Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
88/09.9PJSNT-F.L1-9
Relator: CARLOS BENIDO
Descritores: PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº Para efeitos do art.215, nº6, do Código de Processo Penal, há confirmação da sentença quando o tribunal superior aplica uma pena de prisão inferior à que fora aplicada na sentença recorrida;
IIº Condenado o arguido em 1ª instância em 18 anos de prisão, confirmando o Tribunal da Relação essa condenação e reduzindo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão ainda não transitado e após parcial provimento do recurso interposto pelo arguido, a pena para 16 anos de prisão, é de 8 anos o prazo máximo de prisão preventiva;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
O arguido A... requereu a sua “imediata libertação” por, em síntese, entender esgotado o prazo da medida de prisão preventiva a que se encontra sujeito desde 9 de Outubro de 2009.
Por despacho de 21 de Outubro de 2011, a Mma. Juiz da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste (Sintra – Juízo de Grande Instância Criminal – 1ª Secção – Juiz 2) indeferiu tal pretensão.
Inconformado com tal despacho, dele recorreu o arguido, que conclui da seguinte forma:
1. O Arguido foi condenado na pena de 18 (dezoito) anos de prisão, pela prática de um alegado crime de homicídio qualificado p. e p. no art° 131°, e 132°, nº 1 e 2 do Código Penal.
2. A moldura penal do alegado crime pelo qual o Arguido foi condenado é de 12 a 25 anos de prisão.
3. Os referidos factos, alegadamente, foram praticados no dia 8 de Outubro de 2009, como consta da respectiva acusação do Ministério Público.
4. O Arguido recorreu para os Venerandos Tribunais da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça.
5. O Venerando Supremo Tribunal de Justiça considerou a pena de prisão de 18 (dezoito) anos excessiva - vidé pág. 26 do douto Acórdão deste Tribunal - entendendo que a pena a aplicar se deve situar claramente na metade inferior da moldura penal;
6. Tendo reduzido a pena para 16 (dezasseis) anos de prisão.
7. O Arguido foi notificado do douto Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça em 10-10-11, conforme registo postal “RJ684403436PT” dos “CTT”.
8. O Arguido, em 19-10-11 requereu a correcção do douto Acórdão, com os fundamentos no requerimento, doc. de fls... dos autos, que dá aqui como reproduzido.
9. Face a essa situação a prisão preventiva cumprida pelo Arguido excede os dois anos previstos no artigo 215°, nº 2 do Código de Processo Penal.
10. Assim deve ser decretada a libertação do Arguido em conformidade com o disposto no art° 217°, nº 2, e art°, 212°, nº 1, al. b), ambos do referido Código de Processo Penal.
11. O Tribunal de Primeira Instância de Sintra indeferiu a imediata libertação do arguido, com o fundamento de que no caso da sentença condenatória confirmada em recurso, “o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada”, nos temos do nº 6 do artigo 215° do Código de Processo Penal.
12. O Tribunal recorrido refere também que; “consta do presente translado cópia do citado acórdão do STJ, proferido a 6 de Outubro de 2011, e que o Arguido pretende seja “corrigido” por esse Alto Tribunal”.
13. Nessa medida reconhece que foi requerido o esclarecimento do douto acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.
14. Sendo que não transitou em julgado aquele acórdão sobre a condenação do arguido.
15. Consequentemente, no presente caso, o prazo de prisão preventiva encontra-se excedido.
16. O Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos do CPP, 212°, nº 1, al. b) e 215°, nº 2 e 217°, nº 2 todos do Código de Processo Penal, ou seja a prisão preventiva do arguido nunca poderia ultrapassar dois anos.
17. Nesta data esse prazo encontra-se esgotado.
Nestes termos requer-se a V. Exas., Venerando Desembargadores, que seja dado provimento ao presente recurso e que seja decretada a libertação do Arguido, por ter sido esgotado o prazo de duração máxima de prisão preventiva, com os demais fundamentos expostos, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

Respondeu o Exmo. Procurador da República, concluindo:
1- A questão que o arguido coloca no seu recurso, tal como já o fizera com a apresentação da providência de habeas corpus, é apenas a de saber se havendo condenação na primeira instância numa pena de 18 anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado, a qual é confirmada pelo Tribunal da Relação, em sede de recurso ordinário, mas que, também em sede de recurso ordinário, no Supremo Tribunal de Justiça, baixou para 16 anos, não transitada em julgado por o arguido ter requerido a sua correcção junto daquele Supremo, se aplicam os prazos máximos da prisão preventiva do art.° 215 n.º 2, como defende o recorrente, ou os do art.° 215 n.º 6 do Código de Processo Penal, como foi decidido pelo Tribunal a quo.
2- Diz o art.° 6 do artigo 215º do CPP, “No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em primeira instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada”.
3- Entendemos que tal preceito tem aplicação no caso “sub judice”. Desde logo por o arguido/recorrente ter sido condenado na pena de 18 anos de prisão em primeira instância. E, por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, tal pena ter sido confirmada.
4- É certo que, o Supremo Tribunal de Justiça baixou essa pena dos 18 para os 16 anos de prisão, e que esta decisão não transitou em julgado por o arguido ter requerido a correcção do acórdão.
5- No entanto, e seguindo de perto a melhor doutrina, isso não obsta a que se deixe de entender ter o acórdão da primeira instância sido confirmado por tribunal superior em sede de recurso ordinário.
6- Com efeito, na senda do que vem defendendo Maia Gonçalves in CPP, pág. 484 ”… Pode não haver confirmação da sentença; pode até haver mesmo provimento de recurso interposto pelo arguido condenado e, no entanto, segundo o pensamento legislativo, o prazo de prisão preventiva elevar-se para metade da pena da condenação. Se A … condenado em primeira instância por homicídio qualificado, em 20 anos de prisão, recorrer motivando o recurso na invocação de que não se verifica uma circunstância qualificativa, obtiver provimento no recurso e vir a pena de prisão reduzida para 16 anos, interpondo ainda novo recurso, agora para o STJ ou para o Tribunal Constitucional, qual o prazo de prisão preventiva, apesar de a sentença condenatória não ter sido confirmada? Se bem alcançamos o pensamento legislativo, e mesmo a mens legislatoris, neste caso o prazo máximo será 8 anos (metade da pena que foi fixada pelo tribunal de recurso, apesar de não ter havido confirmação da sentença e, antes, provimento do recurso). E sempre dentro do mesmo pensamento, se a pena de prisão aplicada em primeira instância for de 16 anos de prisão e, mediante recurso do MºPº ou do assistente, for fixada pelo tribunal superior em 20 anos de prisão, o prazo máximo de prisão preventiva, por maioria de razão, será dez anos”.
7- Concordamos com esta interpretação que, cremos, vai de encontro à intenção do legislador. É que a regra da “confirmação” em matéria de medidas de coacção não deve ser interpretada nos mesmos termos da regra da “dupla conforme” em matéria de recurso da sentença.
8- Com efeito, a finalidade ou objectivo daquelas duas regras é diferente: no caso dos recursos, a “dupla conforme” visa evitar a interposição de recurso para o STJ; no caso das medidas de coacção a “confirmação” visa alargar o prazo de duração daquelas medidas justamente quando há recurso para o STJ ou para o Tribunal Constitucional.
9- Por isso, deve entender-se que há confirmação da sentença, para efeitos das medidas de coacção, ou seja, para efeitos do nº 6 do artigo 215º do CPPenal, também quando o tribunal superior, no caso o Supremo, aplica uma pena inferior à pena da sentença recorrida (como no caso em apreço), dando provimento “pontual” ao recurso do arguido passando de uma pena de 18 anos para uma outra de 16 anos de prisão. Neste caso, o prazo máximo da prisão preventiva é o de metade da pena de prisão aplicada pelo Supremo.
10- Por isso, no caso em apreço, tendo a pena de 18 anos de prisão aplicada em 1ª instância, sido alterada pelo Supremo para 16 anos de prisão, na sequência de recurso ordinário por si interposto, o prazo de prisão preventiva eleva-se para 8 anos.
11- Ora, estando o arguido/requerente preso preventivamente desde 9 de Outubro de 2009, aquele prazo máximo de prisão preventiva não se mostra decorrido.
Assim, devem V. Exas não dar provimento ao recurso interposto pelo arguido, por, manifestamente, não ter qualquer razão.
JUSTIÇA

Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta aderindo à resposta do Mº Pº em 1ª instância, pugnou pela improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
1. O despacho recorrido é do seguinte (transcrito) teor:
«Vem o arguido A... requerer a sua “imediata libertação” por, em síntese, entender esgotado o prazo da medida de prisão preventiva a que se encontra sujeito desde 9 de Outubro de 2009.
O acórdão da primeira instância condenou o arguido na pena de 18 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado.
Foi interposto recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que manteve a condenação do arguido e o Supremo Tribunal de Justiça veio a conceder parcial provimento ao recurso condenando o arguido na pena de 16 anos de prisão.
Embora não tenham descido os autos principais, consta do presente traslado cópia do citado acórdão do STJ, proferido a 6 de Outubro de 2011 e que o arguido pretende seja “corrigido” por esse Alto Tribunal.
A pretensão do arguido ora deduzida carece em absoluto de fundamento, já que nos termos do n.º 6 do artigo 215º do Código de Processo Penal, no caso de sentença condenatória confirmada em recurso, “o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.”.
No caso dos autos, o Supremo Tribunal de Justiça manteve a condenação em pena de prisão efectiva que fixou em 16 anos, estando ainda distante o termo final da medida de coacção imposta ao arguido.
Pelo exposto, indefere-se a requerida imediata libertação do arguido. E, por se manterem inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a sua sujeição à medida de prisão preventiva, determina-se que continue a aguardar o trânsito do acórdão do STJ na situação em que se encontra (artigo 213° do CPP).
Notifique.».

2. Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, como vem sendo reafirmado, constante e pacificamente, pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores [cfr., por todos, Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 2ª ed., Editorial Verbo, pág. 335; e Ac. do STJ de 24-03-99, in CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247], sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
E face às conclusões da motivação do recorrente, a questão a decidir consiste em saber se havendo condenação na primeira instância numa pena de 18 anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado, a qual é confirmada pelo Tribunal da Relação, em sede de recurso ordinário, mas que, também em sede de recurso ordinário, no Supremo Tribunal de Justiça, baixou para 16 anos, não transitada em julgado por o arguido ter requerido a sua correcção junto daquele Supremo Tribunal, se aplicam os prazos máximos da prisão preventiva do art° 215º, nº 2, como defende o recorrente, ou os do art° 215º, nº 6, do CPP, como foi decidido pelo tribunal recorrido.
Com relevo para a decisão, consideram-se assentes as seguintes ocorrências processuais:
- O arguido A... foi submetido a 1º interrogatório judicial de arguido detido em 9-10-2009, findo o qual lhe foi aplicada a medida de prisão preventiva;
- Por acórdão da 1ª instância, de 6 de Outubro de 2010, o arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. b), do C. Penal, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão;
- Inconformado com o acórdão condenatório da 1ª instância dele interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 23 de Março de 2011, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida;
- Ainda inconformado com o acórdão prolatado por este Tribunal da Relação de Lisboa, dele interpôs recurso o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 6 de Outubro de 2011, concedendo parcial provimento ao recurso, condenou o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. b), do C. Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão;
- Esta decisão ainda não transitou em julgado por o arguido, em 19 de Outubro de 2011, ter requerido a sua correcção;
- O arguido requereu a sua imediata libertação por no seu entender ter já decorrido o prazo máximo de prisão preventiva, uma vez que tendo ficado preso em 9-10-2009, a sentença ainda não transitou, correndo ainda os seus termos no STJ;
- No despacho recorrido, de 21-10-2011, considerou-se que face ao disposto no nº 6, do artº 215º, do CPP, tendo o STJ mantido a condenação em pena de prisão efectiva que fixou em 16 anos, o termo final da medida de coacção está ainda distante.

3. O arguido recorre do despacho transcrito em 1. no entendimento de que o nº 6, do artº 215º, do CPP não se aplica ao caso concreto, mas sim o seu nº 2.
Vejamos:
O regime de prazos de duração máxima da prisão preventiva encontra-se previsto no artº 215º, do CPP.
Transcreve-se o artº 215º, na parte pertinente ao presente recurso.
«1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para 6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
(…)
3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
4 - (…)
5 - Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os correspondentemente referidos nos nºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.
6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.».
Decorre deste preceito que o prazo de duração da prisão preventiva não se esgota numa só fase processual, dividindo-se em 4 partes: sem dedução da acusação; sem prolação de decisão instrutória quando tenha havido instrução; sem condenação em 1ª instância; e com condenação sem trânsito em julgado.
Tendo em conta o objecto do recurso vamos debruçar-nos apenas sobre o prazo de duração máxima da prisão preventiva na situação de existência de sentença condenatória, sem trânsito em julgado.
Em regra, o prazo de duração máxima da prisão preventiva fixado para a fase processual da condenação, sem trânsito em julgado, é de 1 ano e 6 meses (nº 1).
Este regime apresenta algumas excepções.
O primeiro caso de excepção, enunciado nº 2, do artº 215º, do CPP, é compreensível em razão da gravidade do crime: quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou o crime for um dos elencados nesse nº 2, aquele prazo de duração máxima da prisão preventiva de 1 ano e 6 meses eleva-se para 2 anos.
O segundo caso de excepção resulta da natureza do processo: quando à gravidade dos crimes acresce a excepcional complexidade do procedimento, o aludido prazo eleva-se para 3 anos e 4 meses (nº 3, do artº 215º, do CPP).
Em resultado da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional ou de suspensão, para julgamento noutro tribunal, de questão prejudicial, a lei volta a permitir uma outra excepção: os prazos a que se aludem na al. d), do nº 1 e nos nºs 2 e 3, do artº 215º, do CPP são acrescentados de 6 meses (nº 5).
Por fim, o nº 6, do artº 215º, do CPP, introduzido pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, prevê ainda outra excepção ao regime-regra, ao permitir o prolongamento da prisão preventiva no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário: o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.
Como referido em 2. supra, o recorrente, por acórdão de 6 de Outubro de 2010, foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. b), do C. Penal, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão.
E, desse acórdão foi interposto recurso pelo arguido para este Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 23 de Março de 2011, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Deste acórdão da Relação, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 6 de Outubro de 2011, concedendo parcial provimento ao recurso, condenou o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. b), do C. Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão.
O arguido, em 19 de Outubro de 2011, requereu a correcção da decisão proferida pelo STJ, desconhecendo-se nestes autos se existe já decisão e, em caso afirmativo, o respectivo teor.
Sendo assim, uma vez que já há condenação (na 2ª instância e no STJ) embora não transitada em julgado, a questão que se coloca é a de saber se tem ou não aplicação ao caso em apreço, o estatuído no nº 6, do artº 215º, do CPP.
Entendemos que tal preceito tem aplicação no caso “sub judice”.
O citado nº 6, do artº 215º, do CPP foi introduzido pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto.
Tal normativo (nº 6) não tinha correspondência em anteriores dispositivos mas é uma alteração que, cremos, visa evitar expedientes meramente dilatórios com vista a provocar a extinção da medida de coacção por esgotamento do prazo.
E, se é certo que, de acordo com aquela Lei nº 48/2007 (em confronto com o regime do texto legal anterior) os prazos de prisão preventiva foram moderadamente reduzidos, face ao carácter de “extrema ratio” que tal medida de coacção reveste, a verdade é que o legislador não quis prejudicar os fins cautelares dessa mesma medida de coacção.
Por outro lado aquela redução deve ser aferida em função da fase processual em que se encontra o processo.
A lei é clara quando estatui que o prazo máximo da prisão preventiva se eleva para metade da pena que tiver sido fixada, no caso de um arguido ter sido condenado em duas instâncias sucessivas.
Porém, na medida em que exige a confirmação da sentença condenatória, a redacção do preceito pode suscitar dúvidas.
Como refere Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal”, 16ª ed. pág. 484 ”… a lei magis dixit quam voluit. Pode não haver confirmação da sentença; pode mesmo haver provimento de recurso interposto pelo arguido condenado e, no entanto, segundo o pensamento legislativo, o prazo de prisão preventiva elevar-se para metade da pena da condenação. Se A … condenado em primeira instância por homicídio qualificado, em 20 anos de prisão, recorrer motivando o recurso na invocação de que não se verifica uma circunstância qualificativa, obtiver provimento no recurso e vir a pena de prisão reduzida para 16 anos de prisão, interpondo ainda novo recurso, agora para o STJ ou para o Trib. Constitucional, qual o prazo de prisão preventiva, apesar de a sentença condenatória não ter sido confirmada? Se bem alcançamos o pensamento legislativo, e mesmo a mens legislatoris, neste caso o prazo máximo será 8 anos (metade da pena que foi fixada pelo tribunal de recurso, apesar de não ter havido confirmação da sentença, e antes provimento do recurso). E sempre dentro do mesmo pensamento, se a pena de prisão aplicada em primeira instância for de 16 anos de prisão e, mediante recurso do MP ou do assistente, for fixada pelo tribunal superior em 20 anos de prisão, o prazo máximo de prisão preventiva, por maioria de razão, será dez anos”.
Concordamos com esta interpretação que temos por conforme à intenção do legislador.
É que a regra da “confirmação” em matéria de medidas de coação não deve ser interpretada nos mesmos termos da regra da “dupla conforme” em matéria de recurso da sentença.
Com efeito, a finalidade ou objectivo daquelas duas regras é diferente: no caso dos recursos, a “dupla conforme” visa evitar a interposição de recurso para o STJ; no caso das medidas de coacção a “confirmação” visa alargar o prazo de duração daquelas medidas justamente quando há recurso para o STJ ou para o Tribunal Constitucional.
Por isso, deve entender-se que há confirmação da sentença (para efeitos das medidas de coacção, isto é, para efeitos do nº 6, do artº 215º, do CPP) também quando o tribunal superior, no caso o STJ, aplica uma pena inferior á pena da sentença recorrida (como no caso em apreço), dando provimento “pontual” ao recurso do arguido passando de uma pena de 18 anos para uma outra de 16 anos de prisão.
Neste caso, o prazo máximo da prisão preventiva é o de metade da pena de prisão aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Entendemos, portanto, que, no caso de condenação em pena de prisão em 1ª instância e em recurso ordinário para o tribunal superior, o prazo de prisão preventiva eleva-se – se for caso disso – para metade da pena de prisão aplicada pelo tribunal superior.
Esta interpretação, a nosso ver, respeita a intenção do legislador que estabeleceu prazos diferentes para a prisão preventiva consoante a fase processual em que o processo se encontra (cfr. Ac. do STJ de 7-07-2010, Proc. nº 811/06.3TDLSB-C.S1, acessível em www.dgsi.pt, que aqui seguimos de muito perto).
Em idêntico sentido escreve Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 2ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, págs. 595/596, nota 18: «A regra da “confirmação” em matéria de medidas de coacção não deve ser interpretada no mesmo sentido que a regra da “dupla conforme” em matéria de recurso de sentença (ver a anotação ao artigo 400º), uma vez que o propósito destas duas regras é diferente: a regra da “dupla conforme” visa evitar a interposição de recurso para o STJ; a regra da “confirmação” em matéria de medidas de coacção visa alargar o prazo de duração das mesmas precisamente quando há recurso para o STJ ou para o TC.».
O Tribunal Constitucional, em Ac. de 2 de Dezembro de 2009, decidiu, por sua vez, que não é inconstitucional a interpretação do artº 215º, nº 6, do CPP, na redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual a elevação do limite máximo da prisão preventiva aí previsto para metade da pena que tiver sido fixada pelo tribunal superior, em caso de recurso, se aplica não apenas quando tenha sido confirmada a sentença condenatória da primeira instância, mas também quando tenha sido agravada pelo tribunal de recurso a pena fixada nessa sentença, implicando que o referente para o prazo máximo da prisão preventiva seja o da pena agravada.
Referiu para o efeito, designadamente, que «A “confirmação” opera quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos do artigo 420º do CPP (e, por isso, não altera o julgado) ou aplica pena igual, inferior ou superior à pena da sentença recorrida, visto que, em qualquer desses casos há um juízo confirmativo de uma sentença condenatória que preenche, por si, o requisito legal de que depende a elevação do prazo máximo da prisão preventiva.» [Ac. nº 603/2009, acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc].
Uma vez que a medida da pena de prisão determina o quantum da ampliação do prazo máximo da prisão preventiva, no caso em apreço o prazo de duração máxima da prisão preventiva eleva-se para 8 (oito) anos.
O prazo máximo da prisão preventiva não é neste processo já o de dois anos a que alude o n º 2, do artº 215º, do CPP, mas sim, perante a fase processual em que se encontra o processo, o prazo especial de metade da pena fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, a que alude o nº 6 do mesmo preceito.
Tendo-se o prazo de prisão preventiva do arguido/recorrente iniciado em 9-10-2009, é manifesto ainda não ter decorrido o prazo máximo de prisão preventiva do mesmo, mantendo-se a prisão do recorrente dentro do prazo fixado por lei.
Nos termos e com os expostos fundamentos, o recurso não pode deixar de improceder.

III – DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juizes da 9ª Secção deste Tribunal da Relação em:
Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A..., confirmando o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012

Relator: Carlos Benido;
Adjunto: Francisco Caramelo;