Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4129/06.3TBSXL.L2-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PERDA DE CAPACIDADE AQUISITIVA
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
LUCRO CESSANTE
JUROS DE MORA
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA ABSOLUTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2012
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I – Tendo a vítima de atropelamento ficado a sofrer, a título definitivo, de sequelas de natureza física e psíquica que a limitam, que lhe demandam esforços acrescidos para o exercício da sua atividade profissional, é de prever que esse handicap futuramente se refletirá no património da sinistrada, através da perceção de rendimentos fruto da sua força de trabalho inferiores àqueles com que a lesada podia legitimamente contar se mantivesse as qualidades físicas e psíquicas que tinha antes do acidente, o que constitui um dano patrimonial futuro, previsível, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 564.º do Código Civil e quantificável com recurso à equidade (art.º 566º nº 3 do Código Civil).
II - A Portaria n.º 377/2008 de 26 de maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, tem em vista o procedimento que as seguradoras devem adotar a fim de obterem a composição amigável e célere dos litígios emergentes de sinistros automóveis, no âmbito do dano corporal, apresentando critérios e valores que não são definitivos nem vinculativos, não se impondo aos tribunais.
III - A tabela prática prevista no anexo III da supra referida Portaria pode servir como ponto de partida para a tarefa de se fixar a indemnização do indicado dano patrimonial futuro, mas o método fundamental a utilizar será a comparação com outras decisões judiciais, tendo nomeadamente em vista o disposto no art.º 8.º n.º 3 do Código Civil.
IV - No caso de uma sinistrada que à data do acidente tinha 36 anos de idade, era funcionária administrativa e auferia € 575,00 líquidos por mês acrescidos de refeições em que poupava € 4,00 por dia útil, ficou afetada de limitações físicas e psíquicas que determinam uma IPP de 18,65%, as quais não a impossibilitam de exercer a sua profissão habitual, mas obrigam-na a um acréscimo de esforço, afigura-se adequada a atribuição de uma indemnização, a título de dano patrimonial futuro, no valor de € 45 000,00.
V – No caso de uma sinistrada que tinha 36 anos à data do acidente, sofreu traumatismos e fraturas ao nível da bacia e membros inferiores, esteve internada 28 dias e padece de sequelas ao nível psíquico e físico que determinaram uma IPP de 18,65%, incluindo já um previsível dano futuro, é adequada uma indemnização, a título de dano não patrimonial, no valor de € 35 000,00.
VI - No caso de crédito ilíquido emergente de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja mora antes da data da citação; só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização atualizar o respetivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão (ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 566.º do Código Civil) é que os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação.
(JL)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em 13.6.2006 “A” intentou na comarca do Seixal ação declarativa de condenação com processo ordinário contra Companhia de Seguros “B”, S.A..
A A. alegou, em síntese, que em 28.9.2004, em Corroios, foi vítima de um atropelamento causado por culpa exclusiva do condutor de um veículo automóvel cuja proprietária havia transferido para a R. a correspondente responsabilidade civil decorrente da sua circulação. Em virtude do acidente a A. sofreu múltiplas lesões, que descreve. Segundo a A., esteve internada no hospital até 26.10.2004 e andou em tratamentos ambulatórios até 09.6.2006, data em que teve alta. A A. sofre de graves sequelas, que a incapacitam para o desempenho da sua atividade profissional. Sofreu lesões na bacia cujas sequelas lhe determinaram uma IPP de 10%. À data do acidente a A. era funcionária administrativa de “C” (Portugal) – ..., S.A.. Em consequência de a A. não poder trabalhar, em virtude do acidente, em 28.10.2005 a A foi abrangida por um processo de despedimento coletivo, estando atualmente desempregada. A A. nasceu em 05.02.1968 e está incapaz para o trabalho. A R. foi custeando, até janeiro de 2006, parte das despesas mensais da A., tendo a A. ainda a haver a importância de € 15 000,00. A A., se estivesse ao serviço da “C”, teria os aumentos de vencimento normais para os trabalhadores da sua categoria, beneficiaria de refeições a baixos custos, de excelentes serviços médicos e de enfermagem, além de transporte gratuito, o que se traduzia, à data do acidente, num total de € 797,00 por mês. Em alternativa a esse ganho mensal actualizável, devido desde outubro de 2004 até fevereiro de 2133 [quereria dizer 2033], a A. reclama o pagamento da quantia de € 238 691,59, como indemnização global pela perda de salário. Acresce que a A. sofreu uma desvalorização da sua capacidade física, valorizada numa IPP de 10%, que a diminui nos seus 48 anos de expectativa de vida e que deve ser avaliada em € 31 241,93. A A. sofreu danos morais, que a A. valoriza em € 50 000,00.
A A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar à A. a importância de € 15 000,00 pela diferença entre o que a A. gastara e o que a R. lhe custeara até fevereiro de 2006, bem como a renda mensal de € 797,00, pela incapacidade definitiva para o trabalho desde outubro de 2004 a fevereiro de 2133 [quereria dizer 2033], actualizável a 6% em janeiro de cada ano ou, em alternativa, a quantia de € 238 691,59, a que deve acrescer a importância de € 31 241,93 pela IPP de 10%, e ainda a quantia de € 50 000,00, como reparação de dano moral, tudo com juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
A Ré contestou, alegando que a A. contribuíra culposamente para o acidente e impugnando os danos invocados e as indemnizações reclamadas, que considerou exageradas e desconformes com os critérios legais e jurisprudenciais. Mais chamou a atenção para o facto de a A. estar a receber da R. uma pensão provisória, reconhecida por transação efetuada em procedimento cautelar para arbitramento de reparação provisória, apensado aos autos.
Foi elaborado despacho saneador tabelar e procedeu-se à seleção da matéria de facto.
Realizou-se perícia médico-legal, após o que teve lugar a audiência de discussão e julgamento, que culminou com decisão de facto.
Em 07.9.2011 foi proferida sentença, em que se emitiu o seguinte dispositivo:
Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, decido:
A) Condenar a Ré Companhia de Seguros “B” Portugal, S.A. a pagar à Autora “A”, a quantia de € 79 179,13 (setenta e nove mil cento e setenta e nove Euros e treze Cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
B) Condenar a Ré Companhia de Seguros “B” Portugal, S.A. a pagar à Autora “A”, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, referente aos danos patrimoniais relativos a despesas médicas, medicamentosas, de serviços domésticos e de transportes suportadas pela Autora desde a data do acidente até à data da entrada em juízo da presente acção, até ao montante de € 15 000,00, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
C) Condenar a Ré Companhia de Seguros “B” Portugal, S.A. a pagar à Autora “A”, a quantia de € 40 000,00 (quarenta mil Euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a data da presente sentença, até integral pagamento.
D) Absolver a Ré Companhia de Seguros “B” Portugal, S.A. do demais peticionado.
E) Custas pela Autora e pela Ré na proporção do decaimento (cf. artº. 446º do C.P.C.), ficando as custas quanto à condenação ilíquida sobre a quantia peticionada - € 15 000,00 - a cargo da parte vencida, sem prejuízo do acerto posterior resultante de liquidação, e tudo sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Autora.”
Tanto a A. como a R. apelaram da sentença.
Em 11.5.2011 a Relação de Lisboa, por decisão singular, julgou procedente a apelação da A., declarando nula a sentença e ordenando que os autos baixassem à 1.ª instância para que fosse proferida nova decisão final de molde a que fosse tomado conhecimento do pedido inicial referente à “renda mensal de 797,00 €, pela incapacidade definitiva para o trabalho desde Outubro de 2004 a Fevereiro de 2033, actualizável a 6% em Janeiro de cada ano…”
Em 22.7.2011 foi proferida nova sentença, na qual foi emitido dispositivo idêntico ao supra transcrito, com a única diferença de na alínea A) se ter fixado o montante de € 42 723,53 (e não € 79 179,13), em virtude de se ter descontado o valor da pensão provisória que a seguradora continuara a pagar à A. após a prolação da primeira sentença.
A Ré apelou desta sentença e, subordinadamente, também a Autora o fez.
A Ré apresentou alegações, nas quais declarou reiterar o teor das alegações apresentadas aquando da sua primeira apelação, cujas conclusões ora se transcrevem:
1.ª. O Tribunal a quo errou ao fixar: (1°) os danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes em € 68.000,00; (2°) as eventuais perdas salariais ocorridas durante o período em que a autora esteve numa situação de incapacidade profissional absoluta em € 11.179,00 (3°) os danos não patrimoniais ou morais da autora em € 40.000,00 e (4°) ao ter contabilizado juros de mora desde a citação em relação aos danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes;
2.ª Quando não devia ter excedido os valores de € 38.000 e de € 28.000,00 no primeiro e terceiro casos referidos na conclusão anterior, e muito menos deveria ter arbitrado à autora qualquer indemnização decorrente do seu período de ITA (3°), assim como não poderia ter considerado que a ora recorrente se encontra em mora no pagamento da indemnização devida pelos virtuais danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes (4°)
3.ª E pelas razões melhor aduzidas: respetivamente:
a) Quanto ao primeiro caso, nas páginas 7 até 13, pontos 7 a 16 (Capítulo III), Subcapítulo A) da presente minuta, onde, em súmula, se relata o recebimento de uma indemnização da ex-entidade patronal da autora, se refere a inexistência de nexo de causalidade entre o acidente e a situação de desemprego, onde se esclarece que a partir de 2/03/2006 a autora já podia trabalhar, apesar de afetada de uma IPP de 13,65%, e ainda que a IPP de que padece não é impeditiva do exercício da sua profissão habitual, bem como, e mais importante ainda, que o Tribunal recorrido partiu de premissas erradas para fazer o cálculo matemático que o levou a fixar o valor deste dano;
b) Quanto ao segundo caso, nas páginas 14 até 17, pontos 17 a 20 (Capítulo III), Subcapítulo B) desta alegação, nas quais, em apanhado, se evidencia que a autora não reclamou este dano (tendo-se o Tribunal a quo substituído ilicitamente à parte porque "inventou" este dano), uma vez que, honradamente, reconheceu que havia recebido uma indemnização da sua ex-entidade patronal, afora o valor do subsídio de desemprego, e ainda que a aqui recorrente seguradora, até janeiro de 2006, havia custeado parte das suas despesas mensais em complemento do valor do subsídio de desemprego, pelo que a autora sabia que se reclamasse este dano cumulativamente com uma indemnização por danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes estaria a cometer uma burla ou uma duplicação parcialmente (embora temporal definida e limitada) do mesmo pedido;
c) Quanto ao terceiro caso, nas páginas 17 até 21, pontos 21 a 25 (Capítulo III), Subcapítulo C) do presente articulado, das quais se extrai uma análise fundamentada dos danos morais da autora e para onde se parte à descoberta daquela que se considera a correta valoração dos seus danos não patrimoniais;
d) Finalmente, no que ao quarto caso diz respeito, nas páginas 21 até 25, pontos 26 e 27 (Capítulo III), Subcapítulo D) da presente minuta que aqui se dão por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais, tal como se deve entender em relação aos casos primeiro até terceiro atrás citados, não só para evitar o fastio, mas de igual modo para permitir uma rigorosa univocidade entre as alegações e as conclusões ora apresentadas, páginas de onde é possível concluir que a condenação da ora apelante em juros de mora, desde a citação sobre a indemnização arbitrada por danos patrimoniais na vertente de quebra de apoio patrimonial, não tem qualquer razão de ser nos termos do Acórdão de uniformização de jurisprudência (Revista ampliada n°. 1508/01, 1a Secção do STJ, Jurisprudência n°. 4/2002, in DR, 1 Série A, de 27 de junho de 2002, bem como porque estamos perante danos futuros, que por serem isso mesmo – FUTUROS – não faz qualquer sentido rectroagi-los à data da citação e, por último, atendendo a que a ré seguradora paga todos os meses à autora o valor mensal de € 700,00 (e desde junho de 2006) a título de reparação provisória na sequência de providência cautelar apensa aos presente autos, razão pela qual não existe qualquer mora quanto ao ressarcimento deste dano.
4.ª Em súmula: ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não deu cumprimento ao silogismo judiciário e violou por erro de interpretação o disposto nos artigos 342°, 344°, 349°, 351°, 483°, 494°, 496° n°. 1 e 3, 562°, 563°, 564° n°. 1 e 2, 566°, 805° e 806°, todos do Código Civil, bem como o n°. 7 do art°. 64 do DL n°. 291/2007, de 21 de Agosto com a redação que lhe foi dada pelo DL n°. 153/2008, de 6 de agosto, e ainda a Portaria n°. 377/2008, de 26 de maio, atualizada pela mais recente Portaria n°. 679/2009, de 25 de Junho, afora o que dispõe os art°s. 264°, 265°, 265°-A, 514°, 655° e 661° n°. 1 do Código de Processo Civil.
A apelante terminou pedindo a procedência do recurso.
A Autora não contra-alegou, mas apresentou alegações relativas ao seu recurso subordinado, em que formalizou as seguintes conclusões:
I – O acidente dos autos foi de grave, total e exclusiva culpa do condutor interveniente;
II – A ora recorrente sofreu as gravíssimas lesões descritas que a incapacitaram muito para além da IPP fixada de 18,65%;
III – Era funcionária administrativa efetiva da “C”;
IV – Nunca tinha tido um dia, sequer, de ausência ao trabalho, até à data do acidente;
V – Foi envolvida num despedimento coletivo, em Outubro de 2005, quando se encontrava de baixa médica, por força das lesões sofridas no acidente;
VI – Uma colega da A. ouvida nos autos, igualmente assídua, não foi envolvida no despedimento;
VII – A A. continua desempregada – e não é previsível se e quando pode conseguir emprego, sendo notório o elevadíssimo número de desempregados em Portugal;
VIII – Estaria a trabalhar e a auferir os proventos inerentes se não tivesse sofrido o acidente;
IX – Auferia o vencimento líquido de € 575/mês em Setembro de 2004, 14 vezes por ano, ao que acresciam o transporte gratuito, e uma refeição diária a € 0,50 durante 22 dias e 11 meses por ano, o que lhe permitia poupar € 88 / mês, bem como dispunha de serviços médicos e de enfermagem gratuitos, o que lhe permitia uma economia de € 10/mês;
X – A A. teria o vencimento e os demais abonos durante a sua vida activa até 2133 (até aos 65 anos de idade), actualizados anualmente a 6%, desde Janeiro de 2005. Deve ser-lhe atribuído esse direito, nos termos reclamados – ou, no mínimo, até que a A. logre obter emprego com iguais proveitos.
XI – A douta sentença recorrida viola o disposto pelos Artºs 562.º e 564.º do C.C.
A apelante terminou pedindo a procedência do recurso.
A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação da A.
Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO
O objeto das duas apelações está interrelacionado, pelo que os recursos serão apreciados conjuntamente.
As questões que deles emergem são as seguintes: direito da A. a uma pensão anual correspondente ao vencimento que auferia e auferiria se estivesse ao serviço da sua anterior entidade patronal (ou, em alternativa, um capital equivalente); indemnização por ITA (incapacidade temporária absoluta); indemnização por danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes; indemnização por danos não patrimoniais; contabilização dos juros de mora desde a citação em relação aos danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes.
Primeira questão (direito da A. a uma pensão anual correspondente ao vencimento que auferia e auferiria se estivesse ao serviço da sua anterior entidade patronal - ou, em alternativa, um capital equivalente)
O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de facto
a) No dia 28 de setembro de 2004, cerca das 18h45m, na Estrada Nacional nº. 10, na povoação de Corroios, ocorreu um acidente de viação - (al. A) dos factos assentes);
b) Foram intervenientes: o veículo com a matrícula XT-00-00, propriedade de “D”, conduzido por “E”, residente na ..., nº. 3, 1º, em ...; e a Autora, que seguia a pé - (al. B) dos factos assentes);
c) A Estrada Nacional nº. 10, no local do acidente, apresenta duas hemifaixas de rodagem, atento o sentido de marcha Cruz de Pau - Corroios - (al. D) dos factos assentes);
d) O local do acidente é constituído por uma reta - (resposta ao ponto 9º da base instrutória);
e) A via permite dois sentidos de trânsito, divididos por um separador central - (resposta ao ponto 10º da base instrutória);
f) A hemi-faixa de sentido sul-norte, da Cruz de Pau para Corroios, tem duas sub-faixas, permitindo a circulação paralela de duas filas de trânsito - (resposta ao ponto 11º da base instrutória);
g) No local existe uma passadeira para travessia de peões situada alguns metros antes da rotunda de Corroios - (al. E) dos factos assentes);
h) A passadeira para peões estava assinalada por sinalização vertical colocada antes do local respetivo, atento o sentido de marcha Cruz de Pau - Corroios - (al. F) dos factos assentes);
i) No dia e hora referidos em a) a Autora acabara de sair de uma paragem de autocarros existente no local, atento o sentido de marcha Cruz de Pau – Corroios - (resposta ao ponto 1º da base instrutória);
j) Daí dirigiu-se ao local assinalado na faixa de rodagem destinado à travessia de peões - (resposta ao ponto 2º da base instrutória);
k) A Autora iniciou a travessia da faixa de rodagem, do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha Cruz de Pau - Corroios - (al. G) dos factos assentes);
l) A Autora iniciou a travessia tranquilamente e a passo - (resposta ao ponto 4º da base instrutória);
m) O veículo XT circulava no sentido Cruz de Pau - Corroios - (al. H) dos factos assentes);
n) O veículo XT circulava na sua hemi-faixa de rodagem e na sub-faixa da esquerda, junto ao separador central - (resposta ao ponto 12º da base instrutória);
o) Para dar passagem à Autora, um veículo que circulava no sentido Cruz de Pau -Corroios parou antes da passadeira - (resposta ao ponto 3º da base instrutória);
p) Quando acabara de passar pela frente do veículo que parou e já percorria a segunda metade da largura da via, foi embatida pela frente do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula XT-00-00 - (resposta ao ponto 5º da base instrutória);
q) Em consequência do embate a Autora foi projetada no ar ficando imobilizada no solo - (resposta ao ponto 6º da base instrutória);
r) O condutor do veículo XT circulava desatento à possível travessia da via pelos peões no local assinalado para o efeito - (resposta ao ponto 8º da base instrutória);
s) O primeiro veículo da hemi-faixa de rodagem e na sub-faixa da direita, atento o sentido de marcha do XT, era uma carrinha Toyota Hiace e estava parado junto à passadeira de peões, para ceder passagem à Autora - (resposta ao ponto 16º da base instrutória);
t) A primeira parte da travessia da faixa de rodagem pela Autora, isto é, a semifaixa da direita da hemi-faixa do sentido de trânsito do XT, não era visível pelo condutor do XT, sendo que a passadeira de peões estava assinalada nos termos referidos em f), também no separador central - (resposta ao ponto 19º da base instrutória);
u) O veículo XT travou ficando imobilizado a 6,55 metros a seguir à passadeira - (resposta aos pontos 20º e 21º da base instrutória);
v) Em consequência direta e necessária do embate a Autora sofreu:
-fratura dos ossos da bacia;
- traumatismo craneo-encefálico com perda de conhecimento;
- traumatismo dos membros e lesões no joelho, perna e pé esquerdos;
- hemorragia subaracnoideia pos-traumática de convexidade esquerda associada a pequeno foco de contusão;
- foco de contusão pulmonar;
- fratura do ramo isquiopúbico e da asa do ilíaco esquerdo - (resposta ao ponto 22º da base instrutória);
w) Imediatamente após o acidente a Autora foi removida para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde lhe foram prestados os primeiros socorros - (resposta ao ponto 23º da base instrutória);
x) Foi depois transferida para o Hospital Garcia de Orta, em Almada, onde fez TAC-CE, TAC torácico e TAC abdomino-pélvico - (resposta ao ponto 24º da base instrutória);
y) Ficou internada naquele Hospital até ao dia 26 de outubro de 2004 - (resposta ao ponto 25º da base instrutória);
z) Saiu do Hospital e passou a ser assistida nos Serviços Clínicos da Ré - (resposta ao ponto 26º da base instrutória);
aa) Andou em tratamentos ambulatórios até 02/03/2006 - (resposta ao ponto 27º da base instrutória);
bb) Teve alta clínica em 02/03/2006 - (resposta ao ponto 28º da base instrutória);
cc) Apresenta como sequelas do acidente, um quadro de perturbação psíquica com alterações do humor e da labilidade emocional, que demandam esforços acrescidos para o exercício da sua atividade profissional - (resposta ao ponto 29º da base instrutória);
dd) Sofre dores frequentes e intensas que a impedem de dormir descansada - (resposta ao ponto 30º da base instrutória);
ee) Acorda com os membros superiores dormentes - (resposta ao ponto 31º da base instrutória);
ff) Tem dificuldade em andar com frequentes perdas de equilíbrio e falta de força no pé e perna esquerdas - (resposta ao ponto 32º da base instrutória);
gg) Tem dores intensas no joelho esquerdo que fica sistematicamente edemaciado - (resposta ao ponto 33º da base instrutória);
hh) Continua a claudicar - (resposta ao ponto 34º da base instrutória);
ii) Continua a não dobrar totalmente o pé esquerdo - (resposta ao ponto 35º da base instrutória);
jj) Não consegue calçar botas - (resposta ao ponto 36º da base instrutória);
kk) Tem inchaços se faz uma caminhada mais prolongada - (resposta ao ponto 37º da base instrutória);
ll) Não consegue fazer os normais trabalhos de limpeza da casa - (resposta ao ponto 38º da base instrutória);
mm) Não consegue estar parada, em pé, sendo-lhe difícil passar a ferro - (resposta ao ponto 39º da base instrutória);
nn) Sofre de dificuldades de concentração e atenção - (resposta ao ponto 40º da base instrutória);
oo) Sofre de dificuldades de memorização e tem sistemáticos esquecimentos - (resposta ao ponto 41º da base instrutória);
pp) Sofre de instabilidade com choro fácil, alterações de humor e estados de angústia - (resposta ao ponto 42º da base instrutória);
qq) As sequelas das lesões determinaram uma IPP de 18,65, num total de 100 pontos, valor que inclui já um mais que previsível dano futuro - (resposta ao ponto 43º da base instrutória);
rr) Tem necessidade de fazer exercício físico praticando natação -(resposta ao ponto 44º da base instrutória);
ss) A Autora nasceu no dia 5 de fevereiro de 1968 - (al. I) dos factos assentes);
tt) À data do acidente a Autora era funcionária dos serviços administrativos de “C” (Portugal) – ..., S.A. - (al. J) dos factos assentes);
uu) Em 2004, acrescia ao vencimento mensal da Autora a refeição do almoço ao custo de € 0,50 diários - (resposta ao ponto 46º da base instrutória);
vv) A Autora tinha serviços médicos e de enfermagem gratuitos - (resposta ao ponto 47º da base instrutória);
ww) E transporte para o emprego gratuito - (resposta ao ponto 48º da base instrutória);
xx) Em 28 de outubro de 2005, a Autora foi envolvida num processo de despedimento coletivo - (resposta ao ponto 49º da base instrutória);
yy) Antes do acidente a Autora não tinha tido um dia de baixa ou de ausência ao serviço - (resposta ao ponto 51º da base instrutória);
zz) A Autora está desempregada - (resposta ao ponto 52º da base instrutória);
aaa) A Autora suportou algumas despesas com transportes, serviços médicos e medicamentosos, e suportou ainda pagamento de serviços domésticos e despesas com o seu sustento - (resposta ao ponto 53º da base instrutória);
bbb) Se estivesse ao serviço a Autora teria os aumentos normais para os trabalhadores da sua categoria - (resposta ao ponto 54º da base instrutória);
ccc) Beneficiaria de refeição a € 0,50 durante 22 dias por mês e 11 meses por ano - (resposta ao ponto 55º da base instrutória);
ddd) O que lhe permitiria fazer uma poupança diária de cerca de € 4,00 -(resposta ao ponto 56º da base instrutória);
eee) Os serviços médicos e de enfermagem gratuitos permitir-lhe-iam fazer uma poupança média mensal de € 10,00 - (resposta ao ponto 57º da base instrutória);
fff) A Autora sofreu e sofre uma dor imensa por se ver sozinha sem poder trabalhar e sem poder assegurar as tarefas diárias em sua casa - (resposta ao ponto 58º da base instrutória);
ggg) Sofreu por se ver incapaz de durante meses, assegurar a sua própria higiene pessoal - (resposta ao ponto 59º da base instrutória);
hhh) A Autora está a receber subsídio de desemprego no valor mensal de € 385,80, situação que se irá manter por mais 18 meses - (resposta ao ponto 60º da base instrutória);
iii) O último ordenado ilíquido da Autora foi de € 683,08 a que corresponde cerca de € 575,00 líquidos por mês - (resposta ao ponto 61º da base instrutória);
jjj) A Ré custeou até janeiro de 2006 parte das despesas mensais da Autora - (al. K) dos factos assentes);
kkk) Em junho de 2006, a Ré obrigou-se a pagar à Autora, a título de reparação provisória dos danos provocados pelo acidente dos autos, uma pensão mensal de € 700,00. Se e enquanto a Autora se encontrar a receber o subsídio de desemprego, o que deverá ocorrer pelo período de 18 meses a contar de junho de 2006, a Ré apenas pagará o valor de € 314,20 por mês. Os pagamentos acordados vêm sendo efetuados pela Ré desde junho de 2006, inclusive - (al. L) dos factos assentes);
lll) Por contrato de seguro titulado pela apólice nº. 5070/802174.50, em vigor na data do acidente, a Ré assumiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo referido - (al. C) dos factos assentes).
Na sentença recorrida deu-se igualmente como provado (e consta no relatório pericial do INML junto a fls 149 a 152) o seguinte:
mmm) Desde 28.9.2004 a 02.03.2006 a A. teve um período de incapacidade temporária absoluta, ficando, assim, impossibilitada de exercer a sua atividade profissional.
O Direito
Está assente nos autos que a A. em 28.9.2004 foi vítima de um atropelamento por culpa exclusiva do condutor de um veículo automóvel que se encontrava seguro na R.. Nas duas apelações não se questiona que a R. é responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos pela A. em consequência do acidente. A controvérsia incide tão só sobre alguns dos danos a indemnizar e os valores das indemnizações a conceder.
Nos termos do art. 562.º do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.“ Tal obrigação só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563.º do C.C.), compreendendo não só os chamados “danos emergentes”, como os “lucros cessantes” (as duas categorias são mencionadas na lei como “prejuízo causado” e “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – n.º 1 do art.º 564.º do Código Civil). Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (art.º 564.º n.º 2 do Código Civil). Em princípio a indemnização deverá visar a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (n.º 1 do art.º 566º do Código Civil). A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (n.º 2 do art.º 566.º). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3 do art.º 566.º).
A requerimento do lesado o tribunal pode dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária, caso os danos tenham natureza continuada (n.º 1 do art.º 567.º).
Em relação aos danos não patrimoniais, serão ressarcíveis aqueles que, “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil).
Na petição inicial a A. alegou que a partir da data do acidente e em consequência do mesmo ficou incapaz de trabalhar, tendo inclusive, em virtude do absentismo daí resultante, sido despedida, pelo que pretendia que a R. fosse condenada a pagar-lhe uma renda equivalente à retribuição mensal que auferia à data do acidente (que computou em € 797,00), devida desde a data do acidente até 05.02.2033, ou seja, até perfazer 65 anos de idade, actualizável em janeiro de cada ano. Em alternativa, reclamou o montante de € 238 691,59, como indemnização global pela perda de salário.
Está em causa, pois, uma indemnização por dano patrimonial, respeitante à perda de rendimentos, tantos passados como futuros.
A este respeito exarou-se na sentença recorrida o seguinte:
Peticiona ainda a Autora a condenação da Ré no pagamento da renda mensal de € 797,00, pela incapacidade definitiva para o trabalho, desde Outubro de 2004 a Fevereiro de 2033, actualizável a 6% em Janeiro de cada ano.
Para o efeito, sustenta a sua pretensão na perda definitiva da sua capacidade de para o trabalho.
Ora, relativamente a esta pretensão da A. desde já adiantamos que não logrou a mesma provar, como lhe competia (cfr. artigo 342° C. Civil) que, em consequência do acidente de viação, ficou totalmente incapacitada para o trabalho, e tanto assim é que resulta do teor do relatório pericial junto a fls. 149 a 152 que a Autora ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral fixável em 18,65% mas que, "em termos de rebate profissional, as sequelas descritas demandam esforços acrescidos para o exercício da sua actividade profissional — secretária administrativa". Por outro lado, não logrou a Autora provar que fora despedida do seu local de trabalho por força da incapacidade de que ficou permanentemente afectada ou sequer, como vimos, que a incapacidade arbitrada também abrangesse incapacidade para o trabalho habitual ou para qualquer tipo de trabalho, pressupostos para que lhe fosse atribuída uma "renda" mensal correspondente ao montante que alegadamente recebia a título de remuneração.
Veja-se que a Autora não pretende uma indemnização, sob a forma de renda, nos termos a que alude o artigo 567° do C. Civil, ou seja, decorrente da perda parcial da sua capacidade de ganho por força da incapacidade que lhe foi arbitrada. O que a Autora pretende é que, através de renda, lhe seja pago o montante da sua remuneração mensal, com fundamento na perda do seu emprego decorrente da sua incapacidade total para o trabalho, o que não provou.
Improcede, assim, nesta parte, a pretensão da Autora.”
Nada temos a censurar ao entendimento supra transcrito. Por um lado, não resulta, da matéria provada, que as sequelas de que a A. padece em virtude do acidente a privaram (na totalidade) da capacidade de trabalho, lhe retiraram a possibilidade de prover ao seu sustento (isto em termos definitivos ou permanentes, para além da data da “alta” ou “consolidação”). Por outro lado, não se provou que a A. foi abrangida pelo despedimento coletivo referido na alínea XX) da matéria de facto por causa da incapacidade para o trabalho resultante do acidente (o tribunal a quo respondeu negativamente ao quesito 50.º que tem a seguinte redação: “A Autora foi envolvida no processo referido por estar incapaz para o trabalho, em consequência do acidente dos autos, há 13 meses?”).
Não está demonstrado, pois, que a A. padece de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho, incluindo para aquele que era o seu trabalho habitual (funcionária de serviços administrativos) – situação essa que justificaria a atribuição da aludida renda equivalente à retribuição total auferida.
Improcede, pois, a apelação interposta pela Autora.
Segunda questão (indemnização por incapacidade temporária absoluta)
O tribunal a quo atribuiu à A. a quantia de € 11 179,13, indemnização de valor idêntico à retribuição correspondente ao período de 28.9.2004 a 02.3.2006, em que a A. padeceu de incapacidade temporária absoluta (ITA) para exercer a sua atividade profissional.
A R. insurge-se contra esta decisão invocando diversas razões.
Em primeiro lugar, diz a R. que a A. não havia peticionado tal dano, pelo que o tribunal a quo condenou além do pedido, violando o disposto no n.º 1 do art.º 661.º do CPC.
Ora, se se atender que, conforme exposto supra, a A. peticionou uma indemnização correspondente à totalidade do seu salário desde a data do acidente, por incapacidade total para trabalhar, conclui-se que a aludida condenação se contém perfeitamente no pedido, pelo que a apelante carece, nesta parte, de razão.
A R. diz também que em virtude do despedimento coletivo em que foi envolvida a A. recebeu uma indemnização no valor de € 11 486,74.
Não vemos qual a relevância desse facto, que de resto não integra a matéria dada como provada. A aludida indemnização é uma compensação pela cessação do contrato de trabalho imposta ao trabalhador por ato imputável à entidade empregadora (art.º 401.º do Código do Trabalho de 2003, então em vigor). Não é uma compensação por perda de rendimentos resultantes de incapacidade para o trabalho. Assim, a indemnização nesta parte fixada pelo tribunal não se sobrepõe aqueloutra atribuída pela ex-entidade patronal da A..
A R. diz também que se provou (alínea K) dos factos assentes) que pagou à A. até janeiro de 2006 parte das despesas mensais da A., assim “cobrindo” as eventuais perdas salariais da A..
Vejamos. Na alínea jjj) da matéria de facto (correspondente à alínea k) dos factos assentes) deu-se como provado que “a Ré custeou até Janeiro de 2006 parte das despesas mensais da Autora”. Quais foram essas despesas ficou concretizado na resposta ao quesito 53.º, correspondente à alínea aaa) da matéria de facto: “A Autora suportou algumas despesas com transportes, serviços médicos e medicamentosos, e suportou ainda pagamento de serviços domésticos e despesas com o seu sustento.”
Se bem se percebe, estão aqui em causa pagamentos destinados a cobrir despesas relacionadas com as consequências do sinistro, ou seja danos emergentes do ato lesivo. Tais danos devem ser indemnizados independentemente de o lesado continuar ou não a auferir rendimentos pelo seu trabalho, uma vez que não lhe cabe a ele suportar tais despesas, mas sim ao lesante.
Também aqui a R. não demonstra ter razão.
Diz também a R. que durante o período de ITA a A. recebeu subsídio de desemprego e recebeu da R. pensões mensais que ultrapassam os seus ganhos mensais líquidos à data do acidente.
Vejamos.
O período de ITA decorreu de 28.9.2004 a 02.3.2006. Apenas está demonstrado que a A. recebeu subsídio de desemprego durante 18 meses, a partir de junho de 2006 (alínea kkk), sendo certo que no auto de transação constante do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória as partes declararam que “é aceite pelas partes que o subsídio de desemprego se iniciou em maio de 2006 e subsistirá por 18 (dezoito) meses” (fls 70 do procedimento cautelar). Quanto ao pagamento de pensão provisória por parte da R., iniciou-se em junho de 2006.
Nesta parte também não há, pois, sobreposição de prestações. De resto, o tribunal a quo determinou que nas quantias a que a R. foi condenada se descontasse as prestações pagas a título de pensão provisória, pelo que a R. será compensada do que eventualmente tiver pago a mais em relação à retribuição líquida da A..
A R. refere ainda que o tribunal a quo arbitrou à A. uma indemnização autónoma por danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes, contabilizando-a desde a data do sinistro.
Se assim for, então tal implicará correção do valor fixado a título dessa indemnização autónoma, que não da atribuída a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta.
Nesta parte, pois, improcede a apelação da R..
Terceira questão (indemnização por danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes)
Embora não se tenha provado que em consequência do acidente a A. ficou totalmente impossibilitada de trabalhar, provou-se que a A. ficou a padecer definitivamente de diversas sequelas, que demandam esforços acrescidos para a sua atividade profissional e determinaram uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 18,65, num total de 100 pontos, valor esse que inclui um previsível dano futuro (alíneas cc) a qq) da matéria de facto).
O tribunal a quo, considerando que se estava perante uma perda de capacidade de ganho, que corresponde a um dano patrimonial indemnizável, atribuiu à A., a título de indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da IPP, a quantia de € 68 000,00. Para o efeito levou em consideração a remuneração auferida pela A. à data do acidente (€ 586,00 durante 11 meses e € 575,00 durante um mês), uma IPP de 18,65%, a idade da A. à data do acidente (36 anos) e a sua esperança de vida (mais 44 anos, perfazendo 80 anos), chegando a um capital no valor de € 67 051,16, que arredondou para € 68 000,00.
A Ré insurge-se contra esta parcela da decisão, com base em diversos argumentos.
Por um lado, entende que a IPP que afeta a A não a impede de exercer a sua profissão habitual, apenas lhe acarretando esforços acrescidos, pelo que em rigor não padece de um dano patrimonial, mas sim de um dano configurável como dano não patrimonial. Por outro lado, mesmo admitindo a ocorrência de dano patrimonial, o valor da indemnização deveria levar em consideração tão só a previsível vida ativa (70 anos), o que, levando em consideração a fórmula de cálculo comummente seguida pela maioria dos tribunais e ponderando uma taxa de juro remuneratória de 3% e um fator de correção de 2%, conduziria a uma verba de € 37 700,97, ou seja, arredondando, € 38 000,00.
A R. chama ainda à colação a Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, atualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, para fazer notar que se esta fosse aplicada, o valor indemnizável seria de € 23 822,95.
Vejamos.
Como se disse, a A., que em consequência do acidente sofreu fraturas e traumatismos vários, ficou a sofrer, a título definitivo, de sequelas de natureza física e psíquica que a limitam, que lhe demandam esforços acrescidos para o exercício da sua atividade profissional. Efetivamente, a A., que à data do acidente era funcionária dos serviços administrativos de uma empresa, em virtude do sinistro sofre de dificuldades de concentração e atenção, sofre de dificuldades de memorização e tem sistemáticos esquecimentos, sofre de instabilidade com choro fácil, alterações de humor e estados de angústia, tem dificuldade em andar com frequentes perdas de equilíbrio e falta de força no pé e perna esquerdas, não consegue estar parada, em pé, tem inchaços se faz uma caminhada mais prolongada.
Embora não se tenha provado que a situação de desemprego em que a A. se encontra tenha resultado do acidente ou das limitações dele resultantes, dúvidas não há que tais limitações afetam a capacidade de trabalho da A., reduzindo a sua eficiência, qualidade e produtividade. Assim, é de prever que esse handicap atual e futuramente se reflita no património da A., através da perceção de rendimentos fruto da sua força de trabalho inferiores àqueles com que a A. podia legitimamente contar se mantivesse as qualidades físicas e psíquicas que tinha antes do acidente. Verifica-se, assim, um dano patrimonial futuro, previsível, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 564.º do Código Civil – conforme vem sendo reiteradamente aceite pela jurisprudência (cfr. v.g., STJ, 26.01.2012, 220/2001-7.S1; STJ, 06.12.2011, 52/06.0TBVNC.G1.S1; STJ, 20.10.2011, 428/07.5TBFAF.G1.S1; STJ, 07.6.2011, 160/2002.P1.S1; STJ, 20.5.2010, 103/2002.L1.S1).
Tal dano futuro terá de ser quantificado com recurso à equidade (artigos 564º nº 2 e 566º nº 3 do Código Civil).
Nos casos em que a incapacidade permanente é suscetível de afetar ou diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração, maxime quando a vítima à data do acidente efetivamente exercia atividade remunerada, os tribunais têm procurado fixar a indemnização por apelo à atribuição de um capital que se extinga ao fim da vida (ativa ou total) do lesado e seja suscetível de lhe garantir, durante aquela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. Para o efeito, têm sido utilizadas várias fórmulas e tabelas financeiras, na tentativa de se alcançar um critério uniforme (cfr., enunciando algumas, STJ, 5.5.1994, CJSTJ, ano II, tomo II, pág. 86; Relação de Coimbra, 4.4.1995, CJ, ano XX tomo II, pág. 23; na internet, dgsi, acórdão do STJ, de 04.12.2007, processo 07A3836).
Porém, mesmo nesses casos, a jurisprudência não esquece que as referidas fórmulas “não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro ou do custo de vida”, acrescendo que “não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exatamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.” “Assim, neste caso as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta” (acórdão do STJ, de 17.11.2005, internet, dgsi, processo 05B3436).
De resto, essas fórmulas divergem entre si, variando quanto às taxas de juros remuneratórias de aplicações financeiras a levar em consideração, assim como à eventual aplicação de taxas de atualização das prestações e seu valor.
A Portaria n.º 377/2008 de 26 de maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, estabelece, no anexo III, uma fórmula de cálculo do dano patrimonial futuro, acompanhada de uma tabela prática de aplicação.
Essa Portaria fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. Ou seja, regulamenta aspetos do atual regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que foi aprovado pelo Dec.-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto e entrou em vigor em 20 de outubro de 2007 (art.º 95º). Tem em vista o procedimento que as seguradoras devem adotar a fim de obterem a composição amigável e célere dos litígios emergentes de sinistros automóveis, no âmbito do dano corporal. Os critérios e valores aí referidos não são definitivos nem vinculativos, não se impondo aos tribunais, conforme decorre do n.º 2 do art.º 1.º da Portaria (“as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”) e do seu preâmbulo (“… importa frisar que o objetivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do nº 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.”; cfr. ainda, v.g., STJ, 01.6.2011, 198/00.8GBCLD.L1.S1).
Posto isto, a tabela prática supra referida pode servir como ponto de partida para a tarefa de se fixar a indemnização ora sub judice.
Anotar-se-á que a fórmula aí prevista (introduzida pela Portaria n.º 679/2009) reproduz aquela que foi proposta pela Relação de Coimbra no acórdão de 04.04.1995, supra referido, divergindo apenas quanto à taxa de juro considerada (a Relação previa 7%, a Portaria prevê 5%) e quanto à taxa de atualização anual das prestações (a Relação previa 6%, a Portaria prevê 2%). Constata-se igualmente que, embora a fórmula introduzida pela Portaria n.º 679/2009 ao anexo III seja diferente da inicialmente prevista pela Portaria n.º 377/2008 (sendo a fórmula mais recente menos favorável aos lesados), não foram introduzidas alterações à tabela prática – pelo que deverá ser esta a tabela a aplicar, sendo certo que tal não prejudicará os lesados.
A Portaria estabelece que as idades a considerar para os seus efeitos serão as da data do acidente (art.º 12.º) e que para o cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida se presume que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade (alínea b) do n.º 1 do art.º 7.º da Portaria).
Embora a Portaria apenas preveja a apresentação de proposta razoável para danos patrimoniais futuros em caso de dano corporal de que resultem situações de incapacidade permanente absoluta ou de incapacidade para a profissão habitual, a aludida tabela é adaptável a situações de incapacidade parcial, bastando aplicar os fatores aí previstos à prestação (remuneração) anual correspondente à percentagem de incapacidade a ter em consideração.
Quanto à remuneração da A., era de € 575,00 líquidos por mês (alínea iii).
A essa verba o tribunal a quo fez acrescer, nos seus cálculos, o montante de € 0,50 por dia útil, a título de refeição do almoço que a A. consumia no local de trabalho. Aqui o tribunal incorreu em erro, pois o montante de € 0,50 era o valor que a A. pagava por cada refeição, constituindo o seu ganho a diferença entre esse reduzido custo e o custo normal de uma refeição (alíneas uu), ccc) e ddd) da matéria de facto), diferença essa que se provou orçar em € 4,00 por refeição (alínea ddd). Tratar-se-á, pois, de uma retribuição em espécie, reportada aos dias de prestação efetiva de trabalho (cfr. artigo 249.º n.º 2, parte final e 3, do Código do Trabalho de 2003, em vigor à data dos factos).
Assim, no caso da A., sendo a sua remuneração anual de € 575,00 x 14 + € 4,00 x 22 x 11 = € 9 018,00, a que se aplica a IPP de 18,65%, obtem-se uma prestação anual de € 1 681,86. Tendo a A. ainda pela frente 34 anos de vida ativa, segundo a tabela aplicar-se-ia o fator de 21,937, obtendo-se o valor de € 36 895,23.
Posto isto, o método fundamental utilizado pela jurisprudência para este tipo de situações é a comparação com outras decisões judiciais, tendo nomeadamente em vista o disposto no art.º 8.º n.º 3 do Código Civil.
Relativamente a situações de gravidade máxima, como a de um jovem com 23 anos de idade, com o 12.º ano de escolaridade e com estágio de desenhador gráfico, que ia começar a trabalhar com a retribuição mensal de € 600,00 e que ficou incapacitado para qualquer profissão, paraplégico, para tudo dependente de terceiros, atribuiu-se uma indemnização pelo dano patrimonial futuro de € 300 000,00 (STJ, 07.6.2011, 524/07.9TCGMR.G1S1). Igualmente a um lesado com 28 anos à data do acidente, a quem foi atribuída uma IPG (incapacidade permanente genérica) de 80%, ficando irremediavelmente impossibilitado de exercer, para o resto da vida, qualquer atividade profissional, que auferia um rendimento mensal de € 350,00, julgou-se adequada uma indemnização por danos futuros no montante de € 120.000,00 (STJ, 07.10.2010, 839/07.6TBPFR.P1.S1). A um sinistrado com 51 anos, que ao tempo do acidente auferia € 6 560,00 / ano e ficou totalmente impossibilitado para o trabalho e dependente de terceiros para o dia a dia, julgou-se não ser exagerada a quantia de € 100 000,00, a título de danos patrimoniais futuros (STJ, 16.02.2010, 1043/03.8TBMCN.P1.S1).
A um lesado com 54 anos de idade, cantoneiro de profissão que ficou com IPP de 20% mas totalmente incapacitado para a profissão habitual bem como para todas as atividades que exigissem esforços físicos, atribuiu-se indemnização de € 65 000,00 (STJ, 06.10.2011, 733/06.8TBFAF.G1.S1).
A um estudante de 21 anos que ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 50%, com aumento previsível de 3%, julgou-se adequada indemnização, por danos patrimoniais, de € 110 000,00 (STJ, 25.6.2009, 08B3234).
A lesado com 28 anos, que à data do acidente auferia € 6 181,70 anuais e ficou com 40% de IPP, atribuiu-se € 80 000,00 pela perda da capacidade de ganho (STJ, 26.01.2010, 220/2001-7.S1).
A um lesado com 31 anos, que auferia € 2 200,00 líquidos por mês, economista com elevada qualificação profissional e expectativas de ascensão, que ficou afetado com IPG de 29,55%, com agravamento previsto de mais 10%, atribuiu-se a indemnização por danos patrimoniais de € 225 000,00 (STJ, 07.6.2011, 3042/06.9TBPNF.P1.S1).
A um lesado com 32 anos de idade, que à data do acidente não trabalhava mas tencionava fazê-lo e ficou a padecer de IPG de 30%, fixou-se a indemnização por danos patrimoniais correspondentes, em € 60 000,00 (STJ, 06.12.2011, 52/06.0TBVNC.G1.S1).
A um lesado com 26 anos, que auferia o rendimento bruto de € 4 788,00 e ficou afetado de IPG de 16%, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares, aceitou o STJ o valor de € 23 000,00, que de resto considerou exíguo (STJ, 07.6.2011, 160/2002.P1.S1).
A um sinistrado com 22 anos de idade, que tinha boas perspetivas de seguir carreira militar, que se goraram em virtude das sequelas do acidente, que ficou afetado com IPP de 15%, futuramente ampliada em mais 10%, atribuiu-se, a título de dano patrimonial respetivo, € 100 000,00 (STJ, 01.6.2011, 198/00.8GBCLD.L1.S1).
A um lesado com 36 anos de idade, que à data do acidente auferia € 510,00 líquidos por mês e ficou afetado de IPG de 15%, futuramente acrescida de 5%, foi atribuída indemnização de € 31 500,00 (STJ, 17.5.2011, 7449/05.0TBVFR.P1.S1).
A um estudante com 19 anos de idade, que ficou afetado com IPP de 11,73%, atribuiu-se indemnização de € 15 000,00 a título de danos patrimoniais.
No caso dos autos, como se viu, à data do acidente a A. tinha 36 anos de idade, era funcionária administrativa e auferia € 575,00 líquidos por mês acrescidos de refeições em que poupava € 4,00 por dia útil. A A. ficou afetada de limitações físicas e psíquicas que determinam uma IPP de 18,65%, as quais não a impossibilitam de exercer a sua profissão habitual, mas obrigam-na a um acréscimo de esforço. De resto atualmente a A. está desempregada.
No que diz respeito à data a ter em consideração para a fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros decorrente de incapacidade genérica, a jurisprudência está dividida. Para uns, deve atentar-se na expectativa de vida ativa, que se aceita ser os 70 anos (v.g., STJ, 16.02.2012, 1043/03.8 TBMCN.P1.S1, já citado; STJ, 17.12.2009, 340/03.7 TBPNH.C1.S1; STJ, 06.10.2011, 733/06.8TBFAF.G1.S1, citado). Para outros, há que ter em consideração a esperança média de vida (v.g., STJ, 20.5.2010, 103/2002.L1.S1; STJ, 07.6.2011, 524/07.9TCGMR.G1 S1, citado; STJ, 20.10.2011, 428/07.5TBFAF.G1.S1).
Atendendo a que está em causa atribuir uma quantia que supra as carências da lesada na angariação dos meios de subsistência de que obviamente carecerá até ao fim da vida, sendo certo que uma força de trabalho diminuída refletir-se-á no montante de pensão de reforma previsível, afigura-se-nos mais curial levar em consideração, na fixação do capital sub judice, a esperança média de vida, que o tribunal a quo, no que respeita à mulher, considerou ser de 80 anos (e que o INE indica, segundo as tabelas de mortalidade publicadas no seu sítio na Internet, que para mulheres nascidas à data do acidente era de 81 anos e para mulheres com a idade da lesada, à data do acidente, era de 82 anos).
Por outro lado, a verba a apurar respeita tão só ao período posterior a 02.3.2006, data em que a A. teve alta, sendo certo que o período anterior já foi contemplado com a atribuição de indemnização por incapacidade temporária absoluta.
Tudo ponderado, maxime os valores habitualmente fixados pela jurisprudência, afigura-se-nos que a indemnização atribuída pelo tribunal a quo a este título (€ 68 000,00) deve ser reduzida para o montante de € 45 000,00.
Nesta parte a apelação é parcialmente procedente.
Por conseguinte, a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes da perda de capacidade de ganho, a A. terá direito a um total de € 56 179,13 (€ 11 179,13 + € 45 000,00), a que deverá descontar-se o valor já pago pela R., a título provisório, desde junho de 2006, que a sentença ora recorrida liquidou, à data de 22.7.2011, em € 36 455,60 - sem que nessa parte tenha sido impugnada - e a que se deduzirá o valor das prestações pagas após essa data.
Quarta questão (indemnização por danos não patrimoniais)
O art. 496.º n.º 1 do Código Civil estipula que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No número 3 do mesmo artigo estabelece-se que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º”, ou seja: “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.
Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo inflingido.
Na sentença recorrida atribuiu-se, a este título, o montante de € 40 000,00.
A R./apelante propugna o valor de € 28 000,00, que faz assentar nas regras de avaliação da já supra citada Portaria n.º 377/2008 e na comparação com os valores fixados noutras decisões jurisprudenciais, nomeadamente para casos muito mais graves, como o próprio dano morte.
Vejamos.
A aludida Portaria n.º 377/2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, prevê tabelas para o cálculo do dano de ofensa à integridade física e psíquica (dano biológico), de que resulte ou não perda da capacidade de ganho, determinado segundo a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (anexo IV) e para o cálculo do que apelida “danos morais complementares”, ou seja, por cada dia de internamento hospitalar, pelo dano estético, pelo quantum doloris (anexo I).
Segunda a Portaria, a cada dia de internamento corresponde € 20,52 a € 30,78. Ou seja, no caso da A., que teve 28 dias de internamento, € 574,56 a € 861,84.
Quanto ao dano estético (“repercussão das sequelas, numa perspectiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da imagem em relação a si próprio e perante os outros”, nos termos da perícia junto aos autos) na perícia médico-legal realizada nos autos (datada de 17.3.2009) foi atribuído grau dois (num máximo de sete), a que corresponde, na Portaria, € 1 641,60.
Na perícia médico-legal fixou-se o quantum doloris (“sofrimento físico e psíquico sofrido pela vítima durante o período de incapacidade temporária”, nos termos do relatório pericial) no grau 4 (com o máximo de 7), o que corresponde, na Portaria, a uma indemnização “até € 820,80.”
Quanto ao dano biológico, uma indemnização situada entre o mínimo de € 19 206,72 e um máximo de € 25 547,40.
Ou seja, segundo a aludida Portaria, a título de danos não patrimoniais, a A. receberia um máximo de € 28 872,00.
Porém, a verdade é que, como se disse supra, a Portaria não tem em consideração a totalidade dos danos sofridos nem é vinculativa, além de que não é aplicável ao sinistro destes autos.
Haverá, mais uma vez, que tomar em consideração o que os tribunais têm decidido.
De notar que o STJ vem entendendo que a indemnização pela lesão do direito à vida não tem de ser entendido como constituindo o limite máximo das indemnizações a título de danos não patrimoniais (v.g., STJ, 16.02.2012, 1043/03.8TBMCN.P1.S1; STJ, 07.6.2011, 3042/06.9TBPNF.P1.S1).
Assim, a um indivíduo com 51 anos de idade, que sofreu gravíssimas lesões que o tornaram completamente dependente de terceiros para os atos mais elementares da vida e ainda com dificuldade em articular palavras e incontinente, julgou-se adequada a indemnização, por danos não patrimoniais, de € 200 000,00 (STJ, 16.2.2012, 1043/03.8TBMCN.P1.S1). A um jovem com 23 anos, que ficou paraplégico, para tudo dependente de terceiros, atribuiu-se, a título de danos não patrimoniais, a indemnização de € 250 000,00 (STJ, 07.6.2011, 524/07.9TCGMR.G1 S1). A um sinistrado com 42 anos de idade, que sofreu graves lesões, foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, com enormes dores, ficando a padecer de IPP de 40%, não podendo conduzir à noite e tendo dificuldades durante o dia, ficando gravemente afetado da visão, julgou-se adequada uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50 000,00 (STJ, 17.12.2009, 340/03.7TBPNH.C1.S1). A uma jovem de 21 anos à data do acidente, que esteve internada em sucessivos hospitais durante um tempo considerável, ficando afetada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, foi sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e teve de realizar sucessivos tratamentos, nomeadamente de recuperação, que se prolongaram no tempo, sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, físicas e emocionais e ficou afetada de uma incapacidade parcial permanente de 50%, o STJ considerou não ser exagerada uma indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € 40 000,00 (25.6.2009, 08B3234). A um lesado de 31 anos, que ficou com a anca esquerda desfeita, além de outras lesões, foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas, padeceu quantum doloris de grau cinco e enferma de dano estético de grau 4, ficando a padecer de IPG de 29,55%, que se irá agravar em mais 10% daqui a alguns anos, o STJ julgou adequada uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 90 000,00. A um jovem de 26 anos, que na ocasião do acidente ficou inanimado, sofreu várias fraturas torácicas, esteve internado 12 dias, sofreu um quantum doloris fixável em grau 4 e ainda hoje sente dores, tomando, por vezes, analgésicos para suportar as mesmas, ficou a padecer de uma IPG de 16%, atribuiu-se uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 000,00 (STJ, 07.6.2011, 160/2002.P1.S1). A um estudante de 19 anos, que sofreu fratura do cotovelo, foi sujeito a intervenção cirúrgica, quantum doloris de grau 5, dano estético de grau 3 e ficou afetado de IPP de 11,73%, o STJ considerou ajustada uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 000,00 (29.6.2011, 345/06.6PTPDL.L1.S1). A um jovem de 22 anos de idade, que sofreu fraturas graves na perna esquerda, esteve internado ao todo nove meses, foi sujeito a seis intervenções cirúrgicas, sofreu quantum doloris de grau 5, precisou de tratamento psiquiátrico e ainda não atingira o equilíbrio emocional, ficou a sofrer de IPP de 15%, futuramente ampliada em mais 10%, o STJ considerou adequada uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 500,00 (01.6.2011, 198/00.8GBCLD.L1.S1).
Vertendo ao caso dos autos, verifica-se que a A. tinha 36 anos à data do acidente, sofreu traumatismos e fraturas ao nível da bacia e membros inferiores (alínea v) da matéria de facto), esteve internada 28 dias, padece de sequelas ao nível psíquico e físico (alíneas cc) a pp) que determinaram uma IPP de 18,65%, incluindo já um previsível dano futuro (alínea qq)).
Atendendo aos valores que a jurisprudência tem atribuído, afigura-se-nos mais adequada, no caso concreto, uma indemnização, a título de dano não patrimonial, com o valor de € 35 000,00.
Nesta parte, pois, a apelação da R. procede parcialmente.
Quinta questão (contabilização dos juros de mora desde a citação em relação aos danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes)
O tribunal a quo condenou a R. no pagamento de indemnização por danos patrimoniais emergentes de incapacidade para o trabalho, incluindo a título de dano futuro, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação (que ocorreu em 06.7.2006).
A R. além do já supra exposto e analisado quanto à indemnização, impugnou a dita contabilização de juros de mora desde a citação em relação aos danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes. Entende a R. que: o tribunal fixou os montantes devidos recorrendo a critérios atuais, com base nas valorações disponíveis à data do encerramento da discussão em primeira instância; estão em causa danos futuros, pelo que não faz sentido retroagir a condenação em juros de mora à data da citação; a R. custeou parte das despesas mensais da A. até janeiro de 2006 e desde junho de 2006 tem pago à A. quantias mensais a título de reparação provisória, pelo que não existe da sua parte qualquer mora no que diz respeito aos danos patrimoniais na vertente de lucros cessantes.
Vejamos.
A nível de condenação em juros de mora, o tribunal a quo distinguiu entre a indemnização por danos não patrimoniais (em que atribuiu juros de mora a partir da data da sentença) e a indemnização por danos patrimoniais (em que atribuiu juros de mora a contar da citação, incluindo por danos futuros).
É sabido que o n.º 3 do art.º 805.º do Código Civil, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei nº 262/83, de 16.6, estipula que, no caso de crédito ilíquido emergente de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja mora antes da data da citação. E o legislador não fez qualquer distinção entre danos verificados antes da propositura da ação, durante a sua pendência ou que venham previsivelmente a ocorrer após o trânsito em julgado da decisão (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 28.9.1995, BMJ nº 449, pág. 344 e seguintes, também publicado na Col. de Jur., STJ, ano III, tomo III, pág. 36 e seguintes). Só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização atualizar o respetivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão (ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 566.º do Código Civil) é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão de 09.5.2002, publicado no D.R., I-A, de 27.6.2002, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação. Sendo certo que não existe fundamento legal para se presumir que os tribunais proferem sentenças atualizadas face aos pedidos formulados (neste sentido, v.g., STJ, acórdão de 04.12.2007, processo 07A3836).
Na sentença recorrida não se expendeu que o valor fixado a título de danos patrimoniais futuros estava atualizado face ao peticionado, tendo sido estabelecido com reporte à data do encerramento da discussão. Tal asserção só foi feita a propósito dos danos não patrimoniais, em que a propósito se exarou que se estava “fazendo já um cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do C. Civil”. Acresce que na sentença se descontou as verbas que a R. já pagara a título de reparação provisória, condenando-se em juros de mora só sobre a diferença, o que dissipa as críticas a esse respeito apontadas pela R.. Finalmente, quanto ao facto de estarem em causa danos futuros, o que releva é que a lei permite que o crédito correspondente seja antecipadamente fixado, emergindo de uma obrigação que é exigível desde o momento em que é previsível (o que aconteceu pelo menos desde a data da “alta” ou “consolidação”, ou seja, 02.3.2006).
Nesta parte, pois, o recurso não merece provimento.

DECISÃO
Pelo exposto:
1.º Julga-se a apelação da Ré parcialmente procedente e consequentemente:
a) Altera-se a sentença recorrida quanto às alíneas A) e C) do dispositivo, as quais passarão a ter a seguinte redação:
A) Condenar a Ré Companhia de Seguros “B” Portugal, S.A. a pagar à Autora “A”, a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes da perda de capacidade de ganho, a quantia de € 56 179,13 (cinquenta e seis mil cento e setenta e nove euros e treze cêntimos), a que deverá descontar-se o valor já pago pela R., a título provisório, desde junho de 2006, que à data de 22.7.2011 orçava em € 36 455,60 (trinta e seis mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e sessenta cêntimos), e a que se deduzirá o valor das prestações pagas após essa data, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
C) Condenar a Ré Companhia de Seguros “B” Portugal, S.A. a pagar à Autora “A”, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a data da presente sentença, até integral pagamento.
b) No mais, mantém-se a sentença recorrida.
2.º Julga-se a apelação da Autora totalmente improcedente.
As custas da apelação da A. são a seu cargo (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia) e as custas da apelação da R. são a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (sem prejuízo do apoio judiciário de que a A. beneficia).

Lisboa, 21.03.2012

Jorge Manuel Leitão Leal
Sérgio Almeida
Pedro Martins (vencido, conforme declaração de voto em anexo)

Voto vencido quanto ao montante indemnizatório da perda da capacidade aquisitiva e quanto a parte específica da fundamentação, como se segue:
Principalmente a partir de 1993 os tribunais começaram a fazer um esforço de actualização das indemnizações das vítimas de acidentes de viação,
A nível das indemnizações por perda de capacidade aquisitiva, tal começou a ser feito através de uma fórmula usada pelo ac. do STJ de 04/02/1993 (publicado na CJ.STJ.93.1.128) e depois pelo ac. do STJ de 05/05/1994 (publicado na CJ.STJ.94.86 onde se esclarece que ela foi facultada pelo docente Dr. Joaquim Correia Caetano; o relator do ac. é o mesmo), que depois foi aperfeiçoada pelo ac. do TRC de 04/04/1995 (publicado na CJ.95.2.23/26), com uma 2ª fórmula, de modo a entrar em linha de conta com vários outros factores que antes eram desconsiderados: o crescimento dos salários ao longo de toda a vida laboral, a acompanhar a inflação, e os ganhos de produtividade e as promoções profissionais.
Em 2008, a portaria 377/08, de 26/05, veio, aos menos em termos objectivos, tentar impor uma marcha atrás neste avanço jurisprudencial. Fê--lo através de uma fórmula que concretiza numa tabela prática, que seria facilmente aplicada pelos tribunais. Esta fórmula, que teoricamente seria mais favorável aos lesados que a do ac. do TRC de 04/04/1995, adoptava, para alcançar aquela tabela prática, valores para dois factores, r (taxa de juro nominal líquida) e k (taxa anual de crescimento da prestação), que eram diferentes dos adoptados pelo ac. do TRC (sendo que estes, do acórdão, eram muito mais favoráveis ao lesados).
Ou seja, deu-se o valor de 5% àquela taxa de juro (quando o acórdão dava 7%) e de 2% à taxa de crescimento (quando o acórdão dava 6%). Isto, que aparentemente tem pouco alcance, leva, ver-se-á, a uma diferença enorme. Sendo que aqueles valores não se justificam minimamente: o cidadão médio, em Portugal, não consegue, dos bancos, uma taxa de juro nominal líquida de 5% ao ano. E a inflação raramente é inferior a 2%, pelo que a taxa de crescimento não pode ser de 2%, sob pena de não se contar com os ganhos de produtividade e as promoções profissionais.
Um ano depois, a pretexto da actualização… de valores a portaria 679/2009, de 25/06. veio alterar, sem dizer a razão de o fazer, a fórmula referida, para passar a adoptar a do TRC de 04/04/1995. Adoptava a fórmula, mas não adoptava os valores do ac. do TRC de 04/04/1995 para os variáveis r e k, pelo que, na prática, para quem aplicasse a fórmula, os valores indemnizatórios ainda passaram a ser mais baixos dos que os que se obtinham com a fórmula da portaria 377/2008.
Esta alteração passou despercebida talvez porque a portaria 679/2009, tendo alterado a fórmula, não alterou a tabela prática da portaria 377/2008, com o resultado de, actualmente, termos uma portaria que anuncia uma fórmula que não corresponde à tabela que diz concretizar tal fórmula.
E, para além disso, com o resultado de adoptar uma fórmula – a do TRC de 04/04/1995 – que pretendia dar indemnizações mais elevadas e mais justas aos lesados, com valores diferentes dos propostos por esse acórdão, o que se traduz em fixar variáveis que se concretizam em indemnizações muito mais baixas (e por isso injustas) aos lesados.
Isto mesmo é reconhecido pela doutrina.
Daí que, Menezes Cordeiro, diga: com a Portaria 377/08 (e outras conexas)
“o Governo [visou] respaldar as companhias de seguros […] [Estas portarias são] lamentáveis: conseguem fixar valores ainda aquém das já deprimidas cifras obtidas nos tribunais. Pior: cifras máximas, quando seria de esperar, ao menos, que as cifras fossem mínimas. […] A portaria contém tabelas por danos corporais e outros: insignificantes […] Esta iniciativa merece um juízo de censura absoluta. O Governo nunca deveria ter intervindo neste domínio, sem critério nem justiça e, aparentemente, sem conhecimento da evolução (penosa) do próprio Direito Civil […] este grave atentado aos direitos mais sérios e profundos dos cidadãos. […] As ofertas muito baixas, feitas pelas seguradoras, às vítimas de sinistros, agora apoiadas pelas infelizes portarias do Governo, têm ainda uma dimensão da maior injustiça. Elas são propostas a famílias de baixos recursos, desesperadas pelos danos morais e patrimoniais que inesperadamente as atingem e que logo aceitam como único paliativo. Apenas a classe média/alta pode enfrentar um processo de muitos anos contra uma seguradora para, então, conseguir arrancar um resultado menos deprimente” (Tratado do Direito Civil, II, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 753 e 759):
No mesmo sentido, Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Dez2008, notas 1639 a 1641, págs. 568/571) sobre medidas num âmbito conexo, diz:
“medidas de claro favorecimento das seguradoras em prejuízo dos segurados” que podem levar a uma situação que pode ser considerada de “escandalosa injustiça material” (de verdadeira expropriação forçada por utilidade particular (no caso, das seguradoras – utilizando as palavras de Menezes Leitão, em obra que cita) e por isso inconstitucionais.
Ou seja, as portarias em causa vieram propor a alternativa de valores “insignificantes”, ou seja, muito longe daqueles que os tribunais, com esforço, vinham – e vêm – ultimamente a aplicar.
Por isso, invocar as portarias em causa, com base de partida do cálculo das indemnizações, significa aceitar este retrocesso.
E aceitá-lo sem qualquer razão, já que as portarias em causa não se dirigem aos tribunais: as portarias tem um campo de aplicação restrito: fixam critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação, pelas seguradoras, aos lesados, de proposta razoável. Pelo que, a aplicação ou invocação das portarias, pelos tribunais, não se justifica.
Como proposta de fórmula matemática, poderiam servir se estabelecessem ou fossem tomadas como um limite mínimo, que fosse depois aumentado de acordo com a equidade. Só que, com a proposta de uma taxa de juro nominal líquida (irrealmente) alta e uma taxa anual de crescimento da prestação (irrealmente) muito baixa, a fórmula adoptada conduz a resultados de todos irrazoáveis (e por isso nada constitucionais…).
*
Veja-se então, na prática, o resultado:
O ac. do TRC fornece duas fórmulas.
A 1ª é um resumo simplificado da fórmula matemática utilizada pelo STJ e foi fornecida pelo autor da acção julgada no acórdão:
C =
(1+i)N -1 x P
(1+i)Nx i
em que
C = capital;
P = prestação a pagar no 1º ano;
i = taxa de juro; e
n = o nº. de anos de esperança de vida;
A 2ª é:
i =
1 + r - 1,
1 + k
em que:
r = taxa de juro nominal líquida.
k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais).
Isto para que a variável i não seja a taxa de juro nominal líquida da apli­cação financeira, mas sim a taxa de juros real líquida.
*
Para aplicar estas duas fórmulas há que partir de alguns dados e nesses dados estou de acordo com o acórdão:
É a esperança de vida que interessa e não a esperança de vida activa e ela era, à data do acidente, 81,30.
A autora nasceu em 05/02/1968.
A data que importa é 02/03/2006.
Assim, o nº. de anos que, a partir desta data, a autora ainda tinha de esperança de vida, era de 43,3.
*
Aplicando agora as fórmulas temos:
Em relação à primeira:
r = é igual a 4% (e não 5%). E com o valor de 4% já se está a aceitar a evolução ocorrida durante os 17 anos que decorreram desde o acórdão do TRC.
k = é igual a 3% (e não apenas 2%, já que a inflação não pode ser considerada só igual a 1% mas pelo menos a 2% e os ganhos de produtividade e promoções profissionais tem de ser pelo menos iguais a 1% - e com isto, de novo, já se está a aceitar a evolução ocorrida durante aqueles 17 anos)
Pelo que, sendo
i = (1 + r / 1 + k) – 1
i é 0,97%.
Em relação à segunda:
N é igual a 43,3 (nº de anos de vida provável).
i é igual a 0,97%
Pelo que
(1 + 0,97%)43,3 - 1
(1+0,97%)43,3 x 0,97%
O resultado disto é o factor: 35,21944
*
Ora, na portaria, o factor é de cerca de 24,936812. Ou seja, o factor encontrado através das duas fórmulas do ac. do TRC revela-se muito mais favorável ao lesado, o que de novo revela que as portarias vieram tentar baixar, em muito, os valores que os tribunais estavam a tentar aumentar.
O factor achado, de 35,21944 multiplicado por p (= prestação anual inicial) 1.681,86€, dá:
C = 59234,17€
Descontados 17,645%, o capital fica reduzido a 48781,86€, que se arredonda para 49.000€.
Mesmo assim, isto é, mesmo com esta dedução, o capital atribuído ao lesado é muito superior ao que resultaria da fórmula da portaria 679/2009, com os valores que esta aplica a r e a k, sem contar que a portaria, para além disso, considera a esperança de vida activa e não a esperança média de vida, sendo que esta é hoje a que os tribunais tendem a aplicar. Pelo que a portaria diria que o factor que teria de ser aplicado era o de 21,157454 (em vez de 35,21944…), o que ainda se revela mais injusto (35.583,88€ em vez de 59.000€, antes do desconto que teria de ser feito em qualquer destes valores).
*
Diz-se que os tribunais adoptam a esperança média de vida, e não a esperança de vida activa, pois que o fazem de facto, de uma forma ou outra, ou seja, aplicando-a logo na fórmula matemática, ou aplicando-a mais tarde com base na equidade. Por uma razão de transparência e de objectividade de critérios, afastando a potencial discricionariedade, julga-se mais correcto fazer logo a aplicação na fórmula.
*
O desconto a que me refiro é baseado naquilo que, por exemplo, o ac. do STJ de 25/11/2009 diz:
“Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.”
No caso, partindo-se de um rendimento para o capital de 4% ao ano, e de que o valor gasto em cada ano aumentaria também todos os anos em 2% pela inflação, considera-se que tem de haver aquela dedução de 17,645%, sob pena de o capital em causa, em vez de se ir reduzindo ao longo dos anos, ir antes aumentando.
*
Em suma: considero que as portarias 377/2008 e 679/2009 só deviam ser referidas, na fundamentação do acórdão para serem afastadas, por conduzirem a uma indemnização muito baixa, e que o valor da indemnização pela perda de capacidade aquisitiva devia subir para, pelo menos, 49.000€.
Pedro Martins