Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
960/07.0YXLSB.L1-2
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: MEDIAÇÃO DE SEGUROS
CONTRATO DE SEGURO
CONTRATO DE MEDIAÇÃO
AGENTE DE SEGUROS
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Na vigência do DL 388/91, de 10/10 – que regulou a actividade de mediação de seguros até 30/01/2007 – o mediador de seguros, na vertente de “Agente”, pode, com a concordância tácita ou expressa da seguradora, celebrar contratos de seguro em nome e por conta desta.
II – Tal relação de comitente-comissário terá de ser aferida em função do caso concreto, sendo que tendo a seguradora aceite como bom o pagamento feito pela segurada ao “Agente” e emitido a respectiva apólice, tal atitude representa a validação do contrato celebrado.
III – Essa postura da seguradora criou na segurada uma expectativa e confiança que merecem tutela jurídica, não podendo por isso posteriormente aquela descartar a sua responsabilidade no âmbito do aludido contrato.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

“A” – Publicidade e Marketing Lda, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra “B” – ... Company, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €5.933,05, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Pugnando pela validade do contrato de seguro refere ter entregue o pagamento do primeiro prémio /anuidade do seguro a uma mediadora de seguros, com vista a ser entregue à R., e que nessa sequência foi emitida a apólice de seguro em causa. Porém, refere que aquando do pagamento da segunda anuidade, procedeu do mesmo modo, entregando a quantia ao mediador. Recebeu porém avisos de pagamento desta segunda anuidade, já depois de ter procedido ao pagamento em causa, e como tal, pugna pela validade do contrato, e pela entrega das quantias que pagou pois posteriormente a R. reconheceu a apólice como não sendo válida.
Conclui pedindo a restituição de todos os pagamentos efectuados, a primeira e a segunda anuidade.
Legalmente citada a R. deduz oposição, aceitando, em síntese, ter recebido o valor correspondente à primeira anuidade, embora em valor distinto do afirmado pela A., porém nunca tendo recebido o valor da segunda anuidade.
Mais refere que a mediadora em causa era isso mesmo, uma mediadora, e como tal entidade distinta da R.. Alega que o pagamento que a A. efectuou a esta nunca lhe foi entregue, o recibo foi emitido por aquela empresa, e nunca pela R., pelo que para todos os efeitos nunca recebeu o prémio correspondente à segunda anuidade, e nunca acordou que o pagamento do prémio pudesse ser feito à mediadora. Pugna igualmente pela validade do contrato, e pelo facto de o pagamento do prémio dever ter sido feito à R., ou ao mediador mas com cheque emitido em nome da R., o que não sucedeu.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, foi proferido despacho que fixou a matéria de facto apurada, o qual não mereceu reclamação. A validade e a regularidade da instância não foi afectada e nada obsta, assim, a que se conheça do mérito da causa.
Foi proferida sentença, a qual julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência condenou a R. a pagar à A. a quantia de €3.007,29, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.
Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pela Mma. Juiz do Tribunal a quo, na parte em que, com base no disposto nos artigos 8.º e 42.º do Decreto-lei n.º 144/2006, de 31 de Julho, condena a Recorrente na restituição da quantia de € 3.007,29, entregue pela Recorrida ao mediador de seguros, “C”, para pagamento da segunda anuidade do contrato de seguro de vida celebrado entre a Recorrente e Recorrida, e não entregue pelo referido mediador de seguros à Recorrente.
B. Porquanto, a Recorrente não pode conformar-se com a aplicação ao caso sub júdice do regime de mediação de seguros previsto no Decreto-lei n.º 144/2006, de 31 de Julho.
C. O Decreto-lei n.º 144/2006, de 31 de Julho, entrou em vigor 180 dias após a sua publicação (ao abrigo do disposto no seu artigo 107.º, n.º 1), ou seja, a 31 de Janeiro de 2007, dispondo, em conformidade com o artigo 12.º do CC, para o futuro.
D. A factualidade sub judice ocorreu no período compreendido entre meados de 2004 e finais de 2005, sendo que o contrato de seguro de vida, cuja restituição das anuidades pagas à mediadora de seguros é peticionada, esteve em vigor entre 01/06/2004 e 01/06/2005.
E. À factualidade sub judice não, assim, é aplicável o regime jurídico da mediação de seguros previsto no Decreto-lei n.º 144/2006, de 31 de Julho, mas o regime jurídico da mediação de seguros previsto no Decreto-lei n.º 388/91, de 10 de Outubro, que, à data dos factos, regulava a actividade de mediação de seguros, definida nos seus artigos 1.º e 2.º como actividade remunerada tendente à realização, através de apreciação dos riscos em causa e assistência, ou apenas assistência, de contratos de seguro directo celebrados nos termos da legislação aplicável cobrindo riscos situados em Portugal e operações de seguro, nomeadamente operações de capitalização e de fundos de pensões, realizadas, nos termos legais e normativos em vigor, por seguradoras ou sociedades gestoras de fundos de pensões operando em Portugal.
F. Nos termos do referido diploma, podiam exercer a actividade de mediação, as entidades devidamente inscritas como mediadores no Instituto de Seguros de Portugal, dividindo-se os mediadores em três categorias, os agentes de seguros, os angariadores de seguros e os corretores de seguros (artigo 3.º do Decreto-lei n.º 388/91, de 10 Outubro).
G. O mediador que promoveu a celebração do contrato de seguro de vida em apreço, a “C”, era, à data dos factos, agente de seguros.
H. Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 388/91, de 10 Outubro, o agente de seguros é o mediador que exerce a sua actividade apresentando, propondo e preparando a celebração de contratos, podendo celebrá-los, nos termos do n.º 2, do artigo 4.º do referido diploma, em nome e por conta da seguradora, desde que a inerente responsabilidade profissional seja garantia, através do adequado contrato de seguro, com prestação de assistência a esses mesmos contratos, podendo intervir, a pedido da seguradora, na regularização do sinistro, em nome e por conta, ou unicamente por conta, daquela.
I. Na presente lide não foi alegado e, subsequentemente, provado, que a “C” podia celebrar contratos em nome e por conta da Recorrente, encontrando-                -se o seu âmbito de actuação limitado ao disposto nos artigo 2.º e 4.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 388/91, de 10 Outubro (nesse sentido, vide por todos Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com o n.º de processo 8700/2007-8, datado de 17/04/2008, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
J. A “C”, enquanto mandatário sem representação, agiu em nome próprio, adquirindo os direitos e assumindo as obrigações decorrentes dos actos que celebra, nos termos do disposto no artigo 1180.º do CC.
K. Pelo que, os actos por si praticados, como o recebimento dos prémios, não produzem efeitos na esfera jurídica da Recorrente, sem que esta os tenha aprovado.
L. A Recorrente não aprovou o recebimento de prémio de seguro pela “C”, pelo que este acto não produz efeitos na sua esfera jurídica.
M. Sendo que, em conformidade com o disposto no artigo 9.º do Decreto-lei n.º 388/91, de 10 Outubro, o mediador é responsável perante o tomador de seguro (como é o caso da Recorrida) pelos factos que lhe sejam imputáveis e que se reflictam no contrato em que interveio, determinando alteração nos seus efeitos tal como pretendidos pela vontade expressa dos contratantes, bem como por todas as consequências decorrentes do não cumprimento das alíneas g) e h) do artigo 8.º, do mesmo diploma, que constituem o mediador de seguro na obrigação de “cobrar ou devolver, nos termos legais ou regulamentares estabelecidos, os recibos que lhe forem entregues” e de “prestar contas às seguradoras nos termos legais ou regulamentares estabelecidos”.
N. No espírito do diploma em questão, outro não poderia ser o entendimento, porquanto se sublinha no artigo 5.º que é ao tomador de seguro que cabe escolher o mediador para os seus contratos.
O. Quanto ao efeito dos actos praticado por mediador, vide por todos Acórdão da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º de processo 1302/05, e ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º de processo 07A3428, datado de 30/10/2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
P. O pagamento da segunda anuidade a um terceiro, a “C”, não extingue a obrigação de pagamento do prémio à Recorrente (artigos 769.º e 770.º do CC), pelo que, o contrato de seguro de vida foi resolvido, por falta de pagamento da segunda anuidade.
Q. Em todo o caso, não se afigura defensável que a Recorrente se encontre obrigada à restituição da segunda anuidade, sob pena de enriquecimento sem causa, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos de que o artigo 473.º, n.º 1, do CC faz depender a existência de enriquecimento sem causa, desde logo, por não a Recorrente não ter obtido, para si, qualquer benefício, em resultado da actuação da “C”.
R. A sentença recorrida resulta, assim, da errada interpretação e/ou aplicação do disposto nos artigos 8.º, 42.º e 107.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 144/2006, de 31 de Julho, 12.º, 473.º, n.º 1, 769.º, 770.º, 1180.º do CC, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 8.º, alínea g) e h), 9.º e 18.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 388/91, de 10 de Outubro.
S. Nos termos supra expostos deverá a sentença recorrida ser revogada, por assentar na incorrecta aplicação à presente lide do disposto no Decreto-lei n.º 144/2006, de 31 de Julho, e substituída por outra que, com base no disposto no Decreto-lei n.º 388/91, de 10 de Outubro, absolva (totalmente) a “B” dos pedidos de condenação contra si formulados.
A Apelada apresentou as suas contra-alegações, nas quais defendeu a bondade da decisão recorrida.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
        
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela apelante, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).
São as seguintes as questões a apreciar:
- Saber se à situação em causa é aplicável o Dec.-Lei n.º 144/2006 (como defendido na sentença), ou antes o Dec.-Lei n.º 388/91, de 10 de Outubro
- No caso de ser este último diploma o aplicável, caracterização da actividade de mediação desenvolvida pela sociedade que concretizou com a apelada o contrato de seguro e efeitos de tal

III- FUNDAMENTOS
1. DE FACTO
São os seguintes os factos dados por provados na sentença e que não foram objecto de impugnação:
a) A sociedade “D” Sociedade de mediação de Seguros Lda., conhecida por “C”, exerceu a sua actividade de agente de seguros, tendo feito seguros para a R. “B”, entre outras seguradoras;
b) A A. celebrou com a R. dois contratos de seguro, um de vida, com a apólice nº 102003422, e um seguro de acidentes pessoais, com a apólice ..., subscritos em 31 de Dezembro de 2003, e mediados pela “C”, tendo sido paga a primeira anuidade à mediadora por parte da A., e entregue tal valor à R.;
c) A apólice de seguro de vida tinha a vigência de um ano, com início em 1/6/2004;
d) No dia 6/1/2005 a A. emitiu o cheque no valor de €3.007,29, dirigido à ... “D”, o qual foi levantado em 10/1/2005;
e) No dia 10/10/2005, a R. enviou à A. a carta de fls. 18, a qual foi por esta recebida;
f) A A. enviou à R. o fax de fls. 13, e esta respondeu com o teor de fls. 17;
g) A ... “D” apresentou-se perante a A. como mediadora de seguros, que vendia seguros da R.;
h) A A. assinou a proposta de seguro de fls. 7 a 9, e entregou à “C”, a qual iria titular a apólice de seguro de vida emitida pela R.;
i) A R. nunca recebeu a proposta de seguro de fls. 7 a 9;
j) O valor que a A. pagou pela primeira anuidade foi de €2.925,76;
k) A R. recebeu da “C” a quantia de €2.717,54 equivalente ao valor da primeira anuidade do seguro da A.;
l) O valor referido em d) não foi entregue à R.;
m) Nem o valor do segundo prémio de seguro de acidentes pessoais foi alguma vez entregue à R.;
n) O recibo de fls. 10 não foi emitido pela R. e esta deste não teve conhecimento;
o) A R. nunca acordou com a A. que o pagamento do prémio de seguro fosse feito directamente à “C”;
p) A carta de fls. 18 veio na sequência de uma negociação com a A. com vista a tentar solucionar a não recepção do pagamento do prémio do seguro;
q) Só aquando do aviso de pagamento do segundo prémio do seguro é que se colocou a questão de o valor do mesmo não ter sido pago;
r) O cheque referido em d) visou o pagamento da segunda anuidade;
s) A sociedade ... “D”, mediadora de seguros, tinha a categoria de agente de seguros.

2. DE DIREITO

Vejamos agora as questões suscitadas pela apelante:

- Saber se à situação em causa é aplicável o Dec.-Lei n.º 144/2006 (como defendido na sentença), ou antes o Dec.-Lei n.º 388/91, de 10 de Outubro

A mediação de seguros é uma actividade que desde 1992 se encontrava regulada pelo Dec.-Lei n.º 388/91, de 10 de Outubro (a sua vigência iniciou-se em 1 de Janeiro de 1992, por via do disposto no art.º 60.º de tal diploma), sendo que esse Decreto-lei veio a ser revogado pelo Dec.-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho (art.º 106.º deste último).
O art.º 107.º, n.º 1 de tal normativo estabeleceu como início da sua vigência a data de 31 de Janeiro de 2007, dado referir que «O presente decreto-lei entra em vigor 180 dias após a sua publicação…».
A ser assim, tendo presente os elementos fácticos constantes da sentença, haverá que concluir que o contrato de mediação de seguro celebrado entre a A. e a sociedade “D” está abrangido pelo primeiro dos apontados diplomas, ou seja, pelo Dec.-Lei n.º 388/91, pois que nenhuma norma transitória nos permite a aplicação do segundo.
Assiste assim razão à apelante nesta questão.   

- No caso de ser este último diploma o aplicável, caracterização da actividade de mediação desenvolvida pela sociedade que concretizou com a apelada o contrato de seguro e efeitos de tal

A mediação de seguros, de acordo como Dec.-Lei n.º 388/91[1], compreende três categorias: Agentes de seguros; Angariadores de Seguros e Correctores de Seguros (art.º 3.º, n.º 2).
No caso em apreço, mostra-se comprovado que a actividade da ... – “D”, no âmbito dos seguros contratados, foi realizada como “Agente de Seguros” (ponto s) da matéria provada).
No artigo 2º refere-se que «Para os efeitos do presente diploma, entende-se por mediação de seguros, abreviadamente designada por “mediação”, a actividade remunerada tendente à realização, através de apreciação dos riscos em causa e assistência, ou apenas à assistência dos contratos e operações referidos no nº1
Por seu turno o art.º 4º estatui que:
«1. O mediador não pode, salvo no caso previsto no número seguinte, dar como celebrado um contrato em nome de uma seguradora, sem a prévia autorização desta.
2. É facultada a celebração de acordos entre um mediador e uma seguradora, no sentido de aquele poder, salvo no que respeita a fundos de pensões, celebrar contratos em nome e por conta desta, desde que a inerente responsabilidade civil profissional seja garantida através do adequado seguro
E nos termos do disposto no artigo 9º, «o mediador é responsável perante o tomador de seguro, os segurados, as pessoas seguras, os beneficiários e as seguradoras pelos factos que lhe sejam imputáveis e que se reflictam no contrato em que interveio, determinando alteração nos seus efeitos tal como pretendidos pela vontade expressa dos contratantes, bem como por todas as consequências decorrentes do não cumprimento das alíneas g) e h) do artigo anterior.»
Estando em causa, como se referiu supra, um agente de seguros, importa ainda ter presente o que estatui o art.º 18.º, n.º 1: «Agente de seguros é o mediador que exerce a sua actividade apresentando, propondo e preparando a celebração de contrato, podendo celebrá-los, nos termos do n.º 2 do art.º 4.º, com prestação de assistência a esses mesmos contratos, podendo intervir, a pedido da seguradora, na regularização de sinistros, em nome e por conta, ou unicamente por conta, daquela.» 
Do que se deixa dito destes preceitos legais resulta que sendo certo que em princípio o mediador não celebra contratos em nome e por conta da seguradora, não é menos verdade que tal pode ocorrer, dependendo a conclusão da realidade em concreto, sendo que tal fica dependente do acordo que possa existir entre o mediador e a seguradora.
Como refere Luís Poças[2] «… o agente de seguros exerce a sua actividade em nome e por conta de uma ou várias empresas de seguros, nos termos do contrato de mediação. (…) pensamos que a expressão em nome e por conta é utilizada em sentido impróprio, não comportando a necessária existência de poderes de representação. Assim, relativamente a esta categoria de mediadores, importará apurar, in casu, se o vínculo estabelecido com o segurador é passível de recondução a uma relação comitente-comissário.»
Ora, no caso em apreço afigura-se-nos que a conclusão, face à factualidade apurada, não poderá ser outra que não seja a da verificação dessa situação de representação.
Com efeito, temos que a Apelada, na sequência do contacto que estabeleceu com a sociedade ... – “D”, agente de seguros, veio a celebrar com a Apelante o contrato de seguros a que se reportam os autos.
A Apelada pagou então à indicada agente de seguros o valor referente ao contrato que celebrou, sendo que a seguradora apelante recebeu o quantitativo inerente a tal seguro, pelo que nessa decorrência emitiu a apólice de seguro respectiva.
Essa postura da Seguradora apelante, nada tendo dito quanto à forma como o contrato foi mediado, designadamente quanto ao seu conteúdo e forma de pagamento, validou a sua celebração, tendo criado na pessoa do segurado a convicção firme de que a forma de pagamento utilizada correspondia aos interesses da entidade com quem celebrara o seguro, sendo que esse forma intermediária de pagamento se compreendia dentro dos poderes da mediadora.
Ainda que por forma não exactamente expressa, a seguradora adoptou uma postura que se terá de interpretar como a assunção entre ela e a agente de seguros de uma relação de representação, em que esta actuava em nome e por conta dela.
Adiante-se ainda que não se torna sequer necessário que as relações de tipo comitente/comissário entre a Seguradora e a Agente de Seguros tenham de ter necessariamente um carácter duradouro, pois que como se refere no Ac. do STJ de 17/11/1997[3] «A comissão pode ser um caso isolado ou actividade duradoura».
Por outro lado, haverá ainda que dizer que a conduta da Seguradora ao ter aceite o pagamento (através de intermediação) e o correspondente seguro, criou na assegurada Apelada uma expectativa e confiança que merecem tutela jurídica, não podendo por isso serem facilmente descartáveis.
Como escreveu Baptista Machado, o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Por isso, «toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal) desperta nos outros expectativas quanto à futura conduta do agente» e «todo o agir comunicativo implica uma autovinculação (uma exigência de fidelidade à pretensão que lhe é inerente), na medida em que desperta nos outros determinadas expectativas quanto a uma conduta futura.»[4]
Daqui há pois que retirar a conclusão que tendo existido a autorização para a celebração do seguro e recebimento do respectivo prémio inicial nos termos em que foi feito, poderemos adiantar que tal relacionamento entre seguradora e agente de seguros terá de ser tido como um relacionamento entre comitente e comissário, sendo por isso a seguradora responsável perante o segurado.
Adiante-se ainda que a possibilidade do mediador de seguros poder receber os prémios de seguro era algo que a própria lei previa como possível já no âmbito do Dec.-Lei n.º 388/91, ao referir na alínea c) do art.º 7.º «Constituem direitos do mediador: … c) “Descontar, no momento da prestação de contas, as comissões relativas aos prémios cuja cobrança tiver efectuado;»
Assim, no caso, não tendo a seguradora em momento algum após a celebração do contrato de seguro e com a emissão da respectiva apólice, feito qualquer referência ao modo como o prémio do seguro deveria ser pago, aceitou a mediação do Agente de seguros para esse mesmo efeito, tendo por isso que se considerar que o pagamento que a Apelante efectuou a esta, terá de ser imputado ao prémio da apólice em causa, considerando-se assim feito à seguradora.
Nessa medida, tendo a seguradora anulado o seguro, no que concerne a essa 2.ª anuidade, há que concluir que deverá a Apelada ser ressarcida por aquela do quantitativo pago.
Do que se deixa dito há pois que concluir que não assiste razão à apelante, sendo por isso de manter a condenação proferida pela 1.ª Instância, embora com base em fundamentação legal distinta.

IV – DECISÃO

Desta forma, acorda-se em julgar a apelação improcedente, assim se confirmando a condenação proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, embora com base em fundamentação legal distinta.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2012

José Maria Sousa Pinto
Jorge Vilaça Nunes
João Vaz Gomes
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[1] Diploma a que nos referiremos se ora em diante, sempre que expressamente não indicarmos outro.
[2]Estudo de Direito dos Seguros”, Almeida & Leitão Lda., 2008, págs. 199-200
[3] In BMJ, 271-201
[4] RLJ, 117/233