE n.º 12/2004 e que foi objecto de Regulamento de Extensão constante da Portaria n.º 478/2005, de 13/5.
A referida Associação patronal, que actualmente tem a designação de Associação Portuguesa de Facility Services, celebrou um novo CCT com a FETESE, para o mesmo sector de actividade, contendo este instrumento de regulamentação colectiva tabelas salariais mais vantajosas.
A Portaria n.º 1519/2008, publicada no DR de 24/12/2008, determinou a aplicação do CCT celebrado com a FETESE a todas as empresas de prestação de serviços de limpeza e aos trabalhadores ao serviço das mesmas.
E, porque aquele CCT previa o pagamento de rectroactivos das tabelas salariais e dos subsídios de alimentação, a aludida Portaria, determinou que tal pagamento de rectroactivos era também tornado extensível a todas as empresas de prestação de serviços de limpeza e aos trabalhadores ao seu serviço.
As Rés e outras empresas de limpeza intentaram providências cautelares, junto dos tribunais admnistrativos, requerendo a suspensão da eficácia daquela Portaria, no que se refere à obrigatoriedade de pagamento de rectroactivos.
A suspensão da eficácia da Portaria operou de imediato.
Todavia, entende o sindicato, que a suspensão da eficácia da Portaria não desobriga as rés ao pagamento das tabelas salariais previstas no CCT da FETESE e do pagamento dos rectroactivos devidos quer das tabelas salariais quer do subsídio de alimentação, desde 1 de Janeiro de 2008.
Considerando o princípio constitucional “a trabalho igual corresponde salário igual”, bem como o preceituado no art. 536ª do CT, que torna a última convenção a aplicável e, ainda, as próprias cláusulas 54º, n.º 2 do CCT da FETESE e 37ª do CCT celebrado com o STAD, não podem existir dúvidas de que os trabalhadores não filiados na FETESE tinham direito à aplicação das tabelas salariais e subsídios de alimentação constantes do respectivo CCT, com efeitos retroactivos a 1/1/2008.
Como as rés não aplicaram as tabelas e subsídios de alimentação às associadas suas associadas, identificadas nos autos, nem lhes pagaram os rectroactivos, reclama o pagamento de tais prestações, sendo a ré AA apenas responsável solidariamente pelos créditos de trabalho vencidos até à transmissão da empreitada do serviço de limpeza para a segunda ré.

A ré AA, Lda, contestou a acção, alegando, em resumo, que não aceita a interpretação feita pelo sindicato demandante de que a Portaria n.º 1519/2008, de 24/12, deve operar em relação a todos os trabalhadores do sector, inclusivamente para aqueles que são filiados no STAD. Face à suspensão da eficácia da Portaria n.º 1519/2008, jamais o autor poderá vir reclamar o pagamento dos rectroactivos desde Janeiro de 2008. Além disso, entende que o preceito contido na alínea c) do art. 533º do CT de 2003, é inconstitucional, por ir contra os mais elementares princípios do estado de direito democráticos, tais como: - princípio da confiança e segurança jurídica; - direito de iniciativa económica privada; - princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, o mesmo sucedendo com a norma a norma constante do art. 2º, n.º 2 do regulamento de extensão. Face ao princípio da filiação consagrado no nosso ordenamento jurídico, as cláusulas normativas das convenções colectivas de trabalho somente se aplicam às relações de trabalho existentes entre trabalhadores e empregadores inscritos nas associações outorgantes. Logo, às relações entre as partes, é aplicável o CCT celebrado entre a AEPSLAS (anterior denominação da APFS) e o STAD, que continua em vigor. A extensão efectuada pela aludida Portaria n.º1519/2008, apenas pode operar em relação a trabalhadores que não sejam filiados noutros sindicatos e que não estejam abrangidos por qualquer outro instrumento de regulamentação colectiva. Aliás, comparando o CCT/STAD e o CCT/FETESE, não obstante aquele ter uma tabela salarial ligeiramente mais baixa, tem um carácter globalmente mais favorável aos trabalhadores filiados no sindicato autor. De qualquer forma a Portaria n.º 1519/2008, foi publicada a 24 de Dezembro e entrou em vigor cinco dias depois da publicação, o que significa que os encargos resultantes dos rectroactivos, a serem devidos, deveriam ser satisfeitos no primeiro semestre de 2009, data em que a ré já não era a entidade empregadora das associadas do autor.

A ré BB, S.A., também contestou, alegando em síntese que a Portaria n.º 1519/2008, tem a sua eficácia suspensa, pelo que não pode ser aplicada e que só não pagou os rectroactivos salariais e de subsídio de alimentação que se encontram abrangidos pela suspensão decretada.
Concluiu pela improcedência da lide e pela sua absolvição do pedido.

Saneada e julgada a causa foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as RR. do pedido.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação da referida sentença tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
         (...)

As RR., nas suas contra-alegações, pugnaram pelo não provimento do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.

O recurso foi tempestivo e foi admitido na forma com o efeito e no regime de subida devidos.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A questão que se suscita neste recurso consiste em saber se a tabela salarial prevista no CCT celebrado entre a Associação Portuguesa de Facility Services [APFS] e a FETESE, publicado no BTE n.º 15, de 22/4/2008, e nomeadamente o pagamento de retroactivos desde 1/1/2008, são aplicáveis às trabalhadoras filiadas no STAD, identificadas nos autos, e na afirmativa se estas têm direito às diferenças salariais peticionadas nesta acção.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. O A. é uma Associação Sindical regularmente constituída e que representa entre outros os trabalhadores de limpeza que prestam a sua actividade ao serviço de empresas.
2. As R.R. são empresas que se dedicam à prestação de serviços de limpeza.
3. Até 31 de Agosto de 2008, a R. AA teve a seu cargo a execução da empreitada de prestação de serviços de limpeza do Hospital ... - ...", local de trabalho que foi adjudicado à R. BB, S.A. a partir do dia 1 de Setembro de 2008.
4. Entre aquela Associação patronal que actualmente tem a denominação de Associação Portuguesa de Facility Services, celebrou novo CGT com a FETESE para o mesmo sector de actividade e que foi publicado no BTE n.º 15/2008, tendo este CCT procedido a aumento significativo das tabelas salariais.
5. No Diário da República de 24 de Dezembro de 2008, foi publicada a Portaria 1519/2008, que determinou a aplicação do CGT celebrado com a FETESE a todas as empresas de prestação de serviços de limpeza e aos trabalhadores ao serviço das mesmas.
6. E, porque aquele CCT previa o pagamento de rectroactivos das tabelas salariais e dos subsídios de alimentação a 1 de Janeiro de 2008, a Portaria 1519/2008, determinou que tal pagamento de rectroactivos era também tomado extensível a todas as empresas de prestação de serviços de limpeza e aos trabalhadores ao seu serviço.
7. As RR. e outras empresas de limpeza intentaram providências cautelares junto dos Tribunais Administrativos requerendo a suspensão de eficácia daquela Portaria 1519/2008, no que refere à obrigatoriedade de pagamento de rectroactivos.
8. Suspensão de eficácia que se operou de imediato com a citação do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, por força do previsto no art. 128º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
10. Sucede, no entanto, que em relação às associadas do A. a seguir discriminadas, as RR. não aplicaram as tabelas e subsídios de alimentação constantes do CCT da FETESE, nem pagaram os respectivos rectroactivos.
11. Se fossem devidos aqueles retroactivos e as tabelas salariais e o subsídio de alimentação do CCT celebrado com a FETESE a cada uma delas seria devido as seguintes:
(...)
11. A Ré AA é filiada na APFS - Associação Portuguesa de Facility Services, associação patronal) regularmente constituída, com intuito de congregar e representar as empresas do sector.
12. A referida associação patronal tem vindo a negociar, desde 1974, com os sindicatos representativos dos trabalhadores do sector, diversas convenções colectivas.
13. Tais convenções foram, em regra, objecto de portaria de extensão.
14. Durante o ano de 2007, a APFS negociou com a FETESE uma convenção colectiva.
15. As negociações foram concluídas no início do ano de 2008, tendo as partes chegado a um consenso relativamente ao texto de um novo CCT.
16. O qual foi publicado no BTE n.º 15, de 22 de Abril de 2008.
17. Durante a negociação, foi acordado entre as partes, solicitar ao Ministério do Trabalho a emissão de um regulamento de extensão, relativamente ao mencionado CCT.
18. Tendo, desde logo, ficado estabelecido que esse pedido iria ser feito, com expressa exclusão de quaisquer efeitos retroactivos.
19. E de facto, segundo a R. apurou, a APFS e a FETESE, em conjunto, assinaram um requerimento que entregaram nos serviços do Ministério do Trabalho a solicitar a extensão do CCT, no qual se mencionava expressamente que as partes não pretendiam que fosse conferida eficácia às tabelas salariais, constantes do mesmo.
20. Este pedido encontra o seu fundamento no facto das partes terem conhecimento da existência de um outro CCT (celebrado com o STAD, ora A.).
21. Ora, no dia 29/8/2008, foi publicado no BTE (n.º 32) aviso de projecto de regulamento de extensão do CCT entre a Associação Portuguesa de Facility Services e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros.
22. No projecto previa-se, desde logo, que fosse atribuído efeito retroactivo, a 1 de Janeiro de 2008, à tabela salarial e ao subsídio de alimentação.
23. Neste contexto, a APFS deduziu oposição ao projecto, na parte em que o mesmo previa que fossem atribuídos efeitos retroactivos, à tabela salarial e ao subsídio de alimentação.
24. No dia 24 de Dezembro de 2008, foi publicada no Diário da República, a Portaria n.º 1519/2008, a qual determina a extensão da Convenção Colectiva de Trabalho (doravante designada abreviadamente por “CCT”) celebrado entre a APFS e a FETESE aos empregados não filiados na associação patronal outorgante e aos trabalhadores não representados pela associação sindical outorgante.
25. A referida Portaria previa que a tabela salarial e o valor do subsídio de alimentação produzam efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2008.
26. Inconformada com esta previsão a R. instaurou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, uma providência cautelar, com vista a obter a suspensão da eficácia do dito regulamento.
27. Paralelamente, a APFS, instaurou, em representação das empresas suas associadas, uma providência cautelar que correu termo, junto do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa.
28. Para além das providências cautelares, tanto a R. como a APFS, instauraram acções administrativas especiais, com o intuito de obter a declaração de ilegalidade da Portaria em questão.
29. Dão-se por reproduzidos os documentos 3 a 5.
30. Todos os trabalhadores identificados em 10 são filiados no STAD.
31. A Ré AA  é filiada na Associação Portuguesa de Facility Services.
32. O STAD não subscreveu este CCT.
33. Nem aderiu ao mesmo.
34. O STAD mantém com a APFS (AEPSLAS) um contrato colectivo específico.
35. É este contrato que continua a reger as relações laborais entre os seus associados e as empresas do sector.
36. Este CCT tem tabelas salariais específicas.
37. E prevê condições remuneratórias deferentes do CCT da FETESE.
38. Ao nível da retribuição do trabalho nocturno, o CCT do STAD prevê que o mesmo seja pago com acréscimos de 30% (se praticado entre as 20h00 e as 00h00 ou entre as 05h00 e as 07h00) ou de 50% (se praticado entre as 00h00 e as 05h00) (cfr. cl. 24ª e 28ª do CCT celebrado ente a AEPSLAS e o STAD)[1].
39. O CCT da FETESE, prevê que o trabalho nocturno (praticado entre as 21h00 de um dia e as 07h00 do dia seguinte) seja remunerado unicamente com um acréscimo de 25% (cfr. cl. 21ª e 25ª do CCT entre a APFS e a FETESE)[2].
40. Também no que concerne à remuneração do trabalho suplementar, o CCT do STAD prevê condições mais vantajosas do que o CCT da FETESE[3].
41. Na cláusula 26ª do CCT do STAD, prevê-se que o trabalho suplementar seja remunerado do seguinte modo:
a) 55% se for diurno na primeira hora;
b) 75% se for diurno nas horas ou fracções subsequentes;
c) 100% se for nocturno em dias úteis;
d) 125% se for em dia de descanso.[4]
42. Na cláusula 23ª do CCT da FETESE, prevê-se que o trabalho suplementar seja remunerado com os seguintes acréscimos:
a) 50% na primeira hora;
b) 75% nas horas ou fracções subsequentes;
c) 100% se for prestado em dia de descanso semanal, obrigatório e complementar, e em dia de feriado[5].
43. Existem outras cláusulas, algumas das quais sem expressão pecuniária directa, que se afiguram mais favoráveis para os trabalhadores, no CCT do STAD do que no CCT da FETESE[6].
44. Veja-se, por exemplo, a cláusula referente às transferências do local de trabalho (cl. 15ª do CCT do STAD, cl. 14ª do CCT da FETESE).
45. Da análise destas duas cláusulas facilmente se infere que o CCT da FETESE flexibiliza a possibilidade de transferência do trabalhador[7].
46. Este CCT faz depender a possibilidade de transferência de um pedido escrito do cliente.
47. Já no âmbito do CCT do STAD não é possível fundamentar uma ordem de transferência num pedido do cliente.
48. Avaliando os dois contratos colectivos, no seu conjunto, é falso que o CCT da FETESE proceda a um aumento significativo dos vencimentos dos trabalhadores[8].
 49. O CCT celebrado entre a AESPLAS e o STAD não é revisto desde 2004.
 50. Os salários constantes desse CCT são efectivamente baixos se tomarmos em consideração os valores actualmente pagos[9].
51. Não obstante o CCT não ter sido alterado desde então, a verdade é que os salários destes trabalhadores foram revistos.
52. As tabelas salariais negociadas entre a AEPSLAS e o A. para o ano de 2004, previam que um trabalhador de limpeza auferisse mensalmente a quantia de € 410,00[10].
53. O trabalhador de limpeza hospitalar, de acordo com a mesma tabela, auferia € 429,80.
54. No ano de 2008, a R. AA actualizou os vencimentos dos seus trabalhadores de limpeza para € 426,02.
55. E os trabalhadores de limpeza hospitalar para € 446,60.
56. A tabela constante do CCT celebrado com a FETESE prevê que os trabalhadores de limpeza aufiram mensalmente a quantia de € 452,50[11].
57. De acordo com a mencionada tabela, os trabalhadores de limpeza hospitalar devem auferir € 470,00.
        
         III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
        
Como dissemos atrás, a questão que se suscita neste recurso consiste em saber se a tabela salarial prevista no CCT celebrado entre a Associação Portuguesa de Facility Services [APFS] e a FETESE, publicado no BTE n.º 15, de 22/4/2008, e nomeadamente o pagamento de retroactivos desde 1/1/2008, são aplicáveis às trabalhadoras filiadas no STAD, identificadas nos autos, e na afirmativa se estas têm direito às diferenças salariais peticionadas nesta acção.
A sentença recorrida concluiu que a Portaria de Extensão n.º 1519/2008, publicada no Diário da República, I Série, de 24/12/2008, não se aplica às trabalhadoras associadas no recorrente, identificadas nos autos, uma vez que as mesmas estão filiadas num sindicato diferente do sindicato signatário do CTT celebrado com a FETESE, tendo o sindicato de que são associadas (STAD), o seu próprio CTT, e que o princípio da igualdade de tratamento e “para trabalho igual salário igual” (previstos nos arts. 13º e 59º, n.º 1, al. a) da CRP) postula que se dê tratamento igual a situações e a condições de trabalho iguais, o que não se verifica, no caso em apreço.
O recorrente discorda e sustenta que o princípio da filiação não prevalece sobre os princípios da igualdade e não discriminação e que as trabalhadoras suas associadas têm direito às mesmas condições remuneratórias das restantes trabalhadoras de limpeza do mesmo local de trabalho, sendo-lhes aplicáveis as tabelas salariais do CCT da FETESE, tal como determinam as cláusulas 37ª do CCT celebrado com o STAD e 54ª do CCT celebrado com a FETESE.
         Desde já se adianta que não assiste qualquer razão ao recorrente.
         De acordo com o disposto nos arts. 552º, n.º 1 do CT de 2003 e 496º, n.º 1 do CT de 2009, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.
Decorre destes normativos o princípio da filiação, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias. Assim, é necessário, por um lado, que o empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, que o trabalhador esteja filiado na associação sindical signatária.
Ora, se atentarmos na matéria de facto dada como provada, da mesma resulta que o STAD-Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Doméstica e Actividades Diversas (ora recorrente) não assinou ou subscreveu o CCT celebrado entre a APFS e a FETESE, nem está filiado nesta.
Assim, à partida e, por força do disposto nos arts. 552º, n.º do CT de 2003 e 496º, n.º 1 do CT de 2009, o CCT celebrado entre a APFS e a FETESE nunca poderá ser aplicável às associadas do sindicato recorrente, identificadas nos autos, porque este sindicato não é signatário deste instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Conhecedor do princípio estatuído nestes preceitos, o recorrente veio fundamentar a sua pretensão na Portaria de Extensão n.º 1519/2008, publicada no Diário da República, I Série, de 24/12/2008. Efectivamente, através de um Regulamento de Extensão, uma convenção colectiva de trabalho ou uma decisão arbitral pode passar a aplicar-se a trabalhadores não sindicalizados nas associações sindicais que subscreveram tal convenção, assim como a empregadores não filiados na associação de empregadores vinculados por tal instrumento de regulamentação colectiva.
A questão que, no entanto, se coloca é a de saber se tal extensão pode abranger ou alargar o seu âmbito de aplicação a trabalhadores filiados em outro sindicato (como é o caso das filiadas no sindicato recorrente) ou a empregadores membros de outra associação de empregadores, distintos das entidades outorgantes do instrumento de regulamentação colectiva em causa. Ou seja, importa saber se, sendo as trabalhadoras identificadas nos autos, filiadas no STAD (sindicato diferente do sindicato signatário do CTT celebrado pela FETESE), o Regulamento de Extensão supra identificado lhes é aplicável.
Segundo Prof. Pedro Romano Martinez[12], cujo ensinamento a sentença da 1ª instância perfilhou, com o qual estamos plenamente de acordo, “o regulamento de extensão tem por destinatário quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores signatárias da convenção colectiva ou da convenção arbitral que deu origem à decisão arbitral. Cabe acrescentar também que não parece razoável aplicar-se, por via da extensão, um instrumento autónomo de regulamentação colectiva a trabalhadores sindicalizados em outros sindicatos ou a empregadores filiados em outras associações de empregadores, pois estar-se-á a pôr em causa o princípio da autonomia privada. A isto acresce que, segundo a regra da subsidiariedade do art. 3º do CT, o regulamento de extensão só pode ser emitido na falta de convenção colectiva, pelo que se dá preferência à autonomia da vontade. O Regulamento de extensão aparece, assim, como forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais ou de empregadores existentes ou, na falta destas, não pretenderam constituir associações sindicais ou de empregadores representativas da actividade do sector.
         (…)
         Admitindo-se que a extensão do instrumento autónomo pode abranger trabalhadores sindicalizados em outra associação sindical, estar-se-ia a pôr em causa a autonomia contratual desse sindicato, cuja liberdade negocial ficaria coarctada. Se um determinado sindicato não quis negociar e celebrar aquela convenção colectiva, ou não pretendeu, depois desta estar celebrada, aderir a este instrumento, quer isso dizer que ele tinha alguma objecção relativa a essa convenção colectiva. Assim sendo, se a associação sindical tem uma objecção quanto àquela convenção colectiva ou àquela decisão arbitral, admitir-se que, por via de um regulamento de extensão, os filiados nesse sindicato ficarão submetidos ao sobredito instrumento de regulamentação colectiva, pressupõe que se coarcta a autonomia contratual das associações sindicais no que respeita à negociação e celebração de convenções colectivas. (…).
         Esta tomada de posição pode ser coadjuvada com um argumento suplementar no caso de o sindicato ou associação de empregadores, a cujos filiados se pretende aplicar o instrumento autónomo por regulamento de extensão, serem mais representativos do que as associações signatárias do acordo que se pretende alargar. Caso em que as associações mais representativas veriam a sua influência ser suplantada por um instrumento celebrado por associações menos representativas.”
         Entendemos, assim, que a Portaria de Extensão n.º 1519/2008, publicada no DR I Série, de 24/12, não pode aplicar-se às filiadas do recorrente, identificadas nos autos, uma vez que as mesmas estão filiadas num sindicato diferente do sindicato signatário do CTT celebrado com a FETESE, tendo, inclusive, o sindicato de que são associadas (o STAD), o seu próprio CCT.
Sustenta o recorrente que a cláusula 37a do CCT celebrado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD consagra a prevalência dos princípios da igualdade e da não discriminação, princípios que não põem em causa a liberdade e autonomia sindicais, na exacta medida em que se traduzem numa positiva melhoria dos direitos dos mesmos, quando se trata de aplicar uma convenção colectiva mais favorável como sucede no caso dos autos.
Mas não lhe assiste razão.
Estabelece a referida cláusula que “Se por força de qualquer acordo ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, vier a ser atribuído, por qualquer das empresas abrangidas por este CCT, qualquer aumento de retribuição para além do aqui estabelecido ou regalias mais vantajosas, de carácter permanente, a trabalhadores com a mesma ou idêntica categoria ou funções, tal benefício será extensivo a todos os trabalhadores dessa empresa nas mesmas condições (…).”
         Como afirma a recorrida AA, Lda, a redacção desta cláusula é bastante antiga, encontrando os seus antecedentes logo na versão originária do referido CCT. Durante mais de 30 anos de vigência da cláusula, a dinâmica das relações de trabalho e a execução do CCT funcionaram normalmente, tendo os outorgantes chegado sempre a acordo quanto ao texto do clausulado e tabelas salariais.
         Por essa razão, a cláusula em apreço nunca levantou qualquer celeuma.
         O cenário começa a alterar-se em 2004, quando a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpezas e o STAD não conseguem chegar a um entendimento quanto à revisão do CCT, o que leva a negociação a entrar num impasse. Este impasse negocial não pode ser dissociado da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 e da consequente flexibilização das relações de trabalho, que interessava sobremaneira aos empregadores, mas que não era vista com bons olhos pelo STAD. Entre 2004 e 2008, o clausulado do referido CCT ficou totalmente desactualizado face ao regime do Código do Trabalho. A falta de regulamentação começa a gerar conflitualidade com os trabalhadores e problemas concorrenciais, deixando o sector numa posição extremamente delicada. Foi neste contexto que surge a FETESE, estrutura sindical que se mostra disposta a negociar com a APFS. Essas negociações para se concretizarem obrigaram a grandes cedências de parte a parte, até se chegar ao texto final do CCT, publicado no BTE n.º 15, de 22/4/2008.
         Vem, agora, o recorrente sustentar que este IRCT é aplicável às trabalhadoras, suas associadas, identificadas nos autos. Mas - repare-se bem - não é todo o clausulado que o recorrente pretende que lhes seja aplicável. Este pretende apenas aproveitar-se da parte que lhe é mais favorável das negociações que deram origem àquele CCT, sem ter de fazer qualquer cedência.
O CCT atrás mencionado foi fruto do livre desenvolvimento das negociações entre a APFS e a FETESE, mediante cedências e conquistas de parte a parte e nele se encontra definido um novo regime de enquadramento das relações de trabalho, com novos direitos, deveres e obrigações, que integram o novo estatuto contratual dos trabalhadores filiados nas associações sindicais membros daquela Federação que o subscreveu e que a ele se sujeitou. E é evidente que o que foi aceite por qualquer das partes outorgantes em certas áreas teve, naturalmente, as suas contrapartidas em outras áreas do IRCT, dentro ou fora da matéria específica em que essa cedência teve lugar. O CCT em causa constitui assim um todo unitário do qual não podem dissociar-se as tabelas salariais.
Daí que pretender apenas a aplicação das tabelas retributivas, sem a aplicação em bloco do CCT, invocando os princípios da igualdade de tratamento e do “trabalho igual, salário igual” se nos afigure abusivo, na medida em que se está a pretender colher os benefícios sem querer suportar as contrapartidas acordadas para o efeito; se está a pretender obter as vantagens de um IRCT aplicável a outros trabalhadores, sem ter de suportar as desvantagens (as cedências que entidades representativas desses trabalhadores tiveram que fazer noutras áreas, para conseguir aquela tabela salarial); se está a pretender que o princípio da igualdade funcione apenas em relação às partes mais vantajosas e não funcione em relação às desvantagens.
Sendo o IRCT um todo, que não é constituído exclusivamente apenas por tabelas salariais, mas por todo um conjunto de cláusulas que regulam diversas matérias laborais, não é legítimo pretender que seja aplicado a um conjunto de trabalhadores só a parte respeitante à matéria pecuniária, sem aplicar o restante clausulado que é ao fim e ao cabo a contrapartida dessa matéria pecuniária.
Como afirmava Albino Mendes Baptista, “(…) a Convenção Colectiva resulta de um compromisso, donde advêm contrapartidas positivas e negativas, para os trabalhadores sindicalizados. Compromisso que actua, é certo, num compromisso fortemente dominado por normas imperativas que dificultam, por vezes, o encontro de soluções mais adequadas por via dos mecanismos da contratação colectiva. Por outras palavras, aplicar neste caso o princípio “a trabalho igual salário igual” seria uma forma dos trabalhadores sindicalizados noutro sindicato auferirem um salário igual (sublinhe-se que não se trata de se lhes aplicar a Convenção Colectiva, mas de beneficiar da tutela de uma norma constitucional), não estando sujeitos às obrigações que eventualmente resultassem de um instrumento de regulamentação colectiva. É que o estatuto contratual não se reduz às tabelas remuneratórias. Aplicar uma das vertentes mais significativas da contratação colectiva (que obriga a processos de negociações em que se fazem cedências mútuas e se contraem naturalmente obrigações), que é a matéria salarial, aos trabalhadores sindicalizados noutro sindicato, sugere-nos a seguinte pergunta: isto não será igualmente uma forma de discriminar quem negociou, cedendo?”[13]
Este mesmo entendimento foi perfilhado pelo Acórdão da Relação do Porto, de 27/01/2007, Proc. 407/96 – 4ª Secção, no qual se afirma o seguinte: “O princípio constitucional de ‘trabalho igual salário igual’ visa proteger os trabalhadores de comportamentos discriminatórios imputáveis às entidades patronais, enquanto que a diferenciação salarial que possa ocorrer numa empresa, em consequência da aplicação de mais do que uma convenção colectiva, pode dizer-se que é imputável aos próprios trabalhadores que, no uso da sua liberdade sindical optaram por se manterem vinculados à regulamentação colectiva que, no seu entendimento, lhes é mais favorável. Obrigar a empresa, nesta situação, a aplicar a tabela salarial mais favorável a todos os trabalhadores, com base no referido princípio, mais não era do que sacrificar aquele outro princípio da liberdade sindical. Além disso, um tal procedimento traduzir-se-ia numa visão fragmentária das convenções colectivas, esquecendo que as suas cláusulas são por regra objecto de uma negociação conjunta e global, dependendo os valores das tabelas salariais do conjunto das restantes cláusulas, de modo que bem pode acontecer que um CCT com melhores tabelas salariais não seja aquele que globalmente se apresente mais favorável”[14].
Mais: se a tese defendida pelo recorrente fosse legalmente admissível, a cláusula 37ª funcionaria como uma cláusula de inércia negocial: o STAD não necessitaria de negociar o que quer que fosse; bastava esperar que os outros o fizessem, podendo depois (os trabalhadores nele filiados) exigir o cumprimento das cláusulas do CTT celebrado por este sindicato que lhe fossem mais favoráveis e aproveitar o que lhe fosse mais conveniente de cada um dos CCT,s celebrados pela FETESE. Os trabalhadores filiados no STAD veriam o seu estatuto definido sempre com recurso a mais de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho: o celebrado pelo seu sindicato e todos os outros que pudessem vir a ser aplicados, mas apenas nas partes que lhe fossem mais convenientes, o que seria altamente discriminatório e violaria flagrantemente o princípio da igualdade de tratamento.
Às relações entre as partes é aplicável o CCT celebrado entre a AEPSLAS (anterior denominação da APFS) e o STAD, que continua em vigor. Estando as trabalhadoras identificadas nos autos filiadas no STAD e tendo este celebrado com AESPLAS um contrato colectivo específico, não é possível aplicar às relações entre as partes um contrato colectivo celebrado com uma Federação de sindicatos da qual não faz parte o sindicato que representa tais trabalhadoras.
Aos trabalhadores filiados num sindicato não se pode aplicar a convenção colectiva celebrada com outro sindicato[15]. Ao contrário do que sustenta o recorrente, a Portaria n.º 1519/2008, de 24/12, não contraria este entendimento. Tal Portaria procede, de facto, à extensão do CCT celebrado entre APFS e a FETESE, publicado no BTE n.º 15, de 22/4/2008. Contudo, essa extensão, conforme resulta da lei, apenas pode operar em relação aos trabalhadores que não sejam filiados noutros sindicatos e que não estejam abrangidos, por essa razão, por qualquer outro instrumento de regulamentação colectiva do trabalho. Assim, não tendo o STAD subscrito o CCT em causa nos autos, nem aderido ao mesmo, não poderá aplicar-se aos trabalhadores nele filiados tal IRCT.
Como alega a recorrida AA, Lda, a posição defendida pelo recorrente redundaria numa clara violação do princípio da unicidade dos IRTC’s, bem como numa desproporcional, desnecessária e desadequada limitação dos direitos à iniciativa económica privada e à autonomia negocial. Não só porque qualquer empregador que celebrasse um acordo para determinado grupo de trabalhadores com base em condições objectivas, ver-se-ia confrontado com o alargamento desse acordo a muitos outros trabalhadores, o que certamente o dissuadiria da sua intenção, mas também porque, confrontado com tal alargamento do âmbito de aplicação de um qualquer instrumento de regulamentação colectiva que pretendesse celebrar, provavelmente depressa abandonaria essa intenção ou abster-se-ia de conceder maiores aumentos ou regalias, com claro prejuízo para os trabalhadores filiados no sindicato outorgante e infundada vantagem para os trabalhadores filiados noutro sindicato não outorgante.
A interpretação da cláusula 37ª não se pode reconduzir a uma mera interpretação literal; há que coaduná-la com a Constituição e orientá-la de acordo com o padrão normativo definido a propósito da colisão de direitos, fixando-se, assim, o seu sentido útil. A interpretação literal deste preceito não se coaduna, em termos sistemáticos e valorativos, com o princípio da filiação e suas limitações; nem com a tendencial unicidade de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho; nem com a avaliação global de convenções colectivas que a lei pressupõe nos momentos de hierarquização e sucessão de fontes.
O que quiseram as partes dizer com “acordo ou instrumento de regulamentação colectiva”? Como valorar a referência à atribuição de benefícios por “qualquer das empresas abrangidas”? E a referência a “todos os trabalhadores dessa empresa nas mesmas condições”?
Se o objectivo das partes era estender aos trabalhadores filiados no STAD todos os benefícios que pudessem surgir após celebração desse CCT, mesmos os que fossem negociados pela associação de empregadores, porque razão não ficou isso expresso na referida cláusula? Se fosse intenção das partes que os trabalhadores filiados no STAD pudessem vir a beneficiar das condições mais vantajosas de qualquer CTT celebrado posteriormente, as partes teriam referido expressamente “qualquer instrumento de regulamentação colectiva que venha a ser negociado pela associação patronal subscritora.” Mas não foi isso que sucedeu. Optou-se por fazer referência expressa a cada uma das empresas abrangidas, sendo que os instrumentos negociais acordados directamente pelas empresas são apenas os acordos de adesão, os acordos colectivos, os acordos de empresa e a arbitragem voluntária. Ficaram, portanto, excluídos os contratos colectivos de trabalho. Aliás, a simples leitura da cláusula permite apurar que a mesma parte do pressuposto de que existe uma atribuição voluntária do empregador de um aumento de retribuição ou de regalias mais vantajosas. Impõe-se, assim, concluir que a cláusula apenas se reporta a instrumentos de regulamentação colectiva negociais acordados directamente pelas empresas, não cabendo no seu âmbito qualquer situação que possa ser externamente imposta ao empregador. Só assim se compreende a ressalva expressa feita na parte final da cláusula, na qual se refere “Isto não se aplica no caso de a empresa adquirir novo cliente que lhe imponha condições superiores à deste contrato”.
A recorrente funda o seu pedido na Portaria de Extensão n.º 1519/2008, que é um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não negocial. Os aumentos em causa nesta acção decorreram da aplicação dessa Portaria e não de qualquer atribuição voluntária por parte da recorrente, pelo que jamais seria de aplicar, no caso em apreço, a cláusula 37ª do CCT celebrado com o STAD. A previsão desta cláusula pressupõe sempre que o empregador outorgue novo instrumento de regulamentação colectiva negocial, não se aplicando aos trabalhadores do recorrente toda e qualquer alteração introduzida, isoladamente considerada, mesmo que a recorrida não fosse dela subscritora, aproveitando os mesmos toda e qualquer alteração parcelar mais favorável.
Resta acrescentar que o recorrente pretende apenas beneficiar das condições mais vantajosas do CCT celebrado com a FETESE, ou seja, das tabelas salariais. No demais pretende continuar a beneficiar das condições mais vantajosas do seu CCT. Nessa medida, os trabalhadores filiados no STAD nunca estariam numa posição de igualdade com os demais trabalhadores da empresa, o que privaria de qualquer sentido a expressão constante da cláusula “a todos os trabalhadores nas mesmas condições”. Quer isto dizer que, ainda que a cláusula pudesse ser aplicada – e já vimos que não pode - os trabalhadores filiados no recorrente sempre teriam de aceitar “em bloco”, o texto do CCT celebrado com a FETESE, para poderem ficar nas mesmas condições que os demais trabalhadores da empresa.
Contrariamente ao que sustenta o recorrente, as recorridas não praticam nem praticaram qualquer discriminação em relação aos trabalhadores nele filiados: o que fizeram foi aplicar-lhes o CCT que eles próprios escolheram para si, através da sua filiação sindical. O que não se pode pretender é uma discriminação positiva, mas injustificada, dos trabalhadores filiados no sindicato recorrente, aplicando-lhes todas as condições mais favoráveis do CCT celebrado com o STAD e ainda – mas apenas – as tabelas salariais do CCT celebrado pela FETESE, porquanto daí resulta uma diferença substancial das condições remuneratórias relativamente aos demais trabalhadores.
Tal posição implicaria uma discriminação ilegítima dos trabalhadores não filiados no STAD, a qual só poderia ser ultrapassada por uma de duas soluções: ou o respeito pelo princípio da filiação ou a aplicação de todo o clausulado do CCT celebrado pela FETESE aos trabalhadores filiados no STAD. Sucede que a segunda solução (para além de não convir ao recorrente) não encontra qualquer fundamento na lei e levaria mesmo à inutilidade das normas relativas à contratação colectiva.
Por outro lado, a invocação da violação dos princípios da igualdade de tratamento e “para trabalho igual salário igual”, não procede ainda por outra razão: o recorrente não alegou nem provou quaisquer factos dos quais resulte que as trabalhadoras suas filiadas, identificadas nos autos, prestem um trabalho igual, em quantidade, qualidade e natureza ao prestado pelas trabalhadoras filiadas na FETESE, nem tão pouco (provou) que as trabalhadoras das Rés que trabalham no Hospital de ..., filiadas no STAD tenham auferido remunerações mensais inferiores às das trabalhadoras filiadas nos sindicatos representados pela FETESE.
De qualquer forma sempre se dirá que caso existam diferenças retributivas, estas não constituem discriminação, uma vez que assentam em razões de carácter objectivo, relacionadas com o âmbito de aplicação da convenção colectiva subscrita pelo sindicato no qual as trabalhadoras são filiadas[16].
O princípio “para trabalho igual salário igual” não proíbe, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos diferentes, conforme seja prestado por pessoas com mais ou menos habilitações, com mais ou menos tempo de serviço ou com diferente filiação sindical. O que se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente por assentarem em meras categorias subjectivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias.
A diferenciação salarial assente no princípio da filiação não constitui violação do princípio da igualdade, na vertente de “para trabalho igual salário igual”, salvo se a razão dessa diferenciação residir apenas no facto de os trabalhadores, não beneficiados pelos aumentos em condições idênticas às desfrutadas por outros, não serem associados da organização sindical ou das organizações sindicais que outorgaram o IRCT, ou no facto de eles não serem sindicalizados, cabendo neste caso, a esses trabalhadores que se julgam alvo de discriminação alegar e provar que o trabalho por eles prestado é igual, em natureza, quantidade e qualidade, ao prestado pelos trabalhadores filiados na organização ou organizações que subscreveram a convenção colectiva cujas tabelas salariais pretendem que lhes sejam aplicadas.
Para além do princípio constitucional da igualdade no trabalho, inclusive no domínio salarial, existem mais princípios constitucionais, entre eles, o da liberdade sindical e da contratação colectiva, com igual dignidade e, aliás, com finalidades diferentes e campos específicos diferentes. O princípio “salário igual para trabalho igual” proíbe apenas que o empregador, sem razão objectiva, em situações rigorosamente iguais, subjectivamente, a seu belo prazer, remunere de modo desigual. Não é o caso dos autos, onde a alegada aplicação de vencimentos diferentes decorre da subscrição de CCT’s diferentes pelos sindicatos em que os trabalhadores estão associados, ao abrigo da liberdade de filiação e de negociação colectiva.
Estando os trabalhadores de uma empresa filiados em diferentes sindicatos, por sua vez inscritos em diferentes associações sindicais, outorgantes em distintas convenções colectivas de trabalho com a mesma associação patronal, a cada trabalhador é aplicável a convenção colectiva outorgada pela associação sindical em que está filiado, mesmo que seja menos recente, e daí possa resultar que trabalhadores com a mesma categoria tenham diferentes remunerações. A aplicação do CCT celebrado pela associação sindical a que os trabalhadores não estão ligados (…) constituiria uma flagrante violação do princípio constitucional da liberdade sindical, de não menor força que o princípio constitucional de que a trabalho igual deve corresponder salário igual[17].
Numa empresa podem, perfeitamente, coexistir duas ou mais organizações sindicais e aos trabalhadores nelas filiados, tendo em consideração o princípio da filiação, é aplicável, em bloco, o IRCT que cada uma dessas organizações outorgou com as entidades representativas do patronato e não apenas parte do regime dessa regulamentação. Caso se admitisse a aplicação aos trabalhadores associados no sindicato recorrente do clausulado do CTT que o mesmo celebrou com a Associação das empresas do sector em cumulação com as tabelas salariais constantes do CTT celebrado pela FETESE, aí sim, estaríamos a violar não só o princípio da filiação como o princípio da igualdade de tratamento e da igualdade retributiva, gerando uma situação de discriminação positiva, absolutamente injustificada, relativamente aos associados do recorrente. Com efeito, a admitir-se tal possibilidade, os trabalhadores filiados no STAD ficariam numa posição de vantagem relativamente aos demais colegas, auferindo o mesmo salário (em consequência da aplicação do CTT celebrado com a FETESE), complementos retributivos mais elevados, nomeadamente, pela prestação de trabalho suplementar e trabalho nocturno (em resultado da aplicação do CCT celebrado com o STAD) e condições de trabalho mais vantajosas, gerando uma situação de gritante injustiça entre os trabalhadores do sector. Ou seja, colheriam o “melhor dos dois CTT’s”, criando, situações de desigualdade em relação aos outros trabalhadores não filiados no STAD.
 O recorrente invoca ainda em abono da sua tese a cláusula 54ª, n.º 2 do CCT celebrado com a FETESE.
Estabelece esta cláusula:
“1. O presente CCT revoga e substitui o CCT celebrado entre a Associação de Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e sindicatos outorgantes, publicado no BTE, 1ª Série, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2001.
2. Da aplicação do presente contrato não poderão resultar quaisquer prejuízos para os trabalhadores, designadamente baixa de categoria ou classe, assim como diminuição de retribuição ou diminuição ou supressão de quaisquer regalias de carácter regular ou permanente já existentes (…).”
O CCT celebrado entre a APFS e a FETESE substituiu expressamente o CCT celebrado entre Associação de Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e sindicatos outorgantes, publicado no BTE, 1ª Série, n.º 5 de 8/2/2001.
Neste IRCT figuraram como partes a AEPSLAS e a FETESE, não tendo o mesmo sido outorgado pelo STAD. Nem o mesmo era aplicável a todo o sector, pelo facto de nunca ter sido alvo de portaria de extensão.
O n.º 2 da cláusula 54ª deve ser interpretado sistematicamente.
A proibição de baixa de categoria ou classe, a diminuição de retribuição, a diminuição ou supressão de quaisquer regalias de carácter regular ou permanente é feita por referência ao antigo CCT celebrado entre a AEPSLAS e a FETESE e apenas faz sentido em relação aos trabalhadores filiados na FETESE. Os únicos direitos que essa cláusula salvaguarda são os que eram conferidos no anterior CCT celebrado entre as partes outorgantes, aí não se incluindo o STAD, pelo que é totalmente desprovida de fundamento a pretensão do recorrente ao reclamar a aplicação do n.º 2 desta cláusula aos trabalhadores seus associados.
Finalmente, não tem qualquer cabimento invocar, neste caso, o disposto no art. 536º do CT, no qual se estabelece que concorrendo numa mesma empresa duas convenções colectivas e não existindo qualquer declaração de maior favorabilidade a última convenção é a aplicável. É que no caso em apreço, não se verifica uma concorrência de convenções colectivas. Esta só se verifica se aos mesmos trabalhadores forem aplicáveis dois ou mais instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, o que não é o caso. Não há concorrência de instrumentos de regulamentação, se numa empresa vigorarem mais do que uma convenção colectiva celebradas por sindicatos diferentes, para a mesma categoria de trabalhadores; nesse caso, cada uma dessas convenções aplica-se aos inscritos no sindicato celebrante ou representado pela associação sindical[18].
No caso em apreço, existem dois sindicatos e duas convenções celebradas por cada um desses sindicatos, aplicáveis, respectivamente, aos seus filiados. Não estamos, por isso, perante um caso de concorrência, mas sim de coexistência de convenções colectivas de trabalho.
Resumindo e concluindo: a tabela salarial prevista no CCT celebrado entre a APFS e a FETESE, publicado no BTE n.º 15, de 22/4/2008, e o pagamento de retroactivos desde 1/1/2008, não são aplicáveis às trabalhadoras filiadas no STAD, identificadas nos presentes autos e, consequentemente, estas não têm direito às diferenças salariais que reclamam nesta acção.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso, devendo manter-se integralmente a sentença recorrida.

IV. DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, pelo recorrente.
Notifique e registe.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2012

Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
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[1] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria de direito (art.646º, n.º 4 do CPC).
[2] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria de direito (art.646º, n.º 4 do CPC).
[3] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria de direito (art.646º, n.º 4 do CPC).
[4] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria de direito (art.646º, n.º 4 do CPC).
[5] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria de direito (art.646º, n.º 4 do CPC).
[6] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria de direito (art.646º, n.º 4 do CPC).
[7] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria de direito (art.646º, n.º 4 do CPC).
[8] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria conclusiva (art.646º, n.º 4 do CPC).
[9] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria conclusiva (art.646º, n.º 4 do CPC).
[10] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria de direito (art.646º, n.º 4 do CPC).
[11] Este número deve ser considerado não escrito, por ser constituído por matéria direito (art.646º, n.º 4 do CPC).
[12] Vide Direito do Trabalho, 3ª edição, Almedina, pág. 1136 e segs.
[13] Cfr. Revista de Trabalho e Segurança Social, pág. 14 a 46, Ano 1998.
[14] Vide ainda Acórdãos da Relação do Porto, de 6/05/96 (JTRP00018304) e de 20/01/2007 (JTRP00020409), in www.dgsi. pt.
[15] Vide Acórdão do STJ de 14/12/1994, BMJ 442º, pág. 60.
[16] Vide, neste sentido, Acórdão do STJ de 21/10/2009, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Cfr., entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 14/12/1994 – Processo n.º 004005,  de 20/01/2010, Processo 2315/08.0TTLSB.L1 – 4ª Secção, disponíveis em www.dgsi.pt.
[18] Vide Acórdão da Relação do Porto, de 26/4/1993, CJ, 1993, tomo 2º, pág. 254.
Decisão Texto Integral: