Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
783/11.2TBBRR.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
CIGANOS
ESTABELECIMENTO DE ENSINO
INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças tutela direitos que no caso vertente são antagónicos e o mesmo acontece com a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
II - Entre a recusa dos progenitores relativamente à frequência da escola pela menor no contexto da sua organização cultural, e o interesse da mesma menor em cumprir (pelo menos) o período de escolaridade obrigatória deve prevalecer este último.
III - Para se conseguir o escopo pretendido há que realizar um trabalho pedagógico junto dos pais da menor, sendo a medida adequada para esse fim a prevista no artº35º nº1 a) da LPCJP.
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (1ª SECÇÃO)

O Mº Pº, com a legitimidade que lhe é conferida pelos artigos 3° nº 1 e 2 c), 68°, b), 72°, 73 nº b) e 105° nº 1 da LPCJR, relativamente à menor A nascida a ... de ... de 1996, filha de B e de C , residente na Rua ….. M..., veio requerer que fosse instaurado processo de promoção e protecção, com os fundamentos seguintes:
- A menor vive com os progenitores na morada acima indicada e foi sinalizada na CPCJ do M... por abandono escolar.
- Com efeito, a menor abandonou a frequência do 8° ano no Agrupamento de Escolas …., no M..., em Dezembro de 2010.
- A mãe da menor, de etnia cigana, justificou o abandono escolar devido à circunstância de a menor ter atingido a menarca e, de acordo com a cultura vigente nesta comunidade, ser obrigada a deixar a escola para preservar a sua “pureza”.
- Desde então, a menor não voltou a frequentar as aulas, apesar de se encontrar abrangida pela escolaridade obrigatória.
- Em síntese: a menor encontra-se numa situação de perigo ao nível da sua formação escolar e social, a que urge por termo pela tomada de medidas que garantam a sua educação e inserção escolar.
Face ao exposto, requer-se a Vossa Excelência que:
1 - Declare aberta a instrução do Processo de Promoção e Protecção relativamente à menor A ;
2 - Designe dia para audição da menor e dos seus progenitores;
3- Solicite à EMAT a elaboração de relatório sobre a situação da menor;
Instruído o processo, nomeadamente, com o necessário relatório social, foi proposta uma medida de apoio junto dos pais, com a obrigação de a menor frequentar a escola e concluir a escolaridade.
Na Conferência a que se reporta a Acta de fls.57 e 58 concluiu-se pela impossibilidade de acordo, devido à oposição dos pais da menor.
Tendo em conta a referida falta de acordo foi proferida a decisão – propriamente dita - que se segue:
“-…-
- Pelo exposto, e considerando que a menor A não se encontra em situação de perigo que justifique a intervenção judicial, determino o arquivamento dos autos, nos termos do artº111º, da Lei nº 147/99, de 01/09.
- Sem custas.
-…-”
Desta decisão veio o MºPº recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo – fls71.
E fundamentou o respectivo recurso, formulando as conclusões que se seguem:
- A jovem A, nascida em ... de ... de 1996, apesar de estar abrangida pela escolaridade obrigatória, encontra-se na situação de abandono escolar desde o início do ano lectivo de 2009/2010, não tendo completado o 8° ano de escolaridade.
- Foi instaurado Processo de Promoção e Protecção a favor da jovem por tal motivo, com vista à aplicação de medida de promoção e protecção.
- A situação sinalizada - abandono escolar em fase de escolaridade obrigatória - acarreta riscos para a educação e formação da jovem e respectivo desenvolvimento integral da sua personalidade e futura inserção na vida profissional, sem que os pais se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
- Pertencendo, ou não, a uma etnia, in casu, a cigana, a jovem tem direito à escolaridade, educação e formação, devendo ser-lhe assegurado pelo Estado os diversos graus de ensino, em função das suas capacidades e em igualdade de oportunidades, bem como tomar as medidas mais adequadas para ultrapassar o abandono e o insucesso escolar.
- Ao considerar que a situação da jovem não enquadra uma situação objectiva de risco para a sua educação e desenvolvimento e determinar o arquivamento dos autos, apenas porque a menor integra a comunidade cigana que desvaloriza a escola, a decisão proferida não respeitou o superior interesse da jovem e o seu direito à educação.
- De acordo com a Constituição da República Portuguesa, todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica condição social ou orientação sexual (art. 13° da Constituição da República Portuguesa).
- E as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todos as formas de abandono de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e demais instituições (art. 69° da Constituição da República Portuguesa).
- Acresce que todos têm direito à educação, à cultura e ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar (arts.73° e 74° da Constituição da República Portuguesa).
- Só a escolaridade, a educação e a formação são resposta aos problemas de exclusão social e pobreza, associadas quase sempre à falta de qualificações profissionais.
- Não incentivando e favorecendo a escolaridade e a educação, formação e desenvolvimento completo da menor, os seus pais colocaram-na, por omissão, em situação objectiva de perigo.
- Situação esta que justifica a intervenção Tribunal na procura de medida que melhor salvaguarde o interesse superior da jovem.
- A não entender assim, violou o Tribunal a quo o disposto nos arts. 3°, n°1 e 2° al. f), 4°, al. e), 34° e 111° da Lei n° 147/99 de 1/9 -Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, 28°, 29°, 30° da Convenção sobre os Direitos de Criança (Resolução da assembleia da República n° 20/90, D.R. I Série, n°211, de 12.9.90), c arts 13°, 69°, n°l, 70°, 73°, n°1 e 2, 74° e 75° da Constituição da República Portuguesa, e não assegurou o direito da jovem A à sua escolaridade, formação profissional e desenvolvimento integral.
Nestes termos e nos demais de direito deverá o presente recurso ser julgado procedente e provido, revogando-se a decisão recorrida e substituindo por outra que determine a continuação dos autos, com vista à designação de data para o debate judicial e consequente fixação da medida protectiva e promotora dos direitos da jovem A que melhor salvaguardem o seu superior interesse, assim se fazendo a costumada Justiça.
Contra - alegou o pai da menor (que beneficia de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono) formulando as seguintes CONCLUSÕES:
- Veio o Digno Magistrado do Ministério Público, interpor recurso da decisão final nos autos em epígrafe, que determinou o arquivamento dos mesmos.
- O Tribunal a que, considerou, bem, a nosso ver, que a menor em causa, de 14 anos de idade, não se encontra em situação de risco ou perigo que justifique a aplicação de uma medida de protecção, justificada pela tradição cultural da etnia a que a menor pertence – etnia cigana.
- Conforme se conclui da fundamentação do douto despacho recorrido, várias questões se levantam quanto aos autos em causa, que implicam a ponderação de vários interesses, a saber: os direitos garantidos pela Convenção das Nações Unidas das crianças, como sejam o direito à identidade, ao direito de não ser separado dos seus pais contra a vontade destes, o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de religião e por fim o direito a ter a sua própria vida cultural, conjuntamente com os membros do seu grupo, ter a sua própria vida cultural, o direito à educação orientado pelos princípios gerais constantes na Lei 46/86, de 14 de Outubro, o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos, direito esse consagrado no art. 36°, nº 5 da CRP.
- Todos estes interesses foram ponderados no douto despacho à luz dos princípios orientadores de intervenção consagrados no art. 4° da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em perigo, sendo certo que, a intervenção por parte do Estado junto das crianças e jovens tem sempre carácter excepcional e subordina-se aos princípios da necessidade e da proporcionalidade plasmados no art. 18º nº 2 da CRP.
- De facto, resulta claro, do Relatório Social junto aos autos a fie 44 a 48, que a menor A, integra um agregado familiar de etnia cigana, agregado esse que segue as regras e princípios culturais próprios, donde se verifica igualmente, no referido relatório social e nas declarações prestadas e juntas aos autos, que os progenitores são figuras cuidadoras e protectoras, encarando a frequência escolar como colocando a filha em risco, desprotegida.
- Entendem, também, que a recusa na frequência escolar por parte da menor, não irá culminar num qualquer factor de risco, a contrario, entendem que não existe com aquela recusa a colocação da menor em perigo, face à dinâmica familiar e da própria cultura.
- De acordo com a LPCJP, só há necessidade e legitimidade de intervenção, nos casos em que se verifica que o menor ou jovem se encontra em situação de perigo para sua segurança, saúde, educação ou desenvolvimento daqueles, nos termos do disposto no art. 3° do referido diploma legal.
- No douto despacho recorrido entendeu-se não existirem razões para no caso em concreto, aplicar qualquer uma das medidas tipificadas no art. 35° da LPCJP, por entender que face ao caso em apreciação, e cada caso é um caso – nosso entendimento -, a intervenção da LPCJP só deverá ocorrer quando se verifica a necessidade de proteger os menores ou jovens com dificuldades nos seus processos de desenvolvimento e crescimento, quando os mesmos revelam preocupações de prevenção e protecção no sentido de se evitarem situações de perigo que conduzam a situações marginais ou desconformes à vida em sociedade, sendo que no caso em apreço face às especificidades culturais da etnia em causa, tal não se verifica.
- Pelo que, entendemos, que tal intervenção a acorrer levaria a uma instabilidade emocional da menor, e aí sim, poderíamos colocá-la em, perigo.
- Apelamos a V. Exas., Venerandos Desembargadores: a situação ora em apreço, não se coaduna com aquela que o Digno Magistrado do Ministério Publico vem interpor recurso, isto porque a menor é uma rapariga de 14 anos, feliz e autónoma, integrada numa família unida e muito afecta às suas tradições. Resulta do relatório social junto aos autos, e em que se alicerçou a fundamentação da decisão do Douto Tribunal a que, que menciona que os pais são pessoas que embora de baixa escolaridade, encontram-se inseridos profissionalmente e tem ao longo da vida satisfeito as necessidades dos filhos no que diz respeito à saúde, habitação, higiene, vestuário, alimentação, e não menos importante, os afectos.
- Ressalve-se que, a jovem A é muito afecta às tradições ciganas, sendo de todo impensável para ela ir contra os costumes da mesma, certa da primordial importância que a vida em comunidade tem para o, seu povo, assim como o respeito pelas suas tradições.
- Os pais, tal como a menor fazem questão de cumprir com os costumes da sua comunidade.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser negado provimento ao presente recurso, e o douto despacho recorrido mantido, nos seus precisos termos.
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- Foram dispensados os vistos dos Ex.mos Adjuntos.
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APRECIANDO E DECIDINDO
Thema decidendum:
Em função das conclusões do recurso, temos que:
- O MºPº com a legitimidade que a lei lhe confere, insurge-se contra decisão recorrida (de arquivamento dos autos) e pugna pela fixação da medida protectiva e promotora dos direitos da jovem, in casu, ao ensino obrigatório assegurado pelo Estado português
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- OS FACTOS são os constantes do relatório que antecede.
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- O DIREITO
O Tribunal recorrido considerou que as razões culturais aduzidas pela menor e respectiva família de etnia cigana se sobrepunham ao imperativo constitucional e do Estado português que obrigam os jovens nacionais a frequentar o ensino até ao terminus da escolaridade obrigatória.
Outro é o entendimento do MºPº também em representação do menor que, como está espelhado no thema decidendum, pede a este Tribunal de Recurso que, ao arrepio da vontade da família da menor, tome as medidas necessárias a assegurar que a A continue a frequentar o ensino obrigatório.
São estes os fundamentos da decisão recorrida:
“-…-
Como resulta do Relatório Social constante de fls. 44 a 48, a menor A integra um agregado familiar de etnia cigana, que se organiza segundo regras e princípios culturais próprios, fortemente enraizados.
Os progenitores recusam a frequência da escola pela menor no contexto daquela organização cultural e, em consequência, recusam também a intervenção judicial, que teria por escopo a integração escolar - cfr. declarações prestadas a fls. 39 a 41 e 57.
Como decorre do aludido relatório, a menor revela adequada integração familiar, mostrando-se os progenitores figuras cuidadoras e protectoras.
A recusa da inserção escolar não radica assim numa situação de desprotecção ou de incapacidade de contenção por parte dos progenitores, mas insere-se numa diversidade de valores própria da origem do agregado familiar, que não tem comunicação com quaisquer factores de risco relacionados com a dinâmica familiar.
A legitimidade de intervenção no âmbito da LPCJP depende da verificação de uma situação de perigo para a segurança, saúde, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem – artº3º da LPCJP.
Na presente situação, poderia estar em risco a educação e formação da jovem se atendermos ao facto de esta não ter ainda completado a escolaridade mínima obrigatória, nem possuir a idade mínima de admissão para prestar trabalho.
A concluir-se por uma situação de perigo, adoptar-se-ia uma das medidas tipificadas no artº35º da LPCJP.
Porém, a nosso ver, não será essa a solução a dar ao caso da jovem A como a seguir tentaremos demonstrar.
A exposição de motivos da LPCJP remete-nos, desde logo, para a necessidade de proteger as crianças e jovens com dificuldades nos seus processos de desenvolvimento e crescimento, traduzindo preocupações de prevenção e protecção no sentido de evitar situações de perigo que possam conduzir ao desenvolvimento de condutas marginais ou desconformes aos valores fundamentais da vida em comunidade.
O conceito jurídico de crianças e jovens em perigo é exigente e está consubstanciado, designadamente, num dos factores previstos nas als. a) a f) do nº 2 do artº3º da LPCJP, não se bastando com a verificação de um risco, e remete-nos para um nível elevado de gravidade que legitima a intervenção do Estado na vida das crianças e jovens e na sua família.
A intervenção junto das crianças e jovens fundada no artº69º da Constituição da República Portuguesa deve ter um carácter excepcional e subordinar-se aos princípios da necessidade e da proporcionalidade consagrados no artº18º, nº 2, da Lei Fundamental.
No caso em apreço, os pais da menor A fundamentam a sua recusa na continuação da escolaridade em razões culturais.
A decisão sobre a necessidade e proporcionalidade da intervenção judicial ao abrigo da LPCJP implica a ponderação dos interesses em jogo.
Com efeito, de um lado temos o direito à educação, orientado pelos princípios gerais constantes do nº2 da Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, que impõe uma escolaridade mínima obrigatória, com os objectivos consagrados no artº7º da mesma Lei, os quais têm em vista assegurar progressivamente o exercício desse direito na base da igualdade de oportunidades.
Por outro lado, deparamo-nos com o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos, constitucionalmente consagrado no artº36º, nº 5, e com os direitos garantidos pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças como sejam o direito à identidade – artº8º, o direito a não ser separado dos seus pais contra a vontade destes – artº9º, o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de religião – artº14º - e o direito a não ser privada do direito de, conjuntamente com os membros do seu grupo, ter a sua própria vida cultural.
Feito o levantamento dos interesses em questão, há que ponderá-los à luz dos princípios orientadores de intervenção consagrados no artº4º da LPCJP.
Atendendo à idade de A - 14 anos de idade - e à vontade manifestada pelos progenitores de a mesma não ser sujeita a qualquer tipo de intervenção, e aos princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e actualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família, afigura-se-nos que corresponde ao interesse superior da criança a não intervenção.
Concluímos pela não verificação dos pressupostos que legitimam a intervenção judicial com a consequente desnecessidade de aplicação de qualquer medida de promoção e protecção.
-…-”
- Quid juris?
O caso vertente não é de fácil solução.
Como realça a decisão recorrida há valores constitucionais e legais (lei ordinária) conflituantes.
A própria Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças tutela direitos que na situação sub judice são antagónicos.
O mesmo acontece com a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo - LPCJP/ Lei 147/99 de 1-9.
O artº4º da LPCJP estabelece os princípios orientadores de intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem.
Entre tais princípios está o da proporcionalidade e actualidade que aponta, para que, a intervenção seja a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontrem no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidadee) do citado artº4º.
Nos termos do nº1 do artº3º da LPCJP deve haver intervenção para a promoção dos direitos da criança ou do jovem quando os respectivos pais ponham em perigo a sua saúde, educação e desenvolvimento.
A Lei 46/86, de 14-10, precisamente, no interesse das crianças e jovens terem uma educação adequada, impõe uma escolaridade mínima obrigatória.
Provou-se que:
- A menor A integra um agregado familiar de etnia cigana, que se organiza segundo regras e princípios culturais próprios, fortemente enraizados.
- Os progenitores recusam a frequência da escola pela menor no contexto daquela organização cultural e, em consequência, recusam também a intervenção judicial, que teria por escopo a integração escolar.
- A menor revela adequada integração familiar, mostrando-se os progenitores figuras cuidadoras e protectoras.
- A recusa da inserção escolar não radica assim numa situação de desprotecção ou de incapacidade de contenção por parte dos progenitores, mas insere-se numa diversidade de valores próprios da origem do agregado familiar, que não tem comunicação com quaisquer factores de risco relacionados com a dinâmica familiar.
Face aos factos apurados e em obediência ao princípio da proporcionalidade acima enunciado, há que conciliar o interesse da jovem em causa em ter acesso a uma educação igual à dos outros jovens e as suas raízes culturais que a levam a acreditar, bem como, à sua família que “atingida a menarca da jovem, deve deixar a escola para preservar a sua pureza”.
Tal desiderato não é incompatível, antes aconselha, a prossecução dos autos para se assegurar a liberdade de decisão da menor já com 14 anos de idade.
As realidades sociológicas não são estáticas e não é aceitável que a justificação para a menor deixar de frequentar o ensino obrigatório seja a preservação da sua “pureza”.
Há que explicar aos pais da menor que uma coisa não exclui a outra e que a escolaridade obrigatória visa defender as crianças e os jovens, evitando que entrem prematuramente no mercado de trabalho com prejuízo par ao seu normal desenvolvimento psico-social.
Esse trabalho pedagógico deve ser exercido junto dos pais da menor.
A medida adequada a esse fim é a prevista no artº35º nº1 a) da LPCJP:
- Apoio junto dos pais para que compreendam a necessidade da menor concluir a escolaridade obrigatória.

DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar procedente o recurso e consequentemente revogam a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir nos termos supra assinalados, ou seja, tendo em vista a aplicação à menor em causa da medida prevista no artº35º da LPCJP.
Sem custas.

Lisboa, 20 de Março de 2012

Relator: Afonso Henrique Cabral Ferreira
1º Adjunto: Rui Torres Vouga
2º Adjunto: Maria do Rosário Gonçalves