Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2992/09.5TTLSB.L1-4
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: COMISSÃO DE SERVIÇO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I- Resultando do AE de 1996 que os cargos de chefia são, dentro dos CTT, sempre exercidos em comissão de serviço e que, cessada a mesma, o trabalhador tem direito à remuneração base que auferia no momento e em virtude desse exercício de funções de chefia, no condicionalismo descrito no mesmo AE, é legítima a atitude dos CTT de retirar, após essa cessação, todas as parcelas remuneratórias que estavam dependentes, por determinação da entidade empregadora, do efectivo exercício das funções de chefia.
II- As mesmas não integravam a retribuição do trabalhador, já que pagamento dessas prestações não podia criar nele qualquer expectativa em relação ao futuro, pois sabia que o exercício dessas funções e o pagamento dessas parcelas eram meramente temporários, durariam apenas enquanto durasse a comissão de serviço.
III- Face ao mesmo AE, a nomeação para esses cargos não tem de revestir a forma escrita, pelo que, não sendo observada esta, o trabalhador não adquire, só por essa circunstância, o direito ao exercício permanente do cargo de chefia.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


AAinstaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho, como processo comum, contraCTT – Correios de Portugal, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 70.842,38,a título de diferenças salariais já vencidas, bem como a actualizar para o futuro o seu vencimento em conformidade, a tudo acrescendo os juros de mora contados à taxa legal.
Para tanto, alegou em síntese e tal como consta da sentença recorrida:
Foi admitido ao serviço da Ré em Janeiro de 1992, mediante contrato de trabalho.
Esteve um período cedido ao Banco Postal e ao regressar à Ré viu ser-lhe reduzida injustificadamente a sua retribuição.,
A Ré apresentou contestação onde, também em síntese, referiu que, antes da cedência do Autor ao Banco Postal, este encontrava-se nomeado em comissão de serviço para um cargo de chefia.
Com a cedência, aquela comissão de serviço cessou, pelo que ao regressar à Ré retomou as funções que antes vinha exercendo, mantendo no entanto o vencimento base da categoria superior onde tinha estado em comissão de serviço.
Respondeu o Autor, alegando que as funções de chefia que antes vinha desempenhando resultaram de simples nomeação e não de nomeação em comissão de serviço, desde logo por ausência dos formais requisitos.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré do pedido.
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Inconformado com o decidido, veio o Autor interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
A Ré apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado.
Foram colhidos os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
Sabendo-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o objecto do recurso temos, como questões a apreciar:
- a nulidade da sentença;
- a impugnação da matéria de facto;
- seo Autor adquiriu a categoria de chefia com carácter de permanência, com o seu consequente direito às prestações remuneratórias que reclama.
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Na 1ª instanciaconsiderou-se provada a seguinte factualidade:
1. O A trabalha por conta da R, sob a direcção e fiscalização desta, desde Janeiro de 1992, tendo passado a efectivo em Maio de 1992.
2. O A foi contratado com a categoria de Economista, desempenhando as funções inerentes à sua categoria.
3. Neste momento o A aufere a remuneração base de €2.037,50.
4. Em 2001 o A auferia a remuneração mensal ilíquida de € 2.223,23, remuneraçãoessa que incluía subsídio de chefia, e subsídio de telefone de residência nos montantes respectivos de € 213,49 e € 52,39.
5. Pelo menos em Janeiro de 2001 o A passou a exercer funções no Banco Postal, continuando a receber o subsídio de chefia acima referido.
6. Em Junho de 2002 começou o A a receber uma remuneração adicional, tendo nessa data sido processada com retroactivos desde a deslocação para o Banco, adicional esse que foi sempre pago até Janeiro de 2003, que em Janeiro de 2003 ascendia a € 280,94.
7. Para além destas parcelas e já antes da transferência, recebia o A subsídio de telefone de residência mensal no montante de € 52,39, subsídioesse que igualmente se manteve após a transferência.
8. Durante o período de cedência ao Banco Postal, o A tinha igualmente os benefícios de uso de viatura e telemóvel.
9. Sucede que esta situação de cedência durou até 31 de Janeiro de 2003.
10. Por despacho de 22/01/2003, que entrou em vigor em 01/02/2003, foram suspendidas ao A as quantias referentes ao subsídio de chefia, telefone residencial e telemóvel no recibo de Fevereiro de 2003 já o A não viu processadas as referidas verbas.
11.Embora no referido despacho, não se fizesse referência à remuneração adicional, mas apenas ao subsídio de chefia/SEF, foi também essa remuneração adicional retirada.
12.O subsídio de chefia já era recebido pelo A antes de ter sido colocado a exercer funções no Banco Postal.
13.O A, através do despacho 249198CA, de 12/11/1998, foi nomeado para o exercício do cargo de chefia, tudo conforme cópia de despacho que está junta a fls. 50 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
14.Em consequência dessa nomeação, o A beneficiou de um aumento na sua retribuição base, denominada remuneração de cargo, à qual acresceram € 213,49 a título de subsídio de chefia e a quantia de € 52,39 a título de subsídio de telefone residencial.
15. Assim, em Dezembro de 2001, o A auferia a remuneração base € 1.706,89, acrescidos de € 50,52 de diuturnidades, € 7,56 por dia a título de subsídio de refeição, € 33,62 a título de abono de família e ainda os subsídios acima mencionados inerentes ao desempenho de funções de chefia.
16.Por despacho do Conselho de Administração da R, DE270502002CA, foi autorizada a cedência ocasional do A ao Banco Postal, tudo conforme cópia do despacho que está junta a fls. 52.
17.Situação que se efectivou em Janeiro de 2002.
18.Cessando a cedência ao Banco Postal, o A regressou aos CTT em 01/02/2003, para o exercício de funções contratuais, ou seja, de Economista.
19. E, por Despacho do Conselho de Administração da R DE20732003CA, de 22/01/2003, o A manteve o vencimento base que vinha auferindo, mas cessou a atribuição dos subsídios inerentes ao exercício da função que exercia no Banco Postal, tais como subsídio de função, remuneração adicional, telemóvel, telefone residencial e outras que lhe foram pagas durante a cedência.
20. Em 7 de Dezembro de 2005, por despacho do Conselho de Administração da R DE32492005, foi autorizada nova cedência do A para a empresa CTT – Expresso, S.A., com efeitos a 2 de Dezembro de 2005, situação que até à data se mantém.
21. O trabalhador, enquanto titular do cargo de chefia, não tinha atribuído viatura para utilização particular, designada VUP.
22. O trabalhador utilizava em serviço a viatura de serviço geral, designada VSG, que estava afecta ao serviço do trabalhador em questão e era utilizada por aquele no serviço, não tendo autorização para uso particular.
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questão prévia:
Juntamente com as suas alegações, veio o Autor-apelante juntar os documentos de fls. 222 a 225.
Ora, resulta do disposto no nº 1 do artº 693º-B do C.P.C. que as partes só podem juntar documentos às alegações nos casos excepcionais a que se refere o artigo 524º, no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas als. a) a g) e i) a n) do nº 2 do artº artº 691º.
Preceitua, por seu lado, o nº1 do artº 524º do mesmo CPC que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso do recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Já o nº 2 de tal preceito legal diz-nos que os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Da articulação das disposições legais referenciadas, resulta que é admissível a junção de documentos com as alegações de recurso em duas situações distintas:
- a primeira, no caso de não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão da 1ª instância;
-a segunda, quando a junção apenas se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Na primeira das hipóteses, compreendem-se os casos de a parte não ter conhecimento da existência do documento, ou conhecendo-a, não lhe ter sido possível fazer uso dele, bem como quando o documento se formou ulteriormente, sendo necessário, para que a junção se considere lícita, que a parte que apresenta o documento demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão na 1ª instância.
Já na segunda hipótese, não se pretende contemplar as situações em que a parte ficou surpreendida com o desfecho da causa, maxime, não ter obtido o respectivo ganho, quando acreditava que tal fosse ocorrer, pois nesse caso já podia, e deveria, ter apresentado o documento em 1ª instância. Visa-se, pelo contrário, abranger as situações que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração, antes da decisão ter sido proferida.
Ora, os documentos em causa, que o Autor pretende juntar, não visam efectuar a prova de quaisquer factos posteriores ao encerramento da discussão em 1ª instância, nem se evidenciam como necessários em virtude do julgamento ali realizado, porque não se reportam a factos cuja relevância o Apelante não podia, razoavelmente, ter em conta, pois destinam-se a demonstrar uma determinada versão de uma realidade já introduzida nos autos, sendo que, quanto à impossibilidade de a parte apresentar o documento, a mesma não se mostra verificada.
Assim como o Apelante nada diz acerca da referida necessidade, sendo que também não demonstrou que lhe não foi possível apresentar os documentos até ao encerramento da discussão –nº 1º do citado artº 524º.
Assim, não poderão tais documentos ser atendidos na valoração da matéria de facto a ter em conta neste recurso.
- a nulidade da sentença:
Veio o Autor - apelante, nas suas alegações de recurso, invocar, como fundamento de nulidade de que enfermará a sentença, a contradição entre os fundamentos e a decisão.
Ora, resulta do nº 4 do artº 668º do C.P.C. que a arguição de nulidades (salvo a respeitante à falta de assinatura do juiz) deve ser feita perante o tribunal que proferiu a decisão, se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Este é o regime do Código de Processo Civil.
O processo laboral contém, porém, uma particularidade, que é a que decorre do nº 1 do artº 77º do Cod. Proc. Trabalho, segundo o qual a “arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.
Já antes, a esse respeito, se estabelecia no anterior Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30/9, no seu artº 72º, nº 1, o seguinte :
"A arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso. "
Esta regra peculiar de que as nulidades da sentença têm de ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (n.º 3 do art. 77º). Para que tal faculdade possa ser exercida, importa que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.
E tem sido entendimento pacífico, a nível jurisprudencial, que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações - cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 25/10/95, Col. Jur.- Ac. do STJ, 1995, III, 279, e de 23/4/98, BMJ, 476, 297.
No caso em apreço, o recorrente remeteu a arguição da nulidade para as alegações do recurso.
Ou seja, não incluiu, tal como resulta obrigatório do referido artº 77º, nº 1, do C.P.T., no requerimento de interposição do recurso, a completa, decisiva e autónoma motivação da arguição, o que torna extemporânea a arguição das nulidades e obsta a que delas se conheça- cfr., neste sentido e entre outros, os Acórdãos do STJ de 28/1/98, Ac. Dout., 436, 558, de 28/5/97, BMJ 467, 412, de 8/02/2001 e 24/06/2003, estes dois disponíveis em www.dgsi.pt.
Entendimento também seguido no Ac. do STJ de 4/4/2001 (Revista 498/01), ao referir-se que a “arguição de nulidades tem se ser feita, obrigatoriamente, no requerimento de interposição do recurso, por forma explícita (ainda que sucintamente), dado que o requerimento de interposição constitui uma peça processual diferente das alegações, sendo que aquele é dirigido ao tribunal a quo e estas são-no ao tribunal ad quem”.
Termos em que se decide não conhecer das arguidas nulidades.
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- a impugnação da matéria de facto:
Veio o Autor – apelante, na conclusão 1ª da sua alegação de recurso, considerar que “existe uma errada apreciação da matéria de facto, tanto no que respeita à prova documental,quanto no que se refere à prova testemunhal
Para, nas conclusões seguintes, em linha com o que já havia feito na corpo dessa alegação, retirar, do documentoque identifica e dos depoimentos, que transcreve de forma parcial, exclusivamente considerações acerca da existência ou não de comissão de serviço e suas consequências.
Vejamos:
A matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nas situações contempladas no nº 1 do artº 712º do C.P.C.
Uma dessas situações, a que releva para o caso, e uma vez que houve gravação da prova, é da al. a), isto é, “Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida”.
Nos termos do artº 685.º-B, nº 1, do mesmo diploma, “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
Por sua vez, no nº 2 de tal artigo estabelece-se:
“No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.
De tais dispositivos resulta, para a parte que impugna a matéria de facto, o cumprimento de diversas regras processuais. Com efeito, todo o processo tem de obedecer a determinadas formalidades que, elas mesmas, não podem deixar de ser consideradas como constituindo factores ou meios de segurança, quer para as partes quer para o próprio Tribunal.
A este respeito é assaz esclarecedora a seguinte passagem do Ac. do Tribunal Constitucional de 14/3/2002, publicado no DR- II Série, de 29/5/2002: “As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os estabelecimentos de prazos, os requisitos de apresentação das peças processuais e os efeitos cominatórios são, pois, algo de inerente ao próprio processo. Ponto é que a exigência desses formalismos se não antolhe como algo que, mercê da extrema dificuldade que apresenta, vá representar um excesso ou uma intolerável desproporção, que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo n°. 1 do art. 20°. da Constituição".
Incumbe, assim, ao recorrente relativamente ao pedido de reapreciação da matéria de facto:
- A necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento o "ponto" ou "pontos" da matéria de facto da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento.
- O ónus de fundamentar as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios, constantes de auto, ou de documento incorporado no processo, ou de registo ou gravação nele realizada, que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados.
O ónus de, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n°. 2 do artigo 522°.-C ", segundo o qual “Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos”.
A reapreciação da prova é pois meramente auditiva, não abrange sequer todo o depoimento prestado por uma qualquer testemunha, mas apenas o depoimento que incidiu sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, e que este tem de indicar por referência ao assinalado na acta da audiência de julgamento.
Afigura-se, assim, a necessidade da individuação dos factos considerados incorrectamente julgados, e a localização na fita registadora dos depoimentos testemunhais que incidiram sobre tais factos, feita através do documento autêntico que é a acta de julgamento, o que visou, em confronto com o regime anterior, facilitar a tarefa quer do tribunal quer dos próprios intervenientes processuais, que assim mais facilmente descortinam os pontos de divergência sobre a matéria de facto invocados pelo recorrente.
Este é o regime aplicável no tocante à reapreciação da prova
Todavia, o recorrente não estruturou desta forma a sua impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Isto, porque, embora indicando, e transcrevendo, os depoimentos das testemunhas em questão, bem como fazendo referência a um documento juntos aos autos, o recorrente acaba por não se reportar à matéria de facto.
Não propõe o recorrente qualquer ponto que, no seu entender, deveria ter sido dado como provado e o não foi, indicando a correspondente redacção, e não indica qualquer ponto que foi dado como provado, não devendo tê-lo sido, ou devendo conter redacção diferente.
Da consideração dos mesmos depoimentos e documento não retira o recorrente qualquer conclusão em termos de modificação da matéria de facto, com referência a qualquer ponto dos articulados: não discrimina, minimamente que seja, quer nas conclusões quer no corpo da alegação, quais são os pontos que pretende ver alterados, suprimidos ou acrescentados, não dando, assim, cumprimento à determinação do referido artº 685º-B, nº 1, al. a), do CPC.
Assim sendo, não tendo o Autor - apelante dado cumprimento a tal determinação, indicando os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, é de rejeitar o recurso relativo à decisão de facto.
Mantendo-se, por não haver qualquer motivo para a alterar, a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
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- o direito:
Considera o Autor- apelante, tal como já havia defendido em sede de petição inicial, que adquiriu a categoria de chefia com carácter de permanência, pelo que após a cessação das suas funções no Banco Postal, para onde foi cedido ocasionalmente pela Ré, não lhe poderia ter sido diminuída a sua retribuição, que incluía, para além do vencimento, a remuneração adicional, o subsídio de chefia, o subsídio de telefone de residência, a viatura de uso pessoal e o telemóvel.
Não lhe assiste, todavia, razão, sendo que a sentença recorrida abordou a questão de forma acertada.
Ficou provado que:
- o Autor, através do despacho de 12/11/1998, constante de fls. 50, foi nomeado para oexercício do cargo de chefia;
- em consequência dessa nomeação, o Autor beneficiou de um aumento na suaretribuição base, denominada remuneração de cargo, à qual acresceram € 213,49 a título de subsídio de chefia e a quantia de € 52,39 a título de subsídio de telefone residencial.
- por despacho do Conselho de Administração da Ré- fls. 52, foi autorizada a cedência ocasional do Autor ao Banco Postal;
- situação que se efectivou em Janeiro de 2002;
- cessando a cedência ao Banco Postal, o A regressou aos CTT em01/02/2003, para o exercício de funções contratuais, ou seja, de Economista;
- e, por Despacho do Conselho de Administração da Ré de 22/01/2003, o Autor manteve o vencimento base que vinha auferindo, mas cessou a atribuição dos subsídios inerentes ao exercício da função que exercia no Banco Postal, tais como subsídio de função, remuneração adicional, telemóvel, telefone residencial e outras que lhe foram pagasdurante a cedência.
Ou seja, o que resulta desta factualidade é que, quer a remuneração adicional, quer o subsídio de chefia e as descritas parcelas remuneratórias, estiveram dependentes, por determinação da Ré, do efectivo exercício das funções de chefia, pelo período de tempo em que o Autor as exerceu, sendo-lhe retiradas quando se verificou o termo da prestação de trabalho no Banco Postal.
A questão é se essa retirada foi legítima.
Tal como se decidiu na sentença e resulta dasclªs 69ª e 74ª do AE aplicável, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 21, de 08/06/1996, a resposta terá de ser necessariamente afirmativa.
De acordo com o despacho junto a fls. 50, foi o Autor nomeado para o cargo de responsável de atendimento e distribuição. Neste despacho não se menciona qualquer forma específica de nomeação, maxime comissão de serviço.
A este propósito dispõe o nº 1 da cláusula 69ª do AE:
“Os cargos de direcção e chefia, dada a sua especificidade, não farão parte dos grupos profissionais e serão exercidos em comissão de serviço”.
Mais adiante, regula a cláusula 74ª a forma de cessação da comissãode serviço:
1 – A comissão de serviço pode ser dada por finda por iniciativa da empresa ou do titular do cargo.
2 – Quando cessar a comissão de serviço, o trabalhador retoma as funções do seu grupo profissional, com a categoria a que tiver entretanto ascendido.
3 – Se a cessação da comissão de serviço foi da iniciativa da empresa, depois de decorrido um período de adaptação de seis meses, o trabalhador mantém o direito à remuneração que auferia até ao momento em que lhe couber, por actualização das tabelas salariais ou por evolução em categorias ou grupos profissionais, remuneração e diuturnidades que somem quantitativos superiores”.
Resulta, assim, destas normas contratuais que os cargos de chefia são, dentro da Ré, sempre exercidos em comissão de serviço. E também que, cessada a mesma, o trabalhador tem direito á remuneração base que auferia no momento e em virtude desse exercício de funções de chefia, no condicionalismo descrito no nº 3 da clª 74º.
É certo que, de harmonia como que dispunha no artº 3º do Decreto-Lei nº 404/91, de 16/10, em vigor à data dos factos, se dispunha que o acordo relativo ao exercício de cargos no regime de comissão de serviço era reduzido a escrito, cominando-se a inobservância deste formalismo com a nomeação permanente para o cargo.
Contudo, há que ter em conta o disposto no artº 1º, nº 1, desse diploma:
Podem ser exercidos em regime de comissão de serviço os cargos de administração, de direcção directamente dependentes da Administração e, bem assim, as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos e a outras funções previstas em convenção colectiva de trabalho, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança”.
Ou seja, é a própria lei que, em princípio, permite que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho possam reger de forma diferente os termos da prestação de trabalho em comissão de serviço. De notar que não estamos perante nenhum dos casos a que se refere o nº 2 desseartº 1º do DL nº 404/91 (já que o Autor não provou, como lhe competiria, factos susceptíveis de integrar a respectiva previsão), o que poderia conduzir a diferente solução (cfr. Ac. deste Relação de Lisboa de 11/01/2012, in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, e resultando do citada clª 69ª que os cargos de direcção e chefia serão sempre exercidos em comissão de serviço, afigura-se-nos inequívoco, tal como à sentença, que se não verifica a necessidade da redução a escrito.
Referindo-se na sentença que: “Ao se fazer constar esta norma de âmbito genérico deixa de fazer sentido exigir-se o formalismo previsto na lei geral atrás transcrita. Este seria de observar, por exemplo, em caso de nomeação de um trabalhador para um cargo que não seja de chefia ou direcção, pois aí importa identificar a que título irá exercer as correspondentes funções. Sabendo-se que toda e qualquer nomeação para cargo de chefia é sempre feita ao abrigo de uma comissão de serviço, carece de efeito útil a redução escrito, com a assinatura de ambas as partes e demais requisitos enumerados, do respectivo acordo.
(…)
Qualquer trabalhador da R sabe que ao ser nomeado para um cargo de direcção ou chefia, vai exercê-lo em regime de comissão de serviço. Esta cláusula tem a virtualidade de tornar certas as formas de nomeação e, ao mesmo tempo, igualar todas as situações de dessa natureza”.
Assente que o Autor, ao ser nomeado para um cargo de chefia, o foi em comissão de serviço, temos que, decorridos cerca de 2 anos, foi o Autor cedido ao Banco Postal, cessando, por impossibilidade prática da sua manutenção, tal comissão.
Estamos perante a figura da cedência ocasional de trabalhadores.
Nada obsta a que uma empresa preste serviços a outra, através de trabalhadores seus, nas instalações dessa empresa. Neste caso os trabalhadores continuam subordinados às ordens direcção e fiscalização da empresa prestadora de serviços, só que prestam a sua actividade noutro local
O DL 358/89, de 17/10 regulamentava, ao tempo, nos seus artºs 26º e seguintes, essa outra forma atípica, para além do contrato de trabalho temporário, de prestação de trabalho, que é a cedência ocasional de trabalhadores, vulgarmente designada por empréstimo de mão-de-obra.
A cedência ocasional de trabalhador consiste na disponibilização temporária e eventual de trabalhador do quadro próprio de um empregador (que não precisa de ser uma empresa de trabalho temporário) para outra entidade, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, mantendo-se no entanto o vínculo contratual inicial.
Como se refere no Ac. desta Relação de Lisboa de 4/5/2011, disponível em www.dgsi.pt “Verifica-se assim, nesta figura, um fraccionamento dos poderes do empregador: embora o trabalhador cedido continue a pertencer ao quadro da empresa cedente, a qual mantém a titularidade exclusiva do poder disciplinar, o poder de direcção e de conformação da prestação laboral cabe à empresa cessionária e o trabalho prestado desenvolve-se sob a direcção desta e demais condições nela existentes – AC do STJ de 14.05.2009, in www.dgsi.com, no mesmo sentido o AC. do STJ, nele citado, de 29.11.2006.
Trata-se de uma figura a que se recorre, com particular frequência, no âmbito dos grupos de empresas, consistindo num instrumento privilegiado para enquadrar as situações de mobilidade interempresarial- ver a este propósito, Prof.ª Maria do Rosário Palma Ramalho, em “Grupos Empresarias e Societários, Incidências Laborais”, Almedina 2008, pp.488-492 e 497-505”.
Veio o Autor, em relação a essa cedência, propugnar, na sua alegação de recurso, pela sua ilicitude, játeria de constar de documento escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário, identificando o trabalhador cedido temporariamente, as funções a executar, a data e o início da cedência, certa ou incerta, devendo o mesmo documento conter a declaração deconcordância do trabalhador
Para além desta eventual ilicitude em nada interferir na solução da questão que nos ocupa, o que se passa é que o Autor só em sede do presente recurso veio levantar essa questão da ilicitude, não o tendo feito na petição inicial, pelo que estamos perante uma questão nova, não objecto de apreciação pela 1ª instância.
E como é pacificamente entendido, o tribunal de recurso não deve, salvo em caso de conhecimento oficioso, tomar conhecimento dessas questões novas.
Prosseguindo, temos que, após o fim dessa cedência ao Banco Postal, o Autor regressou às suas anteriores funções funções contratuais, ou seja, de Economista, tendo-lhe a Ré retirado o subsídio de função, a remuneração adicional, o telemóvel e o subsídio de telefone residencial, que lhe havia atribuído em funções do exercício de funções em comissão de serviço (sendo que, como ficou provado, enquanto titular do cargo de chefia, ao Autor não tinha sido atribuída viatura para utilização particular).
Ora, constituindo o exercício de funções ao abrigo do regime de comissão de serviço um desenvolvimento meramente transitório da relação de trabalho, este condicionalismo retira a essas prestações remuneratórias que eram pagas por tal desempenho o carácter de regularidade e de habitualidade que, nos elementos componentes da retribuição, criam no trabalhador a expectativa normal de ganho, a expectativa de poder contar com elas, no futuro, para satisfazer necessidades permanentes e periódicas do seu orçamento individual ou familiar.
O pagamento dessas prestações não podia criar no Autor qualquer expectativa em relação ao futuro, pois ele sabia que o exercício dessas funções e o pagamento dessas parcelas eram meramente temporários, durariam apenas enquanto durasse a comissão de serviço.
A redacção do nº 3 da clª 74º do AE vai de encontro a estas premissas teóricas, ao falar em “remuneração”, que deve ser entendida no sentido de vencimento base e diuturnidades, e não de retribuição em sentido lado, tal como está definida no artº 82º da LCT.
E não altera esta conclusão a circunstância de o pagamento de tais prestações ter perdurado enquanto o Autor se manteve na situação de cedência ocasional ao Banco Postal. Não sobreexiste qualquer razão para considerar que, com essa sua atitude,a Ré pretendeu tornar definitivo o pagamento dos acréscimos remuneratórios.
Improcedem, assim, e na sua totalidade, as conclusões do recurso.
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Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento à apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012

Ramalho Pinto
Isabel Tapadinhas
Albertina Pereira
Decisão Texto Integral: