Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1241/05.0TBBNV.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
CONVERSÃO DO NEGÓCIO
CONTRATO DE CONCESSÃO DE CRÉDITO
RÉU REVEL
REVELIA
EFEITO COMINATÓRIO SEMI-PLENO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O contrato de cessão de posição contratual é o negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou signalamático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram do contrato, dessa forma se operando a substituição de um dos titulares da relação contratual básica, saindo o cedente, entrando para o seu lugar o cessionário e mantendo-se o contraente cedido.
II – Para que tal modificação subjetiva do contrato se consuma é necessário o consentimento do outro contraente, o qual pode exprimir-se tácita ou expressamente, sendo certo que o silêncio do cedido perante a comunicação da cessão não vale como consentimento, a não ser que no caso concreto a lei, uso ou convenção lhe atribua o valor de declaração negocial.
III – Através da conversão visa-se, por via de um negócio diferente do inicialmente celebrado pelas partes e que padece de vícios que o invalidam, obter efeitos jurídicos que ainda assim satisfazem suficientemente o interesse das partes.
IV - O juiz não pode decretar oficiosamente a conversão, é necessário que as partes (ou uma delas) o requeiram.
V – Não tendo o autor/recorrente invocado na primeira instância a ora suscitada conversão do contrato de cessão de posição contratual em contrato de cessão de créditos, o tribunal a quo não podia conhecer dessa questão, sob pena de cometer a nulidade prevista na alínea d), parte final, do n.º 1 do art.º 668.º do CPC; por outro lado, na sua essência o recurso visa modificar a decisão recorrida e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo, consequentemente, tratar-se no mesmo de questões que não hajam sido suscitadas perante o tribunal recorrido, a menos que se reconduzam a hipóteses de conhecimento oficioso.
(JLL)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 18.9.2005 “A” intentou no Tribunal Judicial de B... ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra “B”.
O A. alegou, em síntese, que em 1998 o R. celebrou com “C”, através da legal representante deste, um contrato-promessa mediante o qual o R. prometeu vender ao “C” e o “C” prometeu comprar àquele, uma parcela de terreno a destacar de um prédio rústico de que o R. era comproprietário. O preço global estabelecido foi de Esc 3 200 000$00, equivalente a € 15 961,53, de que o R. recebeu de imediato a importância de Esc. 1 000 000$00, equivalente a € 4 987,98. O promitente comprador entrou de imediato na posse da aludida parcela. O R. não marcou a escritura prometida, contrariamente à obrigação contratualmente assumida. Em 16.8.2001 o A. celebrou com o promitente comprador um contrato de cessão de posição contratual, referente ao aludido contrato-promessa, do que o A. notificou o R.. Porém o R. não deu sequência ao contrato prometido, vindo o A. a descobrir em fevereiro de 2003 que o R. alienara o referido lote de terreno a um terceiro. À data em que o A. celebrou o contrato de cessão, apurou que o valor do terreno era de 3$00 por m2. Assim, o valor do lote do terreno a que o contrato-promessa se refere era de Esc. 15 052 000$00, equivalente a € 75 079,90. Pelo que, nos termos do disposto no art.º 442.º n.º 1 do Código Civil, o A. tem direito a receber do R. o valor de Esc. 12 852 000$00, equivalente a € 59 117,52, a que acrescem juros de mora, à taxa contratual de 15%, sendo que os juros vencidos a contar de 16.8.2001 perfaziam, à data da propositura da ação, € 16 756,98. O A. tentou que o R. cumprisse voluntariamente as suas obrigações para com o A., mas não o conseguiu, pois o R. remeteu-se ao puro silêncio.
O A. terminou pedindo que a ação fosse julgada procedente por provada e em consequência o R. fosse condenado no pagamento ao A. da quantia de € 75 874,50, acrescida dos juros vincendos à taxa legal, sobre os valores do capital, até efetivo recebimento pelo A. das quantias reclamadas.
Citado em 02.4.2008, o R. nada disse.
Em 08.7.2008 consideraram-se confessados os factos articulados pelo A. e em 17.7.2008 o A. alegou de direito, concluindo pela condenação do R..
Em 07.02.2011 foi proferida sentença na qual julgou-se a ação totalmente improcedente e consequentemente absolveu-se o R. do pedido.
O Autor apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1.ª Considerando que:
a) O apelado celebrou o contrato promessa de compra e venda a que se refere o facto n.º 1;
b) Que, era obrigação do Apelado, a designação do acto notarial (facto 3),
c) Que, os promitentes-compradores, por contrato, “declaram ceder ao apelante… os seus direitos no contrato promessa de compra e venda…” – facto n.º6;
d) Que, o apelante procedeu à notificação do réu nos termos do art.º 424.º n.º 2 do CC (facto n.º 7);
e) Que, o apelado em Fevereiro de 2003, alienou a terceiros o mencionado imóvel – facto n.º 8,
f) A conclusão a extrair de tais factos é a de responsabilizar o réu pelo incumprimento da obrigação, e, consequentemente, condená-lo no valor do pedido.
2.ª Tendo em vista a factualidade antecedente da 1.ª conclusão, e, tendo em vista o conteúdo do contrato celebrado entre o apelante e os promitentes adquirentes, o contrato em causa convolou-se para um contrato de cessão de créditos a que se refere o artigo 293.º e 577.º n.º 1 do CC;
3.ª O argumento de que o M.º Juiz se serviu para julgar a acção improcedente não se verifica dos autos (falta de consentimento), nem no caso, o tipo de contrato em que se veio a converter cessão de créditos, carecer de consentimento do devedor.
4.ª Considerando-se confessados os factos articulados na acção, nenhum obstáculo legal impede a condenação do apelado no valor do pedido.
5.ª A decisão “sub judice “, no entendimento do apelante, é injusta, ilegal e viola no seu entendimento:
- Artigo 156/1 do C.P.C, n.º 1 do art.º 484.º, 659.º n.º 2 e 3 do mesmo diploma na medida em que, aplicando a lei aos factos provados, naquele vai vem silogístico entre os factos e o direito, a acção deveria ser julgada procedente, por provada, por ser esse o corolário lógico e legal da subsunção dos factos ao direito.
Do Código Civil: Artigo 9.º quanto à interpretação da lei, artigo 424.º n.º 1, 577.º n.º 1.
O apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e o apelado condenado no pedido.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO
As questões suscitadas na presente apelação são as seguintes: se o R. consentiu na alegada cessão da posição contratual; se o contrato de cessão da posição contratual se convolou num contrato de cessão de créditos; se a revelia do R. e os factos provados determinam a procedência da ação.
Primeira questão (consentimento da cessão da posição contratual)
O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de Facto
1. Em data incerta do ano de 1998, o réu “B”, na qualidade de promitente vendedor, comproprietário de uma propriedade rústica denominada “X”, sito em ... e como futuro único proprietário da parcela com a área de 5017,45 m2 a desanexar daquela, declarou por escrito prometer vender a “C”, que, representado pela sua mãe, na qualidade de promitente comprador, declarou por escrito prometer comprar pelo preço de 3.200.000$00, tendo o réu recebido no ato da celebração do contrato, a título de sinal, a importância de 1.000.000$00;
2. Convencionaram ainda que se por qualquer motivo não dependente da vontade do primeiro outorgante não for possível a desanexação da parcela referida fica este obrigado a devolver ao segundo outorgante a quantia recebida a título de sinal, em singelo, acrescida de juros à taxa anual de 15%;
3. Convencionaram ainda que a escritura de compra e venda seria outorgada em data, hora e local a indicar pelo primeiro outorgante que, para o efeito, notificará o segundo outorgante por carta registada e com aviso de receção com trinta dias de antecedência;
4. Ficou ainda a constar que com a assinatura do contrato, o segundo outorgante entraria na posse da parcela referida;
5. O que se veio a verificar, tendo o promitente comprador mandado efetuar terraplanagem do mesmo com vista a poder urbanizar no referido lote de terreno;
6. No dia 16 de agosto de 2001, “D” e “E”, esta na qualidade de representante dos seus filhos “C” e de “F”, menor de idade, na qualidade de cedentes, e “A”, na qualidade de cessionário, tendo os primeiros declarado ceder ao cessionário os seus direitos no contrato promessa de compra e venda relativamente a duas parcelas de terreno de 5.017,45 m2 e 5.206,96 m2 do prédio rústico situado nos “X”, ... identificados pelos números 3 e 9 da planta;
7. O autor procedeu à notificação do réu do contrato referido em 6.;
8. Em fevereiro de 2003, o réu declarou vender a “G”, que declarou comprar, o lote de terreno referido em 1;
9. Em agosto de 2001, o valor do terreno era de 3 escudos por metro quadrado;
10. Encontra-se registada na conservatória do registo predial de ..., sob o número ... o prédio rústico denominado “X”, estando ainda descrita pela apresentação n.º... a desanexação do número ..., com 5.017m2, estando o direito de propriedade inscrito, pela apresentação ..., a favor de “B” casado com “H”, por divisão com “I”, “J” e “L”;
11. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... pela apresentação número ..., o prédio misto situado em “X”, com a área total de 5017m2, sendo 234m2 de área coberta e 4783 m2 de área descoberta, composta por parcela de terreno hortícola em parte do qual foi edificada uma casa destinada a habitação, desanexado do número ..., tendo sido inscrita, pela apresentação n.º4 de 1999/11/10 a aquisição a favor de “G” e “M” por compra a “B”.
O Direito
Provou-se que pelo escrito documentado a fls 11 e 12 dos autos, em 1998 o R. prometeu vender a “C” uma determinada parcela de terreno, a desanexar de um prédio rústico de que era comproprietário, e o “C”, na ocasião representado por sua mãe, prometeu comprar àquele a dita parcela. O preço da venda seria Esc. 3 200 000,00, dos quais foram de imediato entregues e a título de sinal ao promitente vendedor Esc. 1 000 000$00, ficando acordado que o restante seria pago com a celebração da escritura de compra e venda.
Celebraram, pois, os respetivos outorgantes, um contrato-promessa (art.º 410.º, n.º s 1 e 2 do Código Civil), o qual tinha por objeto a compra e venda de um imóvel, mais precisamente um lote de terreno.
Em 16.8.2001 o ora A. e, em representação dos filhos, a mãe de “C” e de “F”, outorgaram o escrito documentado a fls 15 e 16 dos autos, no qual, sob a epígrafe “Contrato de cessão de posição contratual”, após terem consignado que os “cedentes” haviam celebrado com o ora R. dois contratos promessa de compra e venda, relativos a duas parcelas de terreno de um determinado prédio rústico [sendo um desses contratos-promessa aquele a que respeitam estes autos] e que o preço global das referidas parcelas era de Esc. 3 200 000$00 e Esc. 3 300 000$00, respetivamente, faltando aos promitentes compradores liquidar no ato da celebração da escritura prometida, as importâncias de Esc. 2 200 000$00 e Esc.2 300 000$00, respetivamente, declararam que “através do presente contrato, os cedentes cedem inteiramente os seus direitos ao cessionário, nos termos do disposto no art.º 424.º e seguintes do código civil.” Mais exararam as partes que “em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 424.º do código civil, nesta data os cedentes notificarão o cessionário da presente cessão para que produza os seus legais efeitos.
Mais se deu como provado que “o autor procedeu à notificação do réu do contrato referido em 6.” (n.º 7 da matéria de facto).
Tal notificação ter-se-á realizado, a avaliar pelo documento que o A. juntou para a provar, através da carta constante a fls 17, na qual “E” (mãe dos cedentes) declarou que “Nos termos do disposto no artigo 424º, do código civil, pela presente notifico V.Sa de que por contrato de cessão de posição contratual, celebrado em 16 do corrente mês e cuja cópia envio, cedi os direitos que possuía no contrato promessa de compra e venda que celebrei com V. Sa, ao Sr. “A”.
Desta forma, deverá V.Sa, marcar com brevidade a escritura prometida, sendo certo que na data acima referida foi enviado ao seu advogado – Exmo Senhor Dr. “N”, os elementos de identificação do ora cessionário para agendamento da escritura notarial.”
Pese embora nos aludidos escritos se mencione tão só a cessão dos “direitos” resultantes do contrato-promessa, nada neles inculca a ideia de que os (primitivos) promitentes compradores pretendiam manter-se vinculados ao contrato, continuando a seu cargo, v.g., o pagamento da parte em falta do preço. Tal é a ideia que emana do teor do contrato de cessão, onde expressamente se diz estar em causa uma cessão de posição contratual e se referem as normas legais correspondentes. A própria indicação, no contrato de cessão, do valor do preço de compra e venda que faltava pagar, serve para clarificar o encargo que nessa vertente seria assumido pelo cessionário.
Afigura-se-nos, pois, que a interpretação adequada da vontade dos declarantes, face ao teor do por elas vertido no “contrato de cessão de posição contratual” supra descrito (artigo 236.º do Código Civil), aponta no sentido de que pretenderam transmitir para o ora A. a posição do promitente comprador no contrato-promessa que havia sido celebrado, aí se compreendendo portanto a totalidade dos créditos e débitos, sujeições, deveres laterais de comportamento, expectativas, ónus, etc, para ele decorrente do contrato-promessa. Ou seja, pretenderam os respetivos outorgantes celebrar um contrato de cessão de posição contratual, como tal regulado no art.º 424.º e seguintes do Código Civil, o qual pode definir-se como o negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou signalamático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram do contrato (cfr., v.g., Antunes Varela, “Das obrigações em geral”, vol. II, 7.ª edição, Almedina, pág.385). Através desse contrato opera-se a substituição de um dos titulares da relação contratual básica, saindo o cedente, entrando para o seu lugar o cessionário e mantendo-se o contraente cedido. Trata-se de fenómeno jurídico que o legislador admite também para o contrato-promessa (art.º 412.º do Código Civil).
Porém, para que tal modificação subjetiva do contrato se consume é necessário o consentimento do outro contraente (art.º 424.º do Código Civil), para quem não é indiferente a pessoa do devedor nas obrigações de que ele seja credor. Esse consentimento, aquiescência à modificação subjetiva do contrato, pode exprimir-se tácita ou expressamente (art.º 217.º do Código Civil). O mero silêncio só valerá como declaração negocial quando esse valor lhe for atribuído por lei, uso ou convenção (art.º 218.º do Código Civil).
No caso dos autos, nada foi alegado no sentido de que o R., promitente vendedor, havia dado o seu consentimento prévio à cessão da posição contratual do promitente comprador. Por outro lado, não se provou (nem sequer se alegou) que o R. deu o seu consentimento à cessão contratada pelo A. e o promitente comprador. De facto, não foi alegado nem se demonstrou qualquer comportamento, por parte do R., que consubstanciasse meio direto de manifestação desse consentimento ou que, indiretamente mas com toda a probabilidade, o revelasse.
O único comportamento conhecido do R., após ter sido notificado da cessão da posição contratual, foi a venda a terceiro do lote de terreno a que se reportam estes autos. O que, obviamente, não traduz consentimento à cessão da posição contratual do promitente comprador. Sendo certo que nem a lei nem os usos atribuem ao silêncio do contraente cedido, in casu, o valor de declaração de consentimento, e não há notícia de que houvesse convenção entre as partes nesse sentido.
Sendo o consentimento elemento constitutivo do direito do A., por se apresentar como um dos pressupostos da legitimidade do A. para reclamar do R. a peticionada indemnização, cabia-lhe o ónus da sua prova (art.º 342.º n.º 1 do Código Civil).
Pelo que se nos afigura que a resposta dada pelo tribunal a quo a esta questão (a de que não se provou o supra referido consentimento) não merece censura.
Segunda questão (conversão do contrato de cessão da posição contratual em contrato de cessão de créditos)
Independentemente da natureza que se atribua ao consentimento do outro contraente (como elemento constitutivo do contrato de cessão da posição contratual, que se configura como negócio trilateral - Prof. Carlos Alberto Mota Pinto “Cessão da posição contratual”, Almedina, reimpressão, 1982, páginas 193 a 195, nota 2, 474 a 478; acórdão do STJ, de 01.4.2008, 08A337 - ou como mera condição de eficácia da cessão da posição contratual, como parece decorrer da letra da lei - art.º 424.º, n.º 1 -, que menciona o consentimento enquanto acontecimento que pode ocorrer “antes ou depois da celebração do contrato” de cessão – Luís A. Carvalho Fernandes, “A conversão dos negócios jurídicos civis”, Quid Juris, 1993, pág. 868 a 872; STJ, 18.11.2008, 08B3419), dúvidas não há de que a sua omissão obsta a que produza efeitos jurídicos perante o contraente “cedido”. Com base nessa premissa o tribunal a quo absolveu o R. do pedido.
Pretende porém a A. que face à falta de consentimento por parte do R. da cessão da posição contratual do promitente comprador, o contrato de cessão de posição contratual ter-se-ia convertido num contrato de cessão de crédito, nos termos conjugados dos artigos 293.º e 577.º n.º 1 do Código Civil, crédito que o A. pretende acionar neste processo e cuja cessão não carece do consentimento do devedor, o ora R..
Vejamos.
Nos termos do art.º 293.º do Código Civil, “o negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido se tivessem previsto a invalidade.”
Trata-se de por via de um negócio diferente do inicialmente celebrado pelas partes e que padece de vícios que o invalidam, obter efeitos jurídicos que ainda assim satisfazem suficientemente o interesse das partes. Está em causa a vontade hipotética ou conjetural das partes, “construída sobre a base do negócio principal (…), tendo em vista a sua natureza típica e particularidades concretas” (Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Almedina, 6.ª reimpressão, Coimbra 1983, página 434).
Visando a conversão satisfazer a confiança das partes na proteção jurídica, tendo em vista as finalidades práticas por si visadas, o juiz não pode substituir-se à vontade das partes na conversão de um negócio inválido. Ou seja, o juiz não pode decretar oficiosamente a conversão, é necessário que as partes (ou uma delas) o requeiram (cfr., v.g., Teresa Luso Soares, “A conversão do negócio jurídico”, Almedina, 1986, pág. 58; Luís A. Carvalho Fernandes, obra citada, páginas 352 e 353, 369 a 372; STJ, 05.11.1998, CJ-STJ, ano VI, tomo III, pág. 93; STJ, 27.01.2010, 4221/06.4TBALM.S1).
Tratando-se do autor, deverá invocar a conversão na petição inicial ou, verificando-se os necessários requisitos para a alegação superveniente e na falta de acordo da parte contrária, fazê-lo até ao encerramento da discussão na primeira instância (artigos 268.º, 272.º e 273.º do Código de Processo Civil; Luís A. Carvalho Fernandes, obra citada, páginas 369 a 385; STJ, 27.01.2010, 4221/06.4TBALM.S1, citado).
No caso destes autos, o A. (tal como o R.) não invocou na primeira instância a ora suscitada conversão do contrato de cessão de posição contratual em contrato de cessão de créditos, pelo que o tribunal a quo não podia conhecer dessa questão, sob pena de cometer a nulidade prevista na alínea d), parte final, do n.º 1 do art.º 668.º do CPC. Por outro lado, podendo as decisões judiciais ser impugnadas, por meio de recurso, como decorre do estipulado pelo artigo 676.º, n.º 1, do CPC, tem sido entendido, uniformemente, que na sua essência o recurso visa modificar a decisão recorrida e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo, consequentemente, tratar-se no mesmo de questões que não hajam sido suscitadas perante o tribunal recorrido, a menos que se reconduzam a hipóteses de conhecimento oficioso (cfr., v.g., STJ, 15.12.2011, 5622/06.3TVLSB.L1.S1).
Pelo que, e sendo certo que a conversão pretendida pelo A. encontraria sérios obstáculos decorrentes da ausência de elementos respeitantes ao negócio subjacente ou causal da cessão da posição contratual (dificultando um juízo abalizado acerca da vontade hipotética ou conjetural das partes) e da estrutura das figuras em presença (se se entender que o consentimento do contraente cedido é elemento constitutivo da cessão da posição contratual, a sua ausência significa que não chegou a formar-se qualquer negócio, não havendo lugar à sua conversão noutro negócio – tese de Mota Pinto, obra citada, pág. 474 a 478; se se entender que o consentimento é apenas condição de eficácia da cessão da posição contratual, em princípio os seus efeitos sucedâneos, atendendo ao seu fim prático, que normalmente se refere ao conteúdo da situação patrimonial no seu todo e não aos seus vários elementos uti singuli, ater-se-ão a um âmbito interno, ou seja, passará a caber a cada uma das partes no negócio – cedente e cessionário – o dever de assegurar à outra o resultado prático que a cessão operaria se fosse eficaz – Luís A. Carvalho Fernandes, obra citada, páginas 871 e 872), está vedado a esta Relação conhecer da pretendida conversão da cessão da posição contratual numa cessão de créditos.
Quarta questão (revelia do R.)
O demandado em juízo tem o direito de se defender mas não é obrigado a fazê-lo. Se se quedar pela revelia não incorre nas consequências inerentes à violação de uma obrigação, mas tão só sujeita-se aos efeitos de um ónus. In casu, o R., citado pessoalmente para a ação, nada disse. A consequência, como de resto foi advertido no ato da citação (art.º 235.º n.º 2 e 480.º do CPC), é considerarem-se confessados os factos articulados pelo autor (art.º 484.º n.º 1 do CPC), salvas as exceções previstas no art.º 485.º do CPC. Assim, a revelia, embora operante, não tem efeito cominatório pleno, ou seja, não implica a condenação do réu revel no pedido formulado pelo autor. O desfecho da ação dependerá do tratamento jurídico que merecer o factualismo considerado provado e para cujo acervo terá contribuído a confissão ficta emergente da revelia. Conforme o exprime a lei, o juiz julgará a causa “conforme for de direito” (n.º 2 do art.º 484.º do CPC).
Conjugando todas estas regras, bem pode o réu, fiando-se numa eventual carência de matéria factual sustentadora da pretensão do autor, ficar-se pela inação, poupando-se a incómodos e a despesas.
No caso dos autos, o tribunal a quo, julgando conforme é de direito, concluiu pela improcedência da ação. Ajuizou bem, conforme decorre de todo o supra exposto.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo do apelante.

Lisboa, 15 de Março de 2012

Jorge Manuel Leitão Leal
Pedro Martins
Sérgio Almeida