Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1808/07.1TBBRR.L1-8
Relator: AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
CONTRATO DE MÚTUO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O contrato de seguro em geral é a convenção pela qual uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo segurado, a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer ao segurado ou a um terceiro uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado.
II - É um contrato formal porque a sua validade depende de o respectivo conteúdo ser consubstanciado num documento escrito, denominado apólice, de que devem constar o nome do segurador, do tomador e do beneficiário do seguro, o seu objecto, a natureza e o valor e os riscos cobertos, e de adesão, regulado pelas estipulações da daquela apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, em primeira linha, pelas normas do Código Comercial.
III- Os factos provados revelam que a ré e o Banco …, SA, aquela na posição de seguradora e este na posição de tomador e beneficiário, celebraram um contrato de seguro vida grupo, abrangendo a morte ou invalidez de D… e a autora A…, para garantia de um crédito hipotecário daquele Banco em relação a estes, que assim nele figuravam como pessoas seguras ou segurados.
IV- Por virtude do referido contrato, a ré obrigou-se a pagar o capital seguro verificado que fosse o evento respeitante ao risco coberto abrangido pela cobertura, designadamente a morte de algum dos referidos segurados, salvo alguma causa de exclusão.
V - Falecido o segurado D… no dia 8 de Abril de 2006, a ré ficou vinculada, salvo a existência de alguma causa de exclusão, a pagar ao tomador e beneficiário do seguro – o Banco … SA, a quantia de …, correspondente ao seu crédito hipotecário face à herança de D… e A….
VI -O artigo 429º do Código Comercial estabelece que toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo, e se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé, o segurador terá direito ao prémio.
VII - Reporta-se, assim, o mencionado normativo a duas situações distintas, ou seja, por um lado, à declaração inexacta de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou pelo próprio tomador do seguro, isto é, a informação inexacta sobre esses factos ou circunstâncias, e, por outro, à reticência consubstanciada na omissão ou ocultação de uns ou de outras.
VIII - Está assente que D… faleceu em consequência de aterosclerose coronária muito grave e que, no boletim da primeira adesão e na declaração de saúde relativa à segunda adesão, nem ele nem A… expressaram que o primeiro sofria da referida doença.
IX- Mas cabia à ré a prova de que A… e D… lhe omitiram voluntariamente, por ser deles conhecida, a informação sobre a referida doença coronária do último (art.342º, nº2, do CC)
(ISM)
Decisão Texto Parcial:Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO:
A…, B… e C…, na qualidade de herdeiros de D…, residentes na …, intentaram, no dia 4 de Junho de 2007, contra a Companhia de Seguros E…, SA, com sede na Rua …, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo condenação dela no pagamento ao Banco …, SA a quantia mutuada aquando da execução da sentença e aos autores as prestações mensais do crédito hipotecário por eles pagas àquele Banco desde a morte do aderente D… até à execução de sentença e nos juros à taxa legal e demais despesas, a calcular em execução de sentença.
Fundamentaram a sua pretensão no incumprimento pela ré de um contrato de seguro de vida-grupo celebrado com o falecido D…, para garantia do pagamento das quantias mutuadas para aquisição da fracção predial onde residem e reforço da garantia do empréstimo feito pelo Banco …, SA.
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A ré, em contestação, alegou a nulidade do referido contrato de seguro com fundamento na omissão por ele e pela autora, aquando da sua celebração, da declaração de que sofria de aterosclose das artérias coronárias cardíacas.
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Os autores, na réplica, afirmaram que autora A… e a D… desconheciam a doença do último, que não lhes foi solicitado o preenchimento de declaração de saúde, que não preencheram o boletim de adesão nem responderam ao questionário, que assinaram aquele boletim sem conhecer o seu conteúdo e que o mesmo não lhes foi dado a conhecer.
Foi proferido despacho saneador tabelar, apurados os factos assentes, elaborada a base instrutória e realizado o julgamento.
Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu julgar procedente a acção intentada por A…, B… e C… contra a Companhia de Seguros E…SA, e:
1. Condenar a Ré a pagar ao Banco …, SA a parte da quantia por ele mutuada à autora A… e a D….
2. Condenar a ré a pagar aos autores o montante das prestações que estes pagaram àquele Banco em relação aos mesmos contratos de mútuo, a liquidar posteriormente.
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Inconformada com o teor da sentença, veio a Ré interpor recurso, concluindo as suas alegações da forma seguinte:
1-Com todo o respeito que nos merece o Mmº Juiz de 1ª Instância, não pode a Apelante aceitar a Sentença proferida, impondo-se impugnação do julgamento da matéria de facto, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea a) do n°1 do art° 712° do Cód. Proc. Civil.
2-Pois, na realidade, a Douta Sentença recorrida erra no julgamento da matéria de facto, concretamente, nas respostas aos artºs 6º, 7º e 8º da B.I.e, consequentemente, por serem contrários, também nos artigos 17º, 18º, 19º, e 20º da Base Instrutória.
3-Isto é, considera-se que não foi diagnosticada a aterosclerose coronária antes do seguro e que o falecido não conhecia essa doença pelo que, não ocorre o vício alegado pela Apelante de falsas declarações.
4-Por outro lado, ignora-se que o falecido sofria de hipertensão arterial e de dislipidémia e que essas duas doenças contribuíram para a causa da morte.
5-E tal situação é demonstrada pelo doc. 8 junto com a contestação, boletins de adesão doc. 1 e 3 e ficha clínica do falecido fls.
6-Para alterar as respostas referidas, deve atender-se também aos depoimentos dos médicos Drª PD…, cf. CD onde consta o registo da acta de julgamento de 9-12-2009, 00.00.00 até 00.40.41 ( 14.48.51 até 15.27.35), Drº JS.. julgamento de 9-12-2009, registo 00.00.01-00.27.121, entre as 16-01-29 e 16-28-41, e Drº FG.., depoimento se encontra registado no cd da audiência de julgamento de 18-12-2009, 00:00:01 - 00:30:44, horas 15:23:32 ate 15:54:18.
7-Todos afirmam, uns de uma maneira outros de outra, que a hipertensão e a dislipidémia (colesterol) são factores de risco da doença coronária e que as duas contribuíram para o quadro que vitimou o D….
8-E, se os dois factores de risco de doença coronária contribuem para a aterosclerose coronária, e se foi a aterosclerose coronária que causou a morte, então, essas doenças contribuíram para a morte.
9-De toda a prova atrás referida, devidamente conjugada, e por ocorrer erro de julgamento, cf. exposto, devem ser alteradas as respostas dadas pela Mmª Juiz aos artigos 6º, 7 e 8º para PROVADOS com as restrições que melhor se entender, dado que não foi feito diagnóstico à aterosclerose coronária mas existiam as outras duas doenças que contribuíram para ela.
10-Para não ocorrer contradição, se forem alterados os artigos pedidos, como se espera, então os artºs 17º, 18º, 19º, e 20º deverão ser dados como não provados ou até não escritos, por estarem formulados na negativa, o que não devia ocorrer. Devem, em consequência, ser também eliminados os factos 10 e 11 da Sentença.
11-A alteração à matéria de facto permite considerar, como se espera, que o falecido, antes das duas adesões, sofria de duas doenças, cuja omissão condicionava a aceitação ao risco proposto, e assim, declarar-se nulo ou anulado o contrato de seguro de vida dos autos, com fundamento em falsas declarações e omissões determinantes para o risco a cobrir, por aplicação do art. 429º do Código Comercial, com as legais consequências.
12-A Sentença interpreta de forma deficiente a vontade das partes pois, está a impor à Apelante um contrato que poderia rejeitar, se tivesse tido acesso a boletins de adesão formulados com verdade e que reflectissem a situação real do doente.
13-Não é aceitável que se limite a situação de falsas declarações à situação do diagnóstico preciso e exacto de aterosclerose coronária grave, ainda mais porque foram detectadas outras doenças que concorreram para ela e essas foram sim, foram diagnosticadas, medicadas, vigiadas e controladas.
14-E, a falsidade do proponente impediu a E de investigar a sua saúde, para uma correcta avaliação do risco.
15-E, o que se passa é que a Ré, em consequência das omissões do falecido, correu um risco muito superior aos valores provisionais previstos no contrato porque desconhecia as duas doenças, e só as conheceu no relatório médico doc.8 junto com a contestação que, aliás, não foi logo entregue à Apelante.
16-Para terminar, defende-se que não é necessário que a doença omitida tenha relação com a morte ainda que, neste caso concreto existe nexo de causalidade entre as duas doenças omitidas e a doença que causou a morte, como tal, deve ser dado o devido peso a essas duas doenças que contribuíram para a doença coronária, e que foi a doença que vitimou o D.
17-Pelo exposto, a Sentença recorrida não interpretou correctamente a vontade das partes e violou os artigos 236º, 237º e 238º do Código Civil e 427º do Código Comercial.
18-E, em consequência da má interpretação referida, viola frontalmente o artº 429º do C. Comercial e o artº 5 das CG Apólice.
Conclui no sentido de dever ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, revogando-se a douta decisão recorrida, absolvendo-se a Apelante dos pedidos.
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Os recorrentes contra-alegaram, concluindo da forma seguinte:
1- Deve manter-se a prova dada como provada e em sequência não ser considerada a alteração proposta de resposta aos quesitos 6º,7ºe 8º e 17º,18º.19 e 20 da base instrutória, porquanto em momento algum foi diagnosticado ao falecido aterosclerose coronária, nem antes da adesão de 2000, nem antes da adesão de 2006.
2- Como quando da adesão de 2000 o falecido não tinha conhecimento da hipertensão arterial e dislipidémia, como não foi dado como provado que essas duas situações tenham contribuído para a causa da morte.
Mas, mesmo que assim não fosse, terá que se concluir que antes da adesão de 2000 ainda não sabia nem tinha conhecimento de situações de hipertensão e não deve declarar-se nulo ou anulado o contrato seguro.
3- A sentença faz a aplicação certa do direito, não violou o disposto nos artºs 236º, 237º e 238º do CC e 427º do Cód. Comerecial e não violou o artº 429º do C. Comercial e cláusula 5ª das CG, sendo que mesmo esta disposição não deverá ser oposta e excluída do contrato, por não terem sido prestados os esclarecimentos necessários para conhecimento das cláusulas gerais.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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QUESTÕES A DECIDIR:
-Da impugnação da matéria de facto.
-Da validade do contrato de seguro.
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FUNDAMENTAÇÃO:
FACTOS PROVADOS:
Resultou provada a seguinte factualidade derivada do que foi considerado assente na fase da condensação do processo, da resposta à base instrutória e de documentos:
1. A ré celebrou com a Banco …, SA, na qualidade de tomador, um contrato de seguro para garantia de crédito hipotecário, titulado pela apólice nº … relativa à autora e D…, distribuído por duas adesões correspondentes a três empréstimos com os nºs. …, .… e …, sendo a data das duas primeiras adesões com os nºs. … e … com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2000 e a terceira adesão, com o nº … com efeitos a partir de 30 de Janeiro de 2006, e os capitais em divida à data da morte da pessoa segura de €14.242,38 € 15.302,16 + € 29.856,66 para cada empréstimo, respectivamente, e o total de € 59.401,20, conforme os documentos nºs 1 a 5.
2. O Banco …, SA recebeu a proposta assinada por A… e por D… e remeteu-a aos serviços da ré.
3. D… e a autora A… celebraram escritura de compra e venda com empréstimo hipotecário, declarando comprar a fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao primeiro andar frente do prédio urbano sito na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial do … sob o nº … cuja titularidade foi inscrita na sua titularidade.
4. Para a celebração do seguro de vida referido sob 1 foi preenchido o boletim de adesão – proposta - instruído com uma declaração de saúde das pessoas seguras declaram quais as doenças de que padecem.
5. No primeiro boletim de adesão de folhas 30 a 32, datado de 23 de Julho de 2000, que se encontra subscrito pelos aderentes D… e A…, as perguntas que aí constam foram preenchidas do seguinte modo:
1. Sofreu alguma intervenção cirúrgica? – Não;
2. Está sob observação médica ou tratamento médico regular? Não;
3. Já esteve internado em algum estabelecimento hospitalar? Não;
4. Tem alguma deficiência física ou funcional? Não.
5.Esteve de baixa mais de 15 dias consecutivos, nos últimos 5 anos? Não;
6. Foi objecto de recusa ou agravamento de prémio aquando da subscrição de um Seguro de Vida? Não;
7.Fuma? Não;
8. Existe algum facto com a sua saúde que não tenha sido referido e que tenha deixado sequelas em relação às quais foi recomendado algum teste de despistagem, de diagnóstico, exame médico ou tratamento médico que não tenha realizado? Não.
6. No boletim de adesão referido sob 4 constam as seguintes declarações:
a) são correctas e se aplicam as afirmações indicadas na declaração de Saúde, no caso de não ter respondido ao questionário de saúde;
b) respondi com exactidão e sinceridade ao questionário de Saúde, no caso de não me enquadrar nas condições da Declaração de Saúde;
c) tomei conhecimento que os dados recolhidos serão processados e armazenados informaticamente e que se destinam à exclusiva utilização nas relações contratuais com a seguradora e os seus subcontratados;
d) as omissões, inexactidões e falsidades, quer no que respeita a dados fornecidos obrigatório, quer facultativo, são da minha inteira responsabilidade;
e) posso ter acesso à informação que me diga respeito, solicitando a sua correcção, aditamento ou eliminação, mediante contacto directo ou por escrito, junto dos serviços da Seguradora;
f) recebi a “informação à pessoa Segura” disponibilizada através das Condições Gerais do Contrato.
7. Na segunda adesão, constante de folhas 35 a 37, cuja parte de identificação foi preenchida por ambos os aderentes, datada de 6 de Julho de 2005, subscrita por A… e D…, consta a seguinte declaração: Declaro não estar sob observação médica ou em tratamento médico regular, não ter interrompido por mais de 15 dias consecutivos, nos últimos 5 anos, a minha actividade laboral por motivos de saúde, não ter sido operado ou internado em nenhum estabelecimento hospitalar, não ter fármaco ou dependência ou toxicomania, não ter alguma deficiência física ou funcional e não ter sido objecto de recusa ou agravamento de prémio aquando da subscrição de um seguro de vida. Tomo conhecimento das Condições Contratuais e que as coberturas desta Apólice só terão efeito. Autorizo os médicos ou qualquer entidade que me tenha tratado ou examinado a fornecer à E…SA sempre que esta solicitar todas as informações relacionadas com o meu pedido de adesão ou um eventual sinistro.
8. A ré só dispensou a realização de exames médicos e pedido de análises nos seguros de vida dentro de certos limites de capital e desde que o proponente não indique doenças de que padeça e ou que tenha padecido.
9. D… era doente assistido pela médica Drª. PD…, desde 28 de Abril de 2000.
10. Não foi diagnosticada a D…, antes de Abril de 2000, ou antes do preenchimento de quaisquer boletins de adesão, aterosclerose coronária grave.
11. D… e a autora A… não sabiam que aquele era portador de aterosclerose coronária grave e o primeiro nunca realizou quaisquer exames, análises clínicas, ecografias ou terapias para tratamento da aterosclerose coronária grave.
12. D… faleceu no dia 8 de Abril de 2006, às 09.00 horas, cuja morte foi devida aterosclerose muito grave das artérias coronárias cardíacas.
13. Notificada para o pagamento ao titular do crédito hipotecário da quantia segurada, o Banco …, SA respondeu: Na sequência do processo de indemnização por morte de D…o, a Companhia de Seguros E…SA não assume o pagamento da indemnização, retomando os empréstimos a sua rotina.
14. Os autores têm vindo a proceder ao pagamento das prestações mensais que D… e a autora A… se obrigaram perante o Banco …I, SA.
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DE DIREITO:
-Da Impugnação da Decisão da Matéria de Facto:
………..

Em consequência do exposto, mantendo-se inalteráveis os factos fixados, acompanha-se na íntegra a sentença proferida em sede de 1ª instância.
Assim, com fundamento na violação pela ré de um contrato de seguro de vida em grupo, pretendem os autores a condenação da ré no pagamento ao Banco …, SA de parte da quantia mutuada a A… e a D… que lhe é devida, e a eles próprios o montante das prestações que àquele Banco pagaram, desde a data da morte de D…, ambos a liquidar, com juros de mora à taxa legal.
Considerando a data em que o Banco …, SA e a ré contrataram ainda é aplicável o regime do contrato de seguro que consta do Código Comercial (artigo 12º, nº 1, do Código Civil).
O contrato de seguro em geral é a convenção pela qual uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo segurado, a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer ao segurado ou a um terceiro uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado.
É um contrato formal porque a sua validade depende de o respectivo conteúdo ser consubstanciado num documento escrito, denominado apólice, de que devem constar o nome do segurador, do tomador e do beneficiário do seguro, o seu objecto, a natureza e o valor e os riscos cobertos, e de adesão, regulado pelas estipulações da daquela apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, em primeira linha, pelas normas do Código Comercial – artigos 426º, § único, e 427º do C. Com (Ac. do STJ, de 28.7.07, Revista nº. 2007, 7ª Secção, WWW.dgsj.pt). Os factos provados revelam que a ré e o Banco …, SA, aquela na posição de seguradora e este na posição de tomador e beneficiário, celebraram um contrato de seguro vida grupo, abrangendo a morte ou invalidez de D… e a autora A…, para garantia de um crédito hipotecário daquele Banco em relação a estes, que assim nele figuravam como pessoas seguras ou segurados (artigo 1.1.1, alienas a) a d) e f), das Condições Gerais da Apólice).
O referido contrato envolveu duas adesões, correspondentes a três contratos de mútuo, uma com data de adesão em 24 de Agosto de 2000 para os dois primeiros e a outra com data de adesão de 30 de Janeiro de 2006 para o terceiro.
O capital em divida pela ré à data da morte de alguma das pessoas seguras – a autora A… ou D… – em relação a cada um dos referidos contratos de mútuo era, respectivamente, do montante de € 14 242,38, € 15 302,16 e € 29 856,66, ou seja a quantia global de € 59 401,20.
Por virtude do referido contrato, a ré obrigou-se a pagar o capital seguro verificado que fosse o evento respeitante ao risco coberto abrangido pela cobertura, designadamente a morte de algum dos referidos segurados, salvo alguma causa de exclusão (artigos 2.2.1 e 2.2., alínea a), das Condições Gerais da Apólice).
Falecido o segurado D… no dia 8 de Abril de 2006, a ré ficou vinculada, salvo a existência de alguma causa de exclusão, a pagar ao tomador e beneficiário do seguro – o Banco … SA, a quantia de € 59 237,75, correspondente ao seu crédito hipotecário face à herança de D… e a A….
A ré invocou a nulidade do contrato de seguro com o argumento de os segurados D… e A… terem omitido no preenchimento instrumento da primeira adesão ao contrato de seguro e na declaração de saúda relativa à segunda adesão a sabida doença cardíaca de que o primeiro sofria e de que faleceu.
O artigo 429º do Código Comercial estabelece que toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo, e se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé, o segurador terá direito ao prémio.
Reporta-se, assim, o mencionado normativo a duas situações distintas, ou seja, por um lado, à declaração inexacta de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou pelo próprio tomador do seguro, isto é, a informação inexacta sobre esses factos ou circunstâncias, e, por outro, à reticência consubstanciada na omissão ou ocultação de uns ou de outras.
A declaração exacta é a certa, correcta ou verdadeira, isto é, a que corresponde à realidade; e a declaração reticente é a que omite voluntariamente algo que devia ter sido declarado (Ac. do STJ de 28.06.07, citado).
Está assente que D… faleceu em consequência de aterosclerose coronária muito grave e que, no boletim da primeira adesão e na declaração de saúde relativa à segunda adesão, nem ele nem A… expressaram que o primeiro sofria da referida doença.
Mas cabia à ré a prova de que A… e D… lhe omitiram voluntariamente, por ser deles conhecida, a informação sobre a referida doença coronária do último. (art.342º, nº2, do CC)
A este propósito está provado que D… era doente assistido pela médica PD… desde 28 de Abril de 2000, que nunca realizou exames, análises clínicas, ecografias ou terapias para tratamento da aterosclerose coronária grave, que não lhe foi diagnosticada, antes de Abril de 2000, ou antes do preenchimento de quaisquer boletins de adesão, aquela doença, que nem ele nem a autora A… sabiam que ele era portador dessa doença.
Assim, os factos provados não revelam os pressupostos de anulabilidade do contrato de seguro em causa a que se reporta o artigo 429º do Código Comercial, pelo que não releva a invocação pela ré da excepção peremptória da nulidade, que improcede, procedendo a acção.
Assim deve a ré ser vinculada a pagar ao Banco …, SA o valor do crédito que ele tenha em relação aos autores em virtude dos referidos três contratos de mútuo, e aos autores as quantias que eles pagaram àquele Banco desde a data da morte de D….
Como os factos não revelam os mencionados valores, impõe-se que a sua determinação seja relegada para liquidação posterior, nos termos dos artigos 378º, nº 2 e 661º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Não há fundamento para que a ré seja condenada no pagamento de despesas, porque os factos provados as não revelam (artigos 342º, nº 1, do Código Civil, 659º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Também não há fundamento para a condenação da ré no pagamento de juros de mora, porque o âmbito quantitativo da sua condenação no pagamento aos autores depende de liquidação (artigo 805º, nº 3, do Código Civil).
Como está definido o quantitativo que a ré deve pagar ao Banco …, SA e aos autores - € 59 237, 75 – valor que determinou o valor da acção, não obstante a necessidade liquidação posterior, é ela a responsável, porque vencida, pelo pagamento definitivo das custas da acção (artigo 446º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Com esta configuração, improcede o recurso na sua totalidade, confirmando-se na íntegra a sentença objecto de recurso.
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DECISÃO
Nos termos expostos, Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo na íntegra a sentença objecto de recurso.
-Custas a cargo da apelante.

Lisboa, 8 de Março de 2012

Maria Amélia Ameixoeira
Ferreira de Almeida
Silva Santos
Decisão Texto Integral: