Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
598/09.8TTALM.L1-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
SEGREDO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - A contagem do prazo de caducidade do procedimento disciplinar apenas se iniciará a partir do momento em que quem detenha poderes disciplinares (sejam eles próprios ou delegados), ou então um superior hierárquico do trabalhador infractor, dotado desses mesmos poderes (obviamente delegados), tome conhecimento dos factos infraccionais susceptíveis de serem merecedores de censura disciplinar;
- Dada a natureza pública do processo civil (art. 167.º n.ºs 1 e 2 do C.P.C.), publicidade que implica o direito de exame e consulta do processo na secretaria, a obtenção de cópias e certidões de quaisquer peças nele incorporadas, não só pelas partes como por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível, a junção de documentos a esse processo, contendo matérias de natureza sigilosa, ainda que com intuitos meramente probatórios, só deve ser feita mediante prévias cautelas de forma a serem salvaguardados os direitos em conflito, ou seja, de um lado o direito da parte poder fazer uso dos documentos enquanto elementos de prova, de outro, o direito que têm as pessoas ou entidades a quem esses documentos respeitam, de verem preservada a sigilosidade das matérias neles contidas;
- A parte, exercendo funções em instituição bancária, para mais de supervisão, que, estando vinculada a segredo profissional, faz uso de documentos de natureza sigilosa, juntando-os a processo de natureza pública, ainda que com intuitos meramente probatórios, sem acautelar previamente a sigilosidade ou reserva das matérias neles contidas, incorre em violação de segredo profissional, sendo, por isso, passível de censura disciplinar;
- Para se poder qualificar de abusiva uma sanção disciplinar, é necessário poder concluir-se pela verificação de uma relação directa do tipo de causa/efeito entre a situação enquadrável em qualquer das situações previstas no art. 374.º n.º 1 do Código do Trabalho e a sanção que em concreto é aplicada;
- A mera instauração de processo disciplinar motivada por factos censuráveis praticados pelo trabalhador, ainda que com manifestação de intenção de despedimento que depois se não veio a concretizar, não confere a este o direito a indemnização por danos morais que, porventura, tenha sofrido com a instauração desse procedimento.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
AA, (…) e doravante designado por A., instaurou no Tribunal do Trabalho de Almada, a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra o BANCO DE PORTUGAL, com sede na Rua do Comércio, n.º 148, em Lisboa e doravante designado por R., pedindo:
a) Que se declare a extinção por caducidade do procedimento disciplinar, ou,
subsidiariamente, que se declare que os comportamentos imputados ao A. no aludido procedimento disciplinar não constituem violação do dever de segredo;
b) Em qualquer caso, que seja o R. condenado a pagar-lhe
- € 960,72 descontados a título de retribuição base;
- € 200,76 descontados de diuturnidades;
- € 104,30 de subsídios de refeição descontados;
- € 91,92 de subsídios de consultor descontados;
- € 531,12 de complemento remunerativo descontado;
- € 148,71 de subsídios de férias descontados;
- € 148,71 de subsídios de natal descontados;
- € 4.461,20 não recebidos de remuneração variável de desempenho;
- € 5.000,00 de indemnização pela recusa de empréstimo;
- € 135.000,00 de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal anual de 4 %;
c) Se condene o R. a eliminar o registo da infracção do cadastro do A.
Como fundamento, alega, em síntese, que a R. o sancionou com fundamento numa alegada violação do segredo bancário, que teria ocorrido ao pretender juntar documentos noutro processo judicial em que era A..
O R., que também o era nesses autos, soube imediatamente dos factos e apenas o demandou disciplinarmente três meses depois, pelo que já havia caducado o direito de acção disciplinar.
Além disso, os documentos que intentou juntar são pertença do R. e neles interveio o A. no exercício das suas funções, e a sua junção era pertinente para demonstrar as funções complexas desempenhadas.
O R. entendeu persegui-lo criminalmente bem sabendo que o A. queria provar os pressupostos da causa de pedir daquela outra acção.
O carácter público do processo laboral tem limites, e, de todo o modo, tem de ceder designadamente perante o princípio da justiça.
Frustrou-se a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes.
Notificado o R. para contestar, veio fazê-lo alegando, em síntese, que moveu o procedimento disciplinar antes de decorrerem 60 dias sobre a prática dos factos, já que o superior hierárquico competente apenas teve conhecimento dos mesmos em 4.3.2009.
Os factos foram graves.
Deve, pois, o R. ser absolvido do pedido.
Foi proferido despacho saneador tabelar.
Foi dispensada a selecção da matéria de facto assente, bem como a organização da base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida a decisão de fls. 463 a 468 sobre matéria de facto provada e não provada.
Não houve reclamações.
Seguidamente foi proferida a sentença de fls. 472 a 486, que culminou com a seguinte decisão:
Pelo exposto julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência,
a) declaro ilícita e consequentemente nula a sanção de suspensão aplicada ao A. devendo o R. proceder à eliminação do registo disciplinar daquele da infracção em causa e repor a respectiva antiguidade como se nunca tivesse sido sancionado;
b) consequentemente condeno o R. a pagar ao A.:
- € 960,72 descontados a título de retribuição base;
- € 200,76 descontados de diuturnidades;
- € 104,30 de subsídios de refeição descontados;
- € 91,92 de subsídios de consultor descontados;
- € 531,12 de complemento remunerativo descontado;
- € 148,71 de subsídios de férias descontados;
- € 148,71 de subsídios de natal descontados;
- € 4.461,20 não recebidos de remuneração variável de desempenho; e ainda
- seis mil euros (€ 6.000,00) de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal anual de 4% desde a data da aplicação da sanção (excepto quanto aos danos não patrimoniais, só liquidados agora e por isso só devidos a partir do trânsito da sentença) e até integral pagamento.
Custas pelas partes na proporção de 2/3 para o A. e 1/3 para o Réu.”.
Inconformado com esta sentença, dela veio o R. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
(…)

Notificado deste recurso, veio também o A. interpor recurso de apelação subordinado, apresentando alegações que termina mediante as seguintes:
Conclusões:
(…)

Contra-alegou o A./apelado no recurso principal, pugnando pela improcedência deste.
Contra-alegou também o R./apelado no recurso subordinado, pugnando pela improcedência deste.
Admitidos os referidos recursos na espécie própria e com adequados regime de subida e efeito, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde foi dado cumprimento ao disposto no art. 87.º n.º 3 do Cod. Proc. Trabalho, tendo o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitido o parecer de fls. 658, o qual mereceu a resposta do R. de fls. 665.
Colhidos os vistos, cabe, agora, apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO
Tendo em consideração as conclusões dos recursos acabadas de enunciar e que, como se sabe, delimitam o respectivo objecto, colocam-se, à apreciação deste Tribunal da Relação, as seguintes:
Questões:
Atinentes ao recurso principal deduzido pela R./apelante:
· Proporcionalidade da sanção aplicada ao A./apelado, tendo em consideração a infracção por ele cometida e consequências daí decorrentes, mormente no que concerne à indemnização que foi condenada a pagar-lhe.
Atinentes ao recurso subordinado interposto pelo A./apelante:
§ Dever de segredo profissional, excepções a esse dever e não violação do mesmo por parte do A./apelante;
§ Sanção abusiva e consequências daí decorrentes para o R/apelado;
§ Desproporcionalidade da indemnização fixada a título de danos morais, tendo em consideração os sofrimentos suportados pelo A./apelante;
§ Caducidade do procedimento disciplinar movido pelo R/apelado antes do envio da nota de culpa ao A./apelante.

Em 1ª instância foi considerada assente a seguinte matéria de facto:
1. Entre A. e R. foi celebrado, em 1 Agosto de 1974, um contrato individual de trabalho subordinado, obrigando-se o A. a desenvolver a sua actividade intelectual, sob as ordens, directrizes e orientações do Banco R., tendo em 3l de Janeiro de 2009 a categoria profissional de Técnico Consultor (1 e 2 p.i.).
2. O A. na aludida data tinha o nível/escalão retributivo 17 e o Grau 18 de complemento remuneratório, classes retributivas que auferia, respectivamente, desde 1 de Janeiro de 2004 e desde 1 de Janeiro de 2001 (3, 4 pi).
3. Em 31 de Janeiro de 2009 o A. recebia do Banco R.:
a) — De retribuição base: € 2.401,87;
b) — De diuturnidades: € 501,77;
e) — De complemento remuneratório: € 1.327,75;
d) — De subsídio de técnico consultor: € 229,82 (5).
4. Em 3 de Julho de 2008, o A. requereu ao Banco R., seu empregador, a passagem à situação de reforma antecipada, colocando como condição que lhe fosse concedida com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2008 (6 pi).
5. O A. subscreveu um escrito, datado de 16 de Outubro de 2008, titulado Acordo de Reforma Antecipada, onde intervém como 2° outorgante), junto com a p.i. como documento n.º 1, cujo teor se dá por reproduzido, cuja cláusula 1ª dispõe que “o segundo outorgante passará à situação de reforma antecipada em 1 de Fevereiro de 2009, sendo-lhe, para o efeito, contados 40 anos de serviço, incluindo 6 anos, 4 meses e 18 dias de serviço militar” (7, 8, 9 pi).
6. Em 1 de Junho de 2007, o A. intentou contra o R. uma acção no Tribunal de Trabalho de Almada a que foi dado o n.º .../07.7TTALM e que correu termos por este 1° Juízo, estando à data da propositura da presente em fase de recurso de apelação, na qual pedia a condenação do Banco R. a:
a) - Reconhecer-lhe a categoria profissional de Técnico Consultor, desde 1 de Janeiro de 2001;
b) - Liquidar as quantias devidas por esse conhecimento da categoria profissional peticionada;
c) - Pagar os juros e mora devidos; e
d) - Respeitar (em função do reconhecimento peticionado e dito acima em a), para efeitos de promoção/progressão, os momentos em que o A. devia ter sido promovido e/ou progredido, depois de 1 de Janeiro de 2001 (10 e 11 pi).
7. Em 28 de Abril de 2008 o A., na 1ª sessão de audiência de discussão e julgamento da mencionada acção n.º .../07.7TTALM, requereu a junção, para efeitos probatórios, de 51 documentos referentes a processos nos quais trabalhara no Banco R. (23, 75, 77 pi).
8. Em 1 de Setembro de 2008 o Banco R. requereu comunicação ao Procurador da República com o objectivo de ser apurado se o A. havia praticado o crime de violação de segredo, o que foi deferido (24, 25 pi).
9. Instaurado inquérito n.º .../08.6TAALM-Letra F, da V Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público de Almada, foi o mesmo arquivado porque o Banco R. não deduziu queixa (26, 27 pi).
10. Na 1ª sessão de julgamento do proc. n.º .../07.7TTALM esteve o representante do Banco R. com poderes para confessar, desistir e transigir (29 pi).
11. A Comissão Executiva para os Assuntos Administrativos e de Pessoal, infra aludida, também é conhecida por CEAAP (34 pi).
12. O despacho (decisão) de instaurar procedimento disciplinar foi exarado num parecer subscrito pelo Director do DRH (Departamento de Recursos Humanos) datado de 23 de Junho de 2008, sendo que o subscritor do Parecer e Director do DRH - Eng.º BB - estava no Tribunal na sessão de julgamento de 28.04.2008 e também aí deles tomou conhecimento (32, 33 pi).
13. Com a carta datada de 23 de Julho de 2008 (recebida em 28 de Julho de 2008) foi também entregue ao A. nota de culpa (35 pi).
14. Em 7 de Maio de 2008 o mandatário judicial do banco R. enviou e comunicou a este a junção dos documentos aludidos por expediente escrito (42).
15. O R. moveu ao A. o procedimento disciplinar a que se referem as fls. 250 a 360 dos autos, cujo teor dou por reproduzido, bem como 2 apensos com os documentos ditos confidenciais cuja junção fora requerida ao proc.° n.º .../07.7TTALM em 28.4.08, englobando o procedimento disciplinar designadamente:
- parecer de 18.6.2008, n.º 1416/2008, do Dr. CC, superior hierárquico de A.
- parecer de 23 de Junho de 2008 do Director de Recursos Humanos (DRH) propondo a instauração de procedimento disciplinar, deliberada em 24 de Junho de 2008 pela CEAAP;
- carta datada de 23 de Julho de 2008 (recebida em 28 de Julho de 2008 pelo A.), onde se lê: “Venho comunicar a V. Exa. que por decisão da Comissão Executiva para os Assuntos Administrativos e de Pessoal, do Banco de Portugal, datada de 24 de Junho de 2008 (…) foi decidido instaurar-lhe processo disciplinar com intenção de despedimento”.
- O A. defendeu-se invocando a caducidade do procedimento disciplinar (31, 37, 47, 49, 59 a 69 pi).
16. O procedimento disciplinar proposto contra outro trabalhador aludido em 135 e ss. foi precedido de inquérito prévio, por deliberação da CEAAP, a qual, por despacho de 13 de Maio de 2004, converteu os autos de inquérito em procedimento disciplinar visando despedir o aludido empregado (138, 139 pi).
17. Em 17 de Maio de 2004, foi enviada cópia da nota de culpa emitida contra o dito empregado à Comissão de Trabalhadores do Banco R., a qual recebeu, em 4 de Junho de 2004, cópia do procedimento disciplinar para emitir parecer (140 pi)
18. No âmbito do procedimento disciplinar foi aplicada ao A. a sanção de 12 dias com perda de retribuição e de antiguidade, com a inerente perda de € 6.647,45, do seguinte modo:
a) — Desconto na retribuição base — € 960,72;
b) — Desconto nas diuturnidades — € 200,76;
c) — Desconto no subsídio de almoço € 104,30;
d) — Desconto no subsídio de consultor — € 91,92;
e) — Desconto no complemento remunerativo — € 531,12;
f) — Desconto no subsídio de férias — € 148,71;
g) — Desconto no subsídio de Natal — € 148,71;
h) — Remuneração variável de desempenho — € 4.461,2
Além disso o A. perdeu 10 dias de dispensa anual em 2009 (253, 254, 257).
19. O banco recusou um mútuo ao A. nos termos do documento de fls. 80 (255).
20. A. e R. celebraram entre si o “acordo de reforma antecipada” do A. junta por este com a petição inicial como documento n.º 1, cujo teor se dá por reproduzido (110 da contestação).
21. Os documentos juntos ao aludido processo encontravam-se na posse do A. (108).
22. O R. moveu em 2004 procedimento disciplinar a um seu trabalhador a que se referem os documentos juntos a fls. 439 a 456, cujo teor dou por reproduzido (135, 136, 137).
23. O aludido trabalhador passou à situação de reforma antecipada, não tendo ainda 60 anos de idade nem 35 anos de serviço (141).
24. A Comissão de Trabalhadores recebeu indicação para não apresentar parecer e devolver o procedimento disciplinar ao departamento jurídico do Banco, atenta a reforma entretanto ocorrida do trabalhador (144).
25. A reforma desse trabalhador foi publicitada no interior do banco por circular (146).
26. Em 2008 o A. teve problemas de saúde do foro cardíaco, tendo uma vez sido transportado ao Hospital, facto que se tornou conhecido no departamento onde exercia funções, incluindo por responsáveis pelo mesmo (153).
27. O A. requereu a reforma antecipada, com efeitos a partir de 01 de Outubro de 2008, mas não chegou a obter resposta do Banco, não obstante já ter 60 anos de idade e mais de 40 anos de serviço, incluindo a contagem do tempo de serviço militar (155).
28. Alguns trabalhadores comentavam que fora instaurado um procedimento disciplinar ao A., o qual sentiu-se marginalizado por alguns colegas e perturbado por isso (159, 160, 183).
29. Antes dos factos o A. tinha bom relacionamento e facilidade de comunicação com os colegas (162).
30. O A. exercia funções na Comissão de Trabalhadores, de que era membro há cerca de 12 anos, eleito em quatro mandatos consecutivos, na qual sempre teve um papel activo e, nessa qualidade, comunicou com muitos trabalhadores de norte a sul do País, através de campanhas, comunicados, reuniões e assembleias, além de contactos pessoais. Também exerceu funções na Comissão de Gestão do Fundo Social e foi nomeado representante dos participantes e beneficiários na Comissão de Acompanhamento do Plano de Pensões, da qual era presidente o director do Departamento de Recursos Humanos BB (165, 166, 167, 168).
31. O A. sentiu-se injustiçado, nervoso, envergonhado, angustiado e desanimado ao saber-se alvo do procedimento disciplinar em causa, receou por si e pela sua família diante da perspectiva de poder vir a perder o emprego, e isso levou-o a isolar-se dos amigos e colegas, e a sofrer forte perturbação, de tal modo que chegou a perder vários quilogramas de peso num mês (172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 189).
32. A infracção imputada ao A. foi participada pelo Director dos Recursos Humanos do Banco, Eng. ..., à Comissão Executiva para os Assuntos Administrativos e de Pessoal (CEAAP) da administração do Banco de Portugal, entidade que exerce o poder disciplinar no seio do R. excepto no que toca a despedimento, em 23 de Junho de 2008, tendo anexo o parecer informativo n.º1416/2008, elaborado pelo Director-Adjunto do DRH, Dr. CC (12, 13, 149.
33. Os documentos em causa apresentados pelo A. respeitam à actividade de supervisão das instituições de crédito e das sociedades financeiras do Banco de Portugal e pertencem a este (43 a 45 e 50).
34. No processo .../07.7TTALM deste 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Almada foi ordenado o desentranhamento dos mencionados documentos nos termos da decisão de fls. 154, transitada em julgado, cujo teor dou por reproduzido (70, 71).

Dado que a matéria de facto anteriormente enunciada não foi objecto de qualquer impugnação, nem se nos afigura que existam razões de ordem legal para se proceder à respectiva alteração, considera-se a mesma como definitivamente assente.
Posto isto e tendo em consideração, quer as questões de recurso suscitadas no recurso principal, quer as que são colocadas no recurso subordinado – desde logo a caducidade do procedimento disciplinar no âmbito do qual o A. veio a ser sancionado pelo R. e que vem invocada neste última recurso, questão que, a obter procedência, pode levar a que se considerem prejudicadas as questões suscitadas no recurso principal bem como parte das que são colocadas no próprio recurso subordinado – levam a que, primeiramente, nos debrucemos sobre as que são colocadas neste último e, desde logo, sobre a invocada caducidade do procedimento disciplinar.
Em síntese, conclui o A./apelante que, nos termos do Acordo de Empresa (AE) do Banco de Portugal, publicado no BTE – 1ª Série – n.º 3 de 22 de Janeiro de 2008, o procedimento (disciplinar) deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o Banco ou o superior hierárquico do trabalhador com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção, pelo que tendo o Banco R., através do Director de Recursos Humanos, tomado conhecimento, em 7 de Maio de 2008,dos factos que determinaram a abertura do procedimento disciplinar e uma vez que a carta contendo a nota de culpa que contra ele foi deduzida, acusando-o de violação de segredo profissional, foi expedida em 26 de Julho de 2008 e por ele recebida em 28 de Julho de 2008, em qualquer destas datas havia já decorrido o mencionado prazo de 60 dias e, desse modo, havia já caducado o processo disciplinar que contra ele fora instaurado.
Entende ainda o A./apelante que a correcta interpretação da aludida norma convencional é a de que a expressão Banco mencionada, na disjuntiva, na aludida norma convencional, significará qualquer pessoa do Banco com competência no domínio dos recursos humanos ou na linha hierárquica do eventual infractor.
Vejamos se assim é!
Não há dúvida que o Acordo de Empresa (AE) do Banco de Portugal e aqui R., publicado no BTE n.º 3 de 22-01-2008, estipula, na sua cláusula 104ª n.º 1, que «O procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o Banco, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção».
Trata-se de norma em tudo idêntica à que, então, já estabelecia o art. 372.º n.º 1 do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08, sendo que o Banco a que ali se faz referência, não é mais do que o empregador a que se alude neste último dispositivo legal, empregador que, nos termos desta norma, tanto pode ser uma pessoa individual como uma pessoa colectiva e, nesta circunstância, pode surgir dotado de uma estrutura mais ou menos complexa de órgãos hierarquizados cada qual com competências próprias ou delegadas, designadamente em matéria disciplinar.
Seguramente no caso dos Bancos, mormente no Banco de Portugal, este será o paradigma, sendo que o poder disciplinar ou reside no próprio Conselho de Administração ou em entidade em que o mesmo delegue esse poder.
Assim, não se pode concluir, como parece pretender A./apelante, que a disjuntiva constante da aludida norma do AE do Banco de Portugal signifique que basta que qualquer pessoa do Banco com competência no domínio dos Recursos Humanos ou na linha hierárquica do eventual infractor tome conhecimento de factos susceptíveis de constituir infracção para que, de imediato, se inicie a contagem do prazo de caducidade do procedimento disciplinar a que ali se faz referência.
Com efeito, decorre da aludida cláusula convencional, como aliás sucede com a mencionada norma legal, que a contagem desse prazo apenas se iniciará a partir do momento em que quem da parte do Banco detenha poderes disciplinares (sejam eles poderes próprios ou delegados), ou então um superior hierárquico do infractor dotado desses mesmos poderes (obviamente por delegação) tome conhecimento dos factos infraccionais susceptíveis de serem merecedores de censura disciplinar.
Ora, no caso em apreço e como resulta dos pontos 14., 16. e, sobretudo, do ponto 32. dos factos provados, no seio do R., o poder disciplinar e ainda assim com excepção da aplicação da sanção de despedimento, pertence (seguramente por delegação) à Comissão Executiva para os Assuntos Administrativos e de Pessoal (CEAAP), a qual tomou conhecimento da infracção imputada ao aqui A./apelante em 23 de Junho de 2008 como consta do mencionado ponto 32.., tendo a mesma deliberado instaurar procedimento disciplinar contra aquele no dia seguinte, ou seja, em 24 de Junho de 2008 (ponto 15.).
É certo que no dia 28 de Abril de 2008, na 1ª sessão de audiência de julgamento realizada no processo .../07.7TTALM a correr termos no 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Almada e em que o aqui A. e o aqui R. também eram partes, aquele, com fins probatórios, requereu a junção de 51 documentos – tidos como abrangidos por segredo profissional – referentes a processos nos quais trabalhara no Banco R. (ponto 7.).
Também é verdade que nessa sessão de julgamento esteve presente um representante do R. dotado de poderes especiais de representação (ponto 10.).
É ainda verdade que no dia 7 de Maio de 2008, o mandatário judicial do Banco R., no aludido processo, enviou e comunicou a este – sem que se saiba a quem da estrutura daquele dirigiu essa comunicação – a junção dos aludidos documentos (ponto 14.).
Só que ficou por demonstrar que aquele representante do R. fosse alguém da respectiva Administração ou, sequer, da aludida CEAAP, assim como ficou por demonstrar que a comunicação feita pelo mandatário judicial do R. no aludido processo tivesse sido feita a qualquer destas entidades do Banco R., tendo, ao invés disso, ficado demonstrado que o procedimento disciplinar deduzido pelo R. contra o A. na sequência da junção dos aludidos documentos ao mencionado processo, foi instaurado na sequência de participação feita em 23 de Junho de 2008 pelo Director dos Recursos Humanos ao CEAAP que era quem, no Banco, detinha competência disciplinar e ainda assim mitigada (ponto 32.).
Por outro lado, resulta da matéria de facto provada (ponto 13.) que por carta datada de 23 de Julho de 2008 e recebida pelo A./apelante em 28 de Julho do mesmo ano, foi a este entregue a nota de culpa que lhe foi deduzida no âmbito do aludido procedimento disciplinar.
Ora, uma vez que nos termos da cláusula 108ª n.º 4 do referido AE, bem como nos termos do disposto no art. 411.º n.º 4 do Código do Trabalho de 2003 – que, como referimos, é o aqui aplicável – é a comunicação da nota de culpa ao trabalhador que interrompe os prazos referidos respectivamente na cláusula 104ª do AE e no art. 372.º do Código do Trabalho, é óbvio que em 28 de Julho de 2008 ainda se não havia esgotado o invocado prazo de caducidade do exercício do procedimento disciplinar por parte do R.
Improcedem, pois, as conclusões 18ª a 26ª extraídas em sentido inverso pelo A./apelante no recurso subordinado pelo mesmo interposto.

Conclui, por outro lado, o A./apelante que a circunstância de, em 28 de Abril de 2008, na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no mencionado processo n.º .../07.7TTALM, haver requerido, para efeitos probatórios, a junção dos 51 documentos, não significa que tivesse incorrido em violação do dever de segredo profissional, já que este, para além de não ser um dever absoluto, apenas se pode concluir pela sua violação se a matéria protegida for divulgada ou utilizada e, naquele caso, o R. opôs-se à junção de tais documentos, oposição que o tribunal sufragou, ordenando o desentranhamento de tais documentos e a sua devolução ao apresentante, não se tendo provado que este os tivesse utilizado ou os tivesse divulgado, ou mesmo que alguém tivesse consultado o referido processo.
Ora, da conjugação da matéria de facto provada constante dos pontos 7., 21., 33. e 34.,, resulta que estando o aqui A./apelante na posse dos aludidos 51 documentos, os quais respeitavam à actividade de supervisão de instituições de crédito e das sociedades financeiras do Banco de Portugal, documentos que a este pertenciam e nos quais o A. trabalhara, este, em 28 de Abril de 2008, requereu no processo .../07.7TTALM (onde o A. e o R. também eram partes) a junção de tais documentos como meio de prova de matéria que, certamente, aí invocara.
Também resulta da mesma matéria de facto que, por decisão proferida a fls. 154 daquele processo e transitada em julgado – decisão que consta de fls. 957 dos presentes autos e que como dela se verifica foi proferida em 10 de Julho de 2008 –, foi ordenado o desentranhamento de tais documentos do aludido processo e a sua devolução ao apresentante, precisamente porque se entendeu que esses documentos continham informações sobre terceiros (muitos deles encimados pela epigrafe “informação”) que identificavam, mencionando muitos factos que estavam em sigilo e por se não verificar a excepção que permitiria a sua apresentação.
Verifica-se, deste modo, que os tais 51 documentos, contendo matéria sigilosa, embora com o intuito de deles se servir como meio probatório no aludido processo, foram efectivamente utilizados e divulgados no âmbito desse processo por parte do aqui A./apelante, não podendo este olvidar, ao requerer a sua junção, que, nos termos do disposto no art. 167.º n.ºs 1 e 2 do Cod. Proc. Civil, o processo civil é público, publicidade que implica o direito de exame e consulta do processo na secretaria, a obtenção de cópias e certidões de quaisquer peças nele incorporadas e isto não só pelas partes como por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revelasse interesse atendível, para além de poderem ser consultados pelos próprios funcionários e magistrados com acesso ao mesmo no âmbito das respectivas funções.
É certo que o R./apelado, nesse outro processo, se opôs à junção de tais documentos, oposição que o tribunal sufragou e determinou o seu desentranhamento e a entrega ao apresentante. No entanto, isso não evitou que os aludidos documentos tivesse permanecido no mencionado processo entre 28 de Abril e 10 de Julho de 2008, com as possibilidades de consulta anteriormente referidas.
Nem se diga que o A./apelante ao haver procedido daquele modo, o fez no exercício do seu direito de acção. Repare-se que o mesmo, ao exercer aquele direito, nem sequer juntou ou requereu a junção de tais documentos com a petição inicial formulada no aludido processo, mas apenas como elementos de prova meramente acessória à que já havia indicado nos autos e apenas em sede da audiência de discussão e julgamento que ali teve lugar, sendo certo que poderia e deveria ter actuado de outro modo, designadamente apresentando outros elementos de prova, mormente testemunhal, que, porventura, fossem capazes de esclarecer o tribunal, naquele outro processo, sobre a actividade desenvolvida pelo A. ao serviço do ali R., ou, no mínimo, solicitar a este autorização para a respectiva utilização em juízo ou requerer ao tribunal a junção dos mesmos pelo próprio R., já que eram documentos que lhe pertenciam e que estavam em seu poder, permitindo, desse modo, a abertura de uma discussão prévia sobre a sigilosidade dos elementos contidos nesses documentos e, consequentemente, a possibilidade ou não da junção dos mesmos àquele processo, ou a forma de se obter a junção dos mesmos sem pôr em causa os direitos em conflito (o direito do A. os poder utilizar enquanto elementos de prova e o direito de sigilo deles decorrente, designadamente em relação às pessoas ou entidades a que se reportavam esses documentos).
Assim, ainda que de âmbito limitado, não há dúvida que o aqui A./apelante, ao actuar da forma que o fez no referido processo e em relação à junção de tais documentos, violou o sigilo profissional a que estava vinculado nos termos do art. 80.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras (RGICSF) aprovado pelo Dec. Lei n.º 298/92 de 31-12, com as alterações do Dec. Lei n.º 3/2008 de 01-01 e também na Lei Orgânica do Banco R., Lei n.º 5/98 de 31-01, pela circunstância de ser funcionário ao serviço do R., justificando, desse modo, a instauração do procedimento disciplinar que, por este, lhe foi movido.

Concluiu, por outro lado, o A./apelante que, na medida em que estava a defender direitos seus, a sanção que lhe foi aplicada tem de ser qualificada como uma sanção abusiva e daí que na condenação de que o Banco R. foi alvo se devesse ter ponderado o que consta do art. 375.º n.º 3 do Código do Trabalho.
Nos termos do disposto no art. 374.º n.º 1 do Código do Trabalho aqui aplicável, «Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador:
a) Haver reclamado legitimamente contra as condições de trabalho;
b) Recusar-se a cumprir ordens a que não devesse obediência, nos termos da alínea d) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 121.º;
c) Exercer ou candidatar-se a funções em organismos de representação de trabalho;
d) Em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os direitos e garantias que lhe assistem».
Para se poder qualificar uma sanção disciplinar como abusiva, é, pois, necessário poder concluir-se pela verificação de uma relação directa de causa/efeito entre uma situação enquadrável numa das quatro referidas alíneas e a sanção aplicada.
Não há dúvida que ao proceder à junção dos mencionados 51 documentos, pertencentes ao aqui R., no início da 1ª sessão de audiência de discussão e julgamento que teve lugar no processo n.º .../07.7TTALM e em que aquele e o ora A. também eram partes, este fê-lo invocando intuitos probatórios, situação que apenas se enquadra na última das referidas alíneas.
Também não merece dúvida que o procedimento disciplinar movido pelo aqui R. contra o ora A. e no âmbito do qual lhe aplicou a sanção objecto dos presentes autos, surge na sequência daquele comportamento assumido pelo A. no âmbito daquele outro processo.
Todavia, a matéria de facto provada não permite concluir que a instauração deste procedimento disciplinar e a aplicação da sanção nele decidida estivesse numa relação directa de causa/efeito, isto é, tivesse sido motivada pela junção dos referidos documentos pelo A. com intuitos probatórios naquele outro processo, mas apenas por, ao fazê-lo, o A. não haver previamente ponderado a matéria sigilosa contida nesses documentos e que estava funcionalmente obrigado a respeitar, pondo em causa direitos pertencentes a terceiros igualmente merecedores da tutela do direito através da consagração da sigilosidade desses documentos. Trata-se de um dever que se mostra normalmente relacionado com o desempenho de determinadas actividades profissionais, como, por exemplo, a do aqui A. enquanto funcionário do ora R..
É certo que o n.º 2 do mencionado art. 374.º estabelece a favor do aqui A. a presunção nele prevista. No entanto, a matéria de facto provada – designadamente a que consta dos pontos 33. e 34. – e as considerações que em torno dela já tivemos oportunidade de fazer, mormente na parte final da apreciação da anterior questão de recurso, levam a considerarmos afastada esta presunção.
Não estamos, pois, perante uma situação de aplicação de sanção abusiva por parte da R./apelada ao A./apelante e consequentemente, não ocorre fundamento para, no caso vertente, se dever levar em consideração o disposto no art. 375.º do Código do Trabalho aqui aplicável.

Uma última questão suscitada pelo A/apelante no recurso subordinado por si interposto, tem a ver com a discordância por este manifestada quanto ao montante da indemnização fixado pelo Tribunal a quo a título dos danos morais por ele sofridos, entendendo que essa indemnização deveria ter sido fixada no montante de 135.000,00 €, ou, pelo menos, em importância consideravelmente mais elevada que a de 6.000,00 € fixada na sentença recorrida.
Já por sua vez, o R. Banco de Portugal no recurso de apelação principal por ele interposto, concluiu que, por entender proporcional a sanção disciplinar de 12 dias de suspensão de funções com perda de retribuição que decidiu aplicar ao A., não ocorre fundamento para haver sido condenado a pagar-lhe a indemnização de € 6.000,00 ou de qualquer outro valor.
Iremos, pois, apreciar a última questão do recurso subordinado em conjunto com a que se suscita no recurso principal deduzido pelo R. /apelante.
Assim, vejamos, antes de mais, se aquela sanção disciplinar se mostra proporcionada ao comportamento infraccional assumido pelo A..
Já concluímos anteriormente que, ainda que de âmbito limitado, não há dúvida de que o A., ao proceder à junção dos mencionados 51 documentos ao referido processo .../07.7TTALM, da forma que o fez, sendo certo que podia e devia actuar de forma bem diversa de maneira a alcançar os propósitos que tinha em mente, pôs em causa e, nessa medida, violou o sigilo profissional a que estava vinculado nos termos do art. 80.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras (RGICSF) aprovado pelo Dec. Lei n.º 298/92 de 31-12, com as alterações do Dec. Lei n.º 3/2008 de 01-01 e também na Lei Orgânica do Banco R., Lei n.º 5/98 de 31-01, justificando que essa sua conduta fosse passível de censura disciplinar mediante a instauração de procedimento disciplinar como, efectivamente, veio a suceder.
Resulta da matéria de facto provada que, muito embora este procedimento disciplinar tivesse sido deduzido com intenção de despedimento, o A. acabou por ser sancionado pelo R. com uma suspensão do exercício de funções pelo período de 12 dias com perda de retribuição (cfr. pontos 15. e 18. dos factos provados).
Ora, se a atitude incauta – considerando a natureza sigilosa dos aludidos documentos e a respectiva junção ao mencionado processo, sem curar previamente de acautelar se o poderia fazer sem, de algum modo, precaver os direitos dos terceiros a que os mesmos respeitavam resultantes do respectivo conteúdo, ainda que com propósitos meramente probatórios – assumida pelo A. no aludido processo em relação à junção dos referidos documentos, de modo algum justificaria a aplicação da sanção de despedimento sem qualquer indemnização ou compensação, também, a nosso ver, não se mostra equilibrada e, nessa medida, justificada a aplicação da sanção mais gravosa de entre as que, conservatórias da relação laboral, surgem previstas na cláusula 105.ª n.º 1 do AE/Banco de Portugal a que já fizemos referência, e ainda por cima logo em termos de aplicação de ½ dessa sanção (cfr. n.º 4 dessa mesma cláusula). Repare-se que, ao tempo em que foi sancionado pelo R., o A. era um trabalhador com 34 anos de antiguidade sem, até então, haver sofrido qualquer penalização disciplinar, sendo que, por outro lado, tinha um bom relacionamento e facilidade de comunicação com os seus colegas.
Atentas as circunstâncias em que tudo se verificou, bastaria, pois, a nosso ver, a aplicação de uma sanção disciplinar menos gravosa para que tivesse sido devidamente censurada, em termos disciplinares, a referida atitude incauta assumida pelo A., e daí que, contrariamente ao entendimento manifestado pelo R./apelante, entendamos, também nós, desproporcionada a sanção disciplinar de 12 dias de suspensão do exercício de funções com perda de retribuição que este decidiu aplicar ao A./apelado.
Quanto à indemnização fixada pelo Tribunal a quo a favor do A., título de danos morais por ele sofridos importa considerar o seguinte:
Estipula o art. 483.º, n.º 1 do Código Civil que «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Constituem pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, a verificação de um facto, traduzido num determinado comportamento ou conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, na medida em que violador de direito ou interesse alheio legalmente protegido; a imputabilidade, ou seja, a possibilidade natural da pessoa prever os efeitos e medir o valor dos seus actos, determinando-se com o juízo que, acerca deles, prefigure; o dano, isto é que o facto ilícito e culposo cause prejuízo a alguém e, finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, enquanto possibilidade de se estabelecer um vínculo entre o facto praticado pelo agente e o dano daí adveniente suportado por outrem.
Posto isto, é certo haver-se demonstrado que alguns trabalhadores comentavam que fora instaurado ao A. um procedimento disciplinar, levando este a sentir-se marginalizado por alguns dos seus colegas, circunstância que o perturbava, tanto mais que, antes dos factos, o A. tinha um bom relacionamento e facilidade de comunicação com os seus colegas e, para além disso, exercia, há já cerca de 12 anos, funções na Comissão de Trabalhadores, sempre com um papel activo, bem como funções na Comissão de Gestão do Fundo Social, tendo também sido nomeado representante dos participantes e beneficiários na Comissão de Acompanhamento do Plano de Pensões.
Por outro lado, também se provou que o A. se sentiu injustiçado, nervoso, envergonhado, angustiado e desanimado ao saber-se alvo do procedimento disciplinar em causa, receando por si e pela sua família diante da perspectiva de poder vir a perder o emprego, o que o levou a isolar-se dos amigos e colegas e a sofrer forte perturbação, de tal modo que chegou a perder vários quilogramas de peso num mês.
Só que já tivemos oportunidade de referir que a atitude assumida pelo A. de, sem mais, ou seja, sem previamente precaver os direitos de terceiros envolvidos em documentos pertencentes ao R. e em que havia trabalhado, juntando-os a um outro processo de natureza pública, ainda que com intuitos meramente probatórios na defesa de interesses a que aí se achava com direito, levou a que o A. pusesse em causa e, desse modo, tivesse violado, ainda que de âmbito limitado, o sigilo profissional a que estava vinculado enquanto funcionário do R., merecendo, essa sua atitude, censura disciplinar por parte deste.
Mostra-se, portanto, justificada a instauração do procedimento disciplinar em que o A. se viu envolvido e no âmbito do qual veio a ser sancionado pelo R. em termos disciplinares, razão pela qual a instauração desse procedimento, ainda que com a manifestação inicial de intenção de despedimento (manifestação que pode entender-se usual em grande parte dos procedimentos de índole disciplinar face aos factos imputados e ao leque de sanções aplicáveis), não constitui, em si, um facto ilícito.
Acresce que, ainda que o R. tivesse, inicialmente, manifestado a intenção de despedimento do A. ao comunicar-lhe a instauração do aludido procedimento disciplinar, o que é certo é que, no final do mesmo, ponderadas as circunstâncias, acabou por aplicar-lhe uma sanção disciplinar não extintiva da relação laboral, embora, pelas razões anteriormente expostas, acabássemos por entender que a mesma foi, ainda assim, desproporcionada.
Ora, a nosso ver e salvo o devido respeito, só se a matéria de facto demonstrada nos pudesse levar a concluir que o facto do A. ter sido desproporcionadamente sancionado, em termos disciplinares, por parte do R. tivesse determinado a produção dos danos morais invocados e demonstrados por aquele, é que estes danos seriam merecedores da tutela do direito em termos de ao A. assistir o direito a uma indemnização ao abrigo do aludido art. 483.º n.º 1 do Cod. Civil.
Só que, bem vistas as coisas, o próprio A. coloca a génese dos invocados e demonstrados prejuízos de natureza moral, na mera circunstância de ter sido alvo de um procedimento disciplinar por parte do R. – por factos que, como já concluímos, só ele deu causa, tornando lícita a instauração desse procedimento – e pela circunstância desse procedimento disciplinar conter a manifestação inicial de intenção deste proceder ao seu despedimento – manifestação que, como também já referimos, se apresenta normal e, como tal, usual em grande parte dos procedimentos de índole disciplinar face aos factos imputados e ao leque de sanções aplicáveis ao trabalhador arguido – o que, no caso e ponderadas as circunstâncias, nem veio a concretizar.
Ora, a circunstância do A. ter sofrido os invocados e demonstrados danos morais pela mera razão de se ver alvo de um procedimento disciplinar por parte do R. – sendo que tal ocorreu por factos a que deu causa – e ainda que com a manifestação de uma mera intenção de despedimento – que in casu nem se veio a concretizar – leva a que tenhamos de concluir não se mostrarem verificados os pressupostos legais conducentes à responsabilização do R. pela ocorrência desses danos.

III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se neste Tribunal da Relação em:
A) Julgar parcialmente procedente a apelação principal, alterando-se a sentença recorrida na parte em que condenou o R. a pagar ao A. o montante de € 6.000,00 (seis mil euros) a título de danos morais, acrescidos de juros de mora.
B) Julgar totalmente improcedente a apelação subordinada.
C) Manter, no mais a sentença recorrida.
Custas da apelação principal a cargo do R./apelante e do A./apelado na proporção de ½ por cada.
Custas da apelação subordinada a cargo do A./apelante
Registe e notifique.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2012

José António Santos Feteira
Filomena Manso Carvalho
José Luís Ramalho Pinto

(Texto integralmente processado em computador, revisto e rubricado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: