Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
940/08.9TDLSB.L2-9
Relator: CARLOS BENIDO
Descritores: PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
JULGAMENTO SEM A PRESENÇA DO RÉU
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2012
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: Tendo o arguido sido julgado na sua ausência, nos termos do art.333, do Código de Processo Penal, não pode recorrer enquanto não for notificado pessoalmente da sentença, isto é, enquanto não se apresentar voluntariamente ou for detido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão Sumária nos termos do artº 417º, nº 6, al. b), do Código de Processo Penal

I – RELATÓRIO
No processo comum singular nº 940/08.9TDLSB, do 3º Juízo Criminal de Lisboa, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que condenou os arguidos A... e “B…, Lda.” pela prática, como autores materiais, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo artº 107º, nº 1, com referência ao artº 105º, nºs 1, 2 e 4, do RGIT, em conjugação com os arts. 30°, nº 2 e 79º, do C. Penal, aplicáveis ex vi do artº 3º, al. a), do RGIT, e ainda nos termos do disposto nos arts. 6º e 7º, nºs 1 e 3, do mesmo regime jurídico, nas seguintes penas:
- O arguido A..., na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 720,00 (setecentos e vinte euros), a que correspondem 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária;
- A arguida “B…, Lda.” na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), perfazendo a quantia global de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).
- Na procedência do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante “Instituto da Segurança Social, I.P.” foram os arguidos/demandados condenados solidariamente a pagar àquele a quantia de € 33.405,89 (trinta e três mil quatrocentos e cinco euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa civil supletiva legal (actualmente 4%), computados a partir da data da notificação aos arguidos/demandados do pedido de indemnização civil e até integral e efectivo pagamento.
Desta decisão, e com ela não se conformando, interpuseram recurso os arguidos.
O Ministério Público respondeu ao recurso.
O “Instituto da Segurança Social, I.P.” não respondeu.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 663.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto, tendo referido: «nada mais se acrescentará à “resposta” do M. Público, em 1ª instância (fls. 657 a 662)».
Cumprido oficiosamente o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, não houve qualquer resposta.

II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Entende-se ser de exarar decisão sumária ex vi do nº 6, al. b), do artº 417º, do CPP, atenta a extemporaneidade do recurso.
Do exame e análise do processo resulta que:
- O arguido A... prestou Termo de Identidade e Residência (TIR), no dia 6-08-2008, em conformidade com o disposto no artº 196º, do CPP, na redacção do DL nº 320-C/2000, de 15/12 (cfr. fls. 73/74);
- O despacho que designou os dias para a realização do julgamento (cfr. fls. 581 e 582) foi notificado ao arguido, por si e na qualidade de representante legal da arguida “B…, Lda.”, através de via postal simples, aí se consignando a morada por ele indicada aquando da prestação de TIR, notificação ocorrida no dia 30-05-2011 por depósito no receptáculo postal (cfr. fls. 584 e 590);
- A 11-10-2011 procedeu-se ao julgamento (cfr. acta a fls. 598 a 602), não estando presente o arguido, tendo-se documentado as declarações;
- A audiência de julgamento foi interrompida e designada a segunda data - 18-10-2011 - para a leitura da sentença;
- A 18-10-2011 foi lida a sentença na ausência do arguido, tendo aquela sido depositada na mesma data (cfr. fls. 619 e 620);
- A mandatária dos arguidos não esteve presente na leitura da sentença, tendo sido substituída, para o acto, pelo Dr. P… (cfr. acta a fls. 620);
- Através de carta registada expedida em 28-10-2011 foi remetida cópia da sentença à Advogada dos arguidos (cfr. fls. 625);
- A 21-11-2011, os arguidos, através da sua mandatária, interpuseram recurso da sentença (cfr. fls. 627 a 651);
- Os arguidos ainda não foram notificados da sentença.

2. Em caso idêntico ao dos autos, escrevemos na decisão sumária proferida em 14-04-2011, no Proc. nº 1187/08.0PJLSB.L1, acessível em www.dgsi.pt:
«Como decorre do referido em 1. o arguido foi julgado na sua ausência, nos termos do artº 333º, do CPP.
Com o DL nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quis o legislador acabar com a total desresponsabilização do arguido em relação ao andamento do processo ou ao seu julgamento, como se lê no respectivo Preâmbulo, razão pela qual permite o julgamento na ausência do arguido, desde que sujeito a TIR nos termos do artº 196º, do CPP, bastando-se com a notificação do arguido da realização do julgamento, mediante via postal simples, para a morada constante do TIR.
Como a leitura teve lugar na ausência do arguido, a sentença é notificada pessoalmente ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, artº 333º, nº 5, 1ª parte. Actualmente não suscita controvérsia que a notificação da sentença imposta por este normativo é a notificação pessoal ao arguido (cfr. Acs. do Tribunal Constitucional nºs 312/05, de 8-06-05 e 422/05, de 17-08-05, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt; Acs. do Tribunal da Relação do Porto de 6-10-04, 19-04-06 e 21-02-07, nos Proc. nºs 0441909, 0416140 e 0646069, acessíveis em www.dgsi.pt e da Relação de Guimarães de 10-03-03, CJ, Ano XXVIII, Tomo II, pág. 289).
No caso a decisão ainda não foi notificada pessoalmente ao arguido. Ora dispondo o artº 333º, nº 5, 2ª parte, do CPP, que o prazo para interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença, tendo em conta que essa disposição foi introduzida pelo DL nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, e que foi propósito do legislador, além do mais o combate à morosidade processual, e acabar com a total desresponsabilização do arguido em relação ao andamento do processo, impõe-se a conclusão de que havendo lugar a audiência na ausência do arguido este não pode recorrer enquanto não for notificado, isto é enquanto não se apresentar voluntariamente ou for detido, sob pena de se escancararem as janelas da desresponsabilização, que o legislador tanto demorou para conseguir fechar.
Também o Tribunal Constitucional sustenta a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso (Acs. do Tribunal Constitucional nºs 274/03, de 28-05-03 e 503/03, de 28-10-03, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt, em interpretação aos arts. 334º, nº 8 e 113º, nº 7 do CPP na versão da Lei 59/98 de 25/08, correspondentes aos dos arts. 334º, nº 6 e 113º, nº 9 daquele Código com a redacção do DL 320-C/2000, de 15/12, conjugados com o nº 3 do artº 373º).
Aliás, o actual nº 6 do artº 333º, do CPP, introduzido pela Lei nº 26/2010, de 30/08, reforça esta ideia ao dispor que “na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo”.
É pois forçosa a conclusão de que sendo o presente recurso extemporâneo, já que ainda se não iniciou o prazo da sua interposição, deve o mesmo ser rejeitado.».
Destarte e tendo em conta que a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior (artº 414º, nº 3, do CPP), há que rejeitar o recurso dos arguidos (arts. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), todos do CPP).

III – DECISÃO
Termos em que se rejeita o recurso (artº 420º, nº 1, al. b), do CPP).
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, para cada um.

Lisboa, 19 de Março de 2012

Relator: Carlos Benido;