Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17701/04.7YYLSB-C.L1-6
Relator: MARIA TERESA PARDAL
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
INDEFERIMENTO LIMINAR
EXECUÇÃO
PENHORA
BENS COMUNS DO CASAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A redacção do artigo 1696º nº1 do código civil introduzida pelo DL 329-A/95 de 12/12 é de aplicação imediata e não viola as garantias e os direitos constitucionais previstos nos artigos 2º (princípio da confiança baseado no Estado de Direito) e 65º e 67º (direito a habitação condigna e à protecção à família).
2. O cônjuge do executado não tem fundamento para deduzir embargos de terceiro à penhora de bens comuns se o executado não tiver bens próprios e houve lugar à citação do artigo 825º do CPC.
( Da Responsabilidade da Relatora )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
Por apenso à acção executiva que o A ( Banco…, SA ) intentou contra B, veio C deduzir os presentes embargos de terceiro alegando, em síntese, que é casada com este executado no regime de comunhão de adquiridos e que a obrigação exequenda apenas responsabiliza o seu marido e não a ora embargante, que não interveio na acção declarativa onde ficou definida a obrigação ora exequenda, nem na respectiva execução, onde estão penhorados dois prédios, que foram adquiridos na constância do matrimónio, sendo assim bens comuns e um deles a casa de morada de família e cuja penhora ofende a posse da embargante.
Concluiu pedindo o recebimento dos embargos com a suspensão da execução quanto aos referidos prédios, bem como a sua procedência com o levantamento da penhora.
Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a petição de embargos, não os admitindo.
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Inconformada, a embargante interpôs recurso, que veio a ser admitido como agravo com subida imediata, nos autos e com efeito suspensivo.
A recorrente alegou, formulando as seguintes conclusões:
1 – Nos presentes autos de embargos de terceiro verifica-se uma situação absolutamente idêntica à considerada nos Acórdãos referidos e em parte transcritos.
2 – Trata-se de um processo anterior a 12 de Dezembro de 1995.
3 – A embargante não interveio na acção declarativa.
4 – A embargante não se encontra incluída na sentença executada.
5 – Foi penhorada a sua casa de morada de família.
6 – Foram articulados factos em que ressalta exactamente essa situação da casa de morada de família.
7 – Já foi considerada inconstitucional a redacção e texto do art. 4º e art. 27º do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro.
8 – Igualmente foi considerada inconstitucional a redacção dada ao art. 1696, nº1 do Código Civil por aquele artigo 4º, por ofender um direito igual aos direitos, liberdades e garantias e inserto no artigo 65º da Constituição.
9 – O art. 825º do Código de Processo Civil não é obstáculo a que, nos presentes autos possam ser deduzidos os embargos de terceiro, de acordo com a doutrina e a jurisprudência citadas.
10 – Contrariamente ao que foi decidido na decisão em recurso, os embargos de terceiro não se mostram inúteis e incompatíveis com o direito consignado naquele art. 825º.
11 – O nº1 do art. 1696º do Código Civil não permite dos bens comum do casal.
12 – Simplesmente, quando tal penhora violar ou abranger esses bens comuns, é facultado ao operador requerer a citação do cônjuge não devedor para efeitos o art. 825º.
13 – Tal faculdade não se aplica a processos pendentes na vigência do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro.
14 – No presente caso verificam-se as inconstitucionalidades referidas no texto das suas alegações.
15 – Foi violada a legislação citada e tomada decisão contrária e já proferida pelos tribunais superiores, em processos em tudo idênticos aos presentes autos.
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Foi proferido despacho que manteve o despacho recorrido.
As questões a decidir são:
I) Inconstitucionalidade dos artigos 4º e 27º do DL 329-A/95 de 12/12.
II) Se o cônjuge do executado pode deduzir embargos de terceiro após ter sido efectuada a citação prevista no artigo 825º do CPC.
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FACTOS.
Os factos considerados provados pelo despacho recorrido são os seguintes:
Na execução apensa foram penhorados dois bens imóveis, aí identificados.
A embargante foi citada, na qualidade de cônjuge do executado, nos termos do artigo 825º nº1 do CPC, para declarar se aceitava a comunicabilidade da dívida e, não a aceitando, opor-se à penhora e/ou requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que tal separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns ou, aceitando a comunicabilidade da dívida, pagar ou opor-se à execução e/ou penhora.
A embargante veio declarar não aceitar a comunicabilidade da dívida, mas não requereu inventário para separação de bens, nem juntou documento comprovativo de pendência da acção para separação de bens.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Inconstitucionalidade dos artigos 4º e 27º do DL 329-A/12.
A agravante vem invocar a inconstitucionalidade dos artigos 4º e 27º do DL 329-A/95 de 12/12 com dois fundamentos.
Alega, por um lado, que a redacção do artigo 1696º do CC introduzida pelo artigo 4º do DL 329-A/95 de 12/12 viola o direito constitucional a uma habitação condigna e, por outro lado, que, ao contrário do prescrito pelo artigo 27º do mesmo decreto lei, esta redacção não pode aplicar-se aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
Antes do DL 329-A/95 de 12/12, no regime de comunhão de bens, o artigo 1696º nº1 do CC estabelecia que pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondiam os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns, impondo, porém, neste último caso, que o cumprimento só seria exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou a simples separação de bens.
Com a redacção dada ao artigo 1696º pelo artigo 4º do DL 329-A/95, foi extinta a moratória forçada aí contemplada e os credores deixaram de ter de esperar pela dissolução, anulação do casamento ou pela separação de bens para poderem obter o cumprimento das dívidas através do direito à meação do cônjuge devedor, caso este não dispusesse de bens próprios.
Por seu lado, o artigo 1º do DL 329-A/95 alterou também o artigo 825º do CPC, que passou a permitir que os credores requeressem a penhora de bens comuns do casal numa execução contra só um dos cônjuges, desde que, ao fazê-lo, requeressem também a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens.
Posteriormente, o DL 38/2003 de 8/3 introduziu a actual redacção do artigo 825º nº1, mediante a qual, numa execução movida contra só um dos cônjuges, sendo penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, deverá ser citado o cônjuge deste para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida.
O artigo 65º da constituição consagra o direito a uma habitação condigna, assim como o seu artigo 67º consagra o direito à protecção da família.
Contudo, como vem sendo pacificamente entendido pela jurisprudência, a nova redacção do artigo 1696º, introduzida pelo artigo 4º do DL 329-A/95 não viola estes direitos constitucionais.
Ao suprimir a moratória forçada que antes era imposta no artigo 1686º, o legislador procurou um equilíbrio entre os direitos dos credores e a protecção da família do devedor, nomeadamente da sua habitação.
Com a moratória, os credores viam a satisfação dos seus créditos insuportavelmente atrasada, apesar de o devedor dispor de bens, embora comuns.
Extinta a moratória, os credores podem executar imediatamente os bens comuns do casal, mas a família e a habitação do executado não ficam desprotegidas, face ao direito atribuído ao cônjuge do executado de, querendo, requerer a separação de bens.
Sobre esta matéria, no acórdão do TC nº 508/99 de 21/09/99 (em www.dgsi.pt) escreveu-se: “… não podemos deixar de concluir, por um lado, pela inexistência de uma razão sistemática para fazer prevalecer os interesses da família do executado sobre os do exequente, que (não é obviamente a hipótese dos autos) também pode ter uma família, cuja estabilidade económica também carece de ser protegida; e, por outro, pela observação de que, se ao cônjuge do executado for dada a possibilidade de requerer a separação de bens, nos termos previstos no nº1 do artigo 825º do CPC, não é possível afirmar que a sua situação seja prejudicada de forma inconstitucionalmente insuportável, ainda que o bem penhorado seja a casa de morada de família. Há regras próprias para a sua tutela no direito ordinário; e uma forma de a proteger pode, exactamente, ser a via da partilha alcançada pela separação de bens, subtraindo-a, assim à acção dos credores”.
Assim, recaindo a penhora sobre um bem comum do casal que constitui a casa de morada de família, o artigo 4º do DL 329-A/95 e a nova redacção do artigo 1696º do CC, não violam o direito constitucional a uma habitação condigna, previsto no artigo 65º da Constituição.
Quanto ao disposto no artigo 27º do DL 329-A/95, que impõe a aplicação imediata da nova redacção do artigo 1696º aos processos pendentes, desde logo se dirá que a questão não se coloca neste processo, pois, ao contrário do alegado pela recorrente, os presentes autos são de 2004 e não estavam pendentes à data da entrada em vigor deste novo regime (a recorrente estará eventualmente a confundir a pendência dos autos com o facto por si alegado de que um dos imóveis foi adquirido pelo casal em 1992, antes do DL 329-A/95).
De qualquer forma, sempre se dirá que, de acordo com a jurisprudência há muito pacífica, a aplicação imediata do novo regime aos processos pendentes não viola o princípio constitucional da confiança resultante do Estado de Direito, previsto no artigo 2º da constituição, desde que, ao ser possibilitada a penhora dos bens comuns, seja também dada a possibilidade de o cônjuge do executado usar dos meios previstos no regime novo para se defender (cfr em www.dgsi.pt acs TC 508/99 acima citado, STJ 22/01/97, 24/02/99 – sumário – RP 16/03/2000, 20/11/97).
Não é, pois, inconstitucional, o artigo 27º do DL 329-A/95 de 12/12.
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II) Se a embargante pode embargar, apesar de ter sido citada nos termos e para os efeitos do artigo 825º do CPC.
Conforme acima se expôs, o DL 329-A/95 veio dar uma nova redacção ao artigo 1696º nº1 do CC, que é a seguinte: “Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns”.
Por seu lado, o artigo 825º nº1 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL 38/2003 de 8/3, estabelece que: “Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida”.
Finalmente, o artigo 352º do CPC estatui que: “O cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior”.
Do conteúdo destas disposições legais, resulta que, sendo a dívida da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges e, por isso, a execução movida apenas contra ele, respondem em primeiro lugar os seus bens próprios, que deverão ser prioritariamente penhorados.
Mas se não existirem bens próprios do cônjuge, suficientes para a satisfação da dívida, responde subsidiariamente o direito do devedor à meação dos bens comuns.
E, não existindo já a moratória forçada que antigamente era imposta pelo artigo 1696º do CC, o credor pode ver imediatamente penhorados os bens comuns do devedor, desde que, através da citação do artigo 825º do CPC, o cônjuge deste possa ter a oportunidade de se defender, requerendo a separação de bens e assim não ser privado da parte a que tem direito nesses bens, uma vez que não é responsável pela dívida.
Deste modo, desde que o devedor não disponha de bens próprios, o credor tem sempre direito a ver penhorados os bens comuns do casal e a única forma de o cônjuge se defender dessa penhora é a de requerer a separação de bens, sendo-lhe vedado opor-se à penhora só pela simples razão de os bens serem comuns.
O cônjuge do executado poderá, então, recorrer aos embargos de terceiro, previstos no artigo 352º do CPC, se forem penhorados bens que não deveriam ter sido penhorados, como os bens próprios do embargante, ou então os bens comuns do casal quando existam bens próprios do executado, verificando-se ou não a citação do artigo 825º.
Poderão ainda ter lugar os embargos de terceiro se forem penhorados bens comuns que poderiam ser penhorados, mas sem que tenha sido dada a oportunidade de o cônjuge do executado pedir a separação de bens, ou seja, se não for cumprido o artigo 825º do CPC.
Contudo, se o executado não tiver bens próprios e o cônjuge do executado tiver sido citado nos termos do artigo 825º para requerer a separação e bens na sequência da legítima penhora dos bens comuns, não há qualquer fundamento para a defesa por embargos (cfr neste sentido Lebre de Freitas “A acção executiva”, 5ª edição, página 291, acs RL 10/01/2008 P. 9533/2007.2, RC 15/11/2005 P. 2680/05, STJ 13/04/2000 P.00B195 - sumário, todos em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, a embargante não indica bens próprios do executado seu cônjuge que sejam suficientes para satisfação da dívida exequenda e possam ser penhorados, fundamentando a sua posição apenas no facto de os bens penhorados serem bens comuns do casal, sobre os quais detém a posse.
Tendo em atenção que não são conhecidos bens próprios do executado e que foi dada oportunidade à embargante para requerer a separação de bens através da citação do artigo 825º, não há fundamento para os embargos, pelo que se mostra correcta a decisão recorrida que os indeferiu liminarmente, improcedendo as alegações de recurso.
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DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo e manter a decisão decorrida.
Custas pela agravante.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2011

Maria Teresa Pardal
Tomé Ramião
Jerónimo Freitas