Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
132/10.7GABRR-A.L1-9
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
DIAS DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Iº Em caso de substituição da pena de multa por dias de trabalho, a referência é a medida da pena de multa e não da prisão subsidiária resultante da sua conversão;
IIº Sendo de deferir, nos termos do art.48, nº1, do Código Penal, o pedido do arguido de substituição da pena de multa por dias de trabalho, cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.
No processo comum n.º 132/10.7GABRR do 2.º Juízo Criminal do ..., o arguido A... foi condenado na pena única de 110 (cento e dez) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco) euros num total de € 550,00 (quinhentos e cinquenta) euros.
A tal pena foi descontado um dia de detenção nos termos do art.º 80º n.º 2 CP, tendo-se fixado a pena única em 109 (cento e nove) dias de multa.
Na sequência de requerimento formulado pelo arguido nesse sentido foi deferido o cumprimento dessa pena de multa por trabalho a favor da comunidade, mediante despacho judicial com o seguinte teor:
Dispõe o Artigo 48°, n° 1 do C.P. que" a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena. de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Nos temos do n° 2 de tal dispositivo legal " é correspondentemente aplicável o disposto nos n°s 3 e 4 do artigo 58° e no n° 1 do artigo 59°".
Nos termos do Artigo 58° do C.P., cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho no máximo de 480 horas e o trabalho pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas nestes caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada de trabalho, nem exceder por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias – 2 horas -, sendo que no caso presente a correspondência entre a pena de multa e pena de prisão é a de 2/3.
O arguido deverá cumprir a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, na instituição "Espaço Jovem – ...", no ..., em serviços gerais, sendo os horários e dias determinados entre o arguido e a entidade beneficiária, consignando-se que o numero de horas fixado, que é de 72 horas - corresponde ao numero de dias de prisão subsidiária (artigo 58°, n° 3 4 e 48, ambos do C.P., na sua actual redacção), a que foi descontado um dia de detenção do arguido, ao abrigo do disposto no Artigo 80°, n° 2 do C.P.,
DECISÃO:
Face ao exposto, defiro o requerido, autorizando o arguido a prestar a pena de multa em que foi condenado, através de trabalho a favor da comunidade, nos moldes supra expostos, fixando-se o numero de horas a cumprir em 72 horas, considerado o desconto realizado e a correspondência com a prisão subsidiária.”
Inconformado com tal despacho, veio o M.º P.º interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
1. Por despacho constante de fls. 112 e 113, foi deferida a substituição da pena de 109 (cento e nove) dias de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, tendo a Mma Juiz a quo fixado o número de horas a cumprir em 72 (setenta e duas) horas, considerando a correspondência com a respectiva prisão subsidiária;
2. A questão ora em apreciação circunscreve-se a determinar qual a duração da prestação de trabalho a favor da comunidade decorrente da substituição da pena de multa;
3. Após a revisão do Código Penal, operada pela Lei n° 59/2007, de 04 de Setembro, o legislador passou a fixar um critério explícito, objectivo e aritmético para a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, critério este directamente aplicável no que concerne à substituição da pena de prisão e aplicável por remissão expressa do artigo 48°, n°2, do Código Penal no que concerne à substituição da pena de multa;
4. A cada dia de sanção (prisão ou multa) corresponderá uma hora de trabalho a favor da comunidade;
5. Ao prescrever, no artigo 48°, n°2, do Código Penal, que é "correspondentemente"aplicável o disposto no artigo 58°, n°3, o legislador quis dizer que, no caso de substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, deve aplicar-se a regra e proporção constantes deste último preceito legal.
6. O mesmo é dizer que a cada dia de multa corresponderá uma hora de trabalho;
7.. Ao decidir substituir a pena de 109 (cento e nove) dias de multa pela prestação de 72 (setenta e duas) horas de trabalho a favor da comunidade, o despacho recorrido violou as normas previstas no artigo 48°, n°2, e 58°, n°3, do Código Penal, pelo que deverá ser substituído por outro que substitua a pena de 109 (cento e nove) dias de multa pela prestação de 109 (cento e nove) horas de trabalho a favor da comunidade.”
Conclui pela revogação do despacho e substituição por outro que substitua a pena de 109 dias de multa pela prestação de 109 (cento e nove) horas de trabalho a favor da comunidade.

O recorrido/arguido não apresentou resposta.
O Mmo. Juiz recorrido sustentou a sua decisão.
Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, elaborando parecer no sentido da concessão de provimento ao recurso.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C.P. Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

II.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P. (cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95).
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, a questão suscitada consiste em saber como deve efectuar-se a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, no que concerne ao numero de horas de trabalho a cumprir em substituição da pena de multa.
Reportando-se à substituição da multa por trabalho, dispõe o artigo 48.º do Código Penal:
1 – A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 3 e 4 do art. 58.º e no nº 1 do art. 59.º
Por sua vez, este artigo 58.º do Código Penal estabelece, na parte que interessa, que: “ (...)
3 – Para efeitos do disposto no nº 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.

4 – O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável.”
Numa primeira abordagem teórica temos a realçar que, embora com algumas semelhanças, são realidades jurídicas distintas a pena de trabalho a cumprir em resultado de substituição da multa e a pena de trabalho a favor da comunidade. Enquanto aquela constitui um sucedâneo da pena de multa, cuja aplicação se pode perspectivar no decurso do prazo do pagamento desta, surgindo como forma de evitar pena privativa de liberdade em caso de não pagamento (cfr. n.º1 do art.48.º do CP), a segunda perfila-se como pena substitutiva da pena de prisão de curta e média duração e não da pena de multa (como claramente resulta do n.º1 do art.º 58.º CP).
Assim, enquanto a prestação de trabalho, a que alude o citado art. 48.º do C. Penal, é uma forma de cumprimento da pena de multa, só funcionando a título subsidiário, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, consagrada no artigo 58.º do mesmo Código, constitui uma pena autónoma, no sentido de que a prestação de trabalho não constitui elemento do conteúdo executivo de outra pena, antes é ela, em si e por si mesmo, uma pena ou, doutro modo, constitui uma verdadeira pena de substituição, de carácter não detentivo, destinada, ainda ela, a evitar a execução de penas de prisão de curta duração.
Ultrapassado este esclarecimento conceptual e retomando o caso concreto, destacamos que o elemento gramatical constante do n.º 1 do art.º 48º do C. Penal aponta, a nosso ver, inequivocamente no sentido de ser a pena de multa, e não a prisão subsidiária resultante da sua conversão, o ponto referencial determinante do número de dias de trabalho. Na verdade, essa norma refere-se expressamente à pena de multa e não a prisão subsidiária da pena de multa, pelo que salvo o devido respeito, a interpretação feita no despacho recorrido não tem o mínimo de correspondência no elemento literal.
Por outro lado, como muito bem é sublinhado na motivação de recurso pela Exma. Procuradora-Adjunta, “Ao prescrever, no artigo 48°, n°2, do Código Penal, que é "correspondentemente" aplicável o disposto no artigo 58°, n°3, o legislador quis dizer que, no caso de substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, deve aplicar-se, mutatis mutandis, a regra e proporção constantes deste último preceito legal.
O mesmo é dizer: uma hora de trabalho por cada dia de multa.”, ou seja, apenas a regra de correspondência se deve aplicar.
Assim, como é referido em anotação a este preceito no Comentário ao Código Penal, Paulo Pinto de Albuquerque, anot. 5, ao art.º 48º, pag. 223, “… portanto a cada dia de multa corresponde uma hora de trabalho…” com os demais limites estabelecidos na parte final do n.º 3 e no n.º 4 ambos do art. 58.º, limites esses que se compreendem pois, face à natureza não remunerada desse trabalho prestado em substituição da multa, importa que o condenado possa pelo seu trabalho assegurar o seu sustento.
Neste sentido a jurisprudência dominante, que também perfilamos, profusamente mencionada pelo recorrente e, ainda mais recente, o proferido a 11-05-2011, no P.º 635/08.3GCAVR-A.C1, em que foi relator o Exmo. Desembargador Alberto Mira, disponível em www.dgsi.pt/jtrc, cujo ponto 3. do sumário é elucidativo: “Dito por outras palavras, onde se diz, neste normativo: “cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”, quer o legislador referir que, verificados os pressupostos previstos no artigo 48º, n.º 1, “cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”.” este com indicação de vastas decisões nesse sentido.

Assiste, pois, inteira razão ao recorrente, impondo-se em conformidade conceder provimento ao recurso.

III. DECISÃO.
Nestes termos e com tais fundamentos, concedemos provimento ao recurso e em consequência, altera-se a decisão recorrida, fixando-se em 109 (cento e nove) horas o período de trabalho a prestar pelo arguido A..., em substituição da pena de multa em que foi condenado no âmbito do mencionado processo.
Sem custas.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2012.

Relator: João Carrola;
Adjunto: Carlos Benido;