Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
687/11.9TBSCR.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
JULGAMENTO EM AUDIÊNCIA
LEITURA DA SENTENÇA
NULIDADE INSANÁVEL
ABALROAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2012
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NULIDADE
Sumário: Iº Em processo de contra-ordenação, havendo lugar a audiência de julgamento, esta obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções, o que significa a aplicabilidade dos nº5 a 7 do artigo 13º do Decreto-Lei nº17/91, de 10Jan., sendo subsidiariamente aplicáveis ao julgamento as disposições do Código de Processo Penal relativas ao julgamento em processo comum, devendo a sentença ser objecto de leitura pública;
IIº Nestes casos, a falta de leitura pública da sentença, constitui nulidade insanável – não dependente de arguição e insusceptível de sanação por via da vontade dos participantes processuais interessados;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I – Relatório
1. Por decisão da autoridade administrativa (Direcção Regional dos Transportes Terrestres), no processo de contra-ordenação n.º 179459, foi aplicada ao arguido A... a sanção de inibição de conduzir pelo período de trinta e cinco dias pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 60, n.º1 e 65.º, al. a), do R.S.T. e alínea o) do artigo 146.º do Código da Estrada.

2. Inconformado, interpôs o arguido impugnação judicial da mencionada decisão administrativa, declarando, após notificação para se pronunciar sobre a questão, que se opunha à decisão mediante simples despacho.
Por despacho de 25 de Maio de 2011 foi designada data para audiência de julgamento, que veio a ocorrer em 12 de Outubro do mesmo ano (fls. 33, 54 e 55).
Decorridos os trâmites da audiência e realizadas as alegações, a M.ma Juíza determinou que os autos aguardassem pela junção de um documento, determinando que oportunamente seria proferida decisão, a notificar aos sujeitos processuais.
A fls.61 e seguintes dos autos mostra-se junta a decisão, que julgou improcedente a impugnação judicial e foi notificada, por via postal registada, à ilustre advogada do arguido.

3. O arguido, uma vez mais inconformado, interpôs o presente recurso, a que o Ministério Público junto do tribunal recorrido deduziu resposta em que sustenta que o mesmo não merece provimento.

4. Admitido o recurso (cfr. despacho de fls. 96) e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), suscitou uma QUESTÃO PRÉVIA, nos termos que se transcrevem:
QUESTÃO PRÉVIA -
I. Inconformado com a decisão da autoridade administrativa que lhe aplicou o período de 35 dias de inibição do exercício da condução, o arguido impugnou judicialmente tal decisão, tendo, para tanto, arrolado uma testemunha (cfr. fls.18-22vº.);
II. Acresce que, notificado expressamente para tal efeito, nos termos do art.64.º, n.º 1 e 2 do RGCO, o arguido expressamente referiu opor-se a que a decisão tivesse lugar mediante simples despacho (cfr. fls.27-29 e 32);
III. Viria então a ter lugar a audiência de julgamento na data para o efeito designada de 12 de Outubro de 2011 (cfr. fls.33, 54 e 55);
IV. Constata-se, porém, que, em tal data, a Mm.ª Juiz "a quo" determinou que se efectuasse insistência pela obtenção do documento já solicitado a fls.38 dos autos e, finda a produção da prova e tendo sido produzidas alegações, foi proferido despacho determinando que os autos aguardassem tal documento, acrescentando que “oportunamente será proferida decisão, a qual será notificada aos sujeitos processuais”;
V. Assim, após a junção aos autos da aguardada resposta (cfr. fls.59), viria a ser exarada nos autos a decisão, datada de 07.11.11, que constitui fls.61-68.
VI. Acontece, porém, que a lei é expressa quanto à obrigatoriedade da leitura pública pelo respectivo juiz da fundamentação da sentença (ou, se esta for muito extensa, de uma sua súmula), bem como do dispositivo, cominando com nulidade o não cumprimento de tal estatuição - cfr. art.372.º, n.º3- 2.ª Parte do C.P.P.
VII. Estipula, com efeito, o referido comando legal contido no art.372.º do C.P.P., sob a epígrafe "Elaboração e assinatura da sentença", nos seus n.º 3 a 5:
"3 - Regressado o tribunal à sala de audiência, a sentença é lida publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes. A leitura do relatório pode ser omitida. A leitura da fundamentação ou, se esta for muito extensa, de uma sua súmula, bem como do dispositivo, é obrigatória, sob pena de nulidade.
4 - A leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência.
5 - Logo após a leitura da sentença, o presidente procede ao seu depósito na secretaria. O secretário apõe a data, subscreve a declaração de depósito e entrega cópia aos sujeitos processuais que o solicitem".
VIII. De modo que a questão a resolver é a de saber que tipo de nulidade ocorre por virtude da absoluta omissão desse acto que a lei processual penal prescreve como obrigatório - a leitura pública da sentença -, omissão essa em flagrante violação do citado dispositivo legal - se uma nulidade relativa (e como tal, dependente de arguição, consequentemente já sanada - cfr. arts. 120.º e 121.º do C.P.P.) ou se, pelo contrário, uma nulidade insanável.
IX. Afigura-se-nos revestir tal vício a natureza de nulidade insanável.
X. Com efeito, se reveste tal natureza a leitura da sentença que haja tido lugar sem a presença do defensor do arguido ou do Ministério Público - cfr. art. 330.º n.º1 do C.P.P., nulidade essa que deriva desde logo do estatuído no art.119.º, als. b) e c) do mesmo diploma -, o mesmo sucedendo na hipótese de a leitura da sentença não ser efectuada pelo tribunal legalmente competente para o efeito - cfr. art.119.º, al. a) do C.P.P. - é insustentável, por maioria de razão, defender-se revestir natureza diversa a absoluta preterição de um tal acto processual.
XI. Numa outra perspectiva, constata-se que, por via de regra, vigora o princípio, de consagração constitucional, da publicidade da audiência (cfr. art.206.º da C.R.P.), igualmente plasmado na lei processual penal (onde se estipula, no art.321.º, n.º1 do C.P.P., que "a audiência de julgamento é pública, sob pena de nulidade insanável, pretendendo assim o legislador sujeitar a público escrutínio a aplicação da justiça pelos tribunais, mediante a realização de julgamentos.
XII. Ora, certo é também que a sublime missão de julgar não se esgota obviamente com a realização dos actos introdutórios da audiência de julgamento (previstos no Capítulo II do Título II - arts.329.º e sgts), nem com os actos referentes à produção da prova (previstos no Capítulo III do Título II - arts.340.º e sgts), apenas atingindo o seu escopo último, após o encerramento da discussão, com a decisão do tribunal - tomada na sequência de deliberação, mediante a elaboração e assinatura da sentença, subordinadas a modos regulamentados de execução que se mostram previstos nos arts. 365.º e sgts. do C.P.P. -, a qual deverá ser sempre publicamente lida, assim se assegurando, em última análise, o amplo conhecimento pela comunidade do desfecho do caso submetido a julgamento.
XIII. Da verificação de tal nulidade decorre, por força do estatuído no art.122.º do C.P.P., a invalidade do despacho judicial que referindo que a decisão seria proferida, logo que obtido o documento em falta, implicitamente dispensou a leitura pública da sentença, bem como de todos os subsequentemente praticados, por dele dependentes e não poderem ser aproveitados.
XIV. No sentido que propugnamos foi proferido o ACRL, em 09.09.08 (P.4872/08-Sa.Secção,Rel. Nuno Gomes da Silva, disponível em www.pgdlisboa.pt) [No mesmo sentido, cfr., entre outros, Decisão Sumária proferida no TRL de 04.11.08 (P.736S/08-5.ª,ReI.LuísGominho, disponível em www.dgsi.pt), ACRL de 27.05.09 (P.517/05.06PGLSB.L1-3, Rel.Telo Lucas, disponível em www.dgsi.pt) e ACRP de 10.03.10 (P.169/04.SIDPRT.P1, Rel. Vasco Freitas, disponível em www.dgsi.pt)], sumariado nos seguintes termos: “I. A exigência de um acto público de leitura da sentença é entendida com tal intensidade que, mesmo quando ocorra na audiência, nos termos permitidos pela lei, a exclusão da publicidade, ela não abrange, em caso algum, a leitura da sentença - cfr. art.87.º n.º 5 do CP.P. II. A exigência da publicidade na leitura da sentença e até na marcação da data em que ela deve ter lugar é a tradução da ideia do legislador de sujeição ao escrutínio público a aplicação da justiça, sendo certo que o respeito pelo princípio da publicidade não se traduz numa formalidade ditada por mero simbolismo, solenidade ou tradição, mas tem antes finalidades específicas na realização da justiça e um contributo incontornável no estabelecimento da paz social. III. Decorre, com efeito, dos arts.365.º, n.º1, 372.º e 373.º. do C.P.P. que a sentença deve ser lida publicamente, sendo obrigatória, sob pena de nulidade insanável, a leitura de uma súmula da fundamentação e do dispositivo. IV.É que, perante a violação do princípio constitucional da publicidade da audiência - sendo que o conceito de "audiência" usado no art.206.º da CRP abrange, para além da própria audiência de discussão e julgamento, a decisão judicial a proferir na sequência da mesma - fica patente que tal violação não pode passar em claro, não obstante não haja arguição da sua invalidade pelos sujeitos processuais, impondo-se um "alongamento" do regime de nulidade insanável estatuído no art.321.º do C.P.P. a toda a audiência e não apenas a uma parte dela, assim se procurando dar completa expressão ao princípio da publicidade constitucionalmente consagrado. V. Em consequência, declara-se nula a audiência a partir do despacho que dispensou a leitura da sentença e, bem assim, os termos subsequentes, determinando-se a sua repetição".
XV. Pelo exposto, suscita-se a «questão prévia» da ocorrência da mencionada nulidade insanável - circunstância que, obstando ao conhecimento do recurso, deve ser conhecida por "Decisão sumária", nos termos do art.417.º, n.º6 al. a) do C.P.P., na qual deverá também ser determinada a devolução dos autos à 1.ª Instância, a fim de que se proceda à leitura pública da sentença, nos moldes legalmente previstos.

5. Não foi deduzida resposta ao parecer.

6. Procede-se a exame preliminar, entendendo-se existir fundamento para a prolação de decisão sumária.

II - Apreciando
Assiste razão à Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação.
Apesar das normas legais citadas e da jurisprudência mencionada pela Ex.ma Magistrada se reportarem à sentença penal, teremos de concluir nos mesmos termos quando se trata de sentença proferida, no âmbito contra-ordenacional, em sede de impugnação judicial da decisão administrativa, mediante audiência de julgamento.
No caso vertente, o arguido opôs-se a decisão da impugnação por simples despacho.
Havendo lugar a audiência de julgamento, esta obedece, salvo disposição em contrário, às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções, conforme dispõe o artigo 66.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro), o que significa a aplicabilidade dos n.º 5 a 7 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 17/91, de 10 de Janeiro, sendo subsidiariamente aplicáveis ao julgamento as disposições do Código de Processo Penal relativas ao julgamento em processo comum.
Deste regime legal resulta que a sentença deve ser objecto de leitura pública, podendo, porém, ser proferida oralmente e ditada para a acta.
É este o entendimento dos Srs. Juízes Conselheiros Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, na obra Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Regime Geral (Vislis Editores, 3.ª Edição, 2007, p. 507), ao sustentarem, reportando-se ao artigo 13.º do referido Decreto-Lei n.º 17/91:
«Mesmo que não seja proferida verbalmente, a sentença deve ser proferida imediatamente a seguir à realização da audiência, mas se o juiz não a puder elaborar de imediato, atenta a especial complexidade da causa, deverá fixar publicamente a data dentro dos dez dias seguintes para a leitura da sentença (art. 373.º, n.º1, do C.P.P., aplicável por força do disposto no n.º7 daquele artigo 13.º. Neste caso, na data fixada procede-se publicamente à leitura da sentença e ao seu depósito na secretaria, nos termos do art. 372.º do mesmo Código. Se o arguido não estiver presente, considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído (n.º3 daquele art. 373.º).»
Não tendo sido efectuada a leitura pública da “sentença” e entendendo-se, em conformidade com o entendimento expresso pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta (que fazemos nosso), que tal omissão corresponde a uma nulidade insanável – não dependente de arguição e insusceptível de sanação por via da vontade dos participantes processuais interessados -, teremos de retirar as necessárias consequências, como já foi decidido, nesta Relação, na Decisão Sumária de 24 de Outubro de 2008, proferida no processo 7873/2008-5 (disponível em www.dgsi.pt).

Assim e sem mais considerações,
III – Dispositivo
Nos termos e pelos fundamentos expostos, por decisão sumária (artigos 417.º, n.º6, al. a) do C.P.P,), declara-se nulo o processado a partir de fls. 61 e seguintes, ordenando-se a devolução dos autos ao tribunal a quo a fim de se designar data para leitura da sentença e a ela publicamente se proceder, seguindo-se a demais tramitação legal.
Não há lugar a tributação.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2012

Relator: Jorge Gonçalves;