Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2192/11.4TXLSB-B.L1-3
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
IRRECORRIBILIDADE
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEIÇÃO
Sumário: I – Não traduz decisão final recorrível o despacho judicial proferido relativamente a caso em que foi requerida pelo ora Recorrente ao Senhor Juiz de Execução de Penas a apreciação e concessão da liberdade condicional, e em que o Tribunal a quo se limitou a denegar essa apreciação, sem sequer dar início à instrução do processo.
II – Trata-se de um despacho que não aprecia se o Recorrente reúne as condições materiais ou substanciais para que lhe seja concedida a liberdade condicional, nos termos do art. 61.º do Código Penal. Limita-se a constatar que ainda não se verificam os pressupostos processuais para se iniciar a instrução desse processo. É uma rejeição de um requerimento inicial, nos termos do art. 148.º al. a) do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que, pela sua natureza, é insusceptível de recurso.
III – Só é admissível recurso da decisão final, ou seja, aquela que a final do processo, após instrução, reunião do conselho técnico, audição do recluso e parecer do Ministério Público decide de mérito, conceder ou recusar a liberdade condicional
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam – em conferência – na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
J… requereu ao Tribunal de Execução das Penas de Lisboa a apreciação e concessão da liberdade condicional.
Por despacho de 21.11.2011, foi-lhe denegada essa apreciação.
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Inconformado, o recluso interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A- O recorrente apresentou ao douto Tribunal de Execução de Penas, requerimento para que lhe fosse concedida a Liberdade Condicional, por se encontrarem preenchidos os pressupostos formais e materiais, para a concessão da mesma.
B- Por douto despacho do Ilustre Juiz de Execução das Penas, de 21-11-2011 foi negada a concessão da liberdade condicional.
C- Considerou o douto tribunal que apesar de o condenado já ter efectivamente cumprido mais de metade da pena, e estarem preenchidos os pressupostos formais para a dita concessão, esta não podia ser concedida porque o mesmo não se encontrava preso.
D- Veio depois o condenado lembrar que anteriormente, em Março de 2007, estando em liberdade, a 8ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção, após o transito em julgado do respectivo processo e efectuado o cumulo jurídico em 6 anos de prisão, não procedeu da mesma forma, nem com a mesma teoria, porquanto;
E- Não emitiu qualquer mandato de captura para cumprimento dessa pena, mas remeteu por sua iniciativa os autos ao Tribunal de Execução de Penas para apreciação, atento o facto de o condenado já ter cumprido mais de metade da pena dos 6 anos do cúmulo.
F- O Tribunal de Execução de Penas recebeu os autos e em 29 de Março de 2007 proferiu decisão concedendo ao Arguido a liberdade condicional considerando que se mantinham inalterados os pressupostos de direito e de facto que fundamentam a concessão do instituo jurídico-penal da liberdade condicional.
G- Todos estes procedimentos aconteceram sempre com o condenado em liberdade ininterruptamente desde 8 de Julho de 2004.
H- Ou seja, então não foi necessário prender o condenado para depois lhe ser concedida a liberdade condicional.
I- Não se entende o porquê de para uma mesma situação e um mesmo condenado haver diferentes procedimentos: ao contrario de em 2007, que estava em liberdade, agora o condenado, apesar de também preencher todos os requisitos para lhe ser concedida a liberdade condicional, tem primeiro que ser preso (presumivelmente em estabelecimento prisional uma vez que se encontra em regime de permanecia na habitação) e só depois é que pode ver apreciado o seu pedido;
J- Mesmo que o despacho recorrido tivesse razão, que não tem e o condenado tivesse que estar privado da liberdade para que lhe fosse concedida a liberdade condicional, também esse requisito é preenchido neste momento pelo condenado: ele não se encontra em liberdade, mas sim sujeito a medidas privativas da mesma – em regime de permanecia na habitação;
K- Em 24 de Julho de 2008, o Arguido foi novamente preso agora pela Metropolitan Police em Londres em cumprimento de um mandado de captura Europeu emitido pela 5ª Vara Criminal de Lisboa no âmbito do trânsito em julgado de denominado processo D…C… (processo 14/04.1TOLSB);
L- Presente nesse mesmo dia ao Dr. Juiz do “City of Westminster Magistrades’ Court” o Arguido foi colocado em regime de permanência na habitação, apenas podendo ausentar-se da residência durante parte do dia. O passaporte do condenado foi confiscado e entregue à polícia, e o condenado proibido de requerer quaisquer documentos que o habilitassem a viajar e ausentar-se do Reino Unido
M- A decisão do Dr. Juiz do “City of Westminster Magistrades’ Court” foi comunicada às autoridades judiciais e policiais Portuguesas e constam dos autos. Identicamente foram objecto de grande cobertura mediática pelos média em Portugal e nessa perspectiva de conhecimento público;
N- Em 12 de Agosto de 2011, o High Court of Justice, em Londres ordenou o “discharge”, isto é a libertação do Arguido do regime de permanência na habitação e das outras medidas de coacção que lhe estavam impostas no âmbito do mandado de captura Europeu emitido pela 5ª Vara Criminal de Lisboa.
O- Em 17 de Agosto de 2011, O Arguido foi mais uma vez preso pela Metropolitan Police em Londres, agora em cumprimento de um novo mandato de captura Europeu emitido pela 4ª Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do processo numero 19996/97.1TDLSB onde foi determinado o cúmulo jurídico de todas as penas condenatórias do Arguido;
P- Presente nesse mesmo dia ao Dr. Juiz do “City of Westminster Magistrades’ Court” o Arguido foi novamente colocado em regime de permanência na habitação, apenas podendo ausentar-se da residência durante parte do dia. O passaporte do Arguido continuou confiscado e na posse da polícia e o Arguido continua proibido de requerer quaisquer documentos que o habilitem a viajar e ausentar-se do Reino Unido.
Q- Tal como referido no douto despacho do douto Tribunal recorrido, de 21 de Novembro de 2011 “não se confunda “privado da liberdade” com “preso” (no sentido de se encontrar privado da liberdade em cumprimento de pena em estabelecimento prisional) isto porque é admissível conceder liberdade condicional a quem se encontra privado da liberdade, mas não se encontra preso”; artigo 120º nºs1 e 3, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
R- O Código Penal e o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade não fazem distinção entre o cumprimento de medidas privativas da liberdade ser dentro ou fora de Portugal, desde que as mesmas sejam aplicadas por ordem das autoridades judiciais Portuguesas ou no âmbito de um processo judicial Português.
S- Esta é a situação judicial do condenado que está sujeito a medidas privativas da sua liberdade, isto é uma das mais graves: a permanência na habitação no âmbito destes autos;
T- Como se disse, anteriormente, isto é em 29 de Março de 2007 no processo 533/03.7TXLSB, estando o Arguido então em liberdade definitiva e não como agora em regime de permanência na habitação e/ou alvo de outras medidas restritivas da liberdade, o mesmo Tribunal de Execução de Penas apreciou e voltou a conceder liberdade condicional ao Arguido.
U- Temos, portanto, que contrariamente ao referido no douto despacho do douto Tribunal recorrido de 21 de Novembro de 2011, o condenado não se encontra em liberdade, mas sim em regime de permanência na habitação precisamente à ordem do processo onde foi requerida a liberdade condicional;
V- O douto despacho justifica a não concessão da liberdade condicional, com o teor do nº9 do Preâmbulo do Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, “ criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”
W- E o douto despacho após esta constatação dos fundamentos básicos da liberdade condicional concluiu relativamente ao recorrente: ”Não estando o requerente privado da liberdade, em cumprimento da pena única que lhe foi aplicada, não é admissível a apreciação e a concessão da liberdade condicional”; de facto podemos considerar que existe aqui algo com um contra censo e injustiça gritante.
X- Tal como vem referido no Acórdão da Relação do Porto, proc nº 2026/08.7TXPRT-A.P1, 4ª secção, livro 421, ” a liberdade condicional não é uma medida de clemência: pela promoção de forma planeada, assistida e supervisionada da reintegração do condenado na sociedade, constitui, sim, um meio dos mais eficazes e construtivos de evitar a reincidência.”
Y- II- sendo exclusivamente preventivas as razões que estão na base da justificação e da avaliação da liberdade condicional” e afirma ainda “ só deverá a mesma ser recusada se a libertação afrontar as exigências mínimas da tutela do ordenamento jurídico”.
Z- No Acórdão da Relação do Porto, proc: 3696/05.3TXPRT-A.P1, da 1ª Secção, lê-se “ A liberdade condicional regulada no artigo 61º, nº 2 do Código Penal, deve ser considerada não um benefício, mas antes um verdadeiro direito subjectivo”.
AA- A decisão tomada pelo douto Tribunal recorrido, negando a concessão da liberdade condicional ao recorrente, vem em completo desacordo com os fundamentos e objectivos da liberdade condicional em si, pois se o seu objectivo primeiro é criar um período de transição, para que o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social que estaria fatalmente enfraquecido por efeitos da reclusão. O que o douto Tribunal recorrido decidiu foi exactamente o oposto ou o inverso deste objectivo legal. Ou seja: perante um arguido que: i) já cumpriu mais de metade da pena (neste momento 4/5...); ii) está apto e preenche todos os requisitos para que lhe ser concedida a liberdade condicional (tal como afirma o despacho do douto Tribunal recorrido e decorre do artigo 61º do Código Penal); iii) que não se encontra preso em estabelecimento prisional, apesar de ter medidas privativas da liberdade, concretamente estar em regime de permanência na habitação; iv) está integrado na sociedade, estando pois socialmente orientado; v) e não se encontra enfraquecido por efeito da reclusão.
BB- O Tribunal recorrido, recusou conceder a liberdade condicional ao condenado totalmente integrado e socialmente orientado, e propõe que a mesma só seja apreciada depois de o condenado regressar `a prisão.
CC- Ou seja, o condenado tem de ser preso para: i) voltar a ficar enfraquecido por efeitos da reclusão; ii) perder a sua orientação social e o seu equilíbrio; iii) deixar de estar reinserido na sociedade. Depois de voltar à “estaca zero” por força de voltar para a prisão, então de acordo com a tese do despacho recorrido, o condenado vai precisar desse período de transição entre a prisão e a liberdade, para ganhar de novo o equilíbrio...
DD- Tal decisão promove essencialmente a destruição da vida social, familiar e profissional do condenado em vez da sua reinserção e é um verdadeiro atentado aos direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente consagrados
EE- Feriu assim o douto despacho em crise os artigos 61º do Código Penal, e ainda os artigos 29º nº 4 e 204º da Constituição da República Portuguesa.
FF- Motivos pelos quais deve ser dada procedência ao recurso com a correspondente revogação da decisão recorrida por falta de fundamentação, ilegalidade e inconstitucionalidade.
Nestes termos, atento o exposto e as demais disposições legais aplicáveis, deve ser dada procedência ao presente recurso e ser concedida ao condenado a liberdade condicional a que o mesmo tem, que desde já novamente se requer para todos os devidos efeitos legais e por ser da mais elementar JUSTIÇA
*
Respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:
1.
1.1. O Mmº Juiz a quo proferiu dois despachos, provocados pelo ora recorrente, que comportam decisões que mantêm entre si uma relação de identidade, ou seja, consideram que é legalmente inadmissível a concessão da liberdade condicional ao ora recorrente.
1.2. Por outro lado, os dois requerimentos apresentados pelo ora recorrente, que levaram à prolação desses despachos, também, quanto aos pedidos – a concessão da liberdade condicional –, são idênticos, apenas se observando no segundo requerimento a alegação de novos elementos tendentes a aperfeiçoar os argumentos aduzidos no primeiro requerimento.
1.3. Verificamos que o ora recorrente anuiu a uma decisão anterior com os mesmos fundamentos e sentido de uma outra posterior, por si provocada e objecto do presente recurso, aceitando tacitamente a decisão (artigo 681.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil, norma esta aplicável subsidiariamente aos recursos em processo penal, por força do disposto no art. 4.º do Código de Processo Penal (CPP) e, consequentemente, aos recursos previstos no Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, doravante CEPMPL, aprovado pela lei n.º 115/2009, de 12.10, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 40/2010, de 30.09, por força do disposto nos artigos 154.º e 239.º deste diploma legal).
1.4. Mas, para além disso, se vem recorrer, dentro do prazo em relação à segunda decisão, já não o faz no que toca à primeira decisão, uma vez que o recurso surge 23 dias depois de dar entrada o seu segundo requerimento, o que faz supor que foi notificado do primeiro despacho, no mínimo na data desse requerimento, ou seja, para além do prazo de 20 dias previsto para a interposição do recurso (crf. artigo 411.º, n.º 1, al. a) do CPP, aplicável ex vi da remissão prevista no artigo 239.º do CEPMPL).
1.5. Sendo certo que, estando esgotado o poder jurisdicional sobre a questão levantada, em dois requerimentos, pelo ora recorrente, por força da prolação da primeira decisão, o recurso interposto está fora do prazo.
1.6. Assim, se for entendido que houve anuência à decisão, o direito ao recurso deve considerar-se perdido ou então não deve o mesmo ser admitido por o recorrente ter deixado passar o prazo para a sua interposição.
2.
2.1. O regime da liberdade condicional só pode ser aplicado a cidadãos condenados em penas de prisão efectivas que estejam afectos a um estabelecimento prisional ou estejam na situação de adaptação à liberdade condicional (artigos 62.º do Código Penal e 188.º do CEPMPL) ou de modificação da execução da pena (artigo 120.º, n.ºs 1 e 3 do CEPMPL).
2.2. O recorrente, embora já tenha cumprido metade da pena, não se encontra em nenhuma das situações referidas em 2.1., pelo que não pode beneficiar do regime da liberdade condicional.
2.3. Mesmo verificando-se os pressupostos formais legalmente exigidos para a colocação do condenado (ora recorrente) em liberdade condicional (o seu consentimento – artigos 61.º, n.º 1, do Código Penal e 176.º, n.º 1, do CEPMPL – e o cumprimento de metade da pena e no mínimo 6 meses – artigo 61.º, n.º 2 do Código Penal), não era possível com um condenado em liberdade, ou sujeito a uma medida de coacção de obrigação de permanência na habitação como o recorrente pretende induzir que esteja, aferir, pelo menos, da existência do pressuposto material exigido na alínea a) do n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal.
2.4. Para se apreciar a existência deste pressuposto material, designadamente nos casos de apreciação da liberdade condicional e de adaptação à liberdade condicional, é obrigatória a audição do recluso (cfr. artigos 176.º e 188.º, n.º 6, do CEPMPL) para que o Juiz do TEP possa confrontá-lo com as informações vertidas nos relatórios e nas prestadas pelo CT e para que, através da interactividade com o mesmo (imediação) tenha uma directa percepção e possa formar um juízo insubstituível, fundado também e obrigatoriamente nas máximas da experiência comum, e realizar um acto de credibilização sustentada sobre os elementos probatórios essenciais que accionam o funcionamento dos índices que levam à formulação ou não do juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do condenado em liberdade.
2.5. Por outro, lado para avaliar quer este pressuposto material (o que se prende com o juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do condenado em liberdade), quer o outro pressuposto material que tem a ver com a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem jurídica e da paz social (vide artigo 61.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal) o Mmº Juiz a quo teria que ser detentor de diversa informação prestada pelos membros do CT (director do estabelecimento prisional, responsável para a área do tratamento penitenciário, chefe do serviço de vigilância e segurança e responsável da equipa dos serviços de reinserção social – artigo 143.º, n.º 3, do CEPMPL), pelos serviços prisionais e pelos serviços de reinserção social (cfr. artigo 173.º n.º 1, alíneas a) e b), do CEPMPL.
2.6. Sendo que estes membros do CT e dos serviços prisionais, com exclusão do responsável da equipa dos serviços de reinserção social, só podem actuar dentro do estabelecimento prisional em contacto com os reclusos.
2.7. Assim, não estando o recorrente afecto a qualquer estabelecimento prisional em cumprimento de pena de prisão ou, privado da liberdade, mas em execução da pena de prisão, nas situações de adaptação à liberdade condicional ou de modificação da execução da pena de prisão não pode ver apreciada a liberdade condicional.
2.8. Torna-se necessário que o tribunal da condenação, neste caso a 4.ª Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do P. 19996/97.1TDLSB, faça conduzir à cadeia o condenado e remeta a liquidação da pena de prisão ao TEP para que este, em momento oportuno, decida sobre a liberdade condicional do ora recorrente.
2.9. Não se descortina, assim, qualquer violação ao disposto nos artigos 61º do Código Penal, e ainda ao conteúdo dos artigos 29º, nº 4 e 204º da Constituição da República Portuguesa.
2.10. Daí que o despacho que denegou a liberdade condicional, ao cumprir rigorosamente a lei, seja de manter nos seus precisos termos, negando-se provimento ao presente recurso.
Mas, Vossas Excelências, apreciando e decidindo, farão a habitual JUSTIÇA.
O recurso foi admitido.
O MMº Juiz a quo sustentou tabelarmente a decisão recorrida.
Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer de concordância com a posição do Digno Magistrado do Ministério Público em 1.ª instância, quanto ao fundo da questão, entendendo não proceder a questão prévia.
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Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do recurso (artigos 419º nº 3 e 421º nº1 do Código de Processo Penal).
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, as questões a decidir são:
1. Admissibilidade do recurso
2. Revogação do despacho recorrido
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A decisão judicial posta em crise é a seguinte:
1. Por despacho de 26.10.2011, foi indeferido o requerimento apresentado pelo condenado J…, onde requeria a concessão de liberdade condicional.
Tal despacho não foi impugnado pelo condenado, que todavia veio apresentar novo requerimento, sustentando que "que se encontra privado da liberdade no âmbito dos presentes autos" e que por isso "estão preenchidos os pressupostos formais e materiais para a apreciação e concessão da liberdade condicional ao arguido".
O Ministério Público concluiu, na sua promoção: "porque o caminho que o exponente/requereu pretendeu indicar ao TEP não tem qualquer fundamento legal, o nosso entendimento só pode ir no sentido da validade e manutenção, em toda a linha, do douto despacho de 26/10/2011, de fls. 215-218 dos autos".
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2. O anterior despacho apresenta a seguinte fundamentação jurídica:
«Da certidão que nos foi remetida resulta que o ora requerente mostra-se condenado, por acórdão já transitado em julgado, no processo nº 19996/97.1TDLSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa, na pena de 11 anos e 6 meses de prisão.
Mais se determinou, nos referidos autos, que a pena aplicada em cúmulo no processo nº 15402/00.4TDLSB, da 8ª Vara Criminal de Lisboa, de seis anos de prisão, deve ser totalmente descontada na pena de onze anos e seis meses de prisão -v. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a fls. 153 vº.
O arguido, ora requerente, invoca que já cumpriu mais de metade da pena única fixada no 19996/97.1TDLSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa, após o desconto da totalidade da pena do processo nº 15402/00.4TDLSB, da 8ª Vara Criminal de Lisboa, e que por isso está em condições de beneficiar da liberdade condicional.
Efectivamente, se o arguido se encontrasse preso, em cumprimento da pena de prisão a que foi condenado no processo nº 19996/97.1TDLSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa, estariam preenchidos os pressupostos formais para ser apreciada a liberdade condicional, pois, já cumpriu mais de metade da pena e aceita a libertação condicional.
Isto porque nos termos do disposto no artigo 61º do Código Penal, são pressupostos formais (adoptamos a terminologia de Sandra Oliveira e Silva, A Liberdade Condicional no Direito Português: Breves Notas, tese de mestrado, Datajuris pág. 14) de concessão da liberdade:
a) Que o recluso tenha cumprido metade da pena e no mínimo seis meses;
b) Que aceite ser libertado condicionalmente.
Mas, além desses, para que pudesse ser concedida a liberdade condicional, ainda teriam de estar preenchidos os pressupostos materiais ou requisitos substanciais indispensáveis:
c) Que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes;
d) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social (exceptuado o disposto no nº 3 do preceito em causa).
Sucede que o arguido não se encontra a cumprir pena de prisão, mas sim em liberdade. Segundo declarou, reside permanentemente em Inglaterra, desde Maio de 2008.
Ora, a aplicação do instituto da liberdade condicional tem como pressuposto que o arguido se encontra privado da liberdade, em cumprimento de pena de prisão.
Não se confunda "privado da liberdade" com "preso" (no sentido de se encontrar privado da liberdade em cumprimento de pena em estabelecimento prisional).
Isto porque é admissível conceder a liberdade condicional a quem se encontra privado da liberdade, mas não se encontra preso.
São dois os casos em que basta estar privado da liberdade para se poder beneficiar da liberdade condicional:
a) No caso de arguido a quem foi concedida a adaptação à liberdade condicional (antes de atingido o termo do respectivo período deve ser apreciada a concessão da liberdade condicional), ficando em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância -arts. 62º do Código Penal e 188º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade;
b) No caso de modificação da execução da pena, em que o arguido ou fica internado em estabelecimento (de saúde ou de acolhimento adequado) ou em regime de permanência na habitação (também aqui, quando o arguido atinge o respectivo marco relevante da pena, a liberdade condicional deve ser apreciada) art. 120º, nºs 1 e 3, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Exceptuando estas duas situações, não é legalmente admissível conceder a liberdade condicional a quem não se encontra privado da liberdade. A privação actual da liberdade é condição indispensável para a apreciação da liberdade condicional.
Aliás, todo o regime consagrado no Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, como se pode ver nos artigos 173º a 180º, foi estruturado e pressupõe que o destinatário da decisão se encontra preso, em cumprimento de pena de prisão.
Isso também se torna bem patente face ao objectivo da liberdade condicional, que é, segundo o nº 9 do Preâmbulo do Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, “criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”.
Em suma: não estando o requerente privado da liberdade, em cumprimento da pena única de prisão que lhe foi aplicada, não é admissível a apreciação e a concessão da liberdade condicional.»
Argumenta agora o condenado que se encontra privado da liberdade em Inglaterra, "em regime de permanência na habitação", à ordem do processo nº 19996/97.1TDLSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa.
O ora exposto pelo condenado em nada altera os fundamentos em que assentou o anterior despacho.
Tal como então se referiu e aqui se repete, a aplicação do instituto da liberdade condicional tem como pressuposto que o arguido se encontra privado da liberdade, em cumprimento de pena de prisão.
Esse pressuposto formal não se verifica.
Em primeiro lugar, o condenado não se encontra em cumprimento da pena a que foi condenado no processo nº 19996/97.1TDLSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa. Nem sequer se pode considerar que se encontra " em regime de permanência na habitação", mas sim, segundo resulta do próprio documento que junta (fls. 269), a uma mera medida cautelar consistente na obrigação de passar cada noite numa determinada morada, bem como na retenção do seu passaporte.
Tal medida cautelar, segundo o referido documento, foi aplicada no âmbito de um processo com vista à sua extradição para Portugal.
Por isso, essa medida cautelar, aplicada no âmbito de um processo de extradição, não é comparável com o regime de permanência na habitação previsto no nosso ordenamento.
Não consubstancia qualquer cumprimento de pena, nem o período de sujeição a tal medida cautelar é susceptível de desconto na pena única (o que, segundo a sua argumentação, o condenado também não parece ter reivindicado junto do processo nº 19996/97.1TDLSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa), nos termos do art. 80º, nº 1, do Código Penal.
Em segundo lugar, o condenado não se encontra preso, não lhe foi concedida a adaptação à liberdade condicional e nem ocorreu a modificação da execução da pena, únicas situações factuais susceptíveis de, segundo o regime legal em vigor (que se indicou no anterior despacho), levar à apreciação e concessão da liberdade condicional.
Por isso, não lhe pode ser concedida a liberdade condicional.
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3. Termos em que se indefere o requerimento em apreço.
Notifique.
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1. Admissibilidade do recurso
As razões invocadas pelo Digno Magistrado do Ministério Público na sua resposta para sustentar a inadmissibilidade do recurso não podem colher face à modificabilidade das decisões do juiz de execução das penas (art. 138º nº 2 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade) e tendo em atenção que no requerimento que deu origem ao despacho recorrido se avançam com argumentos novos.
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A questão da inadmissibilidade do recurso coloca-se, todavia, noutros termos.
Vejamos.
O processo de liberdade condicional é uma das formas de processo expressamente previstas no Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (art. 155º) que se inicia com uma fase de instrução em que se habilitam os autos com os relatórios e outros elementos pertinentes (art. 173º), a que se segue a reunião do conselho técnico, a audição do recluso e o parecer do Ministério Público (art.s 174º a 177º). Só no termo desse processado é que é proferida a decisão final que pode ser de concessão da liberdade condicional ou de recusa (ou não concessão) dessa liberdade condicional (art.s 177º e seguintes).
Nos termos do art. 235º nº 1 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, “das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei”, optando-se, assim, claramente por uma admissibilidade restrita do recurso no domínio da execução das penas.
No processo de liberdade condicional está expressamente previsto recurso “limitado à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional” (art. 179º).
Atendendo:
1. às questões constitucionais suscitadas e à jurisprudência do Tribunal Constitucional [Acórdão do Tribunal Constitucional nº 638/06 de 21.11.06, em www.tribunalconstitucional.pt] e do Supremo Tribunal de Justiça [Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.4.02 e de 3.7.03, nos proc.s 02P1569 e 03P2702, em www.dgsi.pt]sobre a questão;
2. às alterações legislativas anteriores (art. 485º nº 6 do Código de Processo Penal, na redacção da lei 48/2007);
3. ao propósito do legislador de permitir recurso apenas das decisões finais e em algumas das formas processuais (cfr. art.s 171º, 186º, 196º e 222º);
4. À inserção sistemática do art. 179º (após a decisão final);
É claro que só é admissível recurso da decisão final, ou seja, aquela que a final do processo, após instrução, reunião do conselho técnico, audição do recluso e parecer do Ministério Público decide de mérito, conceder ou recusar a liberdade condicional.
Não é o caso do despacho proferido nos autos. Requerida pelo Recorrente a apreciação e concessão da liberdade condicional, o tribunal a quo limitou-se a denegar essa apreciação [ Embora sem o rigor formal exigível já que antes da parte decisória em que indefere o requerimento para apreciação da liberdade condicional, usou a fórmula “não lhe pode ser concedida a liberdade condicional” que, contudo, no contexto, não pode deixar de ser entendida como significando “não pode ser apreciada a concessão da liberdade condicional”.], nem sequer dando início à instrução do processo.
Trata-se de um despacho que não aprecia se o Recorrente reúne as condições materiais ou substanciais para que lhe seja concedida a liberdade condicional, nos termos do art. 61º do Código Penal. Limita-se a constatar que ainda não se verificam os pressupostos processuais para se iniciar a instrução desse processo. É uma rejeição de um requerimento inicial, nos termos do art. 148º al. a) do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que, pela sua natureza, é insusceptível de recurso.
Procurando demonstrar a natureza meramente processual do despacho recorrido e a consequente inadmissibilidade do recurso, veja-se que:
O despacho recorrido refere a inexistência de um dos pressupostos formais: estar o Recorrente preso, em cumprimento de pena. E, como salienta o despacho requerido – e o Recorrente não questiona – era no processo onde o Recorrente foi condenado que devia ter reivindicado o desconto da medida cautelar sofrida no Reino Unido, porque os tribunais de execução das penas apreciam a liberdade condicional com base nos elementos (relativos a prisão preventiva e outras medidas cautelares a descontar nos termos dos art.s 80º e 82º do Código Penal) fornecidos pelo tribunal da condenação, nos termos dos art.s 470º, 474º nº 1, 469º e 477º do Código de Processo Penal.
Por isso, como também procura esclarecer o despacho recorrido, é ao tribunal da condenação, como tribunal competente para a execução (art. 470º do Código de Processo Penal) que compete liquidar a pena (art. 477º nº 2 e 4) e, ao proceder a essa liquidação, efectuar os descontos das medidas processuais sofridas em Portugal e no estrangeiro (art. 80º e 82º do Código Penal).
Consequentemente, é ao tribunal da condenação e só ao tribunal da condenação que compete a decisão sobre se é o momento processual adequado para proceder a essa liquidação da pena e sobre se as medidas processuais sofridas pelo arguido no estrangeiro devem ser descontadas (por se tratar de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação).
No despacho recorrido o MMº Juíz a quo afirma que a medida cautelar aplicada em Inglaterra [“To live and sleep each night at the above adress”]“não é comparável com o regime de permanência na habitação previsto no nosso ordenamento”. Efectivamente, essa medida cautelar, que permite ao Recorrente continuar a residir no local por si escolhido como domicílio e continuar com as suas actividades normais no exterior, acarreta uma restrição mínima à liberdade pessoal, comparável com a decorrente do termo de identidade e residência em Portugal: “obrigação de não mudar de residência, nem dela se ausentar por mais de cinco dias…” (art. 196º nº 3 al. b) do Código de Processo Penal) que é uma medida de coacção não detentiva que não pode nem deve ser descontado no cumprimento da pena. A medida aplicada é, claramente, uma medida considerada não detentiva [Non-custodial measure] em Inglaterra, porquanto o Recorrente não foi obrigado a permanecer em casa um período mínimo de tempo de horas por dia (normalmente 9 a 12 horas), nem submetido a vigilância electrónica [EM: electronic monitoring. Apenas o confinamento na habitação por um período diário (nocturno) de pelo menos 9 horas, sujeito a vigilância electrónica deve ser descontado a 50% no tempo total de prisão], sendo certo que não há evidências que tenha sido a insuficiência da caução [Que se desconhece se foi fixada embora em regra seja a medida cautelar não detentiva aplicável também no âmbito dos mandados de detenção europeus: A Review of The United Kingdom’s Extradition Arrangements, by Sir Scott Baker, em http://www.homeoffice.gov.uk.], de acordo com o “Bail Act 1976[Com as alterações resultantes do Criminal Justice and Immigration Act 2008 and Criminal Justice (NI) Order 2008.] a determinar a aplicação daquela medida cautelar [Sobre esta questão veja-se a UK Ministry of Justice Response to the European Commission’s Green Paper on the application of EU criminal justice legislation in the field of detention, em http://ec.europa.eu/justice;].
Contudo, será o tribunal da condenação a questionar as autoridades britânicas se tal se mostrar necessário e a apreciar em 1ª instância essa questão, no momento que julgar próprio para a liquidação da pena sendo certo que o deverá fazer tendo por base os elementos que resultarem da comunicação que vier a ser feita às autoridades judiciárias portuguesas pela autoridade central do Estado[E não com base em meras fotocópias juntas pelo Recorrente, até para evitar a possibilidade de as mesmas não reproduzirem com a exactidão necessária as medidas que foram efectivamente fixadas] que vier a cumprir o mandado de detenção europeu se e quando o cumprir, nos termos do art. 10º da Lei 65/2003 de 23.8 (regime jurídico do mandado de detenção europeu).
Por outro lado, para na liquidação da pena se indicarem as datas calculadas para o termo da pena e as mais referidas no art. 477º nº 2 do Código de Processo Penal, torna-se necessário que esteja definido o momento do início da pena o que neste momento não ocorre.
Assim, demonstra o despacho recorrido a inexistência de outro dos pressupostos processuais necessários ao início do processo de liberdade condicional: a comunicação da liquidação da pena homologada pelo juiz do tribunal da condenação enviada ao Tribunal de Execução das Penas.
Face ao supra exposto, aparece como evidente pela tramitação seguida e pelos fundamentos aduzidos que o despacho recorrido não conhece, a final do processo, da questão da liberdade condicional.
Consequentemente, nos termos dos art.s 177º e 235º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, esse despacho não admite recurso. Considerando que nos termos do art. 414º nº 3 do Código de Processo Penal a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior, importa declarar essa inadmissibilidade.

III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência os Juízes da 3ª Secção Criminal desta Relação, nos termos do art. 420º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal, em rejeitar o recurso interposto por J….
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs. (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal), a que acresce a importância de 3 UCs, nos termos do art. 420º nº 3 do Código de Processo Penal.
Lisboa, 29-02-2012
(elaborado, revisto e rubricado pelo relator
e assinado por este e pelo Ex.mo Adjunto)

(Jorge Raposo)

(Fernando Ventura)