Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2/2012.4YRLSB-4
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: GREVE
SERVIÇOS MÍNIMOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: A fixação, como serviços mínimos a prestar, na empresa CARRIS e no dia da greve geral- 24 de Novembro de 2011–, da realização de uma percentagem de 50% de realização de carreiras que servem essencialmente hospitais, centros de saúde, escolas e universidades, e com a supressão pura e simples de outras carreiras, não viola os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, sendo que está em causa uma empresa de transportes públicos que a lei classifica como empresa que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

A FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DOS TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES - FECTRANS, a Associação Sindical do pessoal de tráfego da carris – ASPTC, e o sindicaTo nacional dos motoristas- snm vieram interpor recurso do acórdão proferido pelo tribunal arbitral constituído no âmbito do processo de arbitragem obrigatória n.º 42/2011- SM, que, relativamente à greve geral convocada pelas centrais sindicais – UGT e CGTP para o dia 24 de Novembro de 2011, decidiu quais os serviços mínimos que deviam ser prestados pelos trabalhadores da COMPANHIA CARRIS DE FERRO DE LISBOA, SA - CARRIS durante o período de greve.
Formularam as seguintes conclusões:
- a FECTRANS:
(…)

- a ASPTC:
(…)
- o SNM:
(…)

Simultaneamente, a FECTRANS veio arguir a nulidade do acórdão do tribunal arbitral, nos seguintes termos:
1- O art. 23º, nº 3 da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, aplicável à arbitragem obrigatória, por força do art. 1528º do CPC, determina que a decisão final do Tribunal Arbitral “deve ser fundamentada”.
2- Tal disposição corresponde ao estabelecido nos nºs 2 e 3 do art. 659º do CPC, para as sentenças.
3- O Acórdão do Tribunal Arbitral não se encontra suficientemente fundamentado, pois não esclarece devidamente quais as necessidades sociais impreteríveis a satisfazer, nem as razões em que assenta a discriminação que consagra, assegurando a realização de determinadas carreiras de transporte de passageiros e não de outras.
4- Ora, a falta de fundamentação é, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 27º da referida Lei nº 31/86, causa de anulação da decisão.
5- Assim, deverá ser considerado nulo o Acórdão Arbitral em referência, por violação do disposto no art. 23º, nº 3, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto e no art. 659º, nºs 2 e 3 do CPC.
A Carris apresentou contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
Questões a decidir:
- a nulidade da decisão do tribunal arbitral;
- se esse acórdão, fixando serviços mínimos e nos termos em que o fez, limitou o direito à greve, por as restrições nele impostas não serem indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis;
- se foi dado adequado cumprimento ao disposto no nº 7 do artº 538º do Cod. do Trabalho.
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Como circunstancialismo relevante a ter em conta temos:
1 - O SNM (Sindicato Nacional dos Motoristas), o SITRA (Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes), o SC (Sindicato dos Contabilistas), a FECTRANS (Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações), o SITTMAP ( Sindicato dos Transportes da Aérea Metropolitana do Porto ), a ASPTC (Associação Sindical do Pessoal de Tráfego da Carris) e o SIMA (Sindicato da Indústria Metalúrgica e Afins) comunicaram, de acordo com o texto dos avisos prévios, a sua adesão à greve geral a decorrer no dia 24 de Novembro de 2011, com a paralisação total do trabalho durante todo o período de funcionamento correspondente àquele dia.
2 - Os serviços mínimos não estão regulados no instrumento de regulamentação colectiva aplicável.
3 - Tal como decorre da acta de 14 de Novembro de 2011, realizou-se nesse dia uma reunião no Ministério da Economia e Emprego, nas instalações da Direcção de Serviços para as Relações Profissionais nas Regiões Norte e Centro, convocada ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 538º do CT, para negociação de um acordo sobre os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar.
4 - No âmbito dessa reunião não foi alcançado acordo quanto aos serviços mínimos.
5- A CARRIS apresentou a proposta de serviços mínimos constante de fls. 36 a 43.
6- Os sindicatos presentes discordaram, tendo reiterado a posição já assumida nos avisos prévios.
7- É o seguinte o teor do acórdão recorrido do tribunal arbitral:
(...) É inquestionável que o direito de greve está previsto como direito fundamental no artigo 57.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo em tal artigo também prevista a necessidade de, em certas situações, serem assegurados serviços mínimos. Estes serviços não podem concretizar uma anulação objectiva do direito de greve; mas, ao mesmo tempo, têm de estar assegurados os serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e à satisfação de necessidades sociais impreteríveis (cfr. também artigo 538.º do CT).
Esta situação de conflito de direitos deve ser resolvida tendo presente o disposto no art. 538.º, n.º 5 do CT (aplicabilidade dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade) e, por isso, a concretização dos serviços mínimos deve ser feita de uma forma especialmente cautelosa e prudente. Ou seja, no modelo constitucional e legal, o direito de greve, e a circunstância de ela ser admissível no âmbito dos serviços públicos e universais de interesse geral, implica a criação de manifestas perturbações e incómodos aos cidadãos utentes, não sendo ponderável uma tese em que um conteúdo amplo para a definição de serviços mínimos em cada caso concreto destrua, na prática, a eficácia pretendida pela própria greve.
Mas, também, a Constituição e a Lei não pretendem que o exercício do direito de greve seja concretizado de um modo que se torne indiferente a outros valores e direitos que merecem a tutela do direito e a real disponibilidade de serviços públicos no sentido da satisfação de necessidades sociais impreteríveis, ou seja, que, de outro modo, seriam irremediavelmente prejudicadas.
É manifesto que a actividade de Transporte Colectivo de Passageiros exercida pela CARRIS, SA e pelo STCP, SA, se enquadra na alínea h) n.º 2 do artigo 537.º do Código do Trabalho, sendo assim legalmente reconhecida como destinada à satisfação de necessidades sociais impreteríveis. Efectivamente, o direito de deslocação dos passageiros, que pressupõe a existência de condições de mobilidade na área urbana, constitui um direito essencial, pressuposto do exercício de outros direitos constitucionalmente protegidos, como sejam o trabalho, a saúde e a educação.
Em consequência, os Sindicatos que declarem a greve e os trabalhadores que a ela aderirem estão legalmente obrigados a assegurar durante a mesma, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação dessas necessidades sociais impreteríveis, de acordo com o n.º 1 do artigo 537.º do Código do Trabalho.
7. Entre os factores a ponderar na sua decisão o Tribunal Arbitral teve presente o facto de a greve em questão ser uma greve geral com a duração de um dia inteiro, o que implicará uma paralisação geral dos serviços de transportes nesse dia. Ponderou ainda o facto de as linhas propostas pela CARRIS e pelo STCP desempenharem um papel essencial no acesso das pessoas à rede hospitalar pública e, consequentemente a necessidade de protecção do direito à saúde constitucionalmente consagrado.
Por outro lado, é evidente que a mobilidade das pessoas na área urbana constitui uma necessidade social impreterível, o que torna imprescindível assegurar o funcionamento de um número mínimo de autocarros, ainda que não a totalidade dos que servem essas carreiras, ao contrário do que tinha sido proposto pela CARRIS e pelo STCP.
O Tribunal entende que permitir o funcionamento de apenas 50% de algumas carreiras, das várias dezenas disponibilizadas pelas duas empresas, protege o direito fundamental à greve, ao mesmo tempo, que assegura um funcionamento mínimo das carreiras consideradas imprescindíveis para as necessidades sociais impreteríveis dos cidadãos durante o período que dura a greve. Esta é aliás a doutrina que foi consagrada nos Acórdãos da Relação de Lisboa, de 25 de Maio de 2011 e de 1 de Junho de 2011.
8. Assim, por maioria, o Tribunal Arbitral determina os seguintes serviços mínimos:
a) Quanto ao STCP:
- Portarias
- Carros de apoio à linha aérea e desempanagem
- Pronto socorro
- Serviços de saúde e de segurança das instalações e equipamentos
- Funcionamento em 50% do seu regime normal das linhas 200, 205, 300, 301, 305, 400, 402, 500, 501, 508, 600, 602, 603, 701, 702, 801, 901, 902, 903, 905, 907 e 4M e 5M.
b) Quanto à CARRIS:
- Funcionamento do transporte exclusivo de deficientes
- Funcionamento do carro do fio e desempanagens
- Funcionamento dos postos médicos
- Segurança das instalações e do equipamento no âmbito da responsabilidade dos trabalhadores abrangidos pelo pré-aviso de greve.
- Funcionamento em 50% do seu regime normal das carreiras 12, 36, 703, 708, 735, 738, 742, 751, 755, 758, 760, 767, e 790.
Os meios humanos necessários para assegurar o serviços mínimos decididos são designados, nos termos legais, pelos sindicatos que declararam a greve, até 48 horas antes do inicio do período de greve ou, se estes não o fizerem, devem as empresas proceder a essa designação mas, tendo em atenção os princípios da necessidade, da adequação, e da proporcionalidade, o recurso ao trabalho dos aderentes à greve para a prestação daqueles serviços mínimos só deverá ser feito quando as necessidades correspondentes não puderem, razoavelmente, ser satisfeitas através do recurso ao trabalho de eventuais não aderentes à greve”.
8. O árbitro de parte trabalhadora apresentou a seguinte declaração de voto:
“Votei vencido o presente Acórdão por entender que o sentido da decisão que fez vencimento não se coaduna com os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade que a definição dos serviços mínimos deve respeitar, nos termos do nº 5 do artigo 538º do Código de Trabalho.
É que, se é indiscutível que a prestação de serviços mínimos durante o período de greve se destina a satisfazer necessidades sociais impreteríveis, o dimensionamento desses serviços mínimos através do recurso a percentagens ou quotas sobre os serviços normalmente realizados ainda que apresentados sobre a forma de listagens quantificadas – não é conforme com o padrão constitucional estabelecido no artigo 57º da CRP e traduz-se ainda numa clara violação dos limites impostos no artigo 18º nº 2 da CRP.
Na verdade a fixação em abstracto dos serviços mínimos acolhida por maioria no Acórdão, não tendo a suportá-la qualquer relação ou ligação concreta a necessidades sociais impreteríveis, não se destina, pois, a dar satisfação a essas necessidades, mas tão somente a minorar os inevitáveis incómodos e transtornos que andarão sempre associados a processos de greve que no entanto nunca poderão justificar qualquer restrição ao exercício legítimo do direito de greve”.
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Cumpre apreciar e decidir.
- a nulidade do acórdão do tribunal arbitral:
O regime jurídico da arbitragem voluntária encontra-se estabelecido na Lei nº 31/86, de 29/8, sendo a mesma aplicável à arbitragem necessária, como é o caso destes autos, por força do art. 1528.º do Cód. Proc. Civil que dispõe: “Em tudo o que não vai especificamente regulado observar-se-á, na parte aplicável, o disposto na lei da arbitragem voluntária”.
Entre os requisitos, definidos no artº 23º daquela Lei, da decisão final do tribunal arbitral conta-se a necessidade de fundamentação da decisão, dispondo-se no nº 3: “A decisão deve ser fundamentada”.
Tal como acontece nas hipóteses da al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC, o que releva aqui, para efeitos de tal nulidade, é a absoluta falta de fundamentação, e não a fundamentação errada ou insuficiente, conducente a um erro de julgamento.
Quando o julgador mais não faz do que seguir determinado raciocínio, se esse raciocínio está certo ou errado, trata-se de uma questão diversa, que terá a ver com eventual erro de julgamento, mas que não constitui nulidade da sentença.
Conforme referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pag. 687, “para que a sentença careça de falta de fundamentação não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente, é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos de direito”. E quanto aos fundamentos de direito os mesmos autores referem que “o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas pretensões, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador”.
Da mesma forma deverá ser encarada a falta de fundamentação como causa de anulação da decisão, no seguimento do disposto no artº 27.º da citada Lei 31/86, que dispõe, no seu nº 1: “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal judicial por algum dos seguintes fundamentos: ter havido violação do art. 23º, nºs 1 alínea f), 2 e 3 - alínea d)”.
No caso que nos ocupa, basta uma leitura minimamente atenta do acórdão recorrido para se constatar que o mesmo se encontra devidamente fundamentado, fazendo o necessário balanço entre os interesse subjacentes ao direito à greve e a necessidade de salvaguardar necessidades sociais impreteríveis.
E no que toca à definição das carreiras que haveriam de circular (reduzidas a 50%) o acórdão recorrido não deixa de especificar o critério que presidiu a essa escolha, ao “ponderar o acesso das pessoas à rede hospitalar pública e, consequentemente a necessidade de protecção do direito à saúde constitucionalmente consagrado”.
Por outro lado, não deixou de se socorrer do decidido nos acórdãos desta Relação de 25 de Maio de 2011 e de 1 de Junho de 2011.
É certo que estamos perante uma fundamentação sumária, mas nem por isso se pode dizer que o tribunal arbitral deixou de fundamentar a sua decisão, não assistindo por isso razão à recorrente quanto à nulidade do acórdão, sendo que a mera discordância quanto aos fundamentos da decisão não consubstancia a sua falta de fundamentação.
Improcede assim a arguição de nulidade.
- a segunda questão:
Na apreciação do presente recurso, não podermos deixar de seguir a orientação por nós sufragada nos acórdãos proferidos nos processos 6/11.4YRLSB, 89/11.7YRLSB e 87/11.0YRLSB (sendo este último o supra referido de 1 de Junho de 2011), todos relativos à greve geral de 24 de Novembro de 2010 e a empresas de transportes que garantem satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
Dispõe o nº 1 do artº 57º da Constituição (CRP) que “É garantido o direito à greve”.
E o nº 3 estabelece: “A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços mínimos necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”.
Mas se o direito à greve é um direito constitucional, não é um direito absoluto, podendo sofrer determinados restrições, que, contudo, só podem verificar-se em contextos legalmente estabelecidos e têm de conter-se dentro de limites bem definidos.
É o que resulta do disposto no artº 18º, nº 2, da CRP: “A lei só pode restringir os direitos, (…) nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direito ou interesses constitucionalmente protegidos”.
E o nº 3 do mesmo artigo rege, na parte que agora nos interessa, que: “As leis restritivas de direitos, (…) não podem (…) diminuir a extensão e o alcance da conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
E um dos direitos tutelados constitucionalmente é o direito de deslocação – artº 44º da CRP.
No que se refere à fixação dos serviços mínimos durante a greve, entendeu-se no Ac. do STA de 26/06/2008 (in www.dgsi.pt):
“…o direito à greve não é absoluto visto o seu nº 3 introduzido no texto constitucional pela Revisão de 1997, autorizar que a lei ordinária defina "as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis", o que constitui uma limitação ao seu exercício irrestrito, como também o nº 2 do seu artº 18º consente que esse exercício possa ser constrangido quando seja "necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos". O que quer dizer que, apesar fundamental, o direito à greve pode ser regulamentado e esta regulamentação pode constituir, objectivamente, numa restrição ao seu exercício sem que tal possa ser considerado como uma violação inconstitucional do direito à greve. Ponto é que ela se destine a ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a promover a segurança e manutenção de equipamentos e instalações e se limite ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
O direito à greve encontra-se regulado nos art.ºs 530º e ss do Código do Trabalho de 2009 (CT).
A lei confere aos trabalhadores aderentes à greve determinados deveres, que podem implicar a necessidade de prestação de serviços durante a mesma. É o que decorre do nºs 1, 2 e 3 do artº 537º do CT, e que se verificam em duas situações:
- Os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações (nº 3);
- Quando estão em causa empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis (nºs 1 e 2). Escreveu-se, a este propósito, no acórdão desta Relação de Lisboa de 7/12/2010 (Relatora Desembargadora Paula Sá Fernandes), disponível em www.dgsi.pt:
”Nesta última situação – satisfação de necessidades sociais impreteríveis – os seus limites revestem-se de alguma complexidade pois pressupõem a articulação de dois conceitos relativamente indetermináveis: - a satisfação de necessidades socialmente impreteríveis e os serviços mínimos que devem ser prestados para assegurar a referidas necessidades, pelo que os seus limites hão-de ser integrados em função e à luz de cada situação.
A doutrina tem entendido a possibilidade e a necessidade de desenvolver um critério qualificador das necessidades sociais impreteríveis, de entre o conjunto das necessidades inerentes aos bens e interesses constitucionalmente protegidos em sede de direitos fundamentais, designadamente, Monteiro Fernandes, em “Manual do Direito do Trabalho”, 13ª edição, pág. 926. Também no mesmo sentido, Liberal Fernandes, em obra recente, “A obrigação de serviços mínimos como técnica de regulação da Greve nos serviços essenciais”, a pág.457, refere que: “Em sentido laboral, os serviços mínimos compreendem a actividade que os trabalhadores em greve ficam obrigados a prestar (ou a continuar a prestar, uma vez que, por definição, a satisfação das necessidades sociais impreteríveis não admite interrupções) durante a paralisação colectiva; esta dimensão está directamente relacionada com os limites que a ordem jurídica impõe ao exercício do direito à greve e traduz a quota de prestação laboral que não pode ser interrompida ou suspensa, sob pena de lesão dos direitos fundamentais dos cidadãos.” Por outro lado, o legislador reconhecendo as dificuldades de concretização do referido conceito enuncia, no nº2 do art.º 537 do CT, alguns sectores que integram empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação das necessidades socais impreteríveis, nos quais se inclui o sector dos transportes, incluindo os relativos a passageiros, sendo certo que o direito de deslocação é tutelado na Constituição, no art.º44, como um direito fundamental”.
No caso que nos ocupa, não oferece qualquer tipo de dúvida que a Carris tem uma actividade que se integra no satisfação de necessidades sociais impreteríveis, tendo por isso participado no processo de definição dos serviços mínimos a que se refere do artº 538º do CT, uma vez que o instrumento de regulamentação colectiva aplicável não prevê a sua definição.
O que se passa é que os recorrentes discordam da definição dos serviços mínimos fixados pelo tribunal arbitral, alegando que não foram respeitados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, como impõe o nº 5 do mesmo artº 538º do CT.
Como decorre de tudo o exposto e, fundamentalmente, das disposições constitucionais e legais citadas, a definição dos serviços mínimos a fixar para ocorrer à satisfação das referidas necessidades sociais impreteríveis pode pôr em causa o exercício do direito à greve, sendo mister que a sua delimitação obedeça aos referidos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
Daí que a salvaguarda dos direitos dos utentes, nomeadamente do direito de deslocação, não possa, em situações como a que nos ocupa, ser transformada num limite que anule o exercício da greve.
A greve em questão foi um greve geral, a qual, por definição e historicamente, tem assumido carácter pontual e esporádico, sendo que, e isso é que é relevante, afecta todos os sectores de actividade, nomeadamente os transportes, não oferecendo alternativa de deslocação a todos aqueles que, por razões e necessidades várias, têm, obrigatoriamente, de efectuar as suas deslocações em transportes colectivos, sendo em elevado número, infelizmente, os portugueses que não dispõem de viatura própria.
Há que ter em conta as necessidades impreteríveis de pessoas que se deslocam por variadas razões, designadamente de emprego, deslocações a hospitais, tribunais, e, sobretudo, de pessoas com deficiência, de idade, em estado de gravidez e outras, sendo que muitas delas não têm recurso a outros meios de transporte. Não esquecendo também todos aqueles em que, estando sujeitos ao comummente chamado ( e sem preocupação de rigor conceitual) “emprego precário”, uma falta a um dia de trabalho pode assumir significativa relevância na manutenção desse seu emprego.
No referido acórdão de 1 de Junho de 2001, referente aos STCP, entendemos que o estabelecimento do mínimo de 20% dos percursos habitual e diariamente efectuados em caso algum determina a violação dos aludidos invocados princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
O acórdão ora recorrido acabou por estabelecer uma percentagem de realização de carreiras inferior a esses 20%, optando pela pura e simples supressão total de algumas carreiras e fixando uma percentagem de 50% de realização das carreira aí identificadas.
Ora, esta última fixação parece-nos perfeitamente adequada, atentas as considerações de carácter social que tivemos oportunidade de explanar e, com particular relevância, a tipo e a diversidade de instituições e entidades servidas pelas carreiras em questão, identificadas a fls. 37-39 (essencialmente hospitais, centros de saúde, escolas e universidades)
Assim, somos de parecer que o decidido no acordão recorrido não determina a violação dos aludidos invocados princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
Improcedem, assim e nesta parte, as conclusões de todos os recursos.
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- a terceira questão:
Foi a mesma unicamente levantada pela apelante- ASPTC, assistindo-lhe razão.
Com efeito, dispõe o nº 7 do artº 538º do CT:
Os representantes dos trabalhadores em greve devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos definidos e informar do facto o empregador, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve ou, se não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação” (realce nosso).
Ora, o acórdão recorrido decidiu, quanto a isto, que antecedência dessa designação seria de 48 horas, ou seja, um prazo superior ao legalmente previsto.
Procedendo, nesta parte, o recurso da ASPTC.
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Decisão:
Nesta conformidade, julgam-se as apelações da FECTRANS e do SMN totalmente improcedentes e parcialmente procedente a apelação da ASPTC, confirmando-se o acórdão recorrido, com excepção da parte em que decidiu que os meios humanos necessários para assegurar os serviços mínimos decididos seriam designados, nos termos legais, pelos sindicatos que declararam a greve, até 48 horas antes do inicio do período de greve, alterando-se tal antecedência para a prevista no nº 7 do artº 538º do Cod. do Trabalho.
Sem custas por delas estarem isento os recorrentes.

Lisboa, 28 de Março de 2012

Ramalho Pinto
Isabel Tapadinhas
Leopoldo Soares
Decisão Texto Integral: