Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
306/10.0TTALM.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
EFEITOS
SALÁRIOS INTERCALARES
DEDUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I – A razão de ser da norma que limita o valor das retribuições intercalares às que se vencerem desde 30 dias antes da propositura da acção é sancionar a negligência do trabalhador despedido, especificamente a sua inércia na propositura da acção contra o seu empregador.
II – Se o trabalhador não intenta a acção comum de impugnação de despedimento dentro dos 30 dias subsequentes ao despedimento, extingue-se, por caducidade, o direito aos salários intercalares que se vencerem entre o despedimento e o 30.º dia anterior aquela propositura – cfr. o art. 298º do Código Civil.
III – Da conjugação do artigo 289.º, n.º 2, do Código de Processo Civil com os artigos 332.º, n.º 1, e 327, n.º 3, ambos do Código Civil, resulta que, no que à caducidade diz respeito, os efeitos civis da propositura da acção que terminou por absolvição da instância se mantêm nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão, desde que a absolvição por motivo processual não se deva a culpa do titular do direito quanto ao modo como propôs e fundamentou em juízo a primeira acção.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                                                                                                                    П
1. Relatório
1.1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra BB, S.A, pedindo que:
a) seja declarado nulo o termo estipulado na 1ª e subsequentes renovações do contrato a termo celebrado entre o A. e a R. em 2.12.2002;
b) seja o despedimento do A. ilícito;
c) seja a R. condenada a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
d) seja a R. condenada a pagar todas as retribuições que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito da sentença, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde o seu vencimento e até integral pagamento.
Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: que trabalhou ao serviço da CC, S.A., mediante contrato de trabalho a termo, duas vezes renovado, sendo ainda renovado uma 3.ª vez com a R., já depois da transferência do estabelecimento da primeira para esta; que nos termos do art.º 44.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 64-A/89, não era possível mais de duas renovações e no máximo de 3 anos consecutivos, pelo que a 3.ª renovação foi ilegal; que os motivos invocados para a 1.ª renovação não são os mesmos do início e não é definido com precisão o serviço temporário nem a relação entre o motivo invocado e o termo, nem corresponde à realidade, sendo que as funções desenvolvidas pelo A. têm carácter permanente; que a estipulação do termo aposta nas renovações é nula, convertendo-se em contrato sem termo e que a R. o despediu sem justa causa e sem procedimento disciplinar em 2008.12.01.
Realizada a audiência de partes, a R. apresentou contestação na qual alegou, em síntese: que se verifica a prescrição do direito que o A. pretende exercer; que o A. foi contratado para satisfazer uma necessidade temporária relacionada com o arranque de nova actividade – novo estabelecimento de aciaria eléctrica – na fábrica do Seixal e, após os 6 meses iniciais estando a R. numa fase de satisfação de encomendas de excepção, houve renovação por um ano; que no fim deste período surgiram novas encomendas excepcionais, que se previam satisfeitas em 18 meses e que a última renovação é possível ao abrigo do Código do Trabalho de 2003, por força do art.º 21.º, alínea m) da Lei preambular (que revogou o Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27.2) e do artigo 8º (que consagrou a aplicação imediata do Código do Trabalho aos contratos em vigor) e que já pagou ao A. € 5.425,92 a título de compensação pela cessação do contrato, que deverá ser deduzida nos termos do artigo 437.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
O A. respondeu à contestação defendendo a improcedência da suscitada excepção.
Foi dispensada a fixação de matéria de facto assente, bem como a organização de base instrutória e proferido despacho saneador, em que se julgou improcedente a excepção da prescrição pelo facto de a R. ter sido citada em 2009.05.29, como interveniente, na acção n.º 1925/08.0TTALM, que o A. moveu contra a CC, S.A., nessa ocasião se interrompendo a prescrição nos termos do preceituado no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil.
Realizado o julgamento – no decurso do qual o A. optou pela reintegração – e decidida a matéria de facto sem reclamação (fls. 100 e ss.), foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto julgo a acção procedente por provada, e em consequência:
a) declaro nulo o termo estipulado na 1ª e subsequentes renovações do contrato a termo celebrado entre o A. e a R. em 2.12.2002, que é assim um contrato por tempo indeterminado;
b) declaro o despedimento do A. ilícito;
c) condeno a R. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
d) condeno a R. a pagar todas as retribuições que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito da sentença, que em 1.6.11 ascendem (deduzida a quantia já paga ao A. pela R.) a quarenta mil trezentos e oitenta e seis euros e vinte e oito cêntimos (€ 40.386,28), mas a que há que deduzir as quantias já recebidas a titulo de subsidio de desemprego, que a R. deverá entregar directamente à Segurança Social, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde o seu vencimento e até integral pagamento”.
 
1.2. A R., inconformada interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
(…)
1.3. O A. respondeu pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
Concluiu do seguinte modo:
(…)
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 176.
1.5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal, em douto parecer que não mereceu resposta das partes, opinou pela improcedência do recurso.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
                                                                                                                                    *
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – duas questões se colocam à apreciação deste tribunal:
1.ª – a de saber se são, ou não, válidas as renovações do contrato de trabalho a termo resolutivo que se firmou entre o A. e a CC, S.A., e se transmitiu à R. [conclusões A) a L)];
2.ª – concluindo-se pela invalidade das renovações do contrato de trabalho a termo e pela verificação de um despedimento ilícito, com o inerente reconhecimento ao A. do direito às denominadas retribuições intercalares, a de saber desde quando são as mesmas devidas [conclusões A) a L)].
                                                                                                                                    *
3. Fundamentação de facto
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
Admitidos por acordo, art.º 646/4, Código de Processo Civil:
1. O A. foi admitido em 02.12.2002, com a categoria de profissional de serviços de produção para exercer as funções na máquina de vazamento continuo nas instalações da CC, SA por sua conta, sob sua autoridade e direcção ao abrigo do designado contrato individual de trabalho a termo certo junto aos autos como doc. nº 1, cujo teor dou por reproduzido (art.º 1 e 5 pi e 10, 1ª parte, cont..).
2. O A. trabalhava 40 horas semanais, em horários que integravam três turnos rotativos (00h00m às 08h00m; 08h00m às 16h00m; 16h00m às 24h00m), integrando à data do despedimento a Letra A (2 pi).
3. O A. auferia actualmente, mensalmente, o vencimento base de € 817,16 acrescido de subsídio de turno de € 215,38, subsídio de refeição de € 8,77 diário, subsidio de transporte fixo de € 27,50, subsidio de assiduidade de € 49,03 e prémio de produtividade de € 166,56 e recebia ainda um prémio de assiduidade anual correspondente a 52% da retribuição (3 e 4 pi).
4. Após o final do termo do contrato, em 1.06.2003, a CC SA e o A. celebraram, em 02.06.2003, o “acordo de renovação do contrato de trabalho a termo certo” pelo qual renovaram o contrato celebrado em 01.12.2002. pelo prazo de um ano com términos em 1.06.2004, junto com a p.i. como doc. nº 5, cujo teor dou por reproduzido (6 e 7 pi).
5. Em 1.06.2004 a CC, SA e o A. celebraram, em 02.06.2004, o “acordo de renovação do contrato de trabalho a termo certo” pelo qual renovaram o contrato celebrado em 01.12.2002. pelo prazo de dezoito meses com términos em 1.12.2005 junto com a p.i. como doc. nº 6, cujo teor dou por reproduzido (8 e 9 pi).
6. Em data anterior a 02 de Dezembro de 2005 a CC SA transmitiu o seu estabelecimento industrial onde o A trabalhava para a BB S.A., ora R. transmitindo-se automaticamente a posição de empregador, posição que assumiu na celebração do acordo de renovação do contrato de trabalho a termo certo, pelo qual renovaram o contrato celebrado em 01/12/2005 pelo prazo de três anos com términos em 01/12/2008 junto com a p.i. como doc. nº 7, cujo teor dou por reproduzido (10 e 11 pi).
7. Dá-se por reproduzido o teor do documento n.º 8 junto com a p.i., que constitui carta datada de 18 de Novembro de 2008 pela qual a R. comunicou ao A. a caducidade do contrato celebrado em 01.12.2002 para 1 de Dezembro de 2008 12.
8. O A. recebeu da R. a título de compensação a quantia de € 5.425,92 (42 pi e 39 cont.).
Provados da p.i.
9. A máquina de vazamento contínuo onde o A. exercia funções faz parte da actividade de aciaria da R., encontrava-se na posição 3ª (1ª forno eléctrico; 2ª forno panela; vazamento) e nela é transformado o aço líquido em sólido, objectivo final da produção (20).
10. A máquina de vazamento contínuo onde o A. laborava tem que trabalhar permanentemente para existir produção (21).
Da contestação -
11. Em 2002 a R. arrancou com uma nova actividade na fábrica do Seixal, a aciaria eléctrica (sendo anteriormente o aço adquirido designadamente à fábrica da Maia) (10 2ª parte).
12. Em finais de Maio de 2003 e em 2004 a R. tinha um número significativo de encomendas, bastante superior ao actual, que lhe exigia um nível elevado de produção (12, 13, 14 e 17).
13. A procura dos produtos da R. varia consoante as condições do mercado permitindo, a partir dessa estabilidade, a retoma do quadro normal de trabalhadores e a natural dispensa do A., através de declaração de caducidade do seu contrato de trabalho (15, 16).
[...]».
Estes os factos a atender para resolver as questões postas no recurso uma vez que no caso sub judice não foi impugnada a matéria de facto e não ocorre qualquer das situações que autorizam o Tribunal da Relação a alterá-la oficiosamente ou a determinar a sua ampliação (cfr. o artigo 712.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
                                                                                                                                               *
4. Fundamentação de direito
                                                                                                                                               *
4.1. As questões a analisar nos presentes autos deverão sê-lo, sucessivamente, à luz do regime jurídico constante da LCCT (Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, uma vez que o contrato que integra a causa de pedir da presente acção foi celebrado e renovado pela primeira vez em plena vigência da LCCT e está em causa aferir das suas condições de validade, mas as suas subsequentes renovações e extinção ocorreram já na vigência do Código do Trabalho de 2003, pelo que a tais aspectos já este diploma logrará aplicação [cfr. os artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto].
                                                                                                                                               *
4.2. Na disciplina da LCCT (Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro), a celebração de contrato de trabalho a termo era, excepcionalmente, permitida, entre outros casos, quando justificada por “[l]ançamento de nova actividade de duração incerta, bem como o início de laboração de uma empresa ou estabelecimento” – artigo 41.º, n.º 1, al. e) – ou por “[e]xecução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro” – artigo 41.º, n.º 1, al. d).
De acordo com o n.º 2 deste art. 41.º a celebração de contrato a termo “fora dos casos previstos no número anterior importa a nulidade da estipulação do termo”, ou seja, implicava se considerasse o contrato celebrado como um contrato de trabalho sem termo e o trabalhador, como consequência da nulidade da estipulação do termo, adquiria “o direito à qualidade de trabalhador permanente da empresa”.
E, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 42.º, n.º 1, alínea e), e n.º 3, do referido diploma, e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, se, no escrito a que obrigatoriamente o contrato a termo haveria de ser reduzido, não constasse a indicação dos concretos factos e circunstâncias integrantes do motivo justificativo, o contrato tinha de considerar-se celebrado sem termo.
O n.º 3 do artigo 41.º declarava ainda que “[a] estipulação do termo será igualmente nula, com as consequências previstas no numero anterior, sempre que tiver por fim iludir as disposições que regulam os contratos sem termo” e o n.º 4, esclarecia que o ónus da prova dos factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um contrato a termo cabe ao empregador.
Por sua vez, o artigo 44.º, n.º 2 admitia o encadeamento de vínculos ao possibilitar a renovação do contrato, mas estabelecendo o limite de duas renovações e três anos para a duração global em série.
No âmbito do Código do Trabalho de 2003, a matéria relativa à celebração de contratos a termo mostra-se regulada nos artigos 129.º a 145.º
A contratação a termo admite-se sempre que se vise “a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades” (art. 129.º, n.º1), devendo o intérprete analisar se a situação fáctica se enquadra nesta cláusula geral.
Nesta operação o legislador auxilia o intérprete através da enumeração exemplificativa (n.º 2 do art. 129.º) e fixando o limite máximo de seis anos como tecto legal para o contrato de trabalho a termo certo (art. 139.º, n.º 2), assim estabelecendo o critério a utilizar para aferir da temporalidade da situação fáctica em causa[1].
Quer quanto aos requisitos formais, quer quanto aos pressupostos substanciais exigidos para a estipulação do termo, quer, ainda, quanto ao ónus da prova, a disciplina do Código de 2003 não trouxe relevantes modificações ao regime plasmado no Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Como é notado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.09.16[2]:
«Manteve-se a excepcionalidade da celebração do contrato a termo, expressa, já não pela enumeração de casos tipificados, mas na fórmula de cláusula geral, “para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”, considerando-se nesta abrangido o “[a]créscimo excepcional de actividade da empresa” [artigo 129.º, n.ºs 1 e 2, alínea f)].
Permaneceu a cominação de ser considerado sem termo o contrato no qual a estipulação do termo “tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo” ou os celebrados fora das situações prevista na lei (artigo 130.º, n.º 2).
Manteve-se a exigência de redução a escrito do contrato, com a indicação do motivo justificativo da aposição do termo, “feita com a menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se uma relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”, sob pena de ser considerado sem termo o contrato “em que se omitam ou sejam insuficientes” tais referências [artigo 131.º, n.ºs 1, alínea e), 3 e 4].
Conservou-se a regra da atribuição ao empregador do ónus da prova dos factos que justificam a celebração do contrato a termo (artigo 130.º, n.º 1).»
                                                                                                                                               *
4.3. O contrato de trabalho celebrado entre o A. e a CC, SA em 2 de Dezembro de 2002, e que passou a vincular a ora recorrente em data anterior à última renovação operada, encontrava-se sujeito ao regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 7.2 (LCCT) e na Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto.
A sentença da primeira instância considerou que neste contrato inicial, tendo por fundamento “o arranque de nova actividade na fábrica do Seixal – novo estabelecimento de aciaria eléctrica” (fls. 22, clausula 1ª), e celebrado ao abrigo do disposto no art.º 41.º, n.º 1, alínea e) a LCCT, o empregador invocou o risco empresarial e fundamentou suficientemente o contrato, deixando o A. compreender bem a razão da aposição do termo (e que correspondia à verdade - n.º 11 dos factos provados), inexistindo qualquer dúvida quanto à lisura e correcção da cláusula no contrato inicial.
Não está pois em causa, no recurso, a validade formal e substancial deste convénio celebrado em 2002.
                                                                                                                                               *
4.4. A questão coloca-se, apenas, ao nível das três renovações a que o mesmo foi sujeito, sucessivamente, nos anos de 2003 (por 1 ano), 2004 (por 18 meses) e 2005 (por 3 anos).
4.4.1. Perante o que estabelece o artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho [em regime que se manteve nos artigos 130.º, n.º, 131.º, n.º 1, alínea e), n.ºs 3 e 4 do Código do Trabalho de 2003, aplicável às renovações de 2004 e 2005], para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário:
i. que se explicitem (com “menção expressa”) no texto do contrato factos recondutíveis a um motivo justificativo da estipulação do termo (em que o legislador considera lícita a celebração do contrato de trabalho a termo),
ii. que o texto permita estabelecer “a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” e,
iii. que os factos ali relatados tenham correspondência com a realidade.
Estes pressupostos da licitude da aposição do termo mais não constituem, afinal, do que uma consequência do carácter excepcional da contratação a termo e do denominado princípio da tipicidade funcional que se manifesta no art. 129.º do Código do Trabalho: o contrato a termo só pode ser validamente celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem.
A tarefa do tribunal para aferir de tal licitude, pressupõe, em suma, duas análises que se processam em momentos distintos:
- num primeiro momento, a montante do mais, cabe verificar se o texto contratual obedece aos pressupostos legais da contratação precária (1.º e 2.º aspectos assinalados, a analisar à face do documento contratual subscrito pelas partes);
- ultrapassado, sem mácula, esse crivo liminar, a de saber se o motivo invocado e o prazo previsto têm correspondência com a realidade prestacional do trabalhador contratado e com a conjuntura laboral da empresa (3.º aspecto assinalado, a analisar à face da prova produzida)[3].
Nas renovações contratuais, uma vez que estão sujeitas à verificação das exigências materiais da celebração do contrato, bem como às de forma se se estipular prazo diferente (cfr. os artigos 3.º, n.º 2 da Lei n.º 38/96 e 140.º, n.º 3 do Código do Trabalho), ao tribunal caberá efectuar exactamente estas mesmas operações.
E este tribunal de recurso não se mostra dispensado de as fazer, não podendo quedar-se pela verificação da conformidade dos motivos com a realidade, em face dos termos da decisão da decisão da 1.ª instância e do modo como a mesma foi impugnada, sendo aqui de notar que, ao invés do que afirma a recorrente (que o A. não invocou em qualquer momento a imperceptibilidade da cláusula do termo, mas apenas a remissão para os termos da lei e a sua não correspondência com a realidade – conclusão F.), o A. alegou, antes do que fez constar do artigo 24.º da petição inicial, não ter sido definido com precisão o serviço não duradouro, nem se ter feito a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado na renovação do contrato (artigo 19.º da petição inicial).
4.4.2. Procedendo à averiguação dos pressupostos da motivação contratual nos acordos de renovação documentadas nos autos – já que os pressupostos formais foram claramente observados – , o tribunal recorrido discorreu nos seguintes termos:
«[…]
O convénio veio a ser renovado em 2003 (Junho), 2004 e 2005.
À primeira renovação continua a aplicar-se a legislação em vigor à data (LCCT, ex vi art.º 8/1 da Lei 99/2003, a qual revogou com efeitos a partir de 1.12.2003 designadamente a LCCT, art.º 3/1 e 21/1/m); às restantes o Código do Trabalho 2003.
No caso da fundamentação a diferença não é significativa, nos termos dos art.º 131/1, 3 e 4.
Ora, a fundamentação empregue em 2003 e 2004 é duvidosa: “a necessidade de criação de um nível de produção suficiente para satisfação de encomendas de excepção (não duradouras) …e cujas encomendas (03/294/1, 03/150/1 e outras relacionadas) se prevêem estejam concluídas no período para a vigência deste contrato “(renovação de 2003, clausula 2ª); ou, nos mesmos termos, “encomendas (03/294/1, 03/150/1, 03/926, 03/149, 03/1165, 03/1166, 03/1435, 04/453, 04546 e outras relacionadas)”. E é duvidosa porque não é explicativa, não permite concluir porque é que aquelas encomendas implicam um contrato a termo com aquela duração (naturalmente não basta a R. dizer que prevê que perdurem pelo período que exara; é preciso que nomeadamente o trabalhador possa perceber porquê, e dito desta forma é óbvio que não pode. Repare-se até que duas primeira encomendas aludidas na renovação de 2004 são as mesmas da renovação de 2003, o que definitivamente afasta qualquer racionalidade na invocada previsão de duração, e também, acrescente-se, na provisoriedade da situação). E isto sem esquecer que a R. acrescenta ainda a fórmula definitivamente geral “e outras relacionadas”, o que tira de vez qualquer laivo de concretização ao motivo invocado, globalmente considerado.
Mas ainda que alguém queira defender, apesar de tudo, a razoabilidade da fundamentação, porventura argumentando com a dificuldade de concretizar (que muitas vezes existe), não poderá definitivamente fazê-lo quanto à clausula 2ª da renovação de 2005, que se dispensa do já de si insuficiente esforço de concretização feito nas renovações anteriores: se nestas ainda se alude a certas encomendas, na de 2005 nem uma se descrimina, ficando-se por uma referência ampla a “encomendas de excepção”.
Não cumpriu, pois, a R. as prescrições legais, pelo que o termo é nulo e o contrato por tempo indeterminado (cf. art.º 140/3 e 4, CT).
E perante isto é inútil a discussão da possibilidade da terceira renovação (mas que era possível em 2005, ao abrigo do Código do Trabalho vigente, art.º 139/2).
[…]»

Concordamos, no seu essencial, com esta abordagem.
Ainda que a motivação contratual efectuada nas renovações de 2003 e 2004 possa considerar-se junto à linha das exigências legais quanto à concretização, mas ainda suficiente para o efeito – permitindo o estabelecimento de uma conexão entre a estipulação do termo e a necessidade de manutenção de um nível de produção suficiente para satisfação de encomendas de excepção concretas e identificadas no texto (embora, mesmo aqui, se faça uma referência abstracta a “outras relacionadas” que dificulta a tarefa de perceber a concretização, sendo também escasso o que é dito com o intuito de se estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, sendo para tanto insuficiente a menção de que o empregador prevê que perdurem pelo período que estipula) –, a renovação de 2005 fica claramente aquém daquela linha, pois que nada concretiza.
Note-se que esta renovação contratual foi efectuada ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 2, do artigo 129.º do Código do Trabalho de 2003, nos termos da qual se considera necessidades temporárias da empresa a “[e]xecução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”.
Ora, a referência ampla à necessidade de satisfação de “encomendas de excepção”, sem que nada mais se discrimine, é absolutamente vaga e insuficiente para concretizar a existência de uma “tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”, cuja execução seja susceptível de determinar a necessidade da renovação do contrato de trabalho a termo celebrado com o A. pelo período de três anos.
Ou seja, na cláusula 2.ª do acordo de renovação documentado a fls. 30, celebrado em 02 de Dezembro de 2005 não foram explicitados quaisquer factos e circunstâncias em concreto determinantes da necessidade de renovar por mais três anos o contrato de trabalho a termo que o A. vinha executando desde Dezembro de 2002.
Este longo lapso de tempo por que é estipulada a renovação – 3 anos – também dificulta o estabelecimento de uma relação com a satisfação de encomendas concretas existentes à data em que a mesma foi convencionada. Tendo em consideração os tempos, substancialmente inferiores, estipulados nas renovações de 2003 e 2004, igualmente com fundamento na satisfação de “encomendas de excepção”, nada sendo indicado neste último convénio susceptível de fazer perceber por que razão o tempo necessário era agora, respectivamente, o dobro e o triplo dos convencionados nas 1.ª e 2.ª renovações, este período temporal prefigura-se como excessivamente longo para tal desiderato de satisfazer “encomendas de excepção”.
Temos, portanto, de concluir que não se verificam na renovação operada em 2005 os pressupostos materiais previstos no n.º 3 do artigo 140.º do Código do Trabalho de 2003, não estando indicados no texto subscrito, de modo suficiente, os factos e circunstâncias, em concreto, que justificavam a renovação contratual em causa, nem do mesmo emergindo a relação entre a justificação apresentada e o período pelo qual foi estipulada a renovação, pelo que não se chega a colocar a questão da veracidade dos motivos que a recorrente invocou no contrato.
Deste modo, e por força do disposto no n.º 4 do artigo 140.º do Código do Trabalho, o contrato mantido entre as partes tem de ser considerado um contrato de trabalho sem termo.
4.4.3. Acresce que, em bom rigor, e ainda que por motivos distintos, logo na primeira renovação contratual operada em 2 de Junho de 2003 (documentada a fls. 28) se verificou uma circunstância susceptível de determinar a conversão do contrato celebrado com o A. em contrato de trabalho sem termo.
É que esta renovação – bem como, aliás, as ulteriores operadas em 2 de Junho de 2004 e 2 de Dezembro de 2005 – não tem como fundamento o risco empresarial em que se fundou o contrato de trabalho originariamente celebrado, substanciado no arranque de nova actividade na fábrica do Seixal com o “novo estabelecimento de aciaria eléctrica do empregador” [ao abrigo do artigo 41.º, n.º 1, alínea e) da LCCT], mas, sucessivamente, a “execução de serviços determinados precisamente definidos e não duradouros” [ao abrigo do artigo 41.º, n.º 1, alínea d) da LCCT e, depois, do artigo 129.º, n.º 2, alínea g) do Código do Trabalho de 2003], fundamento que se inscreve nas situações clássicas em que o contrato de trabalho a termo se relaciona directamente com a satisfação de necessidades temporárias da empresa.
Ora mostra-se claramente pressuposto na lei que a razão do encadeamento contratual em que se consubstanciam as renovações se justifica, apenas, quando persiste o motivo que determinou a contratação inicial, pelo que, também por este motivo se converteu em contrato de trabalho sem termo o contrato sub judice [4].
                                                                                                                                               *
4.5. Em suma, quando a recorrente pôs fim ao contrato celebrado em 2 de Dezembro de 2002 no dia 1 de Dezembro de 2008, por meio da carta datada de 18 de Novembro de 2008, que enviou ao recorrido, nada mais fez do que despedi-lo, sem justa causa e sem processo disciplinar.
O contrato de trabalho em apreço não terminou, pois, por caducidade nesse dia 1 de Dezembro de 2008, mas por via de rescisão unilateral ilícita perpetrada pelo empregador.
As consequências dessa rescisão ilegal são as previstas nos artigos 436.º a 439.º do Código do Trabalho, pelo que bem andou a 1.ª instância ao considerar que o A. e a R. se achavam vinculados a um contrato de trabalho por tempo indeterminado e que a comunicação do intuito da R. de não o querer mais como seu trabalhador consubstancia, efectivamente, uma resolução ad nutum do contrato (artigos 382.º e 383.º, n.º 1), ou seja, a sua cessação por despedimento ilícito, por imotivado.
                                                                                                                                                *
4.6. No âmbito das consequências do despedimento ilícito, a recorrente questiona, apenas, o valor devido a título de retribuições intercalares nos termos do preceituado no artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003.
A sentença recorrida, declarando ter o A. direito ao pagamento dos salários intercalares devidos desde o despedimento até à data do trânsito da sentença, deduzidas as quantias que auferiu e não teria ganho sem o despedimento nos termos do artigo 437.º do Código do Trabalho, acrescentou o seguinte:
«[…]
No caso, porém, há que atentar para uma especificidade: é que o A. demandou a R. em Maio de 2009, no processo 1025/08.3TTALM, autuado em 20.12.2008, e tendo o processo terminado com absolvição da instância (cf. fls. 65 a 67). E após conhecer o acórdão da Relação que definiu tal, o A. interpôs a presente dentro do prazo de 30 dias. Ora, como aí referimos, nos termos do disposto no art.º 289, do Código de Processo Civil, a acção considera-se proposta na data em que foi proposta a primeira.
Consequentemente, tendo o A. sido despedido em 1.12.2008, são efectivamente devidos todos os salários intercalares desde então e até ao transito da sentença, deduzidos, naturalmente, de todas as quantias que recebeu da segurança social (que o A. liquida em € 29.979,60, fls. 96), e que a R. deve a esta (art.º 437/2 e 3), e de outras quantias recebidas da R. (€ 5.425,92).
[…]»
A este propósito, a recorrente sustenta que o M.º Juiz a quo julgou relevante a acção proposta pelo recorrido sob o nº 1025/08.3TTALM, autuada em 30/12/2008, mas que naquela acção a ora recorrente apenas foi demandada em Maio de 2009, o que, só por si, inibiria a sua condenação em qualquer retribuição vencida antes de Abril de 2009, e sustenta, também, que naquele processo não era ré, sendo apenas ali requerida e não admitida a sua intervenção principal provocada, e a ali ré foi absolvida do pedido, por desistência nesse sentido apresentada naqueles autos pelo ora recorrido, não sendo aplicável à situação em apreço o artigo 289.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo que não pode a recorrente, em caso de procedência do pedido, ser condenada em montante superior ao que resulta da operação de multiplicação das retribuição vencidas desde 30 dias antes da propositura da presente acção (conclusões M. a T.)
Neste aspecto, podemos adiantá-lo, assiste-lhe inteira razão.
Senão vejamos.
4.6.1. Nos termos do disposto no artigo 436.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho de 2003, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado “[a] indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados”.
E, nos temos do n.º 1 do art.º 437.º do mesmo Código, “[s]em prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal”.
Como tem entendido a generalidade da doutrina e da jurisprudência, a manutenção do trabalhador do seu direito contratual à retribuição resulta da invalidação retroactiva do acto do despedimento: declarada a ilicitude do despedimento, opera-se uma reconstituição, ainda que diferida, do vínculo salarial entre trabalhador e empregador, o que implica a obrigação do empregador de pagar os salários entretanto vencidos, por força da eficácia retroactiva da declaração de invalidade em conformidade com o que estabelece o art. 289º do Código Civil[5]
Porém, nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 437.º, ao montante apurado nos termos da segunda parte do número anterior deduzem-se as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento (n.º 2), bem como o montante do subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social (n.º 3), e, finalmente, “o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento” (n.º 4).
As deduções previstas nos n.ºs 2 e 3 – que não estão em causa no presente recurso – reportam-se a valores que o trabalhador despedido recebeu após o despedimento e que não receberia se este não houvesse ocorrido[6].
A dedução prevista no n.º 4 – a que nos ocupa –, encontrava-se já prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º da LCCT aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89 de 27 de Fevereiro e está igualmente plasmada no artigo 390.º, n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho de 2009.
Debrucemo-nos um pouco mais sobre a mesma.
4.6.2. A razão de ser desta norma que limita o valor das retribuições intercalares é sancionar a negligência do trabalhador despedido, especificamente a sua inércia na propositura da acção contra o seu empregador e, concomitantemente, estimular a sua diligência em ordem a demandar o empregador, sabido como é que o reconhecimento do seu direito a não ser despedido sem causa bastante e a inerente declaração judicial da ilicitude do despedimento repõe em vigor o contrato de trabalho e tem efeitos retroactivos, pelo que sobre o empregador recai a obrigação de satisfazer as prestações retributivas que entretanto se venceram e que deixou de pagar em virtude da cessação ilícita do contrato de trabalho.
É o que resulta da análise do preceito e das reflexões que sobre o mesmo têm feito a jurisprudência e pela doutrina.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.02.06, [c]om este n.º 4 o legislador “ficciona”, digamos, a suficiência do prazo de 30 dias a contar do despedimento para o trabalhador intentar a respectiva acção de impugnação e penaliza-o na medida do atraso havido nessa propositura, mandando proceder à aludida dedução ou desconto no montante das retribuições a que tenha direito, por via da ilicitude do despedimento”[7].
Na palavra de João Leal Amado, a norma configura uma espécie de “ónus jurídico de segundo grau”: além do ónus de impugnar tempestivamente o despedimento, o trabalhador tem o ónus suplementar de intentar a acção no prazo de 30 dias para não ficar sujeito à dedução de qualquer montante nas retribuições intercalares[8].
Segundo Pedro Romano Martinez, esta regra funciona como “estímulo ao recurso célere à via judicial” e constitui uma limitação à integral reparação do prejuízo, de modo a “punir a inércia do trabalhador”[9].
Monteiro Fernandes, por seu turno, afirma que esta solução traduz um “mecanismo incentivador da diligência do trabalhador despedido”, sem afectar a subsistência do direito de acção p. dito[10].
E Maria do Rosário Palma Ramalho, numa perspectiva ligeiramente distinta, mas com esta consonante, afirma ser objectivo da dedução prevista no n.º 4 do artigo 437.º o de “evitar que recaia sobre o empregador a consequência do trabalhador decidir impugnar o despedimento muito tardiamente[11].
4.6.3. Esta dedução prefigura-se como uma restrição à obrigação do empregador de pagamento dos salários intercalares prevista no n.º 1 do preceito.
Em face dos termos em que a mesma se mostra prevista na lei – que identifica um prazo de exercício do direito, correlacionando-o com a sua exigibilidade e tendo como marco definidor a data da propositura da acção –, afigura-se-nos que se verifica uma extinção do direito por caducidade, no que concerne às retribuições referentes ao período anterior aos 30 dias que antecederam a propositura da acção[12].
Assim, para obviar à extinção por caducidade do direito aos salários intercalares de acordo com a baliza estabelecida neste preceito, o trabalhador deve intentar a acção de impugnação de despedimento dentro do prazo de 30 dias após ter sido despedido – cfr. o art. 298º do Código Civil.
Caso o não faça, verifica-se a caducidade do direito às retribuições anteriores ao lapso temporal estabelecido na norma e as retribuições intercalares devidas contabilizar-se-ão apenas desde os trinta dias que precederam a propositura da acção.
4.6.4. O A. começou por propor contra o anterior titular do estabelecimento em que laborava – e não contra a ora recorrente, que foi quem o despediu e era efectivamente, à data, sua empregadora – a acção n.º 1025/08.3TTALM.L1, autuada em 2008.12.20, em que impugnava o despedimento de que fôra alvo no mês anterior.
Em tal acção veio a suscitar o incidente de intervenção principal da ora recorrente BB, SA invocando o disposto nos arts. 325º, n.º 2 e 31º-B do Código de Processo Civil, sendo esta ali citada na qualidade de interveniente em 29 de Maio de 2009.
E conforme foi decido em tal acção por douto acórdão proferido por este Tribunal em 24 de Março de 2010, e transitado em julgado, não foi admitido naquela acção o chamamento da ora recorrente BB, SA com base, essencialmente, nos seguintes argumentos:
- nos termos do art. 31º-B do CPC, a dúvida sobre o sujeito da relação controvertida deve ser fundada, por não existir certeza acerca da pessoa que deverá figurar como sujeito passivo;
- no caso sobre que versava o aresto, não existia dúvida fundada mas sim um erro, por parte do A. e da sua mandatária, na indicação desse sujeito, já que dos documentos que os mesmos juntaram aos autos com a petição inicial, resultava, de forma clara, que a acção não devia ser instaurada contra a ali R. CC, S.A, mas sim contra a ora recorrente que se pretendia chamar;
- o A. não invocava, no incidente que deduziu, uma situação de litisconsórcio subsidiário, nem ali formulava um pedido subsidiário contra a ora recorrente, apenas procurando corrigir o erro grosseiro cometido na petição inicial e pretendendo que a acção prossiga contra a BB, S.A., contra a qual pretendia dirigir o pedido que, erradamente, dirigiu contra a ali Ré;
- o incidente de intervenção principal provocada não foi instituído para corrigir erros desta natureza.
Na referida acção n.º 1025/08.3TTALM.L1, o A. veio a desistir do pedido contra a ali R. CC, S.A, desistência que foi homologada por despacho proferido em 10 de Maio de 2010.
A presente acção foi intentada em 16 de Abril de 2010.
4.6.5. Para considerar a presente acção n.º 306/10.0TTALM.L1 proposta na data em que foi proposta a primeira n.º 1025/08.3TTALM.L1, a decisão recorrida invocou o disposto no nº 2 do art. 289º do C.P.C.
De acordo com tal preceito adjectivo, “[s]em prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância”.
Ora, da conjugação do artigo 289.º, n.º 2, do Código de Processo Civil com os artigos 332.º, n.º 1, e 327, n.º 3, ambos do Código Civil, resulta que, no que à caducidade diz respeito, os efeitos civis da propositura da acção – impedimento à verificação da caducidade – mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, desde que essa absolvição por motivo processual não seja imputável ao titular do direito, não se devendo a culpa da sua parte quanto ao modo como propôs e fundamentou em juízo a acção.
Com efeito, nos termos do preceituado no artigo 327.º, n.º 2 do Código Civil, relativo à duração da interrupção da prescrição, “[s]e, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses”.
E de acordo com o n.º 1 do artigo 332.º do mesmo diploma, inscrito já na secção relativa à caducidade dos direitos, “[q]uando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 327.º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituido por ele o designado nesse preceito”.
Ou seja, de acordo com este regime, o autor tem 2 meses para voltar a propor a acção, mas tal sobrevivência do efeito impeditivo da caducidade está condicionada à desculpabilidade do comportamento processual que funcionou como causa da prolação de uma mera decisão de forma na acção originária, tempestivamente movida.
Como se refere no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2012.02.16:
«Na sua originária redacção, provinda do CPC de 1939, o nº2 do art. 298º não continha a ressalva que actualmente consta do segmento inicial do preceito: ou seja, impedido o típico efeito extintivo da caducidade do direito feito valer em juízo através da atempada propositura de certa acção, se esta viesse a terminar por mera decisão de forma – absolvição da instância, resultante, nomeadamente da falta de certo pressuposto processual ou da homologação de negócio jurídico processual que inibisse a prolação de decisão de mérito – ao autor sempre seria lícito obstar à caducidade através da simples repetição da acção, em prazo curto (30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância), independentemente de lhe ser ou não imputável o motivo que ditou a extinção da instância, sem apreciação do mérito.

   O CC veio, porém, introduzir uma inovatória regulamentação na matéria da prescrição e caducidade, expressa na previsão normativa constante dos arts. 332º, nº1, e 327º, nº3: ocorrendo absolvição da instância numa acção sujeita a prazo de caducidade, tempestivamente desencadeada, o autor fica sujeito a um regime:

- por um lado, mais favorável do que o até então previsto no CPC, quanto ao prazo de que dispõe para repetir a proposição da acção, beneficiando agora, não de 30 dias, mas de 2 meses, contados do trânsito da decisão de absolvição da instância;

- mas, noutra óptica, bem menos favorável do que o previsto no CPC, já que o efeito impeditivo da caducidade aparece agora condicionado a um juízo de não culpabilidade ou censurabilidade quanto aos comportamentos processuais do autor que ditaram aquela absolvição da instância – só subsistindo o efeito impeditivo da caducidade, decorrente da originária proposição da acção que veio a frustrar-se, sem apreciação do mérito, quando a prolação de uma decisão final, de mera forma, sem efectiva composição do litígio, não seja de imputar a culpa do autor.»[13]
4.6.6. No caso sub judice, ficou bem expresso no Acórdão da Relação de Lisboa proferido em 24 de Março de 2010 ser imputável ao A. ora recorrido a circunstância de aquela acção – que intentou contra quem não era sujeito da relação material controvertida e onde deduziu infundadamente um pedido de intervenção principal que ali não foi admitido – ter terminado com uma decisão de forma que pôs termo à relação processual quanto à R. ora recorrente, sem composição do litígio.
Por isso nos detivemos na enunciação dos fundamentos daquele douto acórdão, dos quais se infere com clareza o injustificável erro da parte que iniciou uma acção que bem sabia – ou devia saber – que não tinha a virtualidade de culminar com uma decisão de mérito contra aquele que era o seu empregador à data do despedimento.
Assim, nada justifica que o A. ora recorrido beneficie daquela sua atitude de instaurar a referida acção e nela requerer a intervenção principal da ora R., atitude que se enquadra inequivocamente num comportamento de menor diligência que o artigo 437.º, n,º 4 do Código do Trabalho de 2003 visa sancionar e a que o quadro normativo dos artigos 289.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 327, n.º 3 e 332.º, n.º 1 do Código Civil não dá cobertura, devendo proceder-se à dedução do montante das retribuições prevista naquele preceito tendo em vista a data da propositura da acção que ora se aprecia.
O que significa que, da importância calculada nos termos da segunda parte do nº 1 do artigo 437.º do Código do Trabalho, será deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes de 16 de Abril de 2010 (data esta em que foi proposta a presente acção), contabilizando-se as retribuições intercalares a cargo da ora recorrente apenas desde a data assim encontrada.
Tais retribuições são no valor mensal de € 1.278,48 e devem incluir as retribuições de férias e os subsídios de férias e de Natal que se forem vencendo no referido período. Ao valor global encontrado deverão ser deduzidos os subsídios de desemprego percebidos da Segurança Social, que a R. deverá entregar a esta entidade nos termos do artigo 437.º, n.º3 e a quantia de € 5.425,92 recebida da R. (vide o facto 8.), nos termos definidos na sentença e não impugnados no recurso.
Embora não possa dizer-se, como a recorrente, que a condenação da sentença recorrida constitui uma condenação que excede o pedido formulado – já que no pedido é expressamente pedida a condenação da R. a pagar todas as retribuições que o A. deixou de auferir “desde a data do despedimento té ao trânsito da sentença” [cfr. alínea d) do pedido] – deve concluir-se que a mesma não se mostra em conformidade com a lei, havendo que restringir as retribuições intercalares cujo pagamento se impõe à ora recorrente às que se venceram entre 16 de Março de 2010 e a data do trânsito em julgado da decisão final dos presente autos.
Procede, nesta parte, o recurso.
                                                                                                                                    *
4.7. As custas do recurso interposto da sentença final deverão ser suportadas pela R. recorrente e pela A. recorrida na proporção de metade para cada uma das partes, em face do decaimento que se verifica (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
                                                                                                                                    *
5. Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em conformidade:
5.1. altera-se a sentença recorrida no que diz respeito ao segmento decisório constante da sua alínea d) e condena-se a recorrente a pagar ao recorrido todas as retribuições que este deixou de auferir desde 16 de Março de 2010 até à data do trânsito em julgado da presente decisão, no valor mensal de € 1.278,48, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde o seu vencimento e até integral pagamento, havendo que deduzir ao valor global apurado o montante de € 5.425,92 já pago pela recorrente, bem como as quantias entretanto recebidas pelo A. recorrido a titulo de subsidio de desemprego, que a recorrente deverá entregar directamente à Segurança Social;
5.2. confirma-se, no mais, a sentença da 1.ª instância.

Custas pela recorrente e recorrido na proporção de metade para cada um deles.

Lisboa, 21 de Março de 2012

Maria José Costa Pinto
Ferreira Marques
Maria João Romba
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[1] Vide Maria Irene Gomes, Considerações sobre o regime jurídico do contrato de trabalho a termo certo no Código do Trabalho, in Questões Laborais, n.º 24, 2004, pp. 137 e ss.
[2] Recurso n.º 321/08, in www.dgsi.pt.
[3] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.06.09, Recurso n.º 1389/07.6TTPRT.S1, in www.dgsi.pt.
[4] Vide Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 8.ª edição, Coimbra, 1993, p. 280 e Direito do Trabalho, 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 321, onde já à luz do Código do Trabalho, e com maior clareza, afirma que “o encadeamento é justificado – não havendo lugar à invalidade da estipulação do prazo – quando «de antemão se verifica existir apenas uma necessidade de ocupação temporária, sem que, todavia, se possa prever com segurança a sua duração» […] mas isso implica que se trate do mesmo motivo justificativo da celebração do contrato a termo”. Também Filipe Fraústo da Silva, aludindo à possibilidade de renovação contratual prevista no artigo 139.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003, sublinha que esta possibilidade de renovação “dependerá, sempre, da manutenção dos pressupostos legitimadores da aposição do termo ao contrato”. Do mesmo modo Luís Miguel Monteiro e Pedro Madeira de Brito, in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, Coimbra, 2003, pp. 407-408, já à face do Código do Trabalho de 2009 que contém idêntico regime, escrevem que as renovações a que alude o n.º 1 do art. 148.º “pressupõem a subsistência do motivo que justifica a contratação”, não sendo possível desligar a renovação do prazo contratual da necessidade cuja satisfação se pretende obter com o contrato e cuja duração (remanescente) determina a extensão temporal da renovação. Finalmente João Leal Amado, in Direito do Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 106, também à face do Código do Trabalho de 2009, ensina que “[a] renovação contratual apenas ocorrerá caso, à data da mesma, ainda subsista o motivo justificativo da contratação a termo”, como decorre do que estabelece o n.º 3 do artigo 149.º do Código do Trabalho de 2009 e se compreende “sob pena de se subverter toda a lógica a que obedece a contratação a termo”. Segundo este autor, se o contrato se renova quando não subsiste o motivo que levou à contratação, o título legitimador da contratação a termo desapareceu e das duas uma: “ou o contrato caduca no final do prazo ao abrigo do artigo 344.º ou, não havendo denúncia por parte de qualquer dos sujeitos, ele passará a ser um contrato sem termo (n.º 2, alínea a) do artigo 147.º)”. No caso, porém, em que a contratação a termo obedece à racionalidade do estímulo ao investimento e promoção no emprego, este Professor entende que as partes poderão livremente renovar o contrato desde que não ultrapassem o limite temporal do artigo 148.º, n.º 1 do CT. Este limite, no caso em análise, ocorreu em 1 de Dezembro de 2004 (cfr. o artigo 139.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2003), pelo que, independentemente das renovações operadas e da sua fundamentação, sempre nessa data o contrato de trabalho celebrado em 2002 se converteria em contrato de trabalho sem termo. 
[5] Vide Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in Colectânea de Leis do Trabalho, p. 263, Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13ª edição, p. 567, Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2ª edição, p. 538, João Leal Amado, no seu estudo “Despedimento ilícito e salários intercalares: a dedução do alliunde perceptum – uma boa solução?”, in Questões Laborais, 1994, 1, p. 43 e ss. e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 82.06.18 (in B.M.J. 318/324), de 87.06.19 (in Ac. Doutrinais 313º, p.119), de 98.01.14 (proferido na Revista n.º 144/97, 4ª Secção e sumariado no Prontuário do Direito do Trabalho, Actualização n.º 53, p. 32) e de 2003.09.24, Recurso n.º 1398/03 - 4.ª Secção. 
[6] Vide sobre estas deduções João Leal Amado, no seu estudo “Despedimento ilícito …”  citado, p. 43 e Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, pp. 406.409, bem como Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 4.ª edição, Coimbra, 2007, pp. 1022-1023.
[7] Recurso n.º 07S2621, in www.dgsi.pt.
[8] In Direito do Trabalho, citado, p. 411.
[9] In Direito do Trabalho, citado, p. 1023.
[10] In Direito do Trabalho, 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 570.
[11] In Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Coimbra, 2006, p. 859.
[12] Vide  Messias Carvalho, no seu estudo “A ilicitude do despedimento e seus efeitos” in RDES, Jul.-Dez. de 1989, nºs  3-4, p. 394.
[13] Proferido no processo n.º 566/09.0TBBJA.E1.S1, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2011.06.30, processo n.º 797/07.7TBFAF.G1.S1 e de 2008.07.10, proferido na Revista 1948/06, e, na doutrina, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, I vol., 4ª. edição, p. 297.
Decisão Texto Integral: