Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
138/11.9TTBRR.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
AUTO DE NOTÍCIA
INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – O Auto de Notícia levantado pela ACT definiu, quer em termos fácticos, como de direito o conteúdo, alcance, sentido e limites da acusação formulada contra a arguida, tendo sido em função de tais parâmetros formais e materiais que a mesma se defendeu e impugnou a decisão da ACT, aí tendo sustentado a aplicação de um outro Acordo de Empresa e não daquele identificado no Auto de Notícia e na decisão administrativa.
O despacho recorrido extravasa ilicitamente as fronteiras do libelo acusatório ao se fundar também nesse segundo instrumento de regulamentação colectiva para incriminar e sancionar contra-ordenacionalmente a recorrente.
II – Apesar dos Acordos de Empresa se traduzirem numa fonte de direito, reclamam, contudo, para efeitos da sua determinação e aplicação concretas, a necessária convergência de um conjunto de factos, normas legais e procedimentos jurídicos, de índole complexa e mista, conforme decorre do estatuído nos artigos 1.º, número 1, 2.º, 3.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 14.º e 27.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12.
III – O número 1 do artigo 315.º do Código do Trabalho de 2003 consente um quadro muito restrito de alterações convencionais ou contratuais ao seu regime regra, quando estão em causa transferências colectivas de local de trabalho por mudança de estabelecimento.
IV - O carácter imperativo dos números 4 e 5 do artigo 315.º do Código do Trabalho de 2003 fere de nulidade, nos termos do artigo 14.º da Lei n.º 99/2003, de 27/08, as disposições constantes de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que disponham de modo contrário ao aí estipulado e não tenham sido alteradas no prazo de 12 meses a partir da entrada em vigor daquele diploma.
V - Em casos de mudança colectiva de local de trabalho, têm-se, senão como inconstitucionais, pelo menos, como ilegítimas, porque abusivas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do Código Civil, as regras da regulamentação colectiva que exijam a não mudança de local de trabalho para lugar que diste mais de 2 km da residência permanente do empregado, a obrigatoriedade de abertura de novo estabelecimento dentro da mesma localidade ou a exigência de prévio acordo escrito por parte dos trabalhadores transferidos.
VI - A noção de “despesas”, conforme enunciada no número 5 do artigo 315.º, não se traduz no pagamento da remuneração correspondente ao tempo a mais dispendido em deslocações.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO

TST – TRANSPORTES SUL DO TEJO, SA, com sede na Rua Marcos Portugal, n.º 10, Laranjeiro, recorreu para o Tribunal do Trabalho do Barreiro da decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho que lhe aplicou a coima de Euros 8.000,00 pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelas cláusulas 17.ª, números 1, 2 e 3 e 18.ª do Acordo de Empresa celebrado entre a RODOVIÁRIA NACIONAL e a FRESTRU e o artigo 315.º, número 5 do Código de Trabalho de 2009.
Tal decisão da ACT fundou-se no Auto de Notícia levantado no dia 22/09/2008 por uma sua Inspectora e que, junto a fls. 2 e 3 e sendo ainda acompanhado pelos Autos de Declarações de fls. 4 a 27, possuía o teor seguinte:
“T.S.T. – TRANSPORTES SUL DO TEJO, SA, NIPC ..., CAE 49391, com sede em Rua Marcos Portugal, 10 - Laranjeiro - local de trabalho na Rua das Giestas - Chão Duro - Moita, exercendo a actividade de transportes de passageiros, interurbanos em autocarros, na qualidade de entidade empregadora
Por se ter apurado, no decurso de uma visita de Inspector à empresa e pelos documentos que me foram entregues, que a mesma incorreu na violação do:
1.- Cl.ª 17.ª n.ºs 1, 2 e 3, Cl.ª 18.ª do A.E. - Rodoviária Nacional, e a FESTRU, publicado no B.T.E. n.º 45 de 8/12/1983, conjugado com o art.º 315 n.º 5 do C. Trabalho - Lei n.º 99/2003 (Código do Trabalho), de 27 de Agosto (Mobilidade Geográfica))
O que constitui contra-ordenação grave, nos termos do n.º 1 do art.º 687.º do mesmo diploma legal.
A que corresponde a coima de (15 UC) € 1.440,00 a (40 UC) € 3.840,00 em caso de negligência e de (55 UC) € 5.280,00 a (95 UC) € 9.120,00 em caso de dolo, nos termos da al. e) do n.º 3, do art.º 620° do Código do Trabalho;
O que consiste no seguinte:
a) A arguida em Setembro de 2007, mudou as instalações que possuía, quer no Barreiro quer no Montijo, para a Broega - Moita;
b) Estas novas instalações destinaram-se a juntar todos os serviços existentes, na área funcional de todo o sector Montijo/Barreiro, no âmbito da conservação e reparação de viaturas, dos serviços administrativos e parqueamento de viaturas, substituindo as antigas instalações do Barreiro e do Montijo.
c) Com a mudança das instalações ao abrigo do disposição infringida a empresa só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, desde que este de o seu acordo por escrito, em documento de onde constem as condições ou termos dessa transferência. Cl.ª 18.ª), considerando-se como local de trabalho aquele para onde o trabalhador foi contratado. (cl.ª17.ª, n.º 1).
d) Ora como se verificou uma mudança das instalações, os trabalhadores, acataram a ordem de mudança mas a arguida não procedeu ao pagamento das importâncias relativas ao tempo gasto nas deslocações, quer no início quer no final do trabalho. Esse tempo gasto é variável, conforme o local onde habitam os trabalhadores, e que se pode verificar através das declarações prestadas e que se anexam.
e) Face aos factos descritos adverti a empresa T.S.T - TRANSPORTES DO TEJO S.A., para que no prazo de 30 dias úteis, a contar da recepção do auto de advertência, procedesse ao apuramento das importâncias devidas a cada trabalhado, devendo enviar a estes serviços da Autoridade para as Condições do Trabalho o comprovativo do referido pagamento.
A empresa arguida não deu cumprimento tendo-se limitado a responder que os trabalhadores utilizavam os autocarros que circulam a diversas horas para transportar os trabalhadores visados, não tendo por isso em atenção ao tempo a mais por estes despendido, conforme declarações que nos foram prestadas individualmente e que se anexam ao presente auto dele fazendo parte integrante.
Por isso, e em cumprimento da obrigação que me impõe a Lei, levanto o presente Auto de Noticia, o qual afirmo ser verdadeiro como nele se contem e vai assinado por mim.”
Notificada a arguida (fls. 29 e 30), veio a mesma apresentar a oposição de fls. 32 a 35, onde concluiu pela não tipificação dos factos carreados para os autos como uma infracção laboral, pugnando pela sua absolvição da contra-ordenação que lhe era imputada, com o arquivamento do respectivo processo.
O STRUP - SINDICATO DOS TRABALHADORES DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS DE PORTUGAL constituiu-se assistentes nos autos.
A ACT, no quadro da decisão por si proferida, condenou a Arguida T.S.T. - TRANSPORTES SUL DO TEJO, SA, pela violação das Cláusulas 17.ª, n.ºs 1, 2 e 3 e 18.ª do Acordo de Emprego celebrado entre a Rodoviária Nacional e a FESTRU, publicado no B.T.E., n.° 45, de 8/12/1983, conjugado com o artigo 315.°, n.° 5 do Código do Trabalho, numa coima de € 8.000,00 (oito mil Euros), bem como no pagamento das custas a liquidar.
A arguida impugnou essa decisão administrativa e apresentou, no quadro do seu recurso da mesma, as alegações de fls. 64 a 104, tendo a ACT lhes respondido nos termos do articulado e documento de fls. 107 a 111.
Tendo a arguida depositado a coima e as custas, foi (aparentemente) fixado a tal recurso o efeito suspensivo
Recebido o recurso no Tribunal do Trabalho do Barreiro, veio, a fls. 1, o Ministério Público deduzir acusação nos termos previstos no art.º 37.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14/09.
Recebido o recurso pelo juiz, foi proferido o despacho de fls. 115 e com data de 31/03/2011, em que era considerado viável a decisão do recurso da arguida por simples despacho, nos termos do artigo 39.º, números 1 a 3, do citado RPCLSS, não tendo o Ministério Público e a TST - TRANSPORTES SUL DO TEJO, SA se oposto a tal dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de notificados para o efeito.
Foi então proferida a Decisão Judicial de fls. 117 a 121, com data de 29/06/2011, onde, em síntese, foi decidido o seguinte:
“Pelo exposto, nego provimento ao recurso de impugnação judicial da decisão administrativa interposto pela recorrente e, consequentemente, decido:
Manter na sua totalidade a decisão administrativa.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's. Notifique e deposite.
Oportunamente, comunique a presente decisão a autoridade administrativa.”
*
O despacho recorrido fundou-se juridicamente na seguinte argumentação jurídica:
“É imputada à recorrente a prática de uma contra-ordenação por violação do disposto no artigo no 687.º, n.º 1, do Código do Trabalho, (...) violação de disposições dos instrumentos de regulação colectiva de trabalho respeitantes a uma generalidade de trabalhadores (…).
Provaram-se todos os factos relevantes constantes da decisão da autoridade administrativa, designadamente, quanto aos pressupostos subjectivos, tendo em conta o não acatamento da recomendação.
Quanto aos pressupostos objectivos, desde logo, está em causa saber se é aplicável in casu, como entende a ACT, o A.E. celebrado entre a RN e a FESTRU, publicado no BTE n.º 45, de 8 de Dezembro de 1983, ou, como defende a arguida, o A.E. outorgado com o SITRA, a que aderiu o Sindicato Nacional dos Motoristas, publicado no BTE n.º 18, de 15 de Maio de 1992.
A este propósito, diz-nos o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Abril de 2010, processo 1773/04.7TTLSB.L1-4, www.dgsi.pt, que:
Conforme resulta do Decreto-Lei n.º 12/90, de 6 de Janeiro de 1990, a Ré foi constituída em 31 de Janeiro de 1991, por cisão da Rodoviária Nacional, sucedendo nas relações laborais, quer de natureza individual, quer de natureza colectiva, existentes entre a mesma e os trabalhadores ligados aos estabelecimentos que lhe foram transmitidos, nos termos previstos no art. 9.º do Decreto-Lei n.º 519-C/79 de 29.12, que estabelecia: "em caso de cessão, total ou parcial, de uma empresa ou estabelecimento, a entidade patronal ficara obrigada a observar, ate ao termo do respectivo prazo de vigência, o instrumento de regulamentação colectiva que vincula a entidade patronal cedente”:
Assim, conclui-se que será de aplicar o primeiro dos supra referidos A.E. aos trabalhadores que transitaram da RN e os segundo aos contratados posteriormente. Desconhecemos qual a situação dos trabalhadores em causa nos presentes autos.
Porém, entendemos que, num ou noutro caso, sempre terá a arguida que pagar aos trabalhadores, como tempo de trabalho, o tempo acrescido por si utilizado na sequência da alteração do estabelecimento.
Dispõe A.E. celebrado entre a RN e a FESTRU, publicado no BTE n.º 45, de 8 de Dezembro de 1983, que:
Cláusula 17.ª (...) 3. A empresa poderá ainda alterar o local de trabalho dentro da mesma localidade, quando do encerramento (...) do estabelecimento onde o trabalhador presta serviço. (sublinhado nosso)
Clausula 18.ª - A empresa só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, desde que este dê o seu acordo (...)
Ora, situando-se o estabelecimento fora da mesma localidade e não havendo acordo do trabalhador, não resta senão concluir pela ilicitude da sua transferência e, nos termos do disposto no art.º 155.º, do CT2003, ter-se como tempo de trabalho, o tempo acrescido na deslocações, e assim o remunerar.
E não se diga que as mencionadas normas se referem ao local de trabalho e não a uma restrição de mobilidade geográfica, atenta a clareza do supra transcrito n.º 3, da cláusula 17.ª.
Por seu turno, dispõe o Anexo VI ao A.E. outorgado com o SITRA, a que aderiu o Sindicato Nacional dos Motoristas, publicado no BTE n.º 18, de 15 de Maio de 1992, que 1.º (...) a Empresa só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho em caso de encerramento (...) do estabelecimento (...) num raio máximo de 20 km (...) 5.0 Em caso de transferência referida no n. 0 1, ao trabalhador será pago o acréscimo de tempo gasto no trajecto e espera de e para o local de trabalho. (sublinhado nosso)
Ora, também neste caso, apesar da licitude da transferência, haverá que remunerar o acréscimo de tempo usado nas deslocações, o que é coisa diferente da obrigação de disponibilizar aos trabalhadores meios de transporte para o efeito, pressuposto diverso e cumulativo, previsto no art.ºs 3.º e 4.º, do mesmo Anexo VI.
Assim, conclui-se pela existência da contra-ordenação imputada à arguida.”
*
A arguida, notificada de tal despacho e não se conformando como ele, veio interpor recurso do mesmo para este Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos de fls. 126 e seguintes, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
*
O ilustre magistrado do Ministério Público, notificado de tais alegações, veio responder-lhes nos moldes constantes de fls. 156 a 160, tendo concluído as mesas da seguinte forma:
(…)
*
O ilustre magistrado do Ministério Público colocado neste Tribunal da Relação de Lisboa proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fls. 166 a 168).
*
Tendo os autos ido a vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO

O Despacho impugnado considerou a seguinte factualidade provada e não provada:

“I - FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA:

A. A Arguida mantinha até Setembro de 2007, duas instalações sitas no Barreiro e no Montijo.
B. Em dia não concretamente apurado de Setembro de 2007 a Arguida mudou as instalações sites no Barreiro e no Montijo para a Broega - Moita.
C. As instalações sitas na Broega - Moita distam mais de dois km da residência dos trabalhadores identificados no ponto K.
D. A Arguida não obteve acordo escrito dos trabalhadores antes ou depois da alteração do local de trabalho, em documento onde constassem as condições e termos da transferência.
E. As novas instalações sitas na Broega - Moita destinavam-se a juntar todos os serviços existentes na área funcional de todo o sector Montijo/Barreiro âmbito da conservação e reparação de viaturas dos serviços administrativos e parqueamento de viaturas, substituindo as antigas instalações do Barreiro e do Montijo;
F. Os trabalhadores acataram a ordem de mudança de instalações da Arguida;
G. A Arguida não procedeu ao pagamento das importâncias correspondentes ao tempo gasto nas deslocações, que no inicio quer no final do trabalho;
H. O tempo gasto nas deslocações é variável conforme o local onde os trabalhadores habitam;
I. A Arguida foi advertida pela Senhora Inspectora autuante para que, no prazo de 30 dias úteis, a contar da recepção do auto de advertência, procedesse ao apuramento das importâncias devidas a cada trabalhador e a enviar aos serviços da ACT o comprovativo do referido pagamento;
J. A Arguida não deu cumprimento ao auto de advertência;
K. Os trabalhadores (…), com a presente alteração de instalação, viram-se obrigados a utilizar as carreiras normais de transportes nas diversas deslocações quer de manha, quer de regresso a casa;
L. A Arguida agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
M. Ao proceder da forma descrita a Arguida quis que os trabalhadores alterassem o seu local de trabalho sito no Barreiro e no Montijo, para a Broega - Moita, sem previamente obter acordo escrito daqueles.
N. Bem como deliberadamente não procedeu ao pagamento das quantias relativas ao tempo gasto nas deslocações.
O. A Arguida apresentou no Mapa de Quadro de Pessoal de 2006 um volume de negócios de € 49.138.680,90.
*
2 - Não existem factos não provados com relevância.

Não constando da decisão administrativa que os transportes disponibilizados não sejam suficientes e gratuitos, caso se entenda que tal factualidade era necessária para a prática da contra-ordenação, tal omissão apenas poderá favorecer a arguida, levando à sua absolvição.”
*
B – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 33.º, número 1 e 50.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09) e, subsidiariamente, dos artigos 412.º e 420.º, número 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
*
A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Os presentes autos de contra-ordenação conheceram a sua génese no Auto de Notícia de fls. 2 e 3, datado de 22/09/2008, ou seja, quando vigorava, nesta matéria, o regime procedimental constante do Código do Trabalho de 2003 (artigos 630.º a 640.º), os artigos 187.º e seguintes do Código de Processo de Trabalho, na parte aplicável, bem como, em termos subsidiários, o Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10) e o Código de Processo Penal.
Aqueles normativos foram revogados e/ou substituídos, posterior e respectivamente, pelo já aludido Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09) e pelas alterações introduzidas no Código de Processo de Trabalho, pelo Decreto-Lei n.º 259/2009, de 13/10, mantendo-se os demais regimes legais gerais e supletivos, tendo a fase judicial deste processo tido início após essas modificações no nosso panorama legislativo começarem a vigorar (1/10/2009 e 1/1/2010), dado a decisão da ACT só ter sido proferida em 7/02/2011.
Será, portanto, de acordo com o Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09) e com os demais diplomas legais de carácter supletivo, já acima identificados, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de contra-ordenação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, por força do artigo 59.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12 e Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e aplica-se a processos instaurados após essa data, sendo certo que a fase judicial dos presentes autos só foi desencadeada em 3/03/2011, com a impugnação judicial da Decisão da ACT por parte da arguida.
Importa, finalmente, atentar na circunstância de os factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2003 (o actual Código do Trabalho de 2009 entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, em função do regime derivado daquele diploma e da sua Regulamentação (Lei n.º 35/2004, de 29/07) que iremos abordar juridicamente as questões suscitadas neste recurso de contra-ordenação (sem prejuízo da questão da regulamentação colectiva de trabalho aplicável poder ter de ser equacionada juridicamente também à luz da legislação anterior ao Código do Trabalho de 2003).

B – OBJECTO DO RECURSO

O despacho recorrido entendeu – à revelia do que tinha acontecido com a decisão administrativa da ACT, que se havia radicado, unicamente, no AE celebrado entre a Rodoviária Nacional e a FESTRU, publicado no BTE n.º 45 de 08.12.1983, justificando-se tal aplicação pela circunstância do STRUP – SINDICATO DOS TRABALHADORES DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS DE PORTUGAL se encontrar filiado na FESTRU (Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários e Urbanos – CGTP-IN) – que a regulamentação colectiva aplicável ao conjunto de trabalhadores afectados pela actuação alegadamente ilícita e contra-ordenacional da arguida era aquela que se achava vertida, quer naquele instrumento de regulamentação colectiva, quer no que foi indicado pela arguida na impugnação da decisão administrativa apresentada a fls. 64 e seguintes dos autos e que se traduz no AE outorgado entre a RODOVIÁRIA DO SUL DO TEJO, SA com o SITRA (filiado na UGT), a que aderiu o Sindicato Nacional dos Motoristas, publicado no BTE, n.º 18, de 15.05.1992, tendo sustentado tal posição nos seguintes moldes:
“Assim, conclui-se que será de aplicar o primeiro dos supra referidos A.E. aos trabalhadores que transitaram da RN e os segundo aos contratados posteriormente. Desconhecemos qual a situação dos trabalhadores em causa nos presentes autos.
Porém, entendemos que, num ou noutro caso, sempre terá a arguida que pagar aos trabalhadores, como tempo de trabalho, o tempo acrescido por si utilizado na sequência da alteração do estabelecimento.”
Importa referir que tal despacho judicial é de teor praticamente idêntico ao da sentença proferida nos autos de acção declarativa de condenação com processo comum laboral que também correu termos, no Tribunal do Trabalho do Barreiro, sob o número de processo n.º 221/10.8TTBRR e que tendo sido judicialmente impugnada para este Tribunal da Relação de Lisboa, foi alvo de apreciação e julgamento por este mesmo colectivo de juízes, no recurso de Apelação n.º 221/10.8TTBRR.L1, publicado em 25/01/2012.
Ora, tal coincidência, ainda que parcial, entre o objecto deste recurso de contra-ordenação e o do mencionado recurso de Apelação, permite-nos chamar a este Aresto parte da argumentação jurídica que ali desenvolvemos, por nos parecer perfeitamente pertinente e aplicável às questões suscitadas pela arguida nas suas conclusões de recurso.

B1 – CONTRA-ORDENAÇÃO E LIMITES DA CONDENAÇÃO DA ARGUIDA

Importa referir, nesta matéria, que temos sérias dúvidas quanto à legalidade da consideração pelo despacho recorrido, como fundamento da manutenção condenação da arguida na coima de 8.000,00 Euros, do AE outorgado entre a RODOVIÁRIA DO SUL DO TEJO, SA com o SITRA (filiado na UGT), a que aderiu o Sindicato Nacional dos Motoristas, publicado no BTE, n.º 18, de 15.05.1992.
Movemo-nos no quadro de um processo contra-ordenacional, com regras próprias, próximas das vigentes no processo penal, constituindo uma das suas traves mestras os princípios da legalidade, do acusatório e de defesa (cf. artigos 32.º da CRP, 15.º, 17.º, 25.º, 37.º, 39.º, 47.º, 51.º e 60.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), 2.º, 41.º, 43.º, 50.º, 58.º, 62.º, 64.º, 72.º-A e 75.º do RGCO e 2.º, 60.º, 61.º, 62.º, 283.º, 358.º, 359.º e 365.º e seguintes do Código de Processo Penal).
O Auto de Notícia levantado pela ACT definiu, quer em termos fácticos, como de direito - sendo, nesta matéria, as cláusulas 17.ª e 18.ª do AE firmado entre a Rodoviária Nacional e a FESTRU, publicado no BTE n.º 45 de 08.12.1983 e os artigos 315.º, número 5 e 687.º, número 1, do Código do Trabalho de 2003 as normas incriminadoras - o conteúdo, alcance, sentido e limites da acusação formulada contra a TST - TRANSPORTES SUL DO TEJO, SA, tendo sido em função de tais parâmetros formais e materiais que a arguida se defendeu e impugnou a decisão da ACT, tendo, no quadro de tal impugnação sustentado a aplicação daquele Acordo de Empresa e não do identificado no Auto de Notícia e naquela decisão.
Ora, o despacho impugnado baseou-se não só no Acordo de Empresa invocado pela autoridade administrativa para manter a condenação da arguida, como ainda utilizou o instrumento de regulamentação colectiva contraposto pela mesma nas suas alegações de recurso para a também incriminar e sancionar contra-ordenacionalmente, o que nos parece que não podia fazer, por extravasar manifestamente as fronteiras do libelo acusatório e de, alguma maneira, configurar uma situação próxima da “reformatio in pejus” prevista no artigo 72.º-A do RGCO.
Em segundo lugar, ao aplicar ambos os Acordos de Empresa ao quadro fáctico dos autos, introduz no despacho um elemento de indefinição ou incerteza que antes não existia, pois a ACT fazia pressupor, com o Auto de Notícia e sua posterior decisão, que, mal ou bem, todos os trabalhadores visados estavam abrangidos pelo primeiro Acordo de Empresa (FESTRU), o que deixou de acontecer quando se aplicou, de forma imprecisa e indiscriminada, ambos os instrumentos aquele mesmo universo de lesados pela infracção, ficando-se sem saber, ao certo, a identidade e o número de quantos beneficiam do regime de um instrumento ou de outro, sendo certo que os mesmos não são totalmente coincidentes (cf., mais abaixo, o teor de cada um deles, na parte que para aqui importa).

B2 - APLICAÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA CONSIDERADA PELO DESPACHO

Salvo melhor opinião e face à indicada divergência relativamente à regulamentação colectiva aplicável, impunha-se ao tribunal recorrido uma atitude diversa daquela que adoptou no seu despacho e que, ao optar pela aplicação salomónica de ambos os Acordos de Empresa aos trabalhadores da arguida, apesar de ou simplesmente por desconhecer a situação concreta dos mesmos, acaba por deixar na sombra a questão primeira e primordial dos autos e que é a de descortinar os fundamentos de facto e de direito que justificam a aplicação de um instrumento ou do outro ou, porventura de ambos, como foi ali decidido.
Muito embora os referidos Acordos de Empresa – que, legalmente, à data da sua celebração, eram definidos como as convenções colectivas subscritas por associações sindicais e uma só entidade patronal para uma só empresa (artigo 2.º, número 3, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12) – se traduzam numa fonte de direito, certo é que esta, para efeitos da sua aplicação efectiva e concreta e ao contrário da lei, reclama mais do que o simples conhecimento da sua publicação, exigindo a sua precisa determinação a necessária convergência de um conjunto de factos, normas legais e procedimentos jurídicos, de índole complexa e mista, conforme decorre do estatuído nos artigos 1.º, número 1, 2.º, 3.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 14.º e 27.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12 (normas em vigor à data de qualquer um dos instrumentos de regulamentação colectiva indicados pelas partes - cf., nos Código do Trabalho de 2003 e 2009, respectivamente, os artigos 531.º e seguintes e 476.º e seguintes) e à consagração do princípio da liberdade, pluralidade e filiação sindical, sem esquecer as controversas normas transitórias constantes dos artigos 13.º, 14.º e 15.º da Lei n.º 99/2003, de 27/08 e 7.º e 10.º da Lei n.º 7/2009, de 12/02.
O ACT sustenta a aplicação do AE firmado entre a Rodoviária Nacional e a FESTRU, publicado no BTE n.º 45 de 08.12.1983, mas não só ignoramos se os trabalhadores ouvidos em Auto de Declarações se acham filiados em algum sindicato (nomeadamente, no assistente STRUP) e desde quando, como também não conhecemos, por outro lado, o processo de eventual sucessão da arguida na posição, ainda que parcial, da Rodoviária Nacional, fazendo a sentença impugnada, a este respeito, uma alusão indirecta ao Decreto-Lei n.º 12/90, de 6/01, que depois foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 47/91, de 24/01, mas, da consulta de tais diplomas, não ressalta, em concreto, quer a constituição da arguida por cisão da RN, quer o momento em que tal aconteceu, quer, finalmente, os termos, condições e circunstâncias em que a recorrente nasceu para o mundo do direito.
O assistente STRUP foi criado em 2006, por fusão de vários sindicatos sectoriais, em termos geográficos (Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Centro - STTRUC; Sindicato dos Transportes Rodoviários do Distrito de Faro; Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Colectivos do Distrito de Lisboa - TUL; Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários do Sul; Sindicato dos Transportes Rodoviários do Distrito de Vila Real - cf. artigo 90.º, número1 dos respectivos Estatutos publicados no BTE n.º 32, de 30/08/2006).
Partindo do pressuposto que os trabalhadores que fizeram as declarações constantes dos autos são filiados no STRUP, este tribunal de recurso tentou perceber (mais uma vez) e por exemplo, a razão da aplicação do Acordo de Empresa entre a RODOVIÁRIA DO SUL DO TEJO, SA e o SITRA aos mesmos (como defendido pela arguida), mas não conseguiu descortinar a ligação entre uns e outros, nem a existência de um qualquer Acordo de Adesão por parte do STRUP relativamente aquele AE, o mesmo se podendo dizer relativamente ao AE celebrado entre a RN e a FESTRU, pois embora a dita Associação Sindical esteja inscrita na FESTRU, tal instrumento de regulamentação colectiva é muito anterior à sua constituição, ignorando-se quando e em que moldes os trabalhadores alegadamente filiados no referido Sindicato começaram a laborar para a arguida, desconhecendo-se, designadamente, se já prestavam anteriormente serviço para a Rodoviária Nacional (cf., a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/04/2010, processo n.º 1773/04.7TTLDB.L1-4, publicado em www.dgsi.pt).
Há que, a este respeito, levar também em linha de conta o disposto nos artigos 37.º da LCT e 9.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12 e 318.º e 555.º do CT de 2003, pois tudo indica que houve um processo de cisão da RODOVIÁRIA NACIONAL, em data não determinada mas que se admite ter ocorrido no ano de 1992, que deu origem à já aludida RODOVIÁRIA DO SUL DO TEJO, SA, que depois, deu lugar, em circunstâncias ignoradas, à aqui arguida (não sendo de excluir a existência intercalar de outras transmissões reais ou resultantes de meras alterações jurídicas da empresa).
Impunha-se, face a tal sucessão de entidades empresariais e empregadoras, de natureza jurídica diversa – pública e privada – que houvesse certezas – para mais quando estamos face a Acordos de Empresa – quanto à aplicação, no ano de 2007 e à arguida, de qualquer um daqueles instrumentos de regulamentação colectiva.
Temos para nós, portanto, que o tribunal recorrido não estava em condições de, face a essa manifesta insuficiência de factos tendentes a permitir-lhe a opção por um dos instrumentos de Regulamentação Colectiva em detrimento do outro ou, como veio a fazer, pela aplicação de ambos, de escolher e aplicar os Acordos de Empresa que menciona na sua sentença (não deixa de ser sintomático do que acabámos de defender, a afirmação final de tal decisão que deixámos acima transcrita - “Desconhecemos qual a situação dos trabalhadores em causa nos presentes autos” - que se revela mesmo contraditório com tal escolha e aplicação).
Logo, ergue-se aqui um primeiro e essencial obstáculo ao sancionamento contra-ordenacional da arguida, o que, só por si, acarretaria a sua absolvição.

B3 - LOCAL DE TRABALHO - TRANSFERÊNCIA DO LOCAL DE TRABALHO

Alguma da nossa doutrina (v. g., Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho - Parte II - Situações laborais individuais”, Almedina, Julho de 2006, páginas 405 e seguintes) no que concerne ao local de trabalho (que no caso dos autos e para António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2006, página 421, se reconduz “às áreas percorridas na prestação de trabalho”), ao princípio da inamovibilidade do trabalhador (artigos 122.º, alínea f) e 154.º, número 1, do Código do Trabalho de 2003) e à possibilidade da sua modificação unilateral (se houver um efectivo acordo entre trabalhador e empregador acerca de tal mudança, tal alteração ao contrato de trabalho, de índole consensual, sobrepor-se-á ao que anteriormente estava combinado entre as partes a esse mesmo respeito) faz uma distinção entre a modificação do local de trabalho de um trabalhador determinado (regulada nos artigos 315.º e 316.º do Código do Trabalho de 2003) e a mudança de estabelecimento, que acarreta a modificação do local de trabalho de todos os trabalhadores que aí desenvolvem a sua actividade, ou seja, uma mudança colectiva (regulada no artigo 315.º do mesmo texto legal).
Se atentarmos na factualidade dada como provada, facilmente concluímos, a partir dos Pontos A., B. e E. da mesma, que nos achamos face à segunda situação, de mudança ou transferência colectiva (e definitiva):
“A. A Arguida mantinha até Setembro de 2007, duas instalações sitas no Barreiro e no Montijo.
B. Em dia não concretamente apurado de Setembro de 2007 a Arguida mudou as instalações sites no Barreiro e no Montijo para a Broega - Moita.
E. As novas instalações sitas na Broega - Moita destinavam-se a juntar todos os serviços existentes na área funcional de todo o sector Montijo/Barreiro âmbito da conservação e reparação de viaturas dos serviços administrativos e parqueamento de viaturas, substituindo as antigas instalações do Barreiro e do Montijo. ”
Chegados aqui, reproduzamos então tal disposição legal, que regulamenta a segunda hipótese em presença, bem como o artigo 317.º, que define os procedimentos a adoptar pela entidade empregadora em todos os casos de mudança de local de trabalho previstos nos artigos 315.º e 316.º (hoje artigos 194.º e 196.º):

Artigo 315.º
Mobilidade geográfica
1 - O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador.
2 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço.
3 - Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida nos números anteriores.
4 - No caso previsto no n.º 2, o trabalhador pode resolver o contrato se houver prejuízo sério, tendo nesse caso direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º.
5 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência.
(…)
Artigo 317.º
Procedimento
Salvo motivo imprevisível, a decisão de transferência de local de trabalho tem de ser comunicada ao trabalhador, devidamente fundamentada e por escrito, com 30 dias de antecedência, nos casos previstos no artigo 315.º, ou com 8 dias de antecedência, nos casos previstos no artigo 316.º.

A Professora Maria Rosário Palma Ramalho, acerca desta segunda modalidade do instituto (transferência colectiva dos trabalhadores), sustenta o seguinte:
“O regime da mudança do estabelecimento tem pontos comuns com o regime da mudança individual do local de trabalho, mas apresenta também diferenças significativas. Os traços mais importantes da figura são os seguintes:
i) A modificação do local de trabalho decorre da mudança do esta­belecimento, mas, para efeitos desta norma, o termo «estabelecimento» deve ser interpretado em sentido amplo: a mudança do estabelecimento pode respeitar a um dos estabelecimentos do empregador ou apenas a uma parcela desse estabelecimento, bem como à mudança de uma secção da empresa, e à mudança do conjunto ou de parte das suas instalações (art. 315.º, n.º 2 do CT); por outro lado, a norma é extensível aos contratos de traba­lho não empresariais, relativamente aos quais não é adequado o termo «estabelecimento» (a mudança de residência do empre­gador num contrato de trabalho doméstico, por exemplo).
ii) Ao contrário do que sucede com a modificação individual do local de trabalho, a transferência do trabalhador por força da mudança do estabelecimento não depende do interesse da em­presa nem da ausência de prejuízo sério para o trabalhador (art.º 315.º n.º 2), o que se justifica por um motivo de praticabilidade do próprio regime: na verdade, o interesse da empresa é suben­tendido numa decisão de gestão sobre a deslocação de um esta­belecimento ou de um serviço, mas não faz sentido questionar tal decisão, já que ela manifesta o direito de iniciativa económica e de livre gestão dos empresários e não o seu poder directivo: de outra parte, não seria praticável nem admissível obstar à mudança do estabelecimento com fundamento no prejuízo que possa decor­rer dessa mudança para um ou mais trabalhadores determinados. Em suma, a mudança colectiva do local de trabalho é incondicio­nada, porque se reconduz a uma projecção de uma decisão de gestão que ultrapassa a dimensão do próprio contrato de traba­lho, mas que se impõe ao acordo contratual, em nome do princípio da prevalência dos interesses de gestão.
iii) Tal como vimos suceder no caso da mudança individual, também na mudança colectiva a lei prevê que as partes possam alargar ou restringir a faculdade de transferência do trabalhador, em sede do contrato de trabalho (art. 315.° n.º 3). Contudo, não sendo esta mudança colectiva condicionada pelos requisitos da mudança individual, a convenção das partes sobre esta matéria é de reduzido alcance e utilidade – ela apenas poderá ir no sentido de excluir a transferência do trabalhador, mas mesmo uma convenção deste tipo só faz sentido no caso de transferência parcial do estabelecimento.
iv) Não se sujeitando a mudança colectiva aos requisitos da mudança individual, não se coloca a possibilidade de recusa da modificação do local de trabalho pelo trabalhador. Em conse­quência, se o trabalhador não aceitar a novo local de trabalho, a lei atribui-lhe o direito de resolver a contrato se a mudança lhe causar prejuízo sério e com direito à indemnização prevista no art.º 443.º, n.º 1 do CT (é o regime estabelecido pelo art. 315.° n.º 4). Decorre pois claramente deste regime que o requisito do prejuízo sério é um requisito para a resolução do contrato pelo trabalhador (que configura a respectiva justa causa) e não um requisito da modificação do local de trabalho. Tal como se refe­riu em apreciação deste requisito no caso da modificação indivi­dual do local de trabalho, o prejuízo sério não pode ser confun­dido com uma mera inconveniência pessoal do trabalhador e deve ser provado por ele, de acordo com as regras gerais do ónus da prova. Evidentemente, mesmo na ausência de prejuízo sério, o regime geral da denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador (art.ºs 447.º e segs. do CT) permite-lhe sempre fazer cessar o contrato, no caso de não querer acompanhar o estabelecimento; neste caso, o trabalhador terá apenas que respeitar o aviso prévio e não tem direito a qualquer compensação.
Nos restantes aspectos, o regime da mudança colectiva do local de trabalho é idêntico ao regime da mudança individual definitiva. Assim, o empregador deve custear as despesas do trabalhador que resultem da mudança de residência, bem como as que decorram do acréscimo dos custos de deslocação (art. 315.º n.º 5). Por outro lado, a decisão de transferência deve ser comunicada por escrito a cada trabalhador envolvido, com a antecedência de 30 dias sobre a sua efectivação e com indicação do res­pectivo fundamento (art.º 317.º), sendo que, neste caso, o fundamento cor­responde simplesmente a mudança do estabelecimento, ou de parte dele, não sendo, quanto a nós, exigível uma justificação adicional” (sublinhado nosso - cf. a jurisprudência e doutrina referidas por essa mesma autora, bem como, em sentido próximo da dicotomia por ela defendida, em “VII Congresso Nacional do Direito do Trabalho”, Memórias - Coordenação do Prof. Doutor António Moreira, Novembro de 2004, Almedina, as intervenções do Dr. Albino Mendes Batista e de Catarina Carvalho, intituladas, respectivamente, de “Notas sobre a Mobilidade Geográfica dos Trabalhadores”, a páginas 25 a 40, e “A mobilidade geográfica dos trabalhadores no Código do Trabalho”, a páginas 43 a 80, António Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 419 e seguintes; finalmente, Júlio Manuel Vieira Gomes, “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Março de 2007, Coimbra Editora, páginas 636 e seguintes).

B4 – REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA E CÓDIGO DO TRABALHO

Abordando a matéria numa outra perspectiva, chamemos à colação o disposto nos artigos 13.º a 15.º da Lei n.º 99/2003, de 27/08 (quanto ao artigo 13.º, confrontar ainda os artigos 492.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07 – Regulamentação do CR de 2003 – e 1.º, número 4, da Lei n.º 9/2006, de 20/03) para dizer que também aqui se suscitam dúvidas pertinentes quanto à vigência dos referidos Acordos de Empresa.
Olhando para o artigo 315.º do Código do Trabalho de 2003 (e que se mostra acima transcrito), verifica-se que o seu número 3 admite que “Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida nos números anteriores.”
O Professor João Leal Amado no seu “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, páginas 249 e seguintes, acerca do quadro legal derivado do actual Código do Trabalho (artigos 193.º a 196.º), sustenta o seguinte:
“Por seu turno, o n.º 4 do artigo 194.º prescreve que «o empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento». Note-se que, tendo em conta o disposto nos n.ºs 2 e 6 deste artigo, o regime constante do n.º 4 parece possuir um carácter «colectivo-dispositivo», vale dizer, poderá ser livremente afastado por IRCT, mas já não pode ser afastado, em sentido menos favorável para o trabalhador, através de contrato individual de trabalho (338).
(338) Com efeito, o carácter supletivo da norma cinge-se ao seu n.º 1 (cujo regime poderá ser afastado mediante contrato de trabalho, ao abrigo do n.º 2), mas quanto ao disposto no n.º 4 do artigo 194.º vale a directriz fundamental consagrada no artigo 3.º, n.º 4, do CT: as normas legais reguladoras do contrato de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual que estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador (…)
A utilidade do excerto doutrinário antes reproduzido radica na circunstância de inexistir no artigo 315.º do Código de Trabalho de 2003 uma norma correspondente ao número 6 do artigo 194.º (“o disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva do trabalho”) e no facto de parecer vir confirmar o entendimento da nossa doutrina de que, no âmbito do anterior regime, não existia a possibilidade dos números 4 e 5 do artigo 315.º poderem ser modificados, em termos colectivos ou individuais (cf. os autores, obras e locais assinalados no final do ponto anterior).
António Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 433 e 434, sustenta, a este respeito, o seguinte:
“A mencionada possibilidade de alargamento ou restrição da faculdade de transferência, por estipulação contratual, diz naturalmente respeito à faculdade em si – ao espaço de decisão unilateral que é reconhecido ao empregador – e não a todos os aspectos do regime do artigo 315.º CT.
Desde logo, porque está em causa a “amplitude” da referida faculdade, os meios de reacção desenhados no artigo 315.º/4, para a transferência colectiva, mantêm-se utilizáveis em qualquer caso. E o mesmo se dirá da importante disposição que se contém no artigo 315.º/5, acerca do custeio das despesas inerentes à transferência. A norma especifica, com efeito, que se trata de lançar sobre o empregador uma parte das despesas correntes do trabalhador, na situação em que ficará após a mudança – e não só as despesas “directamente impostas pela transferência”, como exigia o direito anterior. A nova regra impõe-se independentemente da latitude com que a mobilidade geográfica seja contratualmente estabelecida.
Também não são alteráveis as exigências procedimentais do artigo 317.º, que constituem inovação do Código: a de comunicação escrita do empregador ao trabalhador anunciando a mudança e os seus fundamentos, com antecedência significativa em relação à data em que deverá ocorrer”. (sublinhados nossos)
Impõe-se também dizer que a mencionada doutrina – sendo claro exemplo de tal tese, a transcrição assinalada acima e atribuída à Professora Maria do Rosário Palma Ramalho -, mesmo quanto ao número 1 do mesmo dispositivo legal, perspectiva um quadro muito restrito de alterações convencionais ou contratuais ao regime regra do artigo 315.º, quando estão em causa transferências colectivas de local de trabalho por mudança de estabelecimento.
Ora, a ser assim e pelo menos no que respeita ao carácter imperativo dos referidos números 4 e 5 do artigo 315.º do Código do Trabalho de 2003, importa atentar no artigo 14.º da Lei n.º 99/2003, de 27/08, que fere de nulidade as disposições constantes de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que disponham de modo contrário às normas imperativas do Código do Trabalho e que não tenham sido alteradas no prazo de 12 meses a partir da entrada em vigor de tal diploma (1/12/2003).
Logo, o Anexo VI do AE do SITRA, em tudo o que contrarie o artigo 315.º, números 4 e 5, do Código do Trabalho de 2003, é nulo (verdadeira grandeza, o seu ponto 5.º).

B5 - INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS 17.ª E 18.ª DO AE CELEBRADO ENTRE A RODOVIÁRIA NACIONAL E A FRESTRU E 17.ª E ANEXO VI DO AE CELEBRADO COM O SITRA

Tendo este cenário fáctico e jurídico como pano de fundo e muito embora tenhamos entendido que a Regulamentação Colectiva em causa não pode ser aplicada aos autos, diremos, ainda que de uma forma muito sintética, que não nos parece curial a interpretação que quer a ACT, quer o tribunal recorrido fazem de, pelo menos, algumas das cláusulas contratuais acima identificadas e que, no que concerne às Cláusulas 17.ª e 18.ª do AE celebrado entre a RODOVIÁRIA NACIONAL e a FRESTRU, têm a seguinte redacção:

Cláusula 17.ª
(Local de Trabalho)
1. Considera-se local de trabalho aquele para onde o trabalhador foi contratado.
2. O local de trabalho pode ser alterado para outro que não diste mais de 2 kms da residência permanente do trabalhador.
3. A empresa poderá ainda alterar o local de trabalho, dentro da mesma localidade, quando do encerramento ou mudança total ou parcial do estabelecimento onde o trabalhador presta serviço.
Cláusula 18.ª
(Transferência do Local de Trabalho)
A empresa só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, desde que este dê o seu acordo por escrito, em documento donde constem as condições ou termos dessa transferência.

Por seu turno, dispõem as Cláusulas 16.ª e 17.ª e o Anexo VI ao A.E. outorgado com o SITRA, a que aderiu o Sindicato Nacional dos Motoristas, publicado no BTE n.º 18, de 15 de Maio de 1992, o seguinte:

Cláusula 16.ª
(Local de Trabalho)
1. Considera-se local de trabalho aquele para onde o trabalhador foi contratado.
2. O local de trabalho pode ser alterado pela Empresa para outro que não diste mais de 2 km da residência permanente do trabalhador.
3. A transferência de local de trabalho é regulada pela cláusula seguinte e pelo Anexo VI.

Cláusula 17.ª
(Transferência do Local de Trabalho)
1. A empresa só poderá transferir o trabalhador, para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar de mudança total ou parcial do estabelecimento onde presta serviço.
2. Poderá igualmente ser transferido o trabalhador sempre que dê o seu acordo por escrito à Empresa, em documento donde constem os termos dessa transferência.
3. A Empresa custeará sempre as despesas feitas pelo trabalhador directamente impostas pela transferência, sempre que a mesma se tenha operado nos termos do número 1 desta cláusula.
ANEXO VI
TRANSFERÊNCIA DO LOCAL DE TRABALHO
1.º Sem prejuízo do disposto na Cláusula 17.ª (Transferência do Local de Trabalho) e do livre acordo entre a Empresa e o trabalhador, a Empresa só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho em caso de encerramento total ou parcial do estabelecimento e desde que lhe garanta colocação nas instalações mais próximas, num raio máximo de 20 km, em funções iguais ou compatíveis com as suas aptidões profissionais.
2.º O trabalhador poderá sempre optar pela rescisão do contrato de trabalho, com direito à indemnização de antiguidade.
3.º A empresa garantirá com recurso aos seus meios e termos normais o transporte de e para o novo local de trabalho.
4.º A Empresa obriga-se a compatibilizar, na medida do possível, os horários de trabalho dos trabalhadores transferidos com os horários dos transportes públicos.
5.º Em caso de transferência referida no n.º 1, ao trabalhador será pago o acréscimo de tempo gasto no trajecto e espera de e para o local de trabalho.
6.º Entende-se por estabelecimento todo o local onde a Transportes Sul do Tejo, SA tenha representação directa através de um corpo funcional e hierárquico dividido sectorialmente ou não.

Olhando para as regras jurídicas constantes de tais Acordos de Empresa, facilmente se depreende que as constantes do primeiro instrumento de regulamentação colectiva não estão equacionadas para uma situação como a dos autos, em que o empregador muda, em termos definitivos, de instalações, concentrando num só local (como parece ser a hipótese dos autos), com o subsequente “abandono” das anteriores, o funcionamento de parte importante da sua estrutura e organização e o desenvolvimento da sua actividade económica, com a inerente transferência colectiva de todos os seus trabalhadores.
Não é concebível que os trabalhadores, individual ou conjuntamente, possam obstar a tal mudança (desde que séria, porque radicada em critérios empresariais lógicos e razoáveis) através da não concessão de acordo escrito à mesma ou que a empresa esteja limitada a efectuar tal transferência de instalações para um lugar que não diste mais de 2 km da residência permanente dos trabalhadores (objectivo só por si materialmente impossível para entidades empregadoras com mais de um ou dois empregados, como é o caso da arguida).
Muito embora sejamos tentados a concordar com a recorrente, quando pretende circunscrever tais normas a hipóteses de transferências individuais de trabalhadores, certo é que aí se alude também a “encerramento ou mudança total ou parcial do estabelecimento”, logo, a potenciais situações de transferência colectiva, que, pelo menos em teoria, podem afectar todo o quadro de pessoal.
Poder-se-á argumentar que, mesmo assim, só se tem em vista a mudança de local de trabalho, encarada em termos individuais, para cada um dos trabalhadores visados e perante a existência simultânea - ainda que sucessiva - de diversos estabelecimentos explorados pela entidade patronal.
De qualquer maneira, independentemente da interpretação mais lata ou restrita que se faça do regime constante dessas duas cláusulas, não podemos deixar, pelo menos em casos como o dos autos (mudança colectiva de local de trabalho), de considerar - senão inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 61.º, 82.º e 86.º da Constituição da República Portuguesa – pelo menos, ilegítimas, porque abusivas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do Código Civil, as exigências de não mudança de local de trabalho para lugar que diste mais de 2 km da residência permanente do empregado, a obrigatoriedade de abertura de novo estabelecimento dentro da mesma localidade ou a exigência de prévio acordo escrito por parte dos trabalhadores transferidos.
Olhando agora para as cláusulas e anexo do segundo Acordo de Empresa, que regulam quer a mudança individual de local de trabalho como a colectiva, nos moldes já acima referenciados, afigura-se-nos que as normas constantes da cláusula 16.ª, número 2 e 17.ª, número 1, 1.ª parte e 2 estão direccionadas para situações de mudança de local de trabalho configuráveis como transferências individuais (afectem um ou mais trabalhadores).
A cláusula 17.ª, número 2.ª parte e o Anexo (apesar da sua difícil conciliação, senão mesmo efectiva contradição) parecem contemplar, exclusiva ou cumulativamente, hipóteses de transferência colectiva e definitiva de todos ou grande parte dos trabalhadores, como a que temos presente nesta processo, conforme decorre das expressões mudança total ou parcial do estabelecimento onde presta serviço (preâmbulo do Anexo) ou encerramento total ou parcial do estabelecimento (cláusula 17.ª), pretendendo-se quantificar ou definir no segundo texto o prejuízo sério para efeitos de resolução do contrato de trabalho (distância máxima de 20 km do estabelecimento encerrado ou mudado).
Logo, face à análise dos Acordos de Empresa considerados pela sentença recorrida, que acima deixámos concretizada e ainda que os mesmos fossem aplicáveis ao pleito em presença, nunca poderíamos estar de acordo com as decisões administrativa e/ou judicial, quando, para qualificar como ilícita a transferência dos autos, estribam o seu juízo nas aludidas cláusulas 17.ª e 18.ª do AE entre a RN e a FESTRU (“Ora, situando-se o estabelecimento fora da mesma localidade e não havendo acordo do trabalhador, não resta senão concluir pela ilicitude da sua transferência e, nos termos do disposto no art.º 155.º, do Código do Trabalho 2003, ter-se como tempo de trabalho, o tempo acrescido na deslocações, e assim o remunerar.”) ou consideram a referida distância de 20 km, que, contudo, não pode ser impeditiva da mudança, total ou parcial, de estabelecimento (pelos motivos já acima referidos quanto ao primeiro instrumento de regulamentação colectiva), mas serve apenas como medida limite aferidora do prejuízo sério que é reclamado pela resolução do contrato de trabalho com justa causa.

B5 - ARTIGO 155.º DO CÓDIGO DO TRABALHO

Analisemos agora o exacto sentido e alcance do artigo 155.º do Código do Trabalho de 2003 (o aplicável à data da mudança de instalações ocorrida no ano de 2007), atendendo ao teor da decisão tomada pelo Tribunal do Trabalho do Barreiro:

Artigo 155.º
Tempo de trabalho
Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador está a desempenhar a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no artigo seguinte.

Será que do cruzamento dessa disposição com o estatuído no artigo 315.º do mesmo diploma legal (com especial relevância para o seu número 5, que reza que “O empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência”), se poderá efectivamente concluir pela obrigação da Ré em pagar o tempo de deslocação entre as suas novas instalações e as residências dos seus trabalhadores como se de efectivo tempo de trabalho se tratasse?
Salvo melhor opinião (e à falta de uma regra convencional que o determine, como o ponto 5 do aludido Anexo V), afigura-se-nos que não é possível extrair tal interpretação de qualquer uma das normas, ainda que conjugadas entre si.
Acerca do estatuído no artigo 315.º, número 5 do Código do Trabalho de 2003 (hoje, o artigo 194.º, número 4), diz Albino Batista, na obra e local citados, página 35, que “estão assim incluídas, agora mais claramente, nos casos em que não há mudança de residência, as despesas decorrentes do agravamento do custo dos transportes quando o trabalhador prefira manter a sua antiga residência ou não consiga habitação tão próxima do local de trabalho como a anterior.
O legislador quis, segundo julgo, restringir as despesas a suportar pelo empregador ao acréscimo do preço dos transportes ou às maiores despesas derivadas da utilização de viatura própria”.
Júlio Gomes, obra e local citados, página 646, defende, por seu turno, que “o preceito tem o inegável mérito de não deixar dúvidas, quanto a nós, de que o empregador deverá pagar o aumento de despesas de transporte resultante da transferência, regime que já defendíamos face à lei anterior, mas que era questionado por alguns. Parece-nos, de facto, da mais elementar justiça que seja o empregador a suportar esses custos, já que a mudança de lugar de trabalho foi da sua iniciativa - ou melhor, foi imposta por ele - e no seu interesse, não se vislumbrando qualquer razão para que o empregado deva suportá-los do seu bolso”. (cf., em sentido divergente, Maria do Rosário Palma Ramalho, obra e local citados, Nota 418, a página 417)
Catarina Carvalho, na obra e local citados, página 67, refere a propósito das despesas que o empregador deve suportar em função da transferência do local de trabalho: “Parece decorrer da norma que não está abrangido pelo conceito de despesa o acréscimo de tempo dispendido pelo trabalhador para chegar ao seu local de trabalho, nem diferença de preço das refeições, da escola dos filhos, etc.” (esta autora indica como professando a mesma posição, Pedro Madeira de Brito, AAVV, “Código do Trabalho Anotado”, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2004, página 483).
Logo, não é possível reconduzir à noção de “despesas”, conforme enunciadas no número 5 do artigo 315.º, o pagamento da remuneração correspondente ao tempo a mais dispendido em deslocações, como parece ressaltar dos pontos 9.º, 13.º e 14.º da factualidade dada como provada (muito embora não se saiba ao certo qual a exacta diferença, para cada um dos trabalhadores representados pelo STRUP, entre o tempo que gastavam na deslocação para o seu anterior local de trabalho, sito no Montijo ou no Barreiro e o tempo que agora levam a chegar ao seu novo local de trabalho, situado na Broega, Moita).
Sendo assim, a pretensa contra-ordenação presenciada pela Senhora Inspectora da ACT, vertida no Auto de Notícia e acolhida pela sentença recorrida não tem, em nosso entender, cobertura legal.
Logo, o presente recurso tem, também por tal motivo, de ser julgado procedente, com a inerente revogação do despacho recorrido.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso interposto por TST – TRANSPORTES SUL DO TEJO, SA, nessa medida se revogando o despacho recorrido e absolvendo-se a arguida da contra-ordenação contra ela imputada e da coima em que foi condenada.

Sem custas.

Registe e notifique.

Após trânsito em julgado deste Aresto, comunique à ACT, com cópia certificada do mesmo.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2012

José Eduardo Sapateiro
Maria José Costa Pinto
Decisão Texto Integral: