Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7002/06.1TDLSB.L1-5
Relator: SIMÕES DE CARVALHO
Descritores: PECULATO
PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA
REABERTURA DE AUDIÊNCIA
RELATÓRIO SOCIAL
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: Iº A leitura em audiência do relatório social solicitado nos termos do art.370, nº1, CPP, só pode ocorrer se tal for requerido e se for decidida a reabertura da audiência para a determinação da sanção, estando neste caso, excluída, em regra, a publicidade da mesma;
IIº Apenas no caso de o tribunal considerar que há lugar à produção de prova suplementar para determinação da sanção poderá ser requerida a leitura do relatório social, podendo o tribunal entender que tal não se mostra necessário;
IIIº Decorrendo a audiência durante diversas sessões, após o que foi designada data para leitura do acórdão para mais de trinta dias depois, tendo esta data sido dada sem efeito por falta de junção dos relatórios solicitados, sendo a junção dos mesmos posteriormente notificada aos intervenientes processuais, indeferida a pretensão destes de reabertura da audiência, para leitura do relatório e produção de prova suplementar sobre o mesmo, efectuando-se depois a leitura do acórdão, não tem aplicação o disposto no art.328, nº6 do Código de Processo Penal, uma vez que entre as diversas sessões de audiência de julgamento, em que houve produção de prova, não decorreram mais de trinta dias;
IVº Não é qualquer modificação da factualidade provada, em relação ao que se mostre exactamente vertido na redacção da respectiva acusação ou pronúncia, que justifica ser qualificada como alteração não substancial dos factos, sendo necessário que essa alteração tenha relevo para a decisão da causa.
Vº Representando os factos provados "menos do que o que consta da decisão instrutória", não se justifica a comunicação prevista no art.358, do Código de Processo Penal, não podendo aquela situação ser equipara a decisão surpresa;
VIº O crime de peculato (art.375, do Código Penal), estabelece uma dupla protecção: por um lado, tutela bens jurídicos patrimoniais, na medida em que criminaliza a apropriação ou oneração ilegítima de bens alheios; por outro lado, tutela a probidade e fidelidade dos funcionários para se garantir o bom andamento e a imparcialidade da administração, ou, por outras palavras, a “intangibilidade da legalidade material da administração pública”;
VIIº O agente deste tipo legal terá de ser um funcionário e terá, em razão das suas funções, de ter a posse do bem objecto do crime;
VIIIº Tendo determinadas sociedades, como único accionista, uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, não havendo qualquer participação particular nessas empresas, o dinheiro que constitui o respectivo património não pode assumir natureza particular e os respectivos gestores são equiparados a funcionários, para efeitos do estatuído no Art.386, nº 2 do Código Penal;
IXº Sendo os arguidos membros do conselho de administração de uma empresa púbica, tendo concordado com a “proposta de deliberação” de atribuição de prémios de gestão por sociedades de que essa empresa pública era única accionista, tendo esses “prémios de gestão” lhes sido pagos, sem que as assembleias-gerais dessas sociedades tenham aprovado qualquer proposta nesse sentido, ocorreu uma apropriação ilegítima por eles desse dinheiro;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
 
No processo comum colectivo n.º 7002/06.1TDLSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 17-09-2010 (cfr. fls. 4544 a 4730), no que agora interessa, foi decidido:

«Pelo exposto, o Tribunal colectivo delibera julgar a decisão instrutória parcialmente procedente, por provada apenas em parte e, em consequência:
a) Absolver os cinco arguidos da prática, em co-autoria, de 1 (um) crime de peculato, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 26º e 28º, ambos do Código Penal, e arts. 3º, n.º 1, al. i), e 20º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16-07;
b) Condenar o arguido A... pela prática, como cúmplice, de 1 (um) crime de peculato, p. e p. pelos arts. 27º, n.º 2, 73º, n.º 1, als. a) e b), e 375º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
c) Suspender a execução desta pena de prisão pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado do presente acórdão;
d) Condenar a arguida B... [1] pela prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de peculato, p. e p. pelo art. 375º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
e) Suspender a execução desta pena de prisão pelo período de 3 (três) anos a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, ficando esta suspensão subordinada ao dever de a arguida B..., no prazo de 3 (três) meses a contar do trânsito em julgado deste acórdão, entregar à empresa I......, S.A. –., o montante de € 5.357,00 (cinco mil trezentos e cinquenta e sete euros) e à empresa GF …, o montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros);
f) Condenar o arguido C... pela prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de peculato, p. e p. pelo art. 375º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;
g) Suspender a execução desta pena de prisão pelo período de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses a contar do trânsito em julgado do presente acórdão;
h) Condenar o arguido D... pela prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de peculato, p. e p. pelo art. 375º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;
i) Suspender a execução desta pena de prisão pelo período de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses a contar do trânsito em julgado do presente acórdão;
j) Condenar a arguida E… pela prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de peculato, p. e p. pelo art. 375º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;
k) Suspender a execução desta pena de prisão pelo período de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses a contar do trânsito em julgado do presente acórdão;
l) Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça, relativamente a cada um, em 10 (dez) UC [cf. art. 85º, n.º 1, al. a), do Código das Custas Judiciais] e em ½ (metade) daquela taxa de justiça a procuradoria (cf. art. 95º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais);
….»

Os arguidos E…, D..., C..., B... e A... não aceitaram esta decisão e dela recorreram (cfr. fls. 4810 a 4882, 4888 a 4952, 5026 a 5261, 5508 a 5718 e 5723 a 5816), extraindo da motivação as seguintes conclusões:
        
1 – Da arguida E….
1…                                                                           
2….
….

2 – Do arguido D....
1…
2….
….

3 - Do arguido C....
1…
2….
….


4 – Da arguida B....
1…
2….
….
5 – Do arguido A....
1…
2….
….

Efectuadas as necessárias notificações, apresentou resposta o Mº Pº (cfr. fls. 5834 a 5949), em que conclui:
1…
2….
….

            Na sequência do que vieram a ser admitidos os presentes recursos (cfr. fls. 5951).

         Apesar do recurso interposto pelo arguido A..., a fls. 3281 a 3297, ter sido admitido a subir conjuntamente com o recurso da decisão que pusesse termo à causa (cfr. fls. 3351), certo é que o mesmo não deu cumprimento ao estabelecido no Art.º 412º, n.º 5 do C.P.Penal, motivo pelo qual dele não se conhecerá.

Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (cfr. fls. 5969 a 5985), defendendo, a título de questão prévia, a extemporaneidade dos recursos deduzidos pelos arguidos A..., E… e D... e, a final, caso assim se não entenda, a improcedência dos recursos interpostos por todos os arguidos.

Tendo sido cumprido o disposto no n.º 2 do Art.º 417º do C.P.Penal, apenas os arguidos D... e C... responderam (cfr. fls 5998 a 6003 e 6005 a 6022), pugnando no mesmo sentido das respectivas motivações, sendo que o primeiro sustentou, ainda, a tempestividade do recurso que interpôs.

Proferido o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em audiência, nos termos dos Art.ºs 419º, n.º 3, alínea c) “a contrario” e 421º do C.P.Penal.

Realizado o julgamento com observância do formalismo legal, cumpre, agora, apreciar e decidir.
 
*

Os objectos dos recursos, em face das conclusões das respectivas motivações, reportam-se:

A – Da arguida E….
1 - à pretensa existência do vício previsto no Art.° 410°, n.º 2, alínea a) do C.P.Penal; 
2 - à eventual violação do disposto no Art.° 410°, n.° 2, alínea b) do mesmo Código;
3 - à suposta ocorrência do vício consagrado no Art.° 410°, n.° 2, alínea c) do sobredito diploma de direito adjectivo penal;
4 - à pretensa nulidade do acórdão, ao abrigo do disposto no Art.º 379º, n.º 1, alínea b) do C.P.Penal, em virtude da recorrente ter sido surpreendida com uma nova qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, sem que o Tribunal recorrido lhe tivesse comunicado, como devia, tal alteração, a fim de que pudesse, se assim o entendesse e requeresse, apresentar a respectiva defesa;
5 - à possível circunstância de ter existido erro no julgamento da matéria de facto, maxime no que se prende com os respectivos pontos n.°s 22 a 31 e 35 a 46, o que deveria ter levado à absolvição da recorrente do crime de peculato.

B – Do arguido D....
1 - à possível circunstância de ter existido erro no julgamento da matéria de facto, maxime no que se prende com os respectivos pontos n.°s 34, 41 a 46 e 145, o que deveria ter levado à absolvição do recorrente do crime de peculato;
2 - ao pretenso erróneo enquadramento jurídico-penal da factualidade dada como assente no acórdão impugnado.

C – Do arguido C....
1 - à eventual nulidade do acórdão por omissão de pronúncia nos termos do Art.º 379º, n.º 1, alínea c) do C.P.Penal;
2 - à suposta nulidade do acórdão por condenação por factos diversos dos constantes da pronúncia, em violação do Art.º 359º do C.P.Penal ou, ainda que assim não se entenda, do Art.º 358º do mesmo Código;
3 - à possível verificação de nulidade do acórdão recorrido, nos termos do Art.º 379º, n.º 1, alínea a), por violação do estatuído no Art.° 374°, n.° 2, ambos do C.P.Penal;
4 - à pretensa existência do vício previsto no Art.° 410°, n.º 2, alínea a) do C.P.Penal; 
5 - à eventual violação do disposto no Art.° 410°, n.° 2, alínea b) do mesmo Código;
6 - à possível circunstância de ter existido erro no julgamento da matéria de facto, reportado aos pontos n.°s 24, 25, 29 a 31 e 43 a 46 (factos provados) e às alíneas a) e e) (factos não provados);
7 - à possível inexistência dos elementos objectivo e subjectivo do tipo legal de crime de peculato em causa nos autos.

D - Da arguida B....
1 - ao pretenso desrespeito pelo consagrado nos Art.ºs 370º e 371º do C.P.Penal, na medida em que os relatórios sociais dos arguidos apenas foram juntos aos autos mais de quatro meses após o encerramento da audiência de julgamento, sem que a audiência tivesse sido reaberta, o que a ter acontecido sempre implicaria a preclusão da prova produzida;
2 - à eventual perda de eficácia da prova produzida, por violação do princípio da continuidade da audiência previsto no Art.º 328º, n.º 6 do C.P.Penal, em virtude do acórdão impugnado ter sido proferido mais de nove meses após o encerramento da audiência de discussão e julgamento;
3 - à possível verificação de nulidade do acórdão recorrido, nos termos do Art.º 379º, n.º 1, alínea a), por violação do estatuído no Art.° 374°, n.° 2, ambos do C.P.Penal;
4 - à suposta nulidade do acórdão em razão do incumprimento, por parte do Tribunal a quo, do disposto no Art.º 358º do C.P.Penal;
5 - à possível ocorrência do vício previsto no Art.° 410°, n.º 2, alínea a) do mesmo Código;
6 - à suposta violação do disposto no Art.° 410°, n.° 2, alínea c) do sobredito diploma de direito adjectivo penal;
7 - à pretensa circunstância de ter existido erro no julgamento da matéria de facto, maxime no que se prende com os respectivos pontos n.°s 31 e 41 a 45;
8 - à possível inexistência dos elementos objectivo e subjectivo do tipo legal de crime de peculato em causa nos autos;
9 - à pretensa impossibilidade de suspensão da execução da pena aplicada condicionada à devolução dos prémios, quando o lesado não haja deduzido qualquer pretensão indemnizatória.

E - Do arguido A....
1 - à eventual circunstância de ter existido erro no julgamento da matéria de facto, maxime no que se prende com os respectivos pontos n.°s 9, 24, 25 e 37 a 40;
2 - à pretensa nulidade do acórdão por omissão de pronúncia nos termos do Art.º 379º, n.º 1, alínea c) do C.P.Penal;
3 - à suposta nulidade do acórdão, uma vez que ocorreu uma alteração não substancial dos factos, sem que se tenha dado cumprimento ao disposto no Art.º 358º do C.P.Penal;
4 - à pretensa inexistência de factualidade susceptível de consubstanciar a verificação dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de peculato, ainda que a título de cumplicidade.

No que ora interessa, é do seguinte teor o acórdão recorrido:

«II. FUNDAMENTAÇÃO
Previamente à indicação da matéria de facto considerada provada e não provada, importa explicitar que, face à conformação da causa decorrente da decisão instrutória e das contestações apresentadas pelos arguidos, está a ser trazida à discussão factualidade que é irrelevante à luz das soluções plausíveis da questão de direito. Na verdade, centrou-se a discussão da causa na circunstância de os arguidos terem recebido montantes que ultrapassam o que é legalmente permitido quando, desde logo face ao que se mostra alegado na pronúncia, o que releva para a decisão é esclarecer se foram os arguidos quem determinou o recebimento desses montantes. Se o pagamento dos montantes for imputado aos arguidos, é irrelevante saber se os mesmos se contêm ou não nos limites legais, pois de todo o modo aqueles não tinham competência para se atribuírem as quantias. Se, por outro lado, o pagamento dos montantes não lhes puder ser imputado, também não influi na decisão da causa o apuramento de tais limites legalmente fixados.
Tal como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de L..., de 03-02-2010, só se verifica a nulidade prevista na primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 379º [do Código de Processo Penal] (omissão de apreciação de questões que deviam ter sido apreciadas) quando o tribunal não se tiver pronunciado sobre uma «questão» de que devesse tratar no percurso lógico que conduziu à solução adoptada ou que devia ter sido adoptada. Uma questão é um passo necessário e autónomo do caminho argumentativo que o tribunal deve percorrer para alcançar a decisão. (…) A omissão de pronúncia do tribunal sobre determinado ou determinados factos alegados pelos sujeitos processuais só poderia relevar se se traduzisse em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – al. a) do n.º 2 do art. 410º do Código de Processo Penal. Dito de outro modo, essa omissão só seria relevante se esses factos pudessem influir, se provados, no sentido da decisão a tomar.[2]
Nesta medida, face a tudo o exposto, relativamente à factualidade alegada na decisão instrutória e nas contestações apresentadas pelos arguidos que não influi na decisão da causa, o Tribunal não a considera provada ou não provada.
II.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevância para a decisão da causa, encontram-se assentes os seguintes factos constantes da decisão instrutória de fls. 2694 a 2708, sem prejuízo da factualidade que reveste natureza conclusiva:
1. A EP…. (abreviadamente designada por EP...), com sede na Rua …., em L..., foi criada pelo Dec.-Lei n.º 613/71, de 31-12, é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e constitui uma empresa pública destinada a auxiliar e desenvolver a acção municipal no estudo e execução de empreendimentos urbanísticos;
2. A EP... tem por accionista único a Câmara Municipal de L...;
3. Para prosseguimento das respectivas atribuições, a EP... constituiu em 1993 as sociedades Hi…, S.A., GP…, S.A., e Li…, S.A., tendo como accionista único a EP...;
4. Sociedades que, por reestruturação do grupo EP..., foram, no início do ano de 2004, objecto de fusão, dando origem à I......, S.A. (doravante I......, S.A., MI), tendo como accionista único a EP...;
5. Em 20-04-2005, a EP... constituiu, por cisão da sociedade I......, S.A., MI, a sociedade GF ... (doravante GF), tendo a primeiro passado a designar-se HI...…, S.A. (doravante I......, S.A.);
6. As sociedades I......, S.A., e GF têm como accionista único a EP...;
7. O arguido A... foi, desde 28-10-2005, vice-presidente da Câmara Municipal de L...;
8. Por despacho de subdelegação de competências do Presidente da Câmara de L..., com o número 509/P/2005, publicado em 17-11-2005 no Boletim Municipal, o arguido A... passou a ser responsável, entre outros, pelos pelouros da Auditoria, Património, Finanças e Empresas Municipais, participadas e associadas;
9. No âmbito do pelouro das “Empresa Municipais”, passou a competir ao arguido A...:
- Acompanhar a situação patrimonial e financeira, bem como a respectiva execução, das empresas municipais e daquelas nas quais o Município detém participação no respectivo capital social, sem prejuízo das competências da Câmara Municipal;
- Representar o Município nas assembleias gerais de empresas nas quais o Município detém participação no respectivo capital social, como é o caso da EP...;
10. Anteriormente, e desde 1998, o arguido A... exerceu funções como vereador da Câmara Municipal de L..., tendo sido nos anos de 1998 a 2001 responsável pelas áreas de Finanças, Património, Comércio e Abastecimentos do município;
11. A arguida B... foi desde 18-06-2004 até Janeiro de 2006 presidente do conselho de administração da EP...;
12. Cumulativamente, a arguida B... exerceu funções de presidente do conselho de administração da I......, S.A., MI, desde 17-09-2004 até Abril de 2005;
13. Com a referida cisão das empresas, e desde 20-04-2005 até Janeiro de 2006, a arguida B... exerceu, cumulativamente com o cargo de presidente do conselho de administração da EP..., cargo de idêntica natureza na GF;
14. O arguido C... exerceu funções de vogal do conselho de administração da EP... desde 04-08-2004 até 31-12-2006;
15. Cumulativamente, o arguido C... exerceu funções de vogal do conselho de administração da I......, S.A., MI, e da sua sucessora I......, S.A., SA, desde 17-09-2004 até 31-12-2006;
16. O arguido D... exerceu funções de vogal do conselho de administração da EP... desde o ano de 1996 até 31-03-2007;
17. Cumulativamente, o arguido D... exerceu funções de vogal do conselho de administração na I......, S.A., MI, desde 17-09-2003 até 18-03-2005;
18. Com a aludida cisão das empresas, e desde 20-04-2005 até 31-03-2007, o arguido D... exerceu, cumulativamente com o cargo de vogal do conselho de administração da EP..., cargo de idêntica natureza na sociedade GF;
19. A arguida E… exerceu o cargo de vogal do conselho de administração da EP... desde 02-08-2004 até 31-12-2006;
20. Cumulativamente, a arguida E... exerceu os cargos de vogal e de presidente do conselho de administração, respectivamente, das empresas I......, S.A., MI, e da sua sucessora I......, S.A., desde 17-09-2004 até 31-12-2006;
21. Pelo exercício das respectivas funções de administração na EP..., os arguidos B..., C..., D... e E... auferiam, para além dos abonos (subsídio de refeição, ajudas de custo, seguro de saúde, seguro vida grupo, telemóvel, cartão de crédito, veículo de serviço e abono de estudos), as seguintes verbas:
a) Um montante designado como “despesas de representação”;
b) O vencimento base; e
c) Uma remuneração adicional, correspondente a 30% do vencimento base, por acumulação de funções de administração nas empresas I......, S.A., MI, I......, S.A., e/ou na GF;
22. Em dia e hora não concretamente apurados do mês de Novembro de 2005, nas instalações da Câmara Municipal de L..., o arguido A..., no exercício das respectivas funções de vice-presidente da Câmara Municipal de L..., reuniu com o arguido C..., então vogal do Conselho de administração da EP...;
23. Nesta reunião esteve igualmente presente a vereadora da Câmara Municipal de L..., com o pelouro do urbanismo, F...;
24. Ainda na mesma reunião, o arguido C... suscitou perante o arguido A... a questão de aos administradores da EP... que cumulativamente exerciam funções nas empresas participadas por esta serem atribuídos, por aquelas empresas, montantes a título de “prémio de gestão”;
25. Nesta sequência, o arguido A... manifestou ao arguido C... a sua concordância em que houvesse lugar à atribuição dos referidos montantes aos administradores da EP... que cumulativamente exerciam funções nas empresas participadas por esta;
26. Depois de aquela reunião ter tido lugar na Câmara Municipal de L..., o arguido C... deu indicações a G..., director de recursos humanos da EP..., no sentido de elaborar um documento designado de “proposta de deliberação” com, para além do mais, o seguinte teor:
- Propõe-se a convocação das assembleias gerais da I......, S.A. e da GF e a apresentação nelas, por parte da EP... enquanto accionista da seguinte proposta:
1. A atribuição de um prémio de gestão de 2004, no valor líquido de 5.357 € (sete mil e quinhentos euros) a cada administrador da I......, S.A. em exercício àquela data;
2. A atribuição de um prémio de gestão referente ao exercício de 2005, no valor líquido de 7.500 € (sete mil e quinhentos euros) a cada administrador da I......, S.A. e da GF em exercício àquela data;
27. Em 25-11-2005, cada um dos arguidos B..., C..., D... e E... assinou esta “proposta de deliberação” e na mesma escreveu “concordo”, tendo ainda a arguida B... acrescentado “a ser ratificado em C.A.”;
28. A “proposta de deliberação” foi igualmente subscrita por H..., que desde Janeiro de 2005 exercia funções de vogal do conselho de administração da EP...;
29. Nas assembleias gerais das empresas I......, S.A., e GF nunca veio a ser apresentada a aludida proposta de atribuição de “prémios de gestão”;
30. Depois de a “proposta de deliberação” ter sido subscrita pelos arguidos B..., C..., D... e E... e ainda pelo H... nos termos expostos, foi a mesma entregue nos serviços financeiros/contabilísticos das sociedades I......, S.A., e GF, que processaram e pagaram as referidas verbas àqueles arguidos;
31. Os arguidos B..., C..., D... e E... obtiveram, pela acumulação de funções nas sociedades participadas I......, S.A., e GF, para além do referido acréscimo mensal correspondente a 30% do vencimento base, o pagamento de um total, para cada um, de € 12.857,00 (doze mil oitocentos e cinquenta e sete euros) líquidos;
32. A arguida B... obteve:
a) Da sociedade GF, o pagamento de € 7.500,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2005, sendo que neste ano exerceu funções nesta empresa a partir de 20-04-2005, data da respectiva constituição;
b) Da sociedade I......, S.A., o pagamento de € 5.357,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2004, sendo que neste ano exerceu funções nesta empresa a partir de 17-09-2004;
33. O arguido C... obteve:
a) Da sociedade I......, S.A., o pagamento de € 7.500,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2005;
b) Da sociedade I......, S.A., o pagamento de € 5.357,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2004, sendo que neste ano exerceu funções nesta empresa a partir de 17-09-2004;
34. O arguido D... obteve:
a) Da sociedade GF, o pagamento de € 7.500,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2005, sendo que neste ano exerceu funções nesta empresa a partir de 20-04-2005, data da respectiva constituição;
b) Da sociedade I......, S.A., o pagamento de € 5.357,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2004;
35. A arguida E..., obteve:
a) Da sociedade I......, S.A., o pagamento de € 7.500,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2005;
b) Da sociedade I......, S.A., o pagamento de € 5.357,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2004, sendo que neste ano exerceu funções nesta empresa a partir de 17-09-2004;
36. Os montantes descritos, num total global líquido de € 51.428,00 (cinquenta e um mil quatrocentos e vinte e oito euros), a que corresponde um montante ilíquido de € 74.924,00 (setenta e quatro mil novecentos e vinte e quatro euros), foram recebidos pelos arguidos B..., C..., D... e E... no decurso do mês de Fevereiro de 2006;
37. O arguido A... tinha conhecimento dos factos supra descritos ao mesmo respeitantes;
38. O arguido A... tinha ainda conhecimento de que, ao agir como o fez, estava a incentivar a atribuição aos administradores da EP... que cumulativamente exerciam funções nas empresas participadas por esta de montantes, a título de “prémio de gestão”, pertencentes ao património dessas empresas participadas pela EP...;
39. O arguido A... tinha também conhecimento de que os administradores da EP... não tinham competência para decidir a atribuição para si próprios de montantes alheios, a título de “prémio de gestão”, ainda que por força da acumulação de funções em empresas participadas pela EP...;
40. Ainda assim, o arguido A... quis agir como o fez, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
41. Cada um dos arguidos B..., C..., D... e E... tinha conhecimento dos factos supra descritos a cada um dos mesmos respeitantes, inclusive das funções pelos mesmos desempenhadas e que não lhes era permitido abusar dessas funções para obterem benefícios a que não tivessem direito;
42. Os arguidos B..., C..., D... e E... tinham também conhecimento de que, enquanto administradores da EP..., única accionista das empresas I......, S.A., e GF, podiam determinar a vontade destas e, nessa medida, dispor do dinheiro a tais sociedades pertencente;
43. Os arguidos B..., C..., D... e E... tinham conhecimento de que, por meio de acordo entre todos estabelecido e em comunhão de esforços e de intenções, estavam a apoderar-se, para fazerem dele o que quisessem, de dinheiro pertencente ao património das empresas I......, S.A., e GF;
44. Os arguidos B..., C..., D... e E... tinham ainda conhecimento de que não tinham competência para decidir a atribuição para si próprios de montantes alheios de que podiam dispor por força das funções de administradores da EP... que exerciam, a título de “prémio de gestão”, ainda que por força da acumulação de funções em empresas participadas pela EP...;
45. Os arguidos B..., C..., D... e E... quiseram agir pela forma mencionada, com o intuito de fazerem seus os supra referidos montantes, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
46. No decurso do mês de Setembro de 2006, na sequência do conhecimento público dos factos e já na pendência deste processo, os arguidos que receberam os montantes supra mencionados, com excepção da arguida B..., procederam à devolução dos mesmos;
Provou-se ainda que:
47. O arguido A... nasceu em … onde, à data, o pai frequentava o último ano do curso de medicina;
48. Após o pai do arguido A... ter concluído a licenciatura, os pais deste, juntamente com o mesmo e uma sua irmã mais nova, passaram a residir em L...;
49. O arguido A... não apresentou dificuldades de socialização no sistema familiar, o que se repercutiu positivamente, entre outros aspectos, no enquadramento e desempenho escolar daquele;
50. Após a conclusão do 11º ano de escolaridade no Colégio …., o arguido A... frequentou o ano propedêutico e ingressou no curso superior de Organização e Gestão de Empresas no Instituto …;
51. Concluída a licenciatura, o arguido A... iniciou a vida profissional, no ano de 1983, na empresa multinacional de consultadoria BD…. na qual, volvidos sete anos, passou a ser sócio e a desenvolver funções de revisor oficial de contas, o que sucedeu até ao ano de 1998;
52. Nesta altura, por convite do então presidente da Câmara Municipal de L..., integrou como independente as listas às eleições autárquicas, tendo sido eleito e desempenhado as funções de vereador dos pelouros …;
53. Entre os anos de 2002 e 2005, porque a lista que integrava perdeu as eleições autárquicas, assumiu funções como vereador da oposição, sem pelouro;
54. Nesta fase, manteve paralelamente actividade profissional na empresa BD…;
55. No ano de 2005, na sequência de novas eleições autárquicas, a lista que integrou ganhou as eleições e, nesta altura, foi nomeado vice-presidente da Câmara Municipal de L..., funções que desempenhou até Fevereiro de 2007, altura em que renunciou ao cargo;
56. Com cerca de 26 anos de idade, o arguido A... contraiu matrimónio, que mantém, relação da qual nasceram os seus três filhos, que actualmente têm 23, 22 e 13 anos de idade;
57. Quando, em 2009, o arguido A... deixou de exercer funções na autarquia, reintegrou a empresa BD…, à qual sempre se manteve ligado, mas, por acordo entre as partes envolvidas, deixou a condição de sócio;
58. O arguido A... continua vinculado àquela empresa onde, entre outras actividades, é revisor oficial de contas, coordenador do escritório em Angola e responsável pela área do marketing e recursos humanos;
59. Paralelamente, o arguido A... é docente na licenciatura de Finanças … e no mestrado de Gestão …;
60. O arguido A... reside com a sua mulher e com os seus três filhos, sendo os dois mais velhos estudantes do ensino superior e o mais novo do ensino secundário;
61. O arguido A... privilegia e valoriza o relacionamento familiar, em particular com a sua família constituída, destacando também os valores de amizade, sendo que as suas relações de amizade se mantém desde há muitos anos;
62. O arguido A... não apresenta quaisquer problemas de índole económica;
63. O arguido A... é uma pessoa com capacidades empáticas e sociáveis, valoriza a sua imagem e sente necessidade de reconhecimento pessoal, nomeadamente pela via profissional;
64. O arguido A... é tido por quem o conhece como pessoa solidária, que respeita os outros e responsável;
65. O arguido A... não tem antecedentes criminais; e
66. O arguido A... não revelou arrependimento;
67. Os avós paternos da arguida B... constituíram os seus principais modelos familiares, já que no decurso da infância daquela ocorreu o falecimento do seu pai e, posteriormente, a sua mãe estabeleceu matrimónio, passando a viver fora do país;
68. A arguida B... cresceu no centro de L..., num meio cultural e social protegido e economicamente desafogado;
69. A dinâmica familiar da arguida B... foi caracterizada por alguma tensão relacional entre esta arguida e a sua avó, que assumia uma atitude demasiado rígida no seu processo educativo;
70. Esta situação contribuiu para que a arguida B... sentisse desde cedo necessidade de se autonomizar;
71. A arguida B... teve um percurso escolar bem sucedido, tendo concluído o curso superior de Artes Plásticas com 22 anos de idade;
72. A partir dos 19 anos de idade, em paralelo com a frequência académica, a arguida B... começou a trabalhar como professora de educação visual, profissão que manteve durante 7 anos;
73. Após, foi assistente convidada no Instituto Português de Ensino à Distância, onde permaneceu até aos 33 anos de idade;
74. A arguida B... participou ainda na concepção e na direcção artística da revista “S…” e, em 1990, iniciou um percurso na área da cultura, como chefe de divisão de artes plásticas da Direcção-Geral de Acção Cultural;
75. Em 1991, com 36 anos de idade, a arguida B... passou a ser assessora do Secretário de Estado … nas áreas relacionadas com o património cultural e, ainda nesse ano, iniciou funções como vice-presidente do Instituto … e do Instituto …, que manteve durante 2 anos;
76. Entre 1993 e 1997, a arguida B... foi responsável pelo museu de artes decorativas da Fundação …;
77. Em 1999, a arguida B... passou a desempenhar o cargo de directora do departamento de urbanismo da Câmara Municipal …, que manteve até 2001;
78. Ainda neste ano de 2001, a arguida B... passou a integrar a Câmara Municipal de L..., onde permaneceu até 2005 como vereadora;
79. A arguida B... contraiu matrimónio com 23 anos de idade, tendo três filhos desse relacionamento, actualmente com 28, 26 e 19 anos de idade;
80. A arguida B... divorciou-se em 1998, com 43 anos de idade, vivendo nessa fase um período difícil, pois tinha abdicado do trabalho na Fundação … para se dedicar mais ao acompanhamento educativo dos filhos, que passaram a estar a seu cargo;
81. Nesta fase, a situação económica da arguida B... determinou que a mesma readaptasse o seu nível de vida;
82. Todas estas circunstâncias conduziram a arguida B... a uma fase depressiva, que a levou a procurar apoio especializado;
83. Entre 2001 e 2005, a arguida B... desempenhou funções de vereadora da Câmara Municipal de L..., como independente, com os pelouros de …;
84. Em paralelo, entre 2003 e 2004, foi presidente do conselho de administração da … e, entre 2004 e 2006, para além das funções supra descritas, foi presidente do conselho de administração da ... ..., SRU - Sociedade de Reabilitação Urbana;
85. Ao nível das suas características profissionais, a arguida B... é descrita como uma pessoa dinâmica, rigorosa e empenhada no cumprimento da sua actividade;
86. Enquanto desempenhou funções na Câmara Municipal de L..., a arguida B... apresentou uma situação económica compensadora;
87. A arguida B... evitou desde sempre a visibilidade pública e, nos contactos sociais, adopta uma postura discreta;
88. Em 2003, a arguida B... voltou a casar-se, tendo-se divorciado um ano depois;
89. A saída da arguida B... da Câmara Municipal de L... repercutiu-se na sua situação económica, apresentando desde então constrangimentos a este nível, tendo reorganizado o seu modo de vida em função das suas capacidades monetárias;
90. Em 2007/2008, a arguida B... exerceu a actividade de professora na Universidade …;
91. Desde 2007, a arguida B... exerce o cargo de directora executiva da Fundação …, instituição cuja missão é realizar desejos a crianças com doenças de risco de vida;
92. Trata-se da primeira vez que a arguida B... desempenha um cargo social e, apesar de estar relacionada com uma área em muito distante da sua especialização, mostra-se satisfeita com a actividade desenvolvida, encarando-a como um desafio;
93. A arguida B... aufere um vencimento de € 2.500,00 e recebe uma pensão de alimentos no valor de € 940,00 mensais, sendo estas as suas fontes de subsistência para gerir o seu agregado familiar, que continua a ser constituído por si e pelos seus três filhos, sendo que apenas um deles se encontra a desenvolver actividade profissional;
94. O ambiente familiar permanece gratificante, contando também a arguida B... com o apoio da família alargada;
95. A arguida B... é tida por quem a conhece por pessoa reservada, tendo uma rede de amizades restrita, estabelecida há longa data e consistente como suporte;
96. Devido a estado depressivo, a arguida B... foi internada por duas vezes no ano de 2007;
97. A arguida B... não tem antecedentes criminais; e
98. A arguida B... não revelou arrependimento;
99. O arguido C... é o mais novo de uma fratria de dois elementos;
100. A família de origem do arguido C... situa-se num estrato social médio, sendo a mãe professora do ensino básico e o pai agricultor/produtor de arroz;
101. O arguido C... cresceu num ambiente de natureza eminentemente rural, na Beira Litoral, com a família alargada bastante presente no seu processo de desenvolvimento, sendo o ambiente familiar afectivo e protector;
102. O percurso escolar do arguido C... foi normal, sendo considerado um aluno com um bom desempenho e sem dificuldades assinaláveis ao nível da aprendizagem;
103. Aos 14 anos de idade, o arguido C... deixou o lar materno e foi residir para Coimbra, para casa de uma amiga da família, para efeitos de progressão escolar, onde permaneceu até à conclusão do ensino secundário;
104. Na passagem para o ensino universitário, em 1984/1985, o arguido C... deslocou-se para L..., por opção própria, à procura de inserção num meio mais aberto e diverso dos ambientes relativamente confinados que conhecia;
105. Nessa altura, o arguido C... frequentou o curso de Literaturas Modernas da Faculdade de Letras da Universidade Clássica de L..., que concluiu no início dos anos 90;
106. Durante este período, o arguido C... teve uma vida académica e cívica intensa, com participação muito activa na associação de estudantes da universidade;
107. Nesta altura, o arguido C... estabeleceu relações de amizade que perduram até hoje e envolveu-se em debates relativos a questões de natureza académica e sócio-política, tendo-se filiado na Juventude ...;
108. Após concluir a licenciatura, o arguido C... começou a trabalhar no departamento de investimentos e projectos co-financiados do Ministério das Obras públicas;
109. Simultaneamente, colaborava com um amigo, jornalista de profissão, na área da investigação jornalística, tendo tido, pouco tempo depois, uma curta experiência como jornalista no jornal “O …”;
110. Em 1992, o arguido C... integrou, como jornalista, a equipa de trabalho do “Diário …”;
111. Concomitantemente ao exercício profissional, o arguido C... frequentou o curso de Ciência Política na Universidade Lusófona, que não concluiu por razões ligadas a incompatibilidades horárias;
112. O arguido C... desvinculou-se do “Diário …” em 2001, altura em que passou a exercer o cargo de adjunto para a imprensa do Presidente da Assembleia da República, que ocupou até meados de 2003;
113. A partir desta altura, o arguido C... passou a ocupar funções de assessoria na área da reabilitação urbana da EP... e, posteriormente, exerceu o cargo de director, na área da mediação imobiliária, numa empresa ligada à EP...;
114. Esta fase do percurso profissional do arguido C... está ligada à sua filiação partidária, que retomou após um período de afastamento subsequente à conclusão da licenciatura, tendo sido convidado para ocupar os cargos no âmbito de relação de confiança pessoal e política entre si e os seus superiores hierárquicos;
115. Em 1996, o arguido C... contraiu matrimónio, o qual terminou cerca de 10 anos depois e do qual nasceu uma filha, actualmente com 12 anos de idade, tendo o divórcio ocorrido de modo amigável e com a regulação do exercício do poder paternal relativo à sua filha a ser estabelecida de comum acordo e sem recurso a instâncias judiciais;
116. O arguido C... tem assumido as suas responsabilidades parentais, até ao presente, de forma empenhada;
117. Em 2007, o arguido C... contraiu novo matrimónio, que se mantém;
118. O ambiente familiar onde o arguido C... se integra é harmonioso e estável do ponto de vista afectivo e material;
119. Após ter deixado de exercer funções como vogal do conselho de administração da EP..., o arguido C... iniciou actividade profissional no Grupo …, como gestor de projecto;
120. O arguido C... é tido por quem o conhece como pessoa com uma elevada competência profissional, forte capacidade de empenhamento e motivação para mobilizar outros e disponibilidade para criar consensos e contornar conflitos;
121. O arguido C... é ainda tido por pessoa contida na expressão de afectos, mas bastante sensível e com preocupações sociais, que valoriza significativamente o sentido da amizade e da lealdade, que cria com facilidade proximidade relacional, quer com superiores quer com subordinados, sendo ainda considerado despretensioso e pouco permeável a aspectos relacionados com estatuto social e promoções profissionais;
122. O arguido C... desenvolve hábitos de vida pacatos;
123. O arguido C... não apresenta dificuldades financeiras;
124. O arguido C... não tem antecedentes criminais; e
125. O arguido C... não revelou arrependimento;
126. O arguido D... nasceu no seio de uma família de estatuto sócio-cultural e económico médio;
127. É o quarto dos cinco filhos do casal constituído pela sua mãe, professora primária, e pelo seu pai, militar da Guarda Fiscal;
128. Dadas as ausências do pai, por motivos profissionais, a mãe do arguido D... constituiu-se como figura parental de referência que, devido à sua postura determinada e rigorosa, mas não destituída de afecto, era dominante na dinâmica familiar;
129. O arguido D... estudou até ao 5º ano do Liceu num externato no …, tendo no 4º ano sido considerado o melhor aluno do distrito;
130. Por sua iniciativa e porque tinha familiares em …, o arguido D... deslocou-se para esta cidade, onde completou o 6º e o 7º ano do Liceu, com notas elevadas;
131. Dispensado do denominado exame de aptidão, o arguido D... ingressou na Faculdade de Direito de L... onde, entre os 17 e os 23 anos de idade, concluiu o curso de Direito;
132. Após, o arguido D... ingressou nos CTT, como jurista na Direcção de Coordenação de …, tendo chegado a Chefe de Divisão e permanecido na empresa entre 1980 e 1990;
133. De seguida, o arguido D... passou a desempenhar funções na Câmara Municipal de L..., como chefe de gabinete do vereador da habitação;
134. Posteriormente, entre 1996 e 2007, o arguido D... passou a trabalhar na EP..., como vogal do conselho de administração e, cumulativamente, como presidente do conselho de administração da empresa GF;
135. Em Maio de 1995, foi diagnosticado ao arguido D... um “linfoma não-Hodgkin”, que o obrigou a fazer quimioterapia;
136. Um ano mais tarde, devido a uma recaída, o arguido D... voltou a fazer o mesmo tratamento, tendo sido submetido a internamento no IPO em Dezembro de 1996 e ficando, desde então, a ser seguido regularmente naquele Instituto;
137. Esta fase foi vivida de modo dramático pelo arguido D... e pela sua família, tendo tido, ainda assim, impactos menores no seu percurso profissional, área a que procurou dar continuidade;
138. O arguido D... casou em 1992, sendo a sua mulher licenciada em História, relação assente no afecto, cumplicidade e ajuda mútua e da qual nasceu uma filha, actualmente com 17 anos de idade, que é estudante;
139. Após ter deixado de exercer funções na EP... e na GF, o arguido D... passou a trabalhar, em Abril de 2007, na Portugal Telecom, onde exerce as funções de consultor e onde se desloca apenas duas/três vezes por semana para reuniões de trabalho;
140. No campo familiar, espaço privilegiado de suporte e confiança do arguido D..., acabou por ser reforçado ao nível da sua coesão, sendo ainda mais sólidos os laços de afecto e de cumplicidade que unem a família, também devido ao seu quadro clínico, que continua a exigir vigilância regular;
141. A mulher do arguido D... é quadro superior da Câmara Municipal de … e trabalha actualmente como adjunta do Secretário de Estado ….;
142. A filha do casal estuda no 11º ano, na área do design;
143. A família do arguido D... desfruta de uma situação económica confortável;
144. O arguido D... não tem antecedentes criminais; e
145. O arguido D... não revelou arrependimento;
146. A arguida E... é natural de L..., onde sempre tem vivido;
147. É originária de uma família de um estrato sócio-económico médio/alto, sendo o pai militar, com o posto de coronel, e a mãe doméstica;
148. A arguida E... é a sexta de uma fratria de sete irmãos, que cresceram num contexto familiar disciplinado, com regras rígidas, forte valorização do esforço individual e do trabalho, mas afectuoso e com espírito de entreajuda;
149. A arguida E... fez a escolaridade normal, sendo considerada boa aluna;
150. Começou por estudar no Instituto de ..., onde estudavam filhas de militares, mas não se adaptou à rígida disciplina daquele estabelecimento educativo, após o que ingressou na Escola …, onde estudou secretariado;
151. Quando a arguida E... tinha 17 anos de idade, o seu pai ficou gravemente doente, tendo a mesma decidido começar a trabalhar;
152. Ingressou na função pública como dactilógrafa e, posteriormente, passou a secretária;
153. O seu desejo de progressão levou-a a retomar os estudos, com o estatuto de trabalhadora-estudante, tendo concluído a licenciatura em Economia e Finanças;
154. Sendo muito persistente e empenhada, a arguida E... foi progredindo através de concurso, já como quadro superior da função pública, no Ministério …. e, por fim, como administradora da EP...;
155. A arguida E... casou com 21 anos de idade e teve cinco filhos;
156. As relações familiares têm sido estáveis, havendo um grande sentido de entreajuda e partilha de dificuldades com o seu marido;
157. Esta solidariedade familiar alarga-se aos filhos do casal que já se encontram autonomizados;
158. A arguida E... reside com o marido e com um filho que ainda não se autonomizou por estar a concluir a sua formação universitária;
159. A família vive em casa própria, na zona central da cidade de L...;
160. Após ter deixado de exercer funções na EP..., a arguida E... voltou a exercer o cargo de assessora no Ministério das Finanças, onde permanece;
161. A arguida E... mantém um estilo de vida desafogado pois, para além do seu vencimento, o rendimento familiar é complementado pelo vencimento auferido pelo seu marido, que é engenheiro de formação e com funções de administrador na …;
162. A arguida E... é uma pessoa comunicativa, cordial no relacionamento interpessoal, apresenta boa capacidade de crítica e de raciocínio;
163. É uma pessoa empenhada e dinâmica e procura envolver-se em novos projectos profissionais que se lhe apresentem como motivadores para o seu desenvolvimento pessoal;
164. A arguida E... não tem antecedentes criminais; e
165. A arguida E... não revelou arrependimento.
*
II.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Dos factos constantes da decisão instrutória de fls. 2694 a 2708 que assumem relevância para a decisão da causa, não se provou que:
a) A reunião a que se alude nos pontos 22. a 25. ocorreu depois de ser proferido o despacho mencionado no ponto 8.;
b) No decurso da reunião referida nos pontos 22. a 25., os arguidos A... e C... acordaram o pagamento do valor líquido de € 5.357,00 (€ 7.820,00 ilíquido) relativamente ao exercício de funções de administração na I......, S.A., MI, em 2004, e de € 7.500,00 relativo ao exercício de funções de administração em 2005 na I......, S.A., e na GF;
c) Os arguidos B..., D... e E... solicitaram ao G... a elaboração da “proposta de deliberação” a que se alude no ponto 43.;
d) Os arguidos C..., D... e E... procederam à devolução dos montantes que receberam na sequência de indicação do executivo camarário;
Dos factos alegados pelos arguidos nas respectivas contestações que assumem relevância para a decisão da causa, não se provou que:
e) O arguido C... devolveu as quantias que recebeu da I......, S.A. antes da pendência deste processo.
*
II.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

…..
…..
….

……

E, por isso, foi proferida a decisão que se deixou transcrita no início do presente acórdão.

Vejamos:

O âmbito dos recursos delimita-se pelas conclusões da motivação em que se resumem as razões do pedido. Sendo as conclusões proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Edição de 1981, Pág. 359).

Por sua vez, impõe-se, de imediato, salientar que o conhecimento das supra indicadas questões há-de ser feito pela seguinte ordem:

- Em primeiro lugar, aquilo que se suscita no n.º 1 do ponto D;
- Em segundo lugar, o que se reporta ao n.º 2 do ponto D;
- Em terceiro lugar, o respeitante àquilo que se suscita nos n.ºs 4 dos pontos A e D, no n.º 2 do ponto C e no n.º 3 do ponto E;
- Em quarto lugar, o concernente à impugnação da matéria de facto referida no n.º 5 do ponto A, nos n.ºs 1 dos pontos B e E, no n.º 6 do ponto C e no n.º 7 do ponto D;
- Em quinto lugar, o que se suscita no n.º 1 do ponto A, no n.º 4 do ponto C e no n.º 5 do ponto D;
- Em sexto lugar, o relativo àquilo que se prende com o n.º 2 do ponto A e o n.º 5 do ponto C;
- Em sétimo lugar, aquilo que diz respeito ao n.º 3 do ponto A e ao n.º 6 do ponto D;
- Em oitavo lugar, aquilo que concerne aos n.ºs 3 dos pontos C e D;
- Em nono lugar, o que respeita ao n.º 1 do ponto C e ao n.º 2 do ponto E;
- Em décimo lugar, o respeitante àquilo que se encontra vertido no n.º 2 do ponto B, no n.º 7 do ponto C, no n.º 8 do ponto D e no n.º 4 do ponto E;
- Finalmente, aquilo que concerne ao n.º 9 do ponto D.

Todavia, antes de mais, torna-se forçoso reconhecer que os arguidos E…, A... e D..., na verdade, deram cumprimento, na medida do que lhes era possível, ao estatuído nos n.ºs 3 e 4 do Art.º 412º do C.P.Penal, o que, desde logo, obsta à rejeição dos recursos relativamente à impugnação da matéria de facto.
Além de que, tendo os mesmos por objecto a reapreciação da prova gravada, nunca poderiam ser considerados extemporâneos.
Nestes termos, falece fundamento, ao Mº Pº, quer em 1ª Instância, quer neste Tribunal, no que se reporta às questões que previamente suscitam.

Posto isto, no que concerne à primeira questão, torna-se forçoso referir que, de acordo com o que dispõe o Art.º 1°, alínea g) do C.P.Penal, o relatório social contém a informação sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido, elaborada por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei.
E, nos termos do Art.º 370°, nº 1 do mesmo Código, o tribunal pode, em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social. 
Acontece que a leitura de tal relatório só pode ocorrer se tal for requerido e nos termos do Art.º 371º do C.P.Penal, ou seja, se for decidida a reabertura da audiência para a determinação da sanção (cfr. Art.º 370°, n.º 3 do mesmo Código), sendo certo que, neste caso, está excluída, em regra, a publicidade da mesma (cfr. Art.º 371º, n.º 5 do predito diploma de direito adjectivo penal).
Ora, esta reabertura só ocorre se, após as deliberações a que alude o n.º 1 do Art.º 369° do C.P.Penal, o tribunal considerar necessária a produção de prova suplementar para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar. Se a resposta for negativa, o tribunal delibera e vota sobre a espécie e a medida da sanção a aplicar, sem necessidade de reabrir a audiência.
Desta forma, apenas no caso de o tribunal considerar que há lugar à produção de prova suplementar para determinação da sanção poderá ser requerida a leitura do relatório social. No entanto, o tribunal pode entender que tal não se mostra necessário.
E foi o que aconteceu no caso dos presentes autos, já que o tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre a reabertura da audiência para leitura do relatório social, tendo indeferido tal pretensão (cfr. fls. 4501 a 4507).
Na verdade, afigura-se-nos que o Art.º 370° do C.P.Penal não exige que o relatório social seja requerido e analisado em sede de audiência de discussão e julgamento.
Estabelece tal preceito, conforme se deixou já supra referido que o tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, (…) solicitar a elaboração de relatório social.
Por conseguinte, não decorre do mesmo que o relatório social deva ser pedido em sede de audiência.
Ao invés, tão-somente dele se extrai que o sobredito relatório há-de ser solicitado em qualquer altura do julgamento, ou seja, em qualquer altura da fase de julgamento, a qual se inicia com o saneamento do processo (cfr. Art.º 311º, no qual se inicia o livro VII do C.P.Penal – do julgamento).
Sendo certo que o legislador pretendeu com a supra enunciada redacção e, em nosso entendimento, distinguir a audiência da fase em que a mesma se encerra, ou seja, da fase de julgamento.
Carece, assim, de razão a arguida B... quando sustenta que, in casu, a sede própria para serem requeridos e analisados os relatórios sociais é a audiência de julgamento.
Desta forma, não se estando perante qualquer situação de reabertura da audiência, jamais se poderia concluir pela preclusão da prova produzida nos termos suscitados.
Pelo que, neste tocante, não se verifica ter ocorrido alguma interpretação das sobreditas disposições legais, bem como de quaisquer outras, que se revele inconstitucional, por violação dos princípios vertidos nos Art.ºs 2° e 32°, n.º 5, ambos da C.R.P..  

Em segundo lugar, importa salientar que os actos da audiência devem decorrer, tanto quanto possível, de forma unitária e continuada, perante o estatuído no Art.º 328º do C.P.Penal. 
É que só desta forma se podem fazer valer os princípios da oralidade e da imediação ­que impõem que a audiência decorra na presença dos participantes processuais, numa relação de proximidade comunicante, de forma a que se possa obter uma percepção própria do material que serve de base à decisão.
Exige-se, pois, que o tribunal não estenda temporalmente os momentos em que se hão-de realizar os actos de produção de prova tendentes à consecução do veredicto final.
Por sua vez, não se pode olvidar que a lei distingue entre interrupção e adiamento.
Assim, ocorre uma interrupção quando uma ocorrência contingente e não legalmente prevista surge no decurso de um acto processual, maxime da audiência de julgamento, e o tribunal reputa imprescindível que o acto em execução seja interrompido por um lapso de tempo em regra de curta duração (cfr. Art.º 328º, n.º 4 do C.P.Penal).
O adiamento tem lugar quando surge um motivo legalmente previsto e para os quais a lei concede aos sujeitos processuais direitos que possam ou devam ser exercitados dentro de determinados prazos (cfr. n.º 3 do sobredito normativo).
Destarte, compulsados os autos, importa ter presente que a audiência de julgamento se iniciou no dia 17-02-2009, tendo perdurado durante diversas sessões que decorreram até 04-12-2009, após o que se designou a data de 08-01-2010 para a leitura do acórdão (cfr. fls. 3201 a 3212, 3238 a 3240, 3303 a 3307, 3322 a 3325, 3358 e 3359, 3366 a 3368, 3485 a 3497, 3504 e 3505, 3525 a 3528, 3713 a 3725, 3750 a 3753, 3811 a 3814, 3887 a 3890, 3914 a 3918, 4009-A a 4009-C, 4356 e 4357 e 4388 a 4390).
Por não se mostrarem ainda juntos aos autos os relatórios sociais referidos no despacho de fls. 4392, deu-se sem efeito a data marcada para a leitura do acórdão, sem que se tivesse designado nova data (cfr. fls. 4408).
Após a sobredita junção, procedeu-se à notificação do Mº Pº e de cada um dos arguidos para, querendo, se pronunciarem sobre o teor dos relatórios sociais, sendo que apenas o arguido C... o veio fazer, requerendo a leitura do relatório a ele concernente em audiência e, ainda, a produção de prova a incidir sobre o mesmo (cfr. 4414 a 4450, 4473 e 4481 a 4483).
Indeferida tal pretensão nos termos já supra enunciados, designou-se nova data para leitura do aresto, a qual foi, ainda, adiada para a data de 17-09-2010 (cfr. fls. 4501 a 4507 e 4532).
Assim, compulsados os elementos dos autos, desde logo, se constata que entre as diversas sessões de audiência de julgamento, em que houve produção de prova, não decorreram mais de trinta dias.
O que se verifica é que, de facto, entre o encerramento da produção de prova e a leitura da sentença decorreu um período de tempo superior a trinta dias.
Porém, o disposto no Art.º 328º, n.º 6 do C.P.Penal não tem aplicação ao caso de a leitura da sentença ocorrer depois de ultrapassados 30 dias sobre o encerramento da audiência. E, na verdade, a sua ratio legis confirma a interpretação literal. Devendo a audiência decorrer no mais curto espaço de tempo possível, em consideração dos princípios da oralidade e imediação da prova, a fim de que esta não se esvaneça da mente dos julgadores, a sanção perde a sua razão de ser no caso de simples leitura de sentença (cfr. Acórdão do S.T.J. de 15-10-1997, C. J. - Acórdãos do S.T.J., Ano V – 1997, Tomo III, Págs. 197 e segs.).
Desta forma, afigura-se-nos que, no caso concreto, inexistiu violação do disposto na supra mencionada norma.
E dizemos isto, desde logo, porque a situação em causa não se revela susceptível de enquadramento no conceito de interrupção ou adiamento da audiência de julgamento.
Mais importa referir que, não vislumbramos sequer que, nesta perspectiva, se contrarie, de alguma forma, o entendimento perfilhado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. de 29-10-2008, relatado pelo Exm.º Conselheiro Santos Cabral, in www.dgsi.pt.
Pelo que, mais nada nos resta senão concluir pela inexistência da suscitada preclusão de prova.
Carecendo de fundamento a pretensão da recorrente B... de que, pela interpretação que se fez da supra mencionada norma, terão sido violados, também neste segmento, os princípios vertidos nos Art.ºs 2 e 32º, n.º 5, ambos da C.R.P.

Em terceiro lugar, torna-se imperioso, desde logo, salientar que a diferença existente entre os textos da pronúncia e do aresto em crise, no segmento factual assinalado pelos recorrentes E..., C... e B... não corresponde a qualquer alteração substancial na medida em que não conduziu à integração desses factos em crime diverso relativamente àquele de que os mesmos se encontravam acusados, bem como não se verificou qualquer agravação no limite máximo da moldura penal aplicável ao crime de que se encontravam acusados. Um e outro ficaram rigorosamente na mesma. Por esta via está, pois, afastada a aplicação, in casu, do regime constante do disposto no Art.o 359º do C.P.Penal.
Por sua vez, como se retira por antinomia da definição legal constante da alínea f) do n.° 1 do Art.º 1º C.P.Penal, a alteração não substancial dos factos é aquela que não tem por efeito a imputação de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Em todo o caso, afigura-se-nos que não se pode concluir, sem mais discussão, que qualquer modificação da factualidade provada, em relação ao que se mostre exactamente vertido na redacção da respectiva acusação ou pronúncia, seja merecedora desse qualificativo.
Conforme consta do Acórdão do S.T.J. de 24-01-2002, proferido no processo n.º 1298/99 da 5.a Secção (SASTJ, n.º 57, Pág. 93), a alteração não substancial "pressupõe uma modificação com relevância para a decisão da causa, não bastando para tal que matéria de facto provada não seja inteiramente coincidente com a vertida na acusação".
Basicamente estão presentes nesta matéria duas distintas ordens de preocupações que correspondem a outros tantos princípios de processo penal: o principio acusatório e o da total garantia de defesa do arguido.
De permeio fica a questão do objecto do processo, conceito nuclear no funcionamento de diversos institutos adjectivos v. g. os poderes de cognição do tribunal, a extensão do caso julgado, ou o avaliar a excepção da litispendência, mas que não tem, nem pode ter, uma delimitação conformativa absolutamente milimétrica.
É que não se pode olvidar, desde logo, que sobre o Tribunal recai um principio de investigação (cfr. nomeadamente Art.º 340°, n.º 1, do C.P.Penal), e por isso, como o ensina Castanheira Neves, a identidade do objecto do processo ainda que não deva "ter limites tão largos ou tão indeterminados que anule a garantia implicada pelo principio acusatório e que a definição do objecto do processo se propõe justamente realizar", não poderá “definir-se tão rígida e estreitamente que impeça o esclarecimento suficientemente amplo e adequado da infracção imputada e da correlativa responsabilidade” (cfr. Acórdão da Relação de L... de 31-01-2012, no Processo n.º 947/10.6PEAMD.L1-5, relatado pelo Exm.º Desembargador Luís Gominho, in www.dgsi.pt/jtrl).
Sendo de notar que nem mesmo o principio da identidade que o conforma, postula uma sua igualdade "euclideana", para usar a afirmação sugestiva de Simas Santos e Leal-Henriques (Código de Processo Penal Anotado, 2.ª Edição, II Vol., Pág. 413).
O que se revela necessário, é que estejamos perante uma alteração que efectivamente "mexa" com os direitos do arguido (como se refere no Acórdão desta Relação de 29-11-2007, no Processo n.º 7223/07, relatado pelo Exm.º Desembargador João Carrola, in www.dgsi.pt/jtrl), que postule essa necessidade de defesa.
Assim não acontece, "quando aos factos da acusação se retiram algum ou alguns, isto é se reduz o objecto do processo já que aqueles direitos permanecem intocáveis" (Acórdão da Relação de L... que acaba de se indicar e Acórdão do S.T.J. de 08-11-2007, no processo 07P3164, relatado pelo Exm.º Conselheiro Carmona da Mota, in www.dgsi.pt/jstj), ou "quando os factos são meramente concretizadores ou esclarecedores dos constantes primitivamente da acusação e pronúncia" (v.g. Acórdão da Relação do Porto de 19-11-2008, no processo 0815244, relatado pelo então Exm.º Desembargador Manuel Braz, consultável em www.dgsi.pt/jtrp).
No seguimento do que acaba de se expender, determina o Art.º 358º do C.P.Penal, no seu n.º 1, que: "Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-­lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa."
Do texto legal ora citado extrai-se que qualquer alteração não substancial dos factos só impõe a respectiva comunicação ao arguido quando essa alteração tiver relevo para a decisão da causa.
Nesta perspectiva, "alteração não substancial" constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não tenha relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal.
Destarte, a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.
De todo em todo, verifica-se que os arguidos se encontravam pronunciados pela prática, em co-autoria, de um crime de peculato p. e p. pelo Art.º 20° da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com referência aos Art.ºs 3º, n.º 1, alínea i) do mesmo diploma legal e 26° e 28°, ambos do C. Penal, em concurso aparente com idêntico crime p. e p. pelo Art.º 375°, n.° 1, com referência aos Art.ºs 26° e 386°, n.ºs 2 e 4, todos do C. Penal.
Nessa pronúncia, foram imputados, aos arguidos B..., C..., D... e E..., factos que consubstanciavam a determinação por parte de tais arguidos do recebimento de determinados montantes, quando não o podiam fazer (cfr., designadamente, o Art.º 42º dessa mesma peça processual).
No entanto, a sobredita factualidade continha ainda elementos que apontavam no sentido de que tal determinação era ilegal, uma vez que os montantes em causa excediam os limites legalmente permitidos.
Acontece que o acórdão impugnado decidiu apreciar tão-somente os factos relativos ao primeiro segmento da pronúncia, entendendo que o segundo segmento (saber se os citados montantes se contêm ou não nos limites legais), logo que se apure que os arguidos não tinham competência para se atribuírem as quantias em causa, era irrelevante.
E, fê-lo, nos seguintes termos: “Previamente à indicação da matéria de facto considerada provada e não provada, importa explicitar que, face à conformação da causa decorrente da decisão instrutória e das contestações apresentadas pelos arguidos, está a ser trazida à discussão factualidade que é irrelevante à luz das soluções plausíveis da questão de direito. Na verdade, centrou-se a discussão da causa na circunstância de os arguidos terem recebido montantes que ultrapassam o que é legalmente permitido quando, desde logo face ao que se mostra alegado na pronúncia, o que releva para a decisão é esclarecer se foram os arguidos quem determinou o recebimento desses montantes. Se o pagamento dos montantes for imputado aos arguidos, é irrelevante saber se os mesmos se contêm ou não nos limites legais, pois de todo o modo aqueles não tinham competência para se atribuírem as quantias. Se, por outro lado, o pagamento dos montantes não lhes puder ser imputado, também não influi na decisão da causa o apuramento de tais limites legalmente fixados”.
Ora, ao contrário do que os supra mencionados recorrentes pretendem fazer crer, também o primeiro segmento, aquele sobre o qual se debruçou o tribunal a quo, está contido nos factos descritos na pronúncia, não tendo ocorrido, assim, uma modificação dos factos objecto do processo, mediante a introdução de factos novos, desconhecidos.
É que, de facto, não se nos afigura merecer censura o entendimento que se vislumbra ter sido perfilhado pelo Tribunal de 1ª Instância, nos termos supra exarados, ou seja, de que não vale a pena estar a discutir o mais, ou seja, se os prémios de gestão são superiores ao que era admissível porque os factos ("mínimos") que constam da pronúncia apontam para a prática do crime mesmo sem essa discussão.
O que, desde logo, decorre do circunstancialismo de não ter havido decisão alguma válida de qualquer órgão deliberativo das sociedades (Conselho de Administração ou Assembleia-Geral) que permitisse o pagamento das quantias em causa.
Nesta conformidade, mais nada se pode concluir senão que, in casu, apenas terão sido levadas a cabo pequenas modificações da matéria de facto, visando a melhor concretização das condutas dos arguidos, que, em nosso entender, não se apresentam como susceptíveis de traduzir qualquer alteração, ainda que meramente não substancial, do objecto do processo.
E dizemos isto até porque as mesmas não revelam interesse algum para a decisão da causa, na medida em que o núcleo essencial da factualidade estava já plasmado no despacho de pronúncia.
Sendo mesmo certo que tal resulta, inequivocamente, do acórdão recorrido, quando se afirma que "no que respeita aos arguidos B..., C..., D... e E... corresponde ao que consta da decisão instrutória, embora com diferente redacção…”.
Destarte, à revelia do sustentado, não é aplicável à situação sub judice o regime de comunicação previsto no Art.o 358º do C.P.Penal.
Aliás, no que se reporta ao arguido A..., importa referir, ainda, que, tendo em conta o estatuído no Art.º 358º, n.º 3 do C.P.Penal, o disposto no antecedente n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação.  
Ora, tal como se deixou já supra expendido, os factos objectivos não sofreram qualquer alteração significativa.
Todavia, o tribunal a quo entendeu que a actuação imputada e comprovada configurava uma situação de cumplicidade, e não de co-autoria, do crime de peculato.
Assim, não sendo coincidente a indicação das disposições legais aplicáveis aos factos feita na pronúncia e no acórdão em causa, inexistem dúvidas de que se verifica uma alteração da respectiva qualificação jurídica.
No entanto, pese embora o n.º 3 do Art.º 358° do sobredito Código aluda a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia tout court, o que do ponto de vista literal inculca a ideia de que abrange toda e qualquer alteração, obviamente com a ressalva prevista no n.º 2, segundo a qual se dispensa a comunicação da alteração ao arguido quando resulte de alegação feita pelo mesmo, a verdade é que se vem entendendo que nem toda a alteração implica necessariamente a sua comunicação ao arguido.
A questão da necessidade daquela comunicação tem sido objecto de debate desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal (1987).
Porém, não resulta pacífico o entendimento sobre a obrigatoriedade de comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e concessão ao mesmo de prazo para a defesa.
Com efeito, para além da ressalva contida no supra apontado n.º 2 do Art.º 358º, segundo a qual a alteração não carece de ser comunicada ao arguido, o que bem se percebe, visto que a mesma é resultado de alegação por si produzida, vem-se entendendo que outros casos ocorrem em que é inútil prevenir o arguido da alteração da qualificação jurídica, razão pela qual se considera não dever ter lugar a comunicação.
É que o instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido, pretendendo a lei que aquele não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender.
Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido - n.º 1 do Art.º 32° -, consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado.
Desta forma, atenta a ratio do instituto, vem-se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido – Art.º 32°, n.º 1, da C.R.P. – o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder-lhe prazo para preparação da defesa.
Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou «menos agravado», ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado.
Tal acontece, ainda, face a alteração decorrente da requalificação da participação do agente de co-autoria para autoria, bem como perante alteração resultante da requalificação da culpa do agente de dolo directo para dolo eventual (cfr. acórdão da Relação do Porto de 06-05-2009, proferido no processo 595/08.0GNPRT.P1, relatado pelo Exm.º Desembargador Francisco Marcolino, acessível em www.dgsi.pt/jtrp).
Ou, como se salienta no acórdão recorrido, quando os factos dados como provados representam "menos do que o que consta da decisão instrutória".
Por conseguinte, torna-se forçoso reiterar que, também neste caso, não se impunha a comunicação prevista no supra mencionado Art.º 358° do C.P.Penal, uma vez que não se mostram verificados os respectivos pressupostos.
Em suma, mais nada nos resta concluir senão que nenhuma nulidade se mostra cometida, maxime a que resulta do estabelecido no Art.º 379º, n.º 1, alínea b) do supra mencionado diploma de direito adjectivo penal.
Afigurando-se-nos, de igual modo, que não se efectivou qualquer interpretação dos sobreditos normativos que se apresente como inconstitucional, por desrespeito dos princípios acolhidos nos Art.ºs 2° e 32°, n.ºs 1 e 5, ambos da C.R.P..
Sustentam, ainda, os recorrentes A... e E... que, in casu, se está perante uma verdadeira "decisão surpresa" que nunca lhes foi comunicada para lhes permitir reorganizar a sua estratégia de defesa ou eventualmente suscitar prova suplementar.
Estabelece o Art. 20°, n.° 4 da C.R.P. que "todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
Resulta de vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional o reconhecimento, mesmo fora do domínio processual penal, de que a "garantia da via judiciária – ínsita no Art.º 20° da C.R.P. e a todos conferida para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos – ­envolve não apenas a atribuição aos interessados legítimos do direito de acção judicial, destinado a efectivar todas a situações juridicamente relevantes que o direito substantivo lhes outorgue, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, se deve subordinar a determinados princípios e garantias fundamentais: o princípio da igualdade, do contraditório e (...) a regra do «processo equitativo», expressamente consagrada no n.º 4 daquele preceito constitucional (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 298/2005, de 07-06-2005, relatado pelo Exm.º Conselheiro Mário Torres, acessível em www.dgsi.pt).
Tal princípio foi plasmado no Art.º 3º, n.º 3 do C.P.Civil aplicável ao processo penal por força do Art.º 4° do C.P.Penal.
Diz-nos este preceito legal que “o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo licito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
É verdade que os patronos das partes devem conhecer o direito e, consequentemente, uma vez de posse dos factos, devem, de igual modo, prever todas as qualificações jurídicas de que os mesmos são susceptíveis. Mas também não é menos verdade que todo o efeito surpresa é intrinsecamente malévolo e atentatório do dever de lealdade que deve informar a actividade dos operadores judiciários.
O normativo em apreço não retira ao tribunal a plena liberdade de dizer o direito com independência, o que constitui, de resto, uma das essentialia da função jurisdicional: O que se trata é apenas de evitar, proibindo-as, as decisões-surpresa (cfr. Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 20ª Edição – Abril de 2008, Págs. 53 e 54).
O direito a um processo justo e equitativo encontra, pois, "(...) o seu ancoradouro constitucional no Art.º 20°, n.º 4 da C.R.P. e no Art.º 6.° da C.E.D.H.. Uma das muitas vertentes desta injunção constitucional (...), é o princípio da lealdade processual, ou seja, de que se deve esperar de todos os intervenientes processuais, mormente das magistraturas, uma conduta apoiada nos procedimentos que o processo penal lhe permite e como tal expectáveis, não realizando actos surpresa, contraditórios ou então inúteis (…)” (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 19-09-2007, proferido no processo 0710035, relatado pelo Exm.º Desembargador Joaquim Gomes, acessível em www.dgsi.pt/jtrp).
Destarte, inexistem dúvidas de que a predita norma constitucional, vertida também na lei ordinária, condiciona e fundamenta, também ela, os poderes procedimentais do juiz no processo penal.
Teriam, pois, razão, os recorrentes se estivéssemos perante uma decisão surpresa, ou seja, perante uma questão de direito ou de facto, de que os recorrentes não tivessem conhecimento e a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Mas não foi manifestamente o que ocorreu nos presentes autos, já que todos os factos que fundamentaram a decisão de condenação constavam da acusação e da pronúncia, de acordo com o que se deixou já exarado supra, tendo tido todos os arguidos a possibilidade de os abordarem das mais diversas formas ao longo do processo, mormente, na fase de julgamento.
Não se pode falar, por isso, em qualquer decisão surpresa, nos termos em que tais decisões são proibidas pela C.R.P., pelos normativos convencionais e pela lei ordinária.

Em quarto lugar, verifica-se pretenderem os recorrentes que, face à prova produzida em audiência, seja feita uma outra apreciação, para o que indicam o modo como eles próprios a levariam a cabo.
Esquecem, no entanto, que, nos termos do Art.º 127° do C.P.Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objectivos que determinam uma convicção racional, objectivável e motivável.
Não pode, no entanto, significar que seja totalmente objectiva, já que não pode nunca dissociar-se da pessoa do juiz que a aprecia e na qual “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis - v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova - e mesmo puramente emocionais” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Pág. 205).
Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava a este propósito que “o que está na base do conceito é o princípio da libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas. ...O sistema da prova livre não exclui, e antes pressupõe, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica...” (Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Edição de 1981, Pág. 245).
Neste mesmo sentido, defende o Prof. Cavaleiro de Ferreira que o Julgador é livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório (Curso de Processo Penal, Vol. II, Edição de 1981, Págs. 297 e seg.).
Mais, o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, Edição de 1993, Págs. 111 e seg.).
No que concerne a esta questão, decidiu já o S.T.J. que: “I – Quando o recorrente impugne matéria de facto, para que essa impugnação possa validamente ser tomada em consideração pela Relação, deve aquele especificar, com referência aos suportes técnicos da gravação, as provas que imponham decisão diversa da recorrida, e as que, na sua óptica, devem ser renovadas; II – O princípio contido no Art.º 127º do C.P.P. estabelece três tipos de critérios para a apreciação da prova com características e natureza completamente diferentes: haverá uma apreciação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra, também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, já de carácter eminentemente subjectivo e que resulta da livre convicção do julgador; III – É certo que tudo isto se poderá conjugar, e também é certo que a prova assente ou resultante da livre convicção poderá ser motivada e fundamentada, mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão; IV – Seja como for, a motivação probatória compete sempre aos julgadores e não pode ser posta em confrontação com as convicções pessoais do recorrente; V – Os n.ºs 3 e 4 do Art.º 412° do C.P.P., limitam o julgamento da matéria de facto àqueles factos que referem, mas não permitem o julgamento da globalidade dessa mesma matéria de facto” (Acórdão de 18-01-2001, in Processo n.º 3105/00).
Daí que a apreciação livre da prova não possa ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do Julgador pelos diversos meios de prova.
Por conseguinte, o local ideal para apreciar valorativa e criticamente as provas é, por excelência, a audiência de julgamento, por ser, nesse momento, que o Julgador dispõe das melhores condições para apreciar, designadamente em sede de prova testemunhal, a forma como são prestados os depoimentos, para analisar todas as questões relevantes e susceptíveis de serem ponderadas, de acarear os depoimentos contraditórios e para, de um modo geral, criar a convicção necessária à fixação dos factos.
Todavia, nesta fase e, uma vez colocada em crise a forma como o Tribunal a quo adquiriu a sua convicção, apenas nos é permitido reanalisar as provas produzidas, sem qualquer desrespeito pela convicção que o mesmo formou mas nem sempre, e não necessariamente, com os mesmos resultados, pois este reexame parte de uma análise desinserida das possibilidades que a imediação proporciona.
Aliás, como é manifesto, o Tribunal de recurso não dispõe das vantagens que a imediação proporciona ao tribunal que procedeu ao julgamento.
Pelo que, a ponderação da prova valorada em 1ª Instância será de privilegiar a menos que do reexame dessa prova resulte inequívoco que o tribunal valorou mal as provas ou que usou meios de prova não válidos ou não idóneos ou que as contradições nas provas produzidas conduziram a uma convicção inaceitável, quer por errada ponderação do nível de tais contradições, quer por errada ou não objectiva ponderação do valor de cada meio de prova, quer por errado uso dos princípios de avaliação das provas, como por exemplo do princípio in dubio pro reo.
Reavaliada a prova produzida, a partir das gravações realizadas em audiência, não se vê qualquer razão para discordar da forma como o tribunal formou a sua convicção.
As provas que serviram de base à mesma foram legalmente produzidas e ponderadas dentro das regras da livre convicção do julgador, o qual enunciou as razões da extrapolação a que procedeu.
Não restam também dúvidas de que no aresto recorrido, para fundamentar a convicção formada acerca da prova produzida, de molde a dar como provados os factos supra indicados, se fez apelo ao encadeamento de factos apurados a partir dos vários meios de prova levados a cabo, nomeadamente das declarações dos arguidos, de depoimentos testemunhais consistentes, bem como da necessária prova documental, tudo analisado criticamente e apreciado de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade das coisas.  
De igual modo, existiu, in casu, a preocupação de esclarecer quais as razões que determinaram o percurso lógico, racional e objectivo que levou a que se concluísse pela valoração que se fez dos meios de prova.
O que foi efectivado de forma razoável e de acordo com o respeito pelas regras da experiência da vida, conforme justificadamente foi enunciado e esclarecido em sede própria.
Também não estava vedado o estabelecimento de presunções que, por obediência às supra mencionadas regras, permitissem a partir de uns factos apurados dar outros como provados, designadamente no que se reporta ao elemento subjectivo do tipo de crime em causa.
Importa, por conseguinte, salientar que, de forma genérica, a reapreciação que aqui se faz da forma como o tribunal, no caso sub judice, ponderou a prova produzida e fixou os factos provados não oferece críticas, o que se justificará, de seguida, de forma mais detalhada, já que o papel do tribunal de recurso é de analisar as concretas razões da discordância perante a decisão proferida e de tentar demonstrar aos sujeitos processuais a razão que eventualmente possa assistir ao recorrente ou, pelo contrário, fazer sobressair a falta da mesma.
Ora, prima facie, torna-se forçoso referir que, na verdade, por despacho de subdelegação de competências do Presidente da Câmara de L..., com o número 509/P/2005, publicado em 17-11-2005, no Suplemento ao Boletim Municipal n.º 613, constante de fls. 806 a 811, passou, no âmbito do pelouro das “Empresa Municipais”, a competir ao arguido A...: - Acompanhar a situação patrimonial e financeira, bem como a respectiva execução, das empresas municipais e daquelas nas quais o Município detém participação no respectivo capital social, sem prejuízo das competências da Câmara Municipal e - Representar o Município nas assembleias gerais de empresas nas quais o Município detém participação no respectivo capital social, como é o caso da EP....
Outrossim, verifica-se ser inquestionável que, em dia e hora não concretamente apurados do mês de Novembro de 2005, nas instalações da Câmara Municipal de L..., o arguido A..., no exercício das respectivas funções de vice-presidente da Câmara Municipal de L..., reuniu com o arguido C..., então vogal do Conselho de administração da EP....
Sendo certo que, em tal reunião, esteve igualmente presente a vereadora da Câmara Municipal de L..., com o pelouro do urbanismo, F....
Ora, inexistem dúvidas de que, nessa mesma reunião, o arguido C... suscitou perante o arguido A... a questão de aos administradores da EP... que cumulativamente exerciam funções nas empresas participadas por esta serem atribuídos, por aquelas empresas, montantes a título de “prémio de gestão”.
Na sequencia do que o arguido A... manifestou ao arguido C... a sua concordância em que houvesse lugar à atribuição dos referidos montantes aos administradores da EP... que cumulativamente exerciam funções nas empresas participadas por esta.
Até porque tudo isto, inequivocamente, decorre das declarações prestadas por cada um dos sobreditos arguidos, bem como do depoimento da testemunha F..., que se apresentaram coincidentes na descrição que foi feita da forma como a conversa em apreço ocorreu.
Mais se constata que, depois de aquela reunião ter tido lugar na Câmara Municipal de L..., o arguido C... deu indicações a G..., director de recursos humanos da EP..., no sentido de elaborar um documento designado de “proposta de deliberação” com, para além do mais, o seguinte teor: - Propõe-se a convocação das assembleias-gerais da I......, S.A. e da GF e a apresentação nelas, por parte da EP... enquanto accionista da seguinte proposta: 1. A atribuição de um prémio de gestão de 2004, no valor líquido de 5.357 € (sete mil e quinhentos euros) a cada administrador da I......, S.A. em exercício àquela data; 2. A atribuição de um prémio de gestão referente ao exercício de 2005, no valor líquido de 7.500 € (sete mil e quinhentos euros) a cada administrador da I......, S.A. e da GF em exercício àquela data.
E que, em 25-11-2005, cada um dos arguidos B..., C..., D... e E... assinou tal “proposta de deliberação” e na mesma escreveu “concordo”, tendo ainda a arguida B... acrescentado “a ser ratificado em C.A.”.
A sobredita “proposta de deliberação” foi igualmente subscrita por H... que, desde Janeiro de 2005, exercia funções de vogal do conselho de administração da EP....
De todo o modo, nas assembleias-gerais das empresas I......, S.A. e GF, S.A nunca veio a ser apresentada a aludida proposta de atribuição de “prémios de gestão”.
Como tudo, aliás, resulta das declarações dos arguidos B..., C..., D... e E... e dos depoimentos das testemunhas G... e H..., devidamente conjugados com o teor dos documentos de fls. 477 e de fls. 480 e 481.
Tendo os sobreditos arguidos, em sede de audiência de julgamento, confirmado que, de facto, o documento de fls. 477 corresponde à “proposta de deliberação” que subscreveram.
Por sua vez, depois de a “proposta de deliberação” ter sido subscrita pelos arguidos B..., C..., D... e E... e ainda pelo H... nos termos expostos, foi a mesma entregue nos serviços financeiros/contabilísticos das sociedades I......, S.A. e GF, S.A. que processaram e pagaram as referidas verbas àqueles arguidos.
Desta forma, os arguidos B..., C..., D... e E... obtiveram, pela acumulação de funções nas sociedades participadas I......, S.A. e GF, S.A., para além do referido acréscimo mensal correspondente a 30% do vencimento base, o pagamento de um total, para cada um, de € 12.857,00 líquidos.
Assim, o arguido D..., obteve: a) Da sociedade GF, o pagamento de € 7.500,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2005, sendo que neste ano exerceu funções nesta empresa a partir de 20-04-2005, data da respectiva constituição; b) Da sociedade I......, S.A., o pagamento de € 5.357,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2004.
E, a arguida E..., obteve: a) Da sociedade I......, S.A., o pagamento de € 7.500,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2005; b) Da sociedade I......, S.A., o pagamento de € 5.357,00 líquidos, relativamente ao exercício de 2004, sendo que neste ano exerceu funções nesta empresa a partir de 17-09-2004.
Sendo certo que os montantes descritos, num total global líquido de € 51.428,00, a que corresponde um montante ilíquido de € 74.924,00, foram recebidos pelos arguidos B..., C..., D... e E... no decurso do mês de Fevereiro de 2006.
Verificando-se que a globalidade do que acaba de se expender decorre, quer das declarações dos arguidos B..., C..., D... e E..., quer do teor dos documentos de fls. 343, 390, 392, 394, 396, 397 e 482 a 488, tudo devidamente conjugado.
Já no que diz respeito àquilo que se considerou provado nos pontos n.ºs 37 a 40, torna-se forçoso referir que, conforme infra mais exaustivamente se desenvolverá, não é possível, nesta sede, abordar a questão nos termos suscitados, uma vez que tal matéria necessita de ser complementada, mediante melhor averiguação da situação respeitante ao arguido A....
Outrossim, cada um dos arguidos B..., C..., D... e E... tinha conhecimento dos factos supra descritos a cada um dos mesmos respeitantes, inclusive das funções pelos mesmos desempenhadas e que não lhes era permitido abusar dessas funções para obterem benefícios a que não tivessem direito.
Os arguidos B..., C..., D... e E... tinham também conhecimento de que, enquanto administradores da EP..., única accionista das empresas I......, S.A. e GF, S.A., podiam determinar a vontade destas e, nessa medida, dispor do dinheiro a tais sociedades pertencente.
Mais tinham conhecimento de que, por meio de acordo entre todos estabelecido e em comunhão de esforços e de intenções, estavam a apoderar-se, para fazerem dele o que quisessem, de dinheiro pertencente ao património das empresas I......, S.A., e GF, S.A...
E tinham ainda conhecimento de que não tinham competência para decidir a atribuição para si próprios de montantes alheios de que podiam dispor por força das funções de administradores da EP... que exerciam, a título de “prémio de gestão”, ainda que por força da acumulação de funções em empresas participadas pela EP....
Os arguidos B..., C..., D... e E... quiseram agir pela forma mencionada, com o intuito de fazerem seus os supra referidos montantes, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Sendo certo que toda esta matéria fáctica resulta da conjugação das declarações prestadas pelos cinco arguidos, em sede de audiência de julgamento, com os depoimentos das testemunhas G..., T1…, T2…, T3…, T4…, T5…, T6…, H..., F..., T7… e T8…, com o teor dos documentos constantes de fls. 477, 480, 481, 1166, 817, 819, 825 a 830, 3384, 3385, 3842 a 3874 e 4024 a 4032 e com as regras da experiência comum que foram devidamente enunciadas no acórdão impugnado.
Até porque, relativamente às mesmas, não vislumbramos que a lógica corrente, do homem médio, impusesse, nesta vertente, qualquer outra extrapolação, maxime a sustentada pelos recorrentes.
Nesta perspectiva, torna-se forçoso acrescentar, ainda, que, em nosso entendimento, carece de fundamento a eliminação dos pontos n.ºs 31 e 41º a 45º da matéria de facto dada como assente e a sua consequente substituição por novos pontos, com outra redacção, nos termos pretendidos pela recorrente B....
É, também, inequívoco que, no decurso do mês de Setembro de 2006, na sequência do conhecimento público dos factos e já na pendência deste processo, os arguidos que receberam os montantes supra mencionados, com excepção da arguida B..., procederam à devolução dos mesmos.
O que, desde logo, decorre da ponderação global dos documentos constantes de fls. 107, 108, 480, 481, 501, 502, 508 a 510, 516 a 517 e 562 a 565, bem como das declarações prestadas pela arguida B....
Sendo, aliás, manifesto resultar da sobredita documentação que a devolução dos montantes em causa ocorreu depois de serem publicadas notícias na comunicação social sobre a matéria em apreço nestes autos e de o processo ter sido instaurado, mas antes de o arguido A... ter subscrito o documento de fls. 565.
Finalmente, afigura-se-nos inexistirem dúvidas de que o arguido D... não revelou, ao contrário do pretendido, qualquer tipo de arrependimento.
De todo o modo, quanto aos factos considerados não provados e descriminados nas respectivas alíneas a) e e), tal consideração resultou quer da completa ausência de prova relativamente à concreta data do mês de Novembro em que ocorreu a reunião a que se alude nos supra mencionados pontos n.ºs 22 a 25 (alínea a), quer da circunstância do contrário ter resultado dos meios de prova produzidos nos termos que supra se deixaram exarados quando se abordou a matéria respeitante ao ponto n.º 46.
Aliás, verifica-se ser manifestamente patente que toda a contextualização factual apurada não pode ser posta em causa à luz dos ditames de razoabilidade e das regras do senso comum, da experiência e da lógica, isto até porque não basta aos recorrentes, nas respectivas motivações, apontarem, de forma fragmentada, o que interessa à sua versão dos factos, olvidando-se de frisar tudo o resto que visivelmente serviu de suporte aos fundamentos do aresto ora em causa.
Pelo que, não podem restar dúvidas de que tudo ficou terminantemente apurado em função do Tribunal de 1ª Instância ter tido acesso a outros elementos, nomeadamente como o tom de voz, os gestos, a capacidade física dos intervenientes a cuja audição procedeu, que lhe permitiram estabelecer a sua convicção, a qual, por isso mesmo, não pode ser aqui liminarmente sindicável pela maneira pretendida.
É que, além do mais, a actividade do julgador não se pode resumir a uma mera recepção de declarações, uma vez que não basta que haja pronúncia num determinado sentido, designadamente por parte dos arguidos ou de algumas testemunhas, para que o mesmo seja, sem mais, aceite.
Outrossim, importa sempre valorá-las segundo uma multiplicidade de factores, de que se destacam: as razões de ciência, a espontaneidade, a seriedade, a verosimilhança, as coincidências, as contradições relevantes e irrelevantes, o raciocínio, as lacunas, o tempo que medeia entre a pergunta e a resposta, as pausas e os silêncios.
Enfim, o julgamento da matéria de facto nem sempre tem correspondência directa com certos depoimentos concretos, antes resultando da conjugação lógica e global de toda a prova produzida que tenha merecido a confiança do tribunal.
Somos, ainda, forçados a salientar que, de forma absolutamente legítima, o mecanismo de impugnação da prova previsto no Art.º 412°, n.ºs 3 e 4 do C.P.Penal se destina tão só a corrigir aquilo que se constata serem erros manifestos de julgamento e que resultem ostensivos da leitura do registo de prova, mas nunca a fazer tábua rasa das vantagens da imediação e do principio da livre convicção de quem tem a difícil missão de julgar.
Por conseguinte, ao contrário do sustentado, a prova produzida, articulada na sua globalidade, impõe que se conclua como o fizeram os Srs. Juízes do Tribunal a quo, quer no que releva para aquilo que se considerou como provado, designadamente nos respectivos pontos n.ºs 9, 22 a 31, 34 a 36, 41 a 46 e 145, quer como não provado, maxime nas respectivas alíneas a) e e).
Assim sendo, falece, nesta parte, qualquer tipo de razão aos arguidos E…, D..., C..., B… e A... no que concerne à impugnação da matéria de facto, que, assim, na parte aqui abordada, se dá por definitivamente assente tal como foi descrita e considerada provada em 1ª Instância.

Em quinto lugar, impõe-se, de imediato, dizer que insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados em resultado da discussão.
Daí que a alínea a) do n.º 2 do Art.º 410° do C.P.Penal se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada.
A insuficiência da matéria de facto para a decisão integradora do vício supra mencionado existe, assim, quando se verifica que a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito.
Pelo que, só existe quando o tribunal tiver deixado de investigar factos que podia e devia ter investigado, tornando, pois, a matéria de facto inadequada à subsunção jurídico-criminal, isto é quando inquina a matéria de facto provada de tal maneira que não é possível fundamentar a solução de direito de uma forma correcta e legal.
Contudo, se o recorrente pretende contrapor a convicção que alcançou sobre os factos com a que o Tribunal teve sobre os mesmos livremente e segundo as regras da experiência comum - Art.º 127º do C.P.Penal -, e invoca a alínea a) do n.º 2 do Art.º 410º do C.P.Penal, está a confundir insuficiência da matéria de facto fixada com a insuficiência da prova para decidir (cfr. Acórdão do S.T.J. de 29-04-1992, in Processo n.º 42535).
Do compulsar do processo, resulta que o que os arguidos E..., C... e B... põem em causa é o apuramento da matéria fáctica feito pelo Tribunal, adiantando a forma como eles próprios apreciariam a prova produzida.
Ora, na ordem jurídica portuguesa, tal como já supra se deixou exarado, é estabelecido como critério geral de apreciação a livre convicção ou livre apreciação da prova, de acordo com o constante no já referido Art.º 127º do C.P.Penal.
Assim, ao tribunal superior não cabe fazer um segundo julgamento, mas uma reapreciação da decisão proferida em 1ª instância, limitada ao exame e controle dos elementos probatórios valorados pelo tribunal recorrido, a qual é feita em face das regras da experiência e da lógica.
Deste modo, ao Tribunal da Relação compete verificar a existência da prova, controlar a legalidade desta, inclusive do ponto de vista da observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade e constatar a não adequação lógica da decisão relativamente a ela, afastando, em consequência, qualquer hipótese de os factos dados como provados não passarem de uma mera suspeita ou possibilidade.
E inexistem dúvidas de que tal não acontece, conforme decorre da fundamentação da factualidade dada como assente no aresto recorrido, a qual revela à saciedade a forma como o tribunal chegou à mesma, enunciando-se exaustivamente todo o percurso lógico percorrido.
Sendo certo que, in casu, não se vislumbra qualquer valoração da prova que se possa considerar subjectiva e imotivável.
Pelo contrário, ocorreu uma valoração racional e crítica da prova, levada a cabo de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência (cfr., neste sentido, Acórdãos do T.C. n.ºs 1165/96 e 464/97).
Ainda para mais, de todo em todo, é patente que os factos provados foram minuciosamente apurados, revelando-se suficientes para a decisão de direito, sem que se consiga vislumbrar qualquer lacuna.
E dizemos isto até porque, desde logo, se constata que o Tribunal a quo não deu como provados, nem como não provados, alguns segmentos da matéria de facto constante da decisão instrutória (cfr. fls. 2694 a 2708), bem como a quase totalidade dos factos mencionados nas contestações apresentadas, maxime a do recorrente C... (cfr. fls. 3073 a 3146), por ter acertadamente entendido que tal factualidade não se revelava susceptível de influir na decisão da causa, na perspectiva do que já supra se deixou exarado.
Outrossim, afigura-se-nos que a matéria de facto provada, embora mais restrita do que a alegada na acusação pública e na pronúncia, se apresenta como manifestamente suficiente no que se reporta à decisão de direito proferida.
Desta forma, importa concluir que, nesta parte, não ocorre o alegado vício de insuficiência, uma vez que o tribunal a quo indicou as provas que serviram de base à sua convicção, nos termos do sobredito Art.º 127º do C.P.Penal, sendo os factos provados necessários e suficientes para fornecer um juízo seguro de condenação dos recorrentes E..., D..., C... e B..., como co-autores materiais, de um crime de peculato, p. e p. pelo Art.º 375º, n.º 1 do C. Penal de acordo, aliás, com o que se entendeu no acórdão sob censura.
No entanto, relativamente à posição do arguido A..., já o mesmo não se pode afirmar, uma vez que, compulsada a matéria de facto dada como provada no sobredito aresto, é possível, desde logo, vislumbrar que se verificam algumas lacunas susceptíveis de melhor e mais completa averiguação.
Assim, na verdade, importa esclarecer, definitivamente, se o supra mencionado arguido deu o acordo a que o dinheiro fosse pago nas concretas circunstâncias em que tal ocorreu.
Ou poder-se-á dizer que o acordo pressupunha que, a seguir, houvesse deliberação dos órgãos próprios das empresas em causa?
É que apenas, assim, se poderá chegar a uma conclusão sobre se o predito recorrente tinha conhecimento da globalidade da envolvência fáctica atinente à questão da atribuição dos montantes, a título de “prémios de gestão”, que lhe foi suscitada pelo arguido C... na reunião que teve lugar em dia e hora não concretamente apurados do mês de Novembro de 2005, nas instalações da Câmara Municipal de L....
Além disso, tal averiguação será, também, importante para a concretização do sempre necessário elemento subjectivo, designadamente para se determinar se o arguido A... tinha ainda conhecimento de que, ao agir como o fez, estava a incentivar a atribuição aos administradores da EP... que cumulativamente exerciam funções nas empresas participadas por esta de montantes, a título de “prémio de gestão”, pertencentes ao património dessas empresas participadas pela EP..., bem como, do mesmo modo, se tinha também conhecimento de que os administradores da EP... não tinham competência para decidir a atribuição para si próprios de montantes alheios, a título de “prémio de gestão”, ainda que por força da acumulação de funções em empresas participadas pela EP....
E, ainda assim, se quis agir como o fez, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Nesta conformidade, só tudo o que se deixou consagrado permitirá, sem qualquer margem para dúvidas, decidir, depois, se o arguido A... tem ou não de ser condenado, como cúmplice, de um crime de peculato, p. e p. pelos Art.ºs 27º, n.º 2, 73º, n.º 1, alíneas a) e b) e 375º, n.º 1, todos do C. Penal.
Aliás, verifica-se resultar indubitável, como se deixou, insofismavelmente, demonstrado, e é exigido pelo corpo do n° 2 do Art.º 410° do C.P.Penal, que o aludido vício, de conhecimento oficioso, resulta «...do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum».
Constatando-se, portanto, de forma exuberante, a existência do apontado vício e a impossibilidade de, perante essa ocorrência, se decidir a causa, nesta parte, impõe-se, nos termos do disposto no Art.º 426° do Código de Processo Penal, o reenvio dos autos para novo julgamento do arguido A..., a efectuar nos termos do Art.º 426°-A do C.P.Penal.

Em sexto lugar, torna-se forçoso, desde logo, salientar que a contradição insanável mencionada no Art.º 410º, n.º 2, alínea b) do C.P.Penal só acontece quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação constante do texto da decisão recorrida justifica uma decisão oposta ou quando existe colisão entre os fundamentos invocados.
Neste âmbito, verifica-se que a decisão recorrida espelha uma fundamentação escorreita e lógica que justifica plenamente a decisão tomada.
Desde logo, pelo correcto e exaustivo exame crítico da prova produzida em audiência que foi feito no acórdão sub judice, sem que se consiga vislumbrar qualquer contradição nos termos sobreditos.
É que, na verdade, inexiste a invocada discrepância entre os pontos n.ºs 31º e 39º dados como assentes.
E dizemos isto porque no ponto n.º 39 apenas se faz alusão a uma putativa designação dos montantes em causa como “prémios de gestão”, já que foi assim que os mesmos foram enunciados pelo arguido C... ao arguido A..., aquando da reunião que teve lugar em dia e hora não concretamente apurados do mês de Novembro de 2005, nas instalações da Câmara Municipal de L....
Sendo que, de todo o modo, não se pode olvidar a circunstância da sobredita expressão se encontrar entre aspas, o que é bem revelador do entendimento que sobre a mesma se tomou, designadamente por contraposição ao que consta do ponto n.º 31.
Nesta conformidade, importa concluir que, à revelia do pretendido, não ocorre qualquer contradição insanável da fundamentação ou sequer entre a fundamentação e a decisão.

Em sétimo lugar, importa referir que o vício consagrado no Art.º 410º, n.º 2, alínea c) do C.P.Penal, nas condições em que se encontra legalmente previsto, é, em função da sua natureza ou por definição, intrínseco da decisão recorrida e, como tal, não deve obter raízes no exterior da mesma.
Portanto, só existe erro notório na apreciação da prova quando o mesmo é tão evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta.
A discordância com a decisão do tribunal recorrido no que respeita à forma como este teria apreciado a prova produzida em audiência de julgamento não constitui o vício de erro notório na apreciação da prova.
Também tal vício não se mostra revelado face ao teor do aresto impugnado e, do mesmo modo, quanto à existência do mesmo, não assiste razão às recorrentes E... e B... ao apontá-lo, como o fazem.
Na realidade, afigura-se-nos que estas “ficcionam” a existência de erro notório na apreciação da prova, porque aferem essa existência pela matéria alegada na motivação do recurso, sem correspondência, aliás, nos factos apurados e consoante o foram.
Aliás, conforme já se enunciou, os factos provados conduzem necessária e logicamente à conclusão de que as arguidas E... e B..., bem como os também arguidos D... e C..., praticaram, em co-autoria imediata, um crime de peculato, de acordo com o preceito legal supra citado.
A decisão sob recurso é coerente, dela constando a factualidade que permite integrar os elementos constitutivos de tal ilícito.
 Entendemos, ainda, que não se verificou uma situação de non liquet em questão de prova que devesse ter sido valorada a favor dos recorrentes.
Pelo que, se impõe referir que o acórdão recorrido não violou o princípio constitucional in dubio pro reo, corolário da presunção de inocência (cfr. Art.º 32º, n.º 2 da C.R.P.), isto pela simples razão de que ao tribunal jamais se colocou uma situação de dúvida insanável sobre os factos relevantes para a decisão.
Outrossim, todos os considerandos produzidos apenas traduzem a discordância por parte dos recorrentes no que concerne à factualidade que livremente se apurou, segundo as regras da experiência comum e que, por conseguinte, não pode ser posta em causa através da versão que eles próprios extraíram da prova produzida.
Sendo certo que tal versão, sem margem para qualquer dúvida, mais não visa do que a susceptibilidade de poder configurar a tese por eles defendida de que se deu como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido ou que se retirou de um facto provado uma conclusão ilógica.
Deste modo, não se vislumbra a ocorrência de qualquer erro notório na apreciação da prova susceptível de conduzir à absolvição dos preditos recorrentes quanto ao crime pelo qual vêm condenados.

Em oitavo lugar, não pode, ex ante, deixar de se referir que o Art.º 374º, n.º 2 do C.P.Penal estatui que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Além das provas ou meios de prova que serviram para formar a sua convicção, o tribunal deve fazer consignar os elementos que à formação da mesma conduziram.
A ratio de tal é não só permitir (aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso) o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação dessa convicção como convencer (esses mesmos sujeitos processuais e a própria sociedade) da justeza da decisão.
Por isso, não basta a mera indicação das provas, como se poderia depreender do Art.º 365º, n.º 3 do C.P.Penal, tornando-se, também, necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção.
Mas esta afirmação não significa que, na fundamentação, se mostre necessário verter toda a prova, transformando a sentença numa espécie de «assentada».
Pelo contrário, a supra aludida exigência fica preenchida se, através dela, ficarem expressos os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (cfr. Marques Ferreira, Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, Págs. 229 e seg.).
Todavia, o supra mencionado n.º 2 do Art.º 374º do predito diploma de direito adjectivo penal não pode ser entendido no sentido de que se exige que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico que se encontra na base da sua convicção de dar como provado um determinado facto especialmente quando, relativamente a tal facto, se procedeu a uma dada inferência mediata a partir de outros havidos como provados (cfr. Acórdão do S.T.J. de 29-06-1995, C. J. – Acórdãos do S.T.J., Ano III – 1995, Tomo II, Págs. 254 e segs.).
Ora, dado que o exame crítico das provas deve ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógíco-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, importa referir que basta a análise completa e exaustiva de toda a prova produzida, como efectivamente se fez, para que se possa concluir pela evidente suficiência da fundamentação e motivação elaboradas no acórdão em crise, maxime no que se reporta à pena que, em concreto, se aplicou à recorrente B..., dispensando-se mais quaisquer considerações que só poderiam pecar por despiciendas (cfr. Acórdão do S.T.J. de 07-02-2001, Processo n.º 3998/00 – 3ª, SASTJ, n.º 48, 50, citado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 13ª Edição – 2002, Pág. 739).
Flui, pois, do exposto que, na sobredita decisão, não foi desrespeitado o comando do Art.° 374°, n.° 2 do C.P.Penal.
Nestes termos, ao contrário do pretendido, verifica-se não estar a mesma, patentemente, ferida de nulidade, nos termos do Art.° 379°, n.° l, alínea a) do supra mencionado Código.

Em nono lugar, importa, antes de mais, exarar que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (cfr. Art.º 379º, n.º 1, alínea c) do C.P.Penal).
Ora, defendem os recorrentes C... e A..., nas respectivas motivações, que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, mormente não dando como provados, nem como não provados, alguns dos segmentos de facto constantes da decisão instrutória de fls. 2694 a 2708 dos autos, bem como a quase totalidade dos factos constantes das conclusões das contestações do recorrentes.
Verifica-se, no entanto, que tal pretensão não corresponde à realidade, na medida em que, tendo em conta a perspectiva seguida e que se deixou já supra exarada, o Tribunal a quo acabou por se pronunciar sobre tudo o que considerou relevante para efeito da orientação jurídica que perfilhou em sede da decisão proferida.
Sendo, aliás, inequívoco que uma parte do que foi omitido no tocante à matéria fundamentadora da posição da pronúncia e das contestações era matéria de direito e, por isso, não podia, em qualquer circunstância, ter sido considerada.
Desta forma, mais nada nos resta senão concluir que, de facto, no que à mesma se reporta, inexistiu, pois, qualquer desrespeito pelo primeiro segmento da supra citada disposição legal.
Pelo que, cumpre, assim, afirmar falecer, também nesta parte, fundamento à impetrada nulidade.
Constatando-se, de igual modo, inexistir qualquer desrespeito pelo consagrado nos Art.ºs 2º, 18º, n.º 2, 20º, n.º 1, 29º, n.º 1 e 32º, n.º 1 da C.R.P..

Em décimo lugar, torna-se forçoso, desde logo, salientar que o Art.º 375º, n.º 1 do C. Penal estabelece que o funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Por conseguinte, verifica-se ser dupla a protecção concedida pelo tipo legal de peculato: por um lado, tutela bens jurídicos patrimoniais, na medida em que criminaliza a apropriação ou oneração ilegítima de bens alheios; por outro lado, tutela a probidade e fidelidade dos funcionários para se garantir o bom andamento e a imparcialidade da administração, ou, por outras palavras, a “intangibilidade da legalidade material da administração pública” (cfr. Figueiredo Dias, Actas 1993 438), punindo abusos de cargo ou função.
Integra, pois, o peculato dois elementos: o crime patrimonial e o abuso duma função pública ou equiparada (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Edição de 2001, Pág. 688).
Além disso, o agente do presente tipo legal terá de ser um funcionário, de acordo com os termos do conceito definido no Art.º 386º do supra mencionado Código.
Não basta, no entanto, que se trate de um funcionário, necessário é ainda que este, em razão das suas funções, tenha a posse do bem objecto do crime.
Por sua vez, impõe-se sufragar que o conceito de posse, para efeito do tipo legal em causa, deve, de facto, entender-se em sentido amplo, compreendendo a simples detenção, bem como a posse indirecta - disponibilidade jurídica sem detenção material, ou poder de disposição exercível mediante ordens, requisições ou mandados - (cfr. Nelson Hungria, Comentário ao Código Penal Brasileiro, Vol. IX, 339, citado por Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos, Código Penal Anotado, 2,° Volume, 3.a Edição - 2000, Pág. 1618).
Ora, este conceito lato de posse engloba, assim, quer a situação em que o bem foi entregue ao agente (como é evidente, por titulo não translativo da propriedade, que é o que aqui está em causa) - detenção material -, quer a noção de acessibilidade se a entendermos como sinónimo de disponibilidade (por ter a detenção material ou a disponibilidade jurídica).
Ainda para mais, a posse ou a acessibilidade devem ter-se operado em razão do cargo, devendo existir uma relação de causa e efeito entre este e qualquer daquelas situações.
Outrossim, é a qualidade do agente (e esta relação do agente com o objecto) que torna a ilicitude do crime de peculato mais grave do que a do furto (tipo legal que o peculato consome, salvo nos casos do Art.º 204°, n.º 2 do sobredito Código).
Trata-se, assim, de um crime específico impróprio, tal como correctamente se exarou no acórdão recorrido.
Objecto do crime de peculato é o “dinheiro”, a “coisa móvel”, ou seja, os “valores ou objectos”.
Sendo que, por “dinheiro”, se deve entender, para além da moeda metálica e das notas de banco que tenham curso legal em Portugal ou qualquer país estrangeiro, ainda, de acordo com o conceito amplo que se terá querido imprimir ao conceito, os títulos que devam ser equiparados a dinheiro por exprimirem um valor patrimonial – os cheques e os títulos de crédito em geral, assim como os cartões de garantia ou de crédito.
De todo em todo, a conduta em causa consiste na apropriação ilegítima, sendo que, por apropriação, deve entender-se o acto de fazer seu o bem, agindo como se fosse seu proprietário e não mero possuidor.
Assim, a apropriação é ilegítima, desde logo, porque não deriva de nenhum título aquisitivo de propriedade (cfr. Obra supra citada, Tomo III, Edição de 2001, Págs. 692 a 698).
Nesta conformidade, a apropriação traduz-se sempre, precisamente, na inversão do título de posse ou detenção. Dito por outras palavras, o agente, que recebera a coisa uti alieno, passa, em momento posterior, a comportar-se quanto a ela – naturalmente, através de actos objectivamente idóneos e concludentes, nos termos gerais – uti dominus (cfr. Obra supra citada, Tomo II, Edição de 1999, Pág. 103).
Por outro lado, importa, agora, afirmar que, em face do consagrado no Art.º 386º, n.º 1 do predito diploma de direito substantivo penal, a expressão funcionário abrange, para efeito da lei penal, o funcionário civil (alínea a); o agente administrativo (alínea b); e quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar (alínea c).
Estatui, ainda, o n.º 2 do mesmo normativo que ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
As diversas formas empresariais a que este dispositivo faz referência induzem a concluir que nele se quis abranger o chamado sector público empresarial do Estado (em sentido muito lato), por oposição ao chamado sector público administrativo que caberia, outrossim, no supra citado n.° 1.
No que para o caso sub judice releva, importa realçar que empresas de capitais públicos são empresas em que o capital social é totalmente público (associando o Estado e outras entidades públicas), mas que são constituídas em forma societária e, portanto, segundo um regime de direito privado (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Edição de 2001, Págs. 816 e segs.).
Os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores das empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos e com participação maioritária de capital público são funcionários quer as referidas entidades explorem serviços públicos, quer explorem outros serviços. O propósito do legislador foi manifestamente o de evitar lacunas de punibilidade em relação a “funções” cujo paralelismo com o funcionário era evidente (ver o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 371/83). A ratio da equiparação legal reside, pois, no “estatuto” funcional” dos gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores e não na natureza dos serviços que prestam as pessoas colectivas. O que se compreende, pois a gravidade acrescida do ilícito cometido por estes agentes reside precisamente na violação de certos deveres funcionais e não na natureza pública ou privada do serviço que prestam (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Pág. 915).   
Destarte, resultou provado, in casu, que os arguidos B..., C..., D... e E... se apropriaram de dinheiro público de que, em conjunto, tinham a disponibilidade jurídica, em razão das funções pelos mesmos exercidas.
Na verdade, trata-se de dinheiro pertencente a duas empresas de capitais públicos (na medida em que têm como accionista único a EP...), o qual passou a estar detido materialmente pelos supra mencionados arguidos.
Sendo certo que, no momento em que tal sucedeu, inverteram o título da posse (entendida em sentido amplo) que lhes era anteriormente conferido pela referida disponibilidade jurídica, passando a comportar-se quanto a tal dinheiro como se do mesmo fossem donos, nomeadamente por o terem recebido a título de “prémios de gestão”.
E dizemos isto porque, desde logo, se verifica que todos os sobreditos recorrentes, enquanto membros do conselho de administração da EP..., no que foram acompanhados pelo quinto e último membro desse conselho de administração, apuseram a respectiva assinatura e a expressão “concordo” num documento designado de “proposta de deliberação” com, para além do mais, o seguinte teor: “Propõe-se a convocação das assembleias gerais da I......, S.A. e da GF e a apresentação nelas, por parte da EP... enquanto accionista da seguinte proposta: 1. A atribuição de um prémio de gestão de 2004, no valor líquido de 5.357 € (sete mil e quinhentos euros) a cada administrador da I......, S.A. em exercício àquela data; 2. A atribuição de um prémio de gestão referente ao exercício de 2005, no valor líquido de 7.500 € (sete mil e quinhentos euros) a cada administrador da I......, S.A. e da GF em exercício àquela data”.
Constatando-se, ainda, que a arguida B..., para além da mencionada expressão “concordo”, escreveu ainda “a ser ratificado em CA”.
Todavia, inexistem dúvidas que as assembleias-gerais das empresas I......, S.A. e GF não aprovaram qualquer proposta no sentido de serem pagos os referidos “prémios de gestão”, bem como que aquela proposta de deliberação veio a ser entregue nos serviços financeiros/contabilísticos das sociedades I......, S.A. e GF que, por seu turno, processaram e pagaram as verbas em questão aos arguidos B..., C..., D... e E..., por meio de cheques, cujas cópias se encontram a fls. 347, 348, 390, 392, 394, 396 e 398 dos autos.
Não corresponde, pois, á realidade a pretensão do arguido C... já que a assembleia-geral a que o mesmo alude somente teve lugar depois do sobredito pagamento ter ocorrido.
Por conseguinte, ocorreu uma inequívoca transferência de dinheiro que se traduziu numa apropriação ilegítima do mesmo por parte dos supra mencionados recorrentes, na medida em que não houve deliberação alguma dos órgãos decisórios de qualquer das sociedades I......, S.A. e GF, fosse ele a assembleia-geral, fosse ele o conselho de administração.
Até porque, em tais circunstâncias, ao procederem como procederam, sempre os mesmos estariam a atribuir-se a eles próprios um “prémio de gestão”, o que não lhes era permitido, independentemente do respectivo montante.
Nesta conformidade, não pode deixar de se concluir que, com base na mencionada  expressão "concordo" que cada um apôs no sobredito documento, ou seja, sem fundamento legal algum, os arguidos B..., C..., D... e E... acabaram por ver chegar-lhes às mãos, fazendo-as suas, as importâncias que eram referidas no mesmo.
Assim, somos da opinião que os preditos arguidos não podiam dar ao dinheiro o destino que deram, ou seja, a integração no respectivo património, uma vez que não tinham qualquer base legal para o fazer.    
Por sua vez, sendo até de admitir que as empresas I......, S.A. e GF tivessem um modelo de gestão, de acordo com o que se encontra estatuído no Código das Siciedades Comerciais, como, aliás, decorre da abreviatura “S.A.” (Sociedade Anónima) que ambas assumem na sua designação, certo é que não pode validamente sustentar-se que os respectivos capitais sejam privados.
E dizemos isto, desde logo, porque tais empresas têm como única accionista a EP... (Empresa Pública de …) que é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.
Aliás, não havendo qualquer participação particular nessas empresas, o dinheiro que constitui o respectivo património não pode assumir essa natureza (particular).
Deste modo, em face do exarado, é um facto de que os arguidos B..., C..., D... e E..., atendendo à sua qualidade de gestores de empresas de capitais exclusivamente públicos, têm de ser considerados, à data da prática dos factos, como equiparados a funcionários, para efeitos do estatuído no Art.º 386º, n.º 2 do C. Penal.
Subsequentemente, torna-se forçoso referir que existe co-autoria quando o agente toma parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros.
         São, assim, dois os requisitos:
         - acordo com outro ou outros: esse acordo «tanto pode ser expresso como tácito; mas sempre exigirá, como sempre parece ser de exigir, pelo menos, uma consciência da colaboração (…), a qual, aliás, terá sempre de assumir carácter bilateral» (BMJ 1444-43).
         - participação directa na execução do facto juntamente com outro ou outros: um exercício conjunto no domínio do facto, uma contribuição objectiva para a realização, que tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer parte da «execução» (v.g., a conduta do motorista do veículo onde se deslocam os assaltantes do banco).
         Há ainda, pois, co-autoria quando, embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum.
         Com efeito, para incorrer na co-autoria de um crime precedido de um plano, quando nele participam vários agentes, não é necessário que todos eles tenham tido intervenção na elaboração desse plano. Basta que os vários agentes participem na execução dos actos que integram a conduta criminosa, não sendo, contudo, necessário que intervenha em todos eles desde que actue, conjugadamente e em comunhão de esforços, no sentido de alcançar o objectivo criminoso (cfr. Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos, Código Penal Anotado, 3ª Edição – 2002, 1º Volume. Págs. 339 e segs.).
A co-autoria exige, pois, a verificação do elemento subjectivo (uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado criminoso) e do elemento objectivo (uma execução igualmente conjunta, não sendo, porém, indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar). Pode dizer-se, com o S.T.J. (Acórdão de 89-10-18, BMJ 390-142) que a essência da co-autoria consiste em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas.
Nesta perspectiva, verifica-se, pois, que os arguidos B..., C..., D... e E... actuaram, possuindo o denominado “domínio funcional do facto”, uma vez que cada um deles dominou o facto através de uma divisão de tarefas com os demais e possuindo durante a execução uma função relevante para a realização típica (cfr. Claus Roxin, Autoría y Dominio del Hecho en Derecho Penal…, Págs. 308 e Segs.)..
É que, de todo em todo, a concordância de todos os quatro arguidos para com a aludida “proposta de deliberação” foi essencial para manifestar perante terceiros a vontade da EP..., na qualidade de única accionista das empresas I......, S.A. e GF.
Na verdade, os arguidos B..., C..., D... e E... tinham a disponibilidade jurídica do dinheiro pertencente ao património das empresas I......, S.A. e GF enquanto membros do conselho de administração da EP..., única accionista daquelas duas sociedades.
Por esta razão, cada um daqueles quatro arguidos não podia dispor do dinheiro isoladamente, sem que, pelo menos, a maioria dos cinco membros do conselho de administração da EP... manifestasse a sua posição nesse sentido.
Até porque, no que diz respeito ao crime em causa, se exige uma inequívoca comparticipação necessária (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Edição de 2001, Págs. 701).
Sendo certo que, por esta via, o sobredito ilícito criminal constitui um crime de convergência, na medida em que as contribuições dos vários comparticipantes para o facto se dirigem, da mesma forma e na mesma direcção, à violação do bem jurídico, conforme, de facto, aconteceu.
Outrossim, mais se impõe salientar que o processo causal posto em marcha pelos arguidos B..., C..., D... e E... era, só por si, adequado à produção deste resultado, não tendo ocorrido qualquer “interrupção do nexo causal”, nomeadamente por “intervenção de terceiro”.
E dizemos isto porque, ao subscreverem a “proposta de deliberação” de fls. 477, nos termos em que o fizeram, os sobreditos arguidos criaram um risco proibido para os bens jurídicos tutelados pelo tipo de ilícito de peculato, sendo que a intervenção do terceiro que prematuramente procedeu ao pagamento dos montantes em causa, era altissimamente provável, embora em momento posterior.
Desta forma, inexistem dúvidas de que, perante tudo o que acaba de se expor, o risco proibido criado pelos supra mencionados arguidos conduziu à produção do resultado que, como tal, não pode deixar de lhes ser imputável.
Mais se apurou que cada um dos arguidos B..., C..., D... e E... tinha conhecimento dos factos supra descritos a cada um dos mesmos respeitantes, inclusive das funções pelos mesmos desempenhadas e que não lhes era permitido abusar dessas funções para obterem benefícios a que não tivessem direito, bem como de que, enquanto administradores da EP..., única accionista das empresas I......, S.A. e GF, podiam determinar a vontade destas e, nessa medida, dispor do dinheiro a tais sociedades pertencente
Sendo certo que, de igual modo, tinham conhecimento de que, por meio de acordo entre todos estabelecido e em comunhão de esforços e de intenções, estavam a apoderar-se, para fazerem dele o que quisessem, de dinheiro pertencente ao património das empresas I......, S.A. e GF
E tinham ainda conhecimento de que não tinham competência para decidir a atribuição para si próprios de montantes alheios de que podiam dispor por força das funções de administradores da EP... que exerciam, a título de “prémio de gestão”, ainda que por força da acumulação de funções em empresas participadas pela EP....
Relevando, para além disso, que quiseram agir pela forma mencionada, com o intuito de fazerem seus os supra referidos montantes, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Do que manifestamente decorre que os preditos arguidos agiram dolosamente, maxime com conhecimento (momento intelectual) e com vontade (momento volitivo) de realização do facto.
Aliás, nesta perspectiva, torna-se forçoso salientar que, in casu, a intencionalidade pode ser ainda retirada das grandes diferenças entre os procedimentos normalmente adoptados para atribuição dos “prémios de gestão” e aqueles que foram utilizados na elaboração da proposta de fls. 477, a que aludem os presentes autos.
Os procedimentos normais (desde 1994) na atribuição destes “prémios de gestão” eram os seguintes: A proposta de deliberação era assinada apenas por um administrador da EP... ou pelo director de recursos humanos; Esta proposta era levada ao C. A. da EP... e era aprovada; De seguida era indicado o representante da EP... nas assembleias-gerais das participadas, na situação concreta, I......, S.A. e GF (cfr. por ex. acta n.º 821 do C. A. da EP... de 18-02-2003, a fls. 190 e segs. e proposta de fls. 3877 e 3878). 
Posteriormente, o método adoptado nas assembleias-gerais foi sempre o mesmo: Deliberação sobre a atribuição de prémios aos administradores executivos. Sendo que a aprovação era seguida da indicação nominal de quem receberia prémios e o respectivo montante (cfr. por ex. fls. 879 e segs. – GF e fls. 889 e segs. – I......, S.A., actas das AG´s)
 Nestas actas são referenciados prémios desde 1994 a administradores executivos (em exclusividade nas empresas participadas).
É, pois, manifesto que o comportamento adoptado na situação dos autos se revela único, nunca tendo acontecido nestes moldes: A proposta foi elaborada pelo director de recursos humanos, assinada por todos os membros do C. A. da EP..., não foi, formalmente, ao C. A. e não foi às assembleias-gerais das participadas.
O que não podia deixar de ser do conhecimento dos supra mencionados arguidos, uma vez que tal procedimento foi, de todo em todo, alheio à normalidade.  
E, assim, não pode deixar de se chegar à conclusão que os mesmos cometeram efectivamente, em co-autoria, o crime de peculato p. e p. pelo Art.º 375º, n.º 1 do C. Penal, por se encontrarem reunidos os pressupostos quer objectivos, quer subjectivos, do respectivo tipo legal, não existindo qualquer causa que exclua a ilicitude ou a culpa.
Subsequentemente, estabelece o Art.º 16°, n.º 1 do C. Penal que o erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo
Mais estatui o subsequente n.º 2 que o preceituado no número anterior abrange o erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente.
Ao tentar enquadrar tal preceito estamos ainda perante o erro sobre os elementos do tipo, mas também perante uma falta de conhecimento que deve ser imputada a uma falta de informação ou de esclarecimento.
Pela mesma razão deverá então enfim dizer-se, relativamente a elementos normativos do tipo - seja do tipo incriminador, seja de uma causa justificativa - que à afirmação do dolo basta o conhecimento da significação que àqueles elementos essencialmente corresponde na esfera do leigo, ou o conhecimento dos pressupostos fácticos e jurídicos da qualificação, ou mesmo só os pressupostos fácticos daquela, não sendo necessário o conhecimento da qualificação normativa qua tale” (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Pressupostos da punição e causas que excluem a ilicitude e a culpa, in Jornadas de Direito Criminal – O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, Edição do Centro de Estudos Judiciários, Págs. 73 e 74).
Perante estas considerações e tendo em conta a matéria de facto dada como provada, com especial relevância para as competências de todos os sobreditos arguidos, os conhecimentos que todos manifestaram relativamente ao estatuto que possuíam enquanto membros dos conselhos de administração da EP... e das empresas participadas, mostra-se, de imediato, afastada qualquer possibilidade de estarem em erro sobre os pressupostos de facto ou de direito relativos ao ilícito ora em causa ou sobre qualquer proibição que devessem conhecer.
Finalmente, pese embora seja inequívoco que o arguido A... não praticou, em co-autoria, qualquer crime de peculato, certo é que, de acordo com o que supra se deixou expendido, importa, ainda, esclarecer, devidamente, em novo julgamento, se o mesmo agiu como cúmplice de tal ilícito, o que pode, ainda, levar à sua absolvição, por inexistência dos pressupostos objectivos e subjectivos do respectivo tipo legal.
Nesta perspectiva, pode, pois, afirmar-se que o recurso deduzido pelo mesmo alcançou parcial provimento.

Em último lugar, torna-se forçoso salientar, de imediato, que, para determinação da medida da pena, se teve em conta, no acórdão recorrido, que o grau da ilicitude do facto era mediano e, além disso, que a culpa se revelava intensa, pois a arguida B... agiu com dolo directo.
Consideraram-se, ainda, as condições pessoais e a situação económica de tal arguida, a conduta anterior e posterior ao facto, bem como as acentuadas exigências de prevenção geral positiva.
Por conseguinte, inexistem dúvidas de que, em nosso entendimento, a decisão sobre a medida da pena se encontra criteriosamente fundamentada, tendo o Tribunal a quo feito correcta interpretação quer das normas constitucionais, designadamente do Art.º 18º, n.º 2 da C.R.P., quer dos critérios contidos nas disposições conjugadas dos Art.ºs 40°, n.º 1 e 71°, n.ºs 1 e 2 do C. Penal, também estas enformadas por aqueles princípios.
Outrossim, para fundamentar a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada à sobredita arguida à condição de devolver o dinheiro que recebeu indevidamente, afirmou-se que a mesma "(…) só sentirá a aplicação da pena que lhe foi imposta nestes autos e, portanto, só se atingirá a sua reintegração na sociedade, se a referida suspensão da execução da pena de prisão for subordinada a um dever (...)", o que se nos afigura inquestionável, designadamente ao abrigo do estatuído no Art.º 50º, n.º 2 do C. Penal.
Aliás, nada impede que o Tribunal fixe, como condição de suspensão da pena, o pagamento de um determinado montante, ainda que não haja sido formulado pedido de indemnização civil.
E dizemos isto até porque o pagamento de tal quantia não constitui sequer uma verdadeira indemnização, mas apenas uma compensação destinada ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela de bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (cfr. Acórdão do S.T.J. de 11-06-1997, C. J. - Acórdãos do S.T.J., ano V – 1997, Tomo II, Págs. 226 e segs.).
Por outro lado, não se pode olvidar que a enumeração que consta do n.º 1 do Art.º 51º do C. Penal é meramente exemplificativa, como decorre da expressão “nomeadamente” que, no respectivo texto, se encontra exarada.
Destarte, mesmo que a entrega, à empresa I......, S.A., do montante de € 5.357,00 e, à empresa GF…., do montante de € 7.500,00, não seja directamente enquadrável quer na alínea a), quer na alínea c), da predita norma, impõe-se entender, de forma inequívoca, que se está perante o cumprimento de um dever imposto à condenada e destinado a reparar o mal do crime, de acordo com o estatuído no corpo da mesma.
Sendo certo que não se vislumbra que o entendimento que ora se deixou exarado, de alguma forma, viole o estatuído nos Art.ºs 2º, 18º, n.º 2 e 32º, n.ºs 1 e 5, todos da C.R.P..
Impondo-se referir, ainda, que a interpretação que se fez das sobreditas normas do C. Penal não se revela susceptível de ofender qualquer preceito ou princípio constitucional, maxime os já supra aludidos.        
Nestes termos, mais nada nos resta afirmar senão que carece de fundamento, também nesta parte, a pretensão da recorrente B....

Torna-se forçoso salientar, in fine, que inexiste violação de qualquer disposição legal de natureza penal, processual penal e/ou constitucional e, muito menos, dos preceitos que, nas respectivas motivações, foram mencionados.

*

Em face de tudo o que vem de ser exposto, acordam os juízes em:
A - Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, nessa medida, determinar o reenvio do processo para novo julgamento, na parte que lhe diz respeito, nos termos mencionados no derradeiro segmento da questão abordada em quinto lugar;
B – Negar provimento aos recursos interposto pelos arguidos E…, D..., C... e B….

Custas por cada um dos arguidos E…, D..., C... e B..., fixando-se, respectivamente, a taxa de justiça em 5 UC.
Sem tributação, no que se reporta ao arguido A... (cfr. Art.º 513º, n.º 1 do C.P.Penal).

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2012

Relator: Simões de Carvalho;
Adjunto: Margarida Bacelar;
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[1] Ocorre lapso manifesto, por isso que, como derivado do texto posterior, trata-se antes de Casadinho, o que, doravante, sem necessidade de mais rectificações, se deverá ter em conta para todos os devidos e legais efeitos (Nota do relator nesta Relação).
[2] in www.dgsi.pt.