Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10903/11.2TBBNV.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
REQUISITOS
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O artigo 396º nº1 do CPC basta-se com um juízo de probabilidade no tocante à ilegalidade da deliberação, mas é necessário um juízo de certeza ou probabilidade muito forte quanto ao dano, que deve ser intolerável.
II - Este normativo impõe ao requerente o ónus de alegação e prova de que a suspensão da deliberação constitui o único meio para obstar à verificação de um «dano apreciável»
III - Deve ser indeferido liminarmente o procedimento de anulação de deliberação social em que não tenham sido alegados os factos constitutivos do «dano apreciável», por se tratar de matéria factual constitutiva da própria causa e pedir, não lhe sendo, por isso, aplicável o disposto nos artº 266º e 265-A do CPC.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção Cível Tribunal da Relação de Lisboa:

Dos Autos:
A … e outros, instauraram procedimento cautelar de anulação de deliberação social, demandando, … C, tendo alegado para o efeito e em síntese que:
Todos os requerentes são sócios do C e membros da Lista Única apresentada a Eleição dos Corpos Gerentes para o triénio 2012/2014.
Por convocatória de 30.11.11, foi marcada A.G.O. para o dia 16.12.11, com a seguinte ordem de trabalhos:
[…] “Discussão e votação da Conta de Exploração Provisional e Plano de Actividades para o Ano de 2012.
Eleição dos Corpos Gerentes para o triénio 2012/2014”
A lista dos AA foi a única apresentada a sufrágio
Ignorando a existência da lista apresentada e aceite, a Mesa da Assembleia procedeu à votação da continuidade dos corpos gerentes em exercício.
Esta deliberação é ilegal, porque se trata de matéria que não estava na ordem de trabalhos e viola o artº 32º do Estatuto que proíbe a deliberação na Assembleia sobre matérias que não constem da ordem do dia.
Também a discussão e votação da Conta de Exploração Previsional e Plano de Actividades para o Ano de 2012, é ilegal porque deveria ter sido submetida a sufrágio até15 de Novembro.
Conclui, requerendo a suspensão de todas as Deliberações Sociais da A.G.O. da requerida de 16.12.2011, bem como a suspensão da tomada de posse dos órgãos sociais auto eleitos na primeira quinzena de Janeiro de 2012.

Conclusos os autos, foi proferido despacho liminar a indeferir a petição com o fundamento que não foram alegados factos que consubstanciem a existência de dano apreciável.
Deste despacho apelaram os requerentes tendo lavrado as conclusões ao adiante:
Foram enumeradas ilegalidades das deliberações a suspender o que só por si já consubstancia dano apreciável.
É um dano real e directo que se traduz numa violação constante e sistemática dos Estatutos e da Lei.
O indeferimento liminar de um procedimento cautelar só é passível quando ocorrem excepções dilatórias ou nulidades insupríveis, onde se conclui a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir ou quando o pedido seja manifestamente improcedente, o que não é o caso.
Foram violados os arts 265º nº 2, 387º nº1 e 508º nº 2 e 3 todos do CPC.
A Requerida contra alegou a sustentar o acerto da decisão apelada.
Nada obsta ao mérito.

II Objecto do recurso.
As conclusões de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º e 685º-A, todos do CPC.
Nesta senda são questões a conhecer:
Saber se os fundamentos invocados pelos recorrentes no requerimento inicial são suficientes para a procedência da providência ou, assim não se entendendo, se, seria caso de aperfeiçoamento, nos termos da alínea b) do nº 1, e 2 e 3 do art. 508º do CPC.

III Conhecendo:

Fundamentação de facto:
Dá-se aqui por reproduzido o teor do relatório supra.
Fundamentação de direito
O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, procedimento nominado e previsto no artº 396 CPC, assenta na verificação cumulativa dos seguintes requisitos: Ser o requerente sócio da sociedade que tomou deliberação; ser essa deliberação contrária à lei ou ao pacto social e resultar da sua execução dano apreciável. Neste sentido, veja-se, entre outros, os Ac desta Relação de 20.12.1990, 17.11.2009, e de 8.11.2011, todos in www dgsi/ TRL.
Na verdade, como se acentua no último dos arestos, referidos, o primeiro requisito constitui pressuposto de legitimidade activa e os dois restantes são constitutivos da causa de pedir.
“[…] O primeiro requisito constitui pressuposto da legitimidade activa e os dois restantes são elementos integrantes da causa de pedir. A qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao “dano apreciável”, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação.[…] A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade […] O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo”.
Na verdade no direito societário a lei procura compatibilizar o direito de impugnação de deliberações viciadas com as preocupações de segurança jurídica e de salvaguarda do normal funcionamento da instituição (Ac. desta Relação de 28.10.1993: Col. Jur., 1993, 5.°-103).
Daí que e, contrariamente, ao sustentado na apelação, em face do disposto no artº 396.° do Cód. Proc. Civil, basta um juízo de probabilidade no tocante à ilegalidade da deliberação, mas é necessário um juízo de certeza ou probabilidade muito forte quanto ao dano. “Tal providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, isto é, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo Vde Ac.STJ,de 19.1.1994, in WWW DGSI /STJ.
No mesmo sentido, e cita-se, “Em conformidade, deve, pois, o tribunal exigir, a respeito deste requisito, a certeza, ou, pelo menos, a probabilidade muito forte e séria de que a execução da deliberação poderá causar prejuízo apreciável” Ainda Ac. TRP, de 1.6.2001 in wwwdgsi/TRP e Ac. STJ, de 17.6.1993 in dgsi/STJ
Ao requerente cabe provar de modo minimamente consistente, o montante, ainda que aproximado, dos danos que a providência visa prevenir e, para que tal prova se possa fazer terá naturalmente que alegar os factos respectivos.
Os apelantes não invocam como se diz, no despacho judicial sindicando, nenhum prejuízo concreto resultante da execução da deliberação e, ao contrário, do que sustentam, a ilegalidade de uma deliberação não traduz o dano ou prejuízo que se exige nesta sede cautelar e provisória.
Aqui, a lei impõe que o requerente faça prova de que a execução de uma deliberação ilegal acarreta uma ofensa intolerável perante a ordem jurídica e de tal modo grave que deve ser imediatamente suspensa mesmo antes de ser esta declarada inválida no processo declarativo normal. Vde Ac. Ac. STJ, de 4.5.2000in DGSI/STJ e de 16.5.1995 C.J. /STJ 1995, 2.°-85 e Ac, RP, de 12.2.1996: Col. Jur., 1996, 1 .°- 19.
Por outro lado, como defendeu o Supremo Tribunal, “Dano apreciável não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois que não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência cautelar, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença a proferir naquela acção”. Ac. STJ, de 20.5.1997: BMJ, 467.°-529.
Vde ainda Ac desta Relação de 12.2.2004 in DGSI/TRL em que se decidiu “O normativo inserto no art. 396.°, n.° 1, do C.P.Civil, não dispensa a verificação de danos, nem faz presumir a sua existência, antes impondo ao requerente o ónus de alegação e prova de que a suspensão da deliberação constitui o único meio para impedir a verificação de um «dano apreciável»
“Não basta para ser decretada a suspensão, um mero juízo de verosimilhança, mas uma probabilidade forte da ocorrência de danos iminentes e em medida e extensão que permitam avaliá-lo como apreciável” (cfr. Moitinho de Almeida, in Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais, pág. 146).
Se a ofensa for aceitável, for tolerável, não causar uma lesão dificilmente reparável, não há que decretar a suspensão.
Facilmente se conclui, pois, pela sem razão dos apelantes, quando reclamam como lesão ou dano apreciável a execução de deliberação ilegal, já que nenhum facto demonstrativo de um concreto prejuízo vieram invocar no seu requerimento inicial, tendo-se bastado com a mera invocação da ilegalidade da deliberação (que bastará, sim, mas para fundamentar a acção definitiva).
II Segue-se a segunda questão, a saber, se, não tendo sido alegados factos constitutivos de um dos requisitos do procedimento cautelar deve este, ser indeferido liminarmente, como foi, ao abrigo do disposto no artº 234-A do CPC, ou antes se deveria ser feito uso do convite ao aperfeiçoamento.
Aqui, sufragamos o entendimento já expresso no Ac desta Relação de 17.11.2009 inDGSI/TRL que segue transcrito: “O princípio da cooperação consagrado no art. 266º do CPC. e o da adequação formal do art. 265º-A do CPC., não têm aqui qualquer aplicação, na medida em que não incumbe ao juiz obter uma justa composição do litígio quando o requerimento inicial não contém factos, ou seja, quando a situação explanada no requerimento inicial apenas materializa um discordar com uma situação que não é devidamente delineada nem concretizada, para mais, quando incumbia à parte a enunciação dos requisitos adequados à providência, o que nada sucedeu.
O ónus, era dos requerentes, não podendo o tribunal, atento o princípio do dispositivo, sobrepor-se a uma das partes e trilhar-lhe o caminho que repute adequado, sob pena de violar os princípios da imparcialidade e da igualdade”.
Donde o não acolhimento do recurso.

Segue deliberação:
Improcede a apelação mantém-se a decisão apelada.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 8 de Março de 2012

Isoleta Almeida Costa
Carla Mendes
Octávia Viegas