Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
617/12.0TBCSC.L1-7
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: ARRESTO
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
TRIBUNAL COMPETENTE
TRIBUNAL DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Porque as providências cautelares, carecidas de autonomia, são sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado – art. 383º, nº 1 do CPC -, a competência para as preparar e julgar cabe ao tribunal que a detiver para a acção de que são dependência.
II - Visando-se acautelar com o arresto o direito de crédito do menor por prestações de alimentos judicialmente fixadas, mas não satisfeitas, a providência é preliminar da acção executiva que virá a ser instaurada para cobrança da dívida e que correrá por apenso à acção declarativa onde constituído foi o título executivo - art. 90º, nº 3 do CPC.
III – Por via da citada regra, ditada pela natureza instrumental dos procedimentos cautelares, se para a execução é competente o tribunal de família – art. 82º, nº 1, alínea e) da LOFTJ -, a jurisdição deste abrange também, e necessariamente, a preparação e julgamento do procedimento cautelar de arresto.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
7ª SECÇÃO CÍVEL

***

I – A… intentou contra B… o presente procedimento cautelar, pedindo que seja decretado “o arresto da quantia de € 9.014,91, bem como dos valores referentes às pensões de alimentos que, entretanto, se vierem a vencer, acrescidas dos respectivos juros, no saldo que vier a ser graduado a favor da requerida nos processos executivos fiscais referidos” (sic).
Alegou, em síntese, que:
- O casamento celebrado entre ele e a requerida foi dissolvido, por divórcio, em Outubro de 2008, tendo-lhe sido atribuído o direito a residir na casa de morada de família, sita na Rua (…), casa onde ficou a viver com o filho menor de ambos.
- Em execução fiscal movida contra a requerida, o dito imóvel veio a ser penhorado e vendido pelo valor de € 93.980,00, sem que o requerente haja requerido a separação de bens, encontrando-se a execução suspensa a aguardar a graduação de créditos.
- Estará iminente a entrega, à requerida, pela Direcção Geral das Contribuições e Impostos, do saldo disponível resultante da venda daquele imóvel.
- A requerida não pagou, a título de pensão de alimentos para o menor, oportunamente fixada, a quantia de € 4.770,00, sendo ainda muito provável que, aquela, após o recebimento do saldo, não pague aquele valor em dívida, nem restitua ao requerente a parte - € 4.244,91 - que este indevidamente suportará com a venda do imóvel comum na satisfação de dívida da exclusiva responsabilidade de sua ex-mulher.
 - Não tendo a requerida em seu nome qualquer outro bem capaz de fazer face ao pagamento dos valores em causa, é enorme o perigo de vir a dissipar o único bem que se sabe pertencer-lhe, visto tratar-se de um bem bastante volátil, que facilmente será ocultado ou gasto logo depois de recebido.

Foi proferida decisão que teve como verificada a incompetência material do Juízo de Competência Especializada Cível por a mesma caber ao Tribunal de Família, tendo, com base nessa excepção, absolvido a requerida da instância.
Esta decisão fundou-se em razões e argumentos que, na essência, se podem resumir do seguinte modo:
- Nos termos do arts. 82º da LOFTJ cabe ao Tribunal de Família o julgamento de quaisquer acções, designadamente cautelares, que tenham por objecto dirimir litígios emergentes entre familiares e que envolvam menores.
- Tendo o exercício do poder paternal do menor sido regulado em processo judicial, no âmbito do qual foi deduzido incidente pelo incumprimento, por parte da requerida, da obrigação de prestar os alimentos fixados ao menor, é por apenso a esse processo que o procedimento cautelar deve correr termos, por imposição do art. 383º, nº 1 do CPC.
Contra ela apelou o requerente, tendo apresentado alegações onde, pedindo a sua revogação na parte que se refere aos alimentos devidos ao menor e substituição por outra que declare a competência do Tribunal Cível para a apreciação da providência, formula as seguintes conclusões:
a) na douta sentença ora recorrida, decidiu o tribunal “a quo” declarar-se incompetente em razão da matéria para julgar a providência cautelar de arresto instaurada pelo Recorrente;
b) o Recorrente não pode concordar com a Douta Decisão, no que se refere à matéria relativa à pensão de alimentos devida o menor;
c) o art. 82º da Lei Orgânica de Funcionamento dos Tribunais Judiciais refere, no seu n. 1, alínea e), que o tribunal de família se mostra competente para fixar os alimentos a menores e preparar e julgar as execuções por alimentos;
d) na providência cautelar instaurada pelo Recorrente não estava em causa nenhum dos dois tipos de processo acima indicados;
e) o Recorrente instaurou uma providência cautelar de arresto, com base na falta de pagamento de pensões de alimentos por parte da Recorrida;
f) O artigo em causa nunca se refere à apreciação das providências cautelares relacionadas com aqueles dois tipos de acções;
g) não pode o Recorrente concordar com os fundamentos aludidos na Douta Decisão para aplicação da excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal “a quo”;
h) se o legislador não concedeu poderes aos tribunais de família para apreciar as providências cautelares relativas a alimentos devidos a menores é porque pretendeu, exactamente, que as mesmas fossem apreciadas pelos tribunais de competência genérica, nos termos do disposto no art. 77º n. 1 a) da LOFTJ;
i) não concorda o Recorrente com a interpretação extensiva efectuada pelo tribunal “a quo”, ao incluir no art. 82º n. 1 e) da LOFTJ as “providência cautelares”;
j) o tribunal “a quo” é o tribunal competente para apreciação da providência cautelar instaurada pelo Recorrente;
k) o Recorrente instaurou, previamente, uma outra providência cautelar com igual pedido no Tribunal de Família e, por despacho de indeferimento liminar, este tribunal de competência especializada declarou-se incompetente em razão da matéria para o apreciar;
l) deste modo, o tribunal “a quo”, com o entendimento plasmado na decisão ora recorrida, violou o art. 82º n. 1 e) e não aplicou a regra contida no art. 77º da LOFTJ.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questão sujeita à nossa apreciação a enunciada pelo apelante nas suas conclusões, visto serem estas, como é sabido, que delimitam o objecto do recurso, ou seja, a de saber se o Tribunal Cível é, ou não, competente, em razão da matéria, para o julgamento da providência cautelar.
 
II – Os elementos processuais a ter em conta para a decisão deste recurso são, para além dos já descritos em sede de relatório deste acórdão, os seguintes:
A) O aqui requerente instaurou, por apenso ao Proc. nº …C que corre termos no 3º Juízo de Família e Menores de Cascais, e apresentando requerimento inicial em cópia a fls. 61-68, procedimento cautelar contra a aqui requerente, com fundamentos e pretensão idênticos aos aqui deduzidos quanto ao montante alegadamente em dívida pela requerida, a título de pensão de alimentos devidos ao menor.
b) Foi proferida decisão, em cópia a fls. 77, que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, com os seguintes fundamentos:
- Em sede do incidente de incumprimento previsto nos arts. 181º e segs. da OTM – processo a que a providência foi apensa -, apenas há lugar ao pagamento pelas formas previstas no art. 189º do mesmo diploma;
- E para apreciação e julgamento da providência, em si mesma considerada, o Tribunal de Família, nos termos dos arts. 81º e 83º da LOFTJ, não detém competência, em razão da matéria.

III – Embora não tenha sido feita prova do respectivo trânsito em julgado, resulta dos elementos trazidos aos autos que houve já decisão do Tribunal de Família, onde correu termos o processo de regulação do poder paternal relativo ao menor, em cujo âmbito, se fixou a prestação alimentar que lhe é devida pela requerida, sua mãe, considerando-se incompetente em razão da matéria para apreciar e julgar a providência de arresto.
O apelante, não tendo posto em causa o acerto daquela primeira decisão, insurge-se, no entanto, contra esta, sustentando, em resumo, que não atribuindo a lei, de forma expressa, competência ao Tribunal de Família para apreciação dos procedimentos cautelares como o presente, tal competência cabe, por força do art. 77º, nº 1, alínea a) da LOFTJ, aos tribunais de competência genérica.
Aceita-se a estranheza que o apelante expressa nas suas alegações por se ver confrontado com decisão judicial que atribui competência a tribunal que antes a refutara já; lembra-se, todavia, que aquela primeira decisão, ainda que transitada em julgado, não tem valor fora do processo em que foi proferida, como resulta do que estabelecem as disposições combinadas dos arts. 106º e 107º do C. P. Civil.
Vejamos, pois.
A competência de um tribunal é a parcela de jurisdição que lhe cabe, determinada segundo critérios através dos quais se distribui e fracciona o poder jurisdicional que, considerado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais.[1]
No que à competência interna respeita, são critérios relativos à matéria, à hierarquia, ao valor, à forma do processo e ao território que estão na base da distribuição do poder jurisdicional pelos diversos tribunais.
Haverá incompetência de um tribunal para a apreciação de uma dada causa, quando a medida da sua jurisdição, aferida segundo os critérios determinativos da competência, não for suficiente para o conhecimento daquela.[2]
E a infracção de regras da competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal - art. 101º do C. P. Civil.
Aos juízos de competência especializada cível compete, nos termos do art. 94º da LOFTJ, “a preparação e o julgamento dos processos de natureza cível não atribuídos a outros tribunais”.
Já aos tribunais de família, também de competência especializada, cabe, no tocante a menores e filhos maiores, além do mais, e de acordo com o disposto na alínea e), do nº 1 do art. 82º da mesma lei, “Fixar os alimentos devidos a menores (…) e preparar e julgar as execuções por alimentos.
Ora, considerando que as providências cautelares, carecidas de autonomia, são sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado, podendo ser instauradas como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva – art. 383º, nº 1 do CPC -, forçoso é concluir que a competência para as preparar e julgar cabe ao tribunal que a detiver para a acção de que são dependência.
A providência cautelar dever ser requerida junto dos tribunais que tenham competência em função da matéria para julgar a acção principal.”[3]
Com o arresto dos autos pretende o apelante acautelar o direito de crédito do menor a prestações de alimentos, judicialmente fixadas, mas não satisfeitas por sua mãe, pelo que a providência é dependência da acção executiva que virá a ser instaurada para cobrança daquela dívida. E esta execução correrá por apenso à acção declarativa onde constituído foi o título executivo, por imposição do art. 90º, nº 3 do CPC.
Se para a execução, causa de que o procedimento cautelar depende, é competente o tribunal de família, a jurisdição deste abrange também, e necessariamente, a preparação e julgamento deste último.
A circunstância de o art. 82º, nº 1, alínea e), acima citado, diversamente do art. 81º c), não conter referência expressa à competência dos tribunais de família para a preparação e julgamento dos procedimentos cautelares relacionados com as causas que enuncia, não pode ser vista, contra o que sustenta o apelante, como sinal de intuito do legislador no sentido de excluir da competência que institui os mesmos procedimentos cautelares.
Isto porque a regra em causa é ditada pela natureza instrumental dos procedimentos cautelares, sem necessidade da sua enunciação pela LOFTJ.
A alusão expressa, feita no art. 81º, c)[4], aos procedimentos cautelares relacionados com os inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, como sendo também da competência dos tribunais de família, seria evitável, visto que o estabelecimento daquela jurisdição para os inventários necessariamente se estenderia aos procedimentos cautelares, enquanto causas incidentais, deles dependentes.
Assim, a decisão recorrida não merece censura, visto não caber ao Tribunal Cível o julgamento do procedimento cautelar de arresto em causa.

IV – Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, mantendo-se a decisão impugnada.
Custas a cargo do apelante.

Lisboa, 20 de Março de 2012

Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro
Graça Amaral
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[1] cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, pág. 17 e segs. e  Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 88 e segs..
[2] cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 129.
[3] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II edição, III Volume, pág. 190
[4] Segundo o qual: Compete aos tribunais de família preparar e julgar “inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados(sublinhado nosso)