Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9665/08.4TBCSC.L1-1
Relator: MARIA DO ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
ARBITRAGEM
NOMEAÇÃO DE ÁRBITROS
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
PRESIDENTE
NULIDADE
ARGUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- - O poder de soberania do Estado não pode ser beliscado ou retirado na fase de declaração de utilidade pública, mas ultrapassada esta face, poderá o mesmo Estado definir quem pode procedimentalmente prosseguir, na qualidade de expropriante.
II- A falta de cumprimento do disposto no nº4 do art. 46º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, ou seja, a distribuição dos árbitros pelas concretas parcelas, é mais profunda de que uma mera irregularidade no funcionamento da arbitragem, antes constituindo um vício que a inquina em absoluto, conduzindo à sua nulidade.
( Da Responsabilidade da Relatora )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1-Relatório:
Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante A , ( ….ACE) , expropriado B e interessadas, C ( …,Lda.) e D (Banco …,SA) , por despacho judicial de fls. 123 foi adjudicado ao Estado Português a propriedade da parcela identificada com o nº 105, com a área de 813 m2, a destacar do prédio inscrito sob o art. 10974 da matriz predial urbana da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 00000/000000.
Notificados deste despacho veio o expropriado, B e a interessada, C , interpor recurso da decisão arbitral, nos termos do disposto no art. 52º do C.E., arguindo a ilegitimidade da expropriante, a nulidade da nomeação de árbitros e defendendo como justa indemnização o valor de € 243 900,00.
Recorreu igualmente a entidade expropriante, pretendendo que se fixe o valor da indemnização a atribuir em € 21.500,00.
Realizou-se a avaliação, tendo o respectivo relatório sido junto a fls. 288 e seguintes.
Foram apresentadas reclamações, as quais deram origem aos esclarecimentos de fls. 329 a 331.
A fls. 338 dos autos, veio o D , aludir não ser mais interessado, uma vez que as responsabilidades garantidas por hipoteca sobre a parcela de terreno foram, entretanto, liquidadas.
Prosseguiram os autos, vindo a ser proferida sentença, onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida, bem como, inexistir qualquer nulidade na nomeação dos peritos e com a seguinte parte decisória:
«Nestes termos, e pelas razões expostas, fixo a indemnização devida pela expropriante A , Ace aos expropriados B e C , quanto à parcela identificada com o nº 105, com a área de 813 m2, a destacar do prédio urbano com a área de 5 300 m2; inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo 00000 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais com o nº 00000/000000, confinando a Norte com a Rua da ..., na ..., a Sul com estrada de serviço variante a EN9, a Nascente com …..e a Poente com …., na quantia de € 63.041,60, reportada a Agosto de 2009, data da avaliação, e actualizada anualmente de acordo com os índices de inflação, excluindo habitação, publicados pelo INE, desde aquela data até ao trânsito em julgado da presente decisão».
Inconformada recorreu a expropriante, concluindo nas suas alegações:
1ª- Conforme sublinhado pela mais recente jurisprudência, os Tribunais não podem aderir às avaliações efectuadas pelos peritos de nomeação judicial sempre que estes violem as normas jurídicas aplicáveis ou não atendam a todos os factos relevantes. Assim, um requisito essencial para a adesão jurisdicional a relatórios de avaliação de Peritos: a prévia averiguação e conclusão pela conformidade legal da posição dos Peritos.
2ª-O Relatório de Avaliação, designadamente o subscrito pelo Peritos nomeados pelo Tribunal, não respeitou o Direito aplicável e incorreu em manifestos e lamentáveis lapsos que condicionaram, necessariamente, a avaliação que fizeram da parcela expropriada, pelo que não poderia o mesmo ter sido seguido pelo Tribunal a quo.
3ª- Na Sentença recorrida a parcela foi classificada e avaliada como solo ‘apto para a construção’, o que apenas se justifica pela sua adesão acrítica e cega à Avaliação apresentada pelos Senhores Peritos e pela constatação que nas avaliações efectuadas os Senhores Árbitros/Peritos (i) não consideraram/desconsideraram o regime do PDM de Cascais quanto aos Espaços Cultural e Natural de Nível II, (ii) não atenderam ao facto de a parcela expropriada se integrar no Parque Natural Sintra-Cascais e de se encontrar classificada como Área de Intervenção Específica para a Valorização Cultural e Patrimonial e como Área Protegida no Plano de Ordenamento desse Parque Natural, onde são estabelecidas restrições urbanísticas que impedem construções, (iii) e não apuraram a posição das entidades administrativas que tutelam estes tipos de espaços, o que determinou uma avaliação deturpada e ilegal.
4ª-A classificação da parcela expropriada no PDM de Cascais como Espaço Cultural e Natural de Nível 2 e a sua integração no Parque Natural Sintra-Cascais, onde se encontra classificada como Área Protegida e de Intervenção Específica para a Valorização Cultural e Patrimonial no Plano de Ordenamento desse Parque Natural, impedem que aí se realizem quaisquer construções, pelo que a metodologia e critério adoptados pelos Senhores Árbitros conduzem a um valor indemnizatório deturpado, ilegal e muito superior ao valor de mercado da parcela (art. 23º, nº 5, do Código das Expropriações).
5ª- Assim, duas importantes notas quanto a estas classificações: (a) por um lado, a expressão legal da denominada vinculação situacional destes terrenos, adstritos à protecção e valorização dos recursos naturais ou culturais e a salvaguarda dos valores paisagísticos; (b) por outro, a correspondência legal deste tipo de espaços com o regime da Reserva Ecológica Nacional, o que, por si só, impede a sua classificação e indemnização como solo apto para a construção.
6ª- A posição do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, IP, de acordo com a Informação do Parque Natural Sintra – Cascais, de 07.09.2009 (cfr. Doc. 2 junto ao Requerimento de 01.03.2010 da Expropriante), que tutela o Parque Natural Sintra-Cascais, e da CM Cascais quanto a este concreto terreno é a de que: i) nos termos da alínea c) do nº 2 do art. 28º do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra-Cacais, este terreno está sujeito à elaboração de plano de pormenor que deverá sujeitar esta área ao regime de protecção parcial de Tipo I; e ii) “O plano de pormenor ainda inexiste, pelo que, não são permitidas quaisquer edificações”.
7ª- Dos regimes jurídicos expostos e da posição que o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, IP, e a Câmara Municipal de Cascais já transmitiram quanto a este terreno importa assim concluir que a parcela expropriada não poderia ser classificada ou avaliada como solo apto para a construção, pois deparamo-nos com as denominadas vinculações situacionais que afectam terrenos pelas suas características intrínsecas ou especial localização, impedindo a construção.
8ª- O Código das Expropriações é claro quanto à exigência de uma prévia capacidade edificativa dos terrenos para que se possa falar num solo apto para construção (cfr., por exemplo, o art. 25º, nº 2, a., e o art. 26º, nº 1).
9ª- Os próprios Peritos afirmam unanimemente, e numa posição contraditória com a avaliação efectuada, que na parcela expropriada não é possível edificar (cfr., por exemplo, respostas dos Peritos aos Quesitos 4 e 5 da Expropriante; e respostas dos Peritos aos Quesitos 16 e 17 do Expropriado).
10ª Os Senhores Peritos do Tribunal e do Expropriado aplicaram e a Sentença recorrida sancionou, para a determinação do valor da justa indemnização a atribuir aos Expropriados, o disposto no art. 26º, nº 12, do Código das Expropriações. No entanto, este artigo também não pode ser aplicado na avaliação desta parcela, designadamente pelas seguintes razões principais:
10.1ª- O regime indemnizatório estabelecido no art. 26º, nº 12, do Código das Expropriações, conforme é, aliás, entendimento da jurisprudência, só pode aplicar-se aos solos que possam ser classificados como aptos para a construção e à data da declaração de utilidade pública a parcela expropriada não podia ser classificada nesses termos, pelo que este regime não podia, nem pode, aqui ser aplicado.
10.2ª -O regime do art. 26º, nº 12, do Código das Expropriações pretende tutelar aquelas situações em que os proprietários dos terrenos expropriados tinham fundadas e legítimas expectativas de, não fosse a expropriação em causa, poderem desenvolver nos mesmos projectos edificativos, o que não é o que se passa na situação que nos ocupa, pois não é desta expropriação que resulta a incapacidade edificativa da parcela: não se pode construir na parcela pelo facto de a mesma estar submetida a um regime jurídico-ambiental que o impede e que já vigorava há diversos anos.
10.3ª- De facto, na situação que nos ocupa, os Expropriados não tinham qualquer expectativa de este terreno vir a ter qualquer capacidade edificativa: os Expropriados eram proprietários deste terreno há 29 anos sem que durante este período: (i) tenham promovido qualquer diligência no sentido de o mesmo vir a ser considerado apto para construção e (ii) a Administração Pública tenha reconhecido à parcela qualquer capacidade edificativa. Pelo contrário, este terreno sempre esteve adstrito à protecção ambiental e a valores naturais e culturais: trata-se de uma efectiva vinculação situacional que impede qualquer vocação para o fenómeno construtivo.
10.4ª- Em terceiro lugar, a norma do art. 26º, nº 12, do Código das Expropriações foi especialmente concebida para aquelas situações em que se demonstre uma manipulação do planeamento urbanístico por parte da Administração Pública no sentido de condicionar intencionalmente um terreno para depois o expropriar por um menor valor. Deste modo, porque na presente expropriação não existe qualquer manipulação do ordenamento do território (à data desta expropriação a parcela já se encontrava há mais de 10 onerada por vinculações ambientais que impediam a construção), não se verificando a ratio legis do regime sub judice, não faz sentido ponderar a sua aplicação.
10.5ª- Em quarto lugar, esta parcela encontra-se classificada no PDM de Cascais como Espaço Cultural e Natural e que, nos termos dos arts. 2º, nº 1, j), e 52º, nº 1, do Regulamento do Plano Director Municipal de Cascais, os Espaços Cultural e Natural correspondem a espaços “nos quais se privilegiam a protecção e valorização dos recursos naturais ou culturais e a salvaguarda dos valores paisagísticos, arqueológicos, arquitectónicos e urbanísticos que, pela sua especificidade patrimonial, merece relevância. Os espaços cultural e natural abrangem áreas com diversos níveis de protecção e valorização, correspondendo às especificidades da composição da Reserva Ecológica Nacional”.
10.6ª- Ora, como se sabe, para além da consistente jurisprudência do Tribunal Constitucional já por diversas vezes se debruçou sobre a constitucionalidade da aplicação do regime deste art. 26º, nº 12, do CE, a solos integrados na Reserva Ecológica Nacional (ou na Reserva Agrícola Nacional), tendo concluído pela inconstitucionalidade de um regime assim configurado.
Também o Supremo Tribunal de Justiça já uniformizou jurisprudência nesse sentido: Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.04.2011, in www.dgsi.pt: “Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do artigo 25.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo artigo 1.º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele n.º 2”.
10ª.7- Por último, não vem por qualquer forma demonstrado no processo que, à data da aquisição deste terreno pela Expropriada, o mesmo pudesse ser tido como apto para a construção, por nele se poder construir, o que, por si só, inviabiliza a aplicação do regime do art. 26º, nº 12, do Código das Expropriações (do mesmo modo, também não se provou que o valor pago pela Expropriada para adquirir este terreno reflicta alguma capacidade edificativa).
11ª- De qualquer modo, importa também constatá-lo, os valores indemnizatórios a que os Senhores Peritos chegaram (os Peritos do Tribunal e do Expropriado chegaram a um valor de € 65,45/m2) e que a Sentença recorrida adoptou, na comparação desse valor (i) com os valores que são efectivamente praticados no mercado, (ii) com os valores que têm sido adoptados nas avaliações efectuadas noutros processos judiciais relativamente a terrenos localizados nesta área e com as mesmas características; e (iii) com os valores que têm sido adoptados nas avaliações efectuadas noutros processos judiciais relativamente a terrenos com expressa e reconhecida capacidade edificativa, envolvem um evidente absurdo quando referidos a um terreno sem qualquer capacidade edificativa e com as restrições que resultam do Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra-Cascais e do PDM de Cascais que ficaram assinaladas nestas Alegações.
12ª- De tudo o que ficou dito resulta claro que a parcela expropriada terá de ser classificada como ‘solo para outros fins’. O art. 23º, nº 5, do Código das Expropriações prescreve expressamente que a indemnização devida em processo de expropriação por utilidade pública deve corresponder ao valor de mercado do bem expropriado, o que é sufragado, unanimemente por toda a jurisprudência e doutrina.
13ª- Assim, porque as propostas de venda de terrenos juntas pela Entidade Expropriante aos autos (cfr. Docs. 4 a 7 juntos às Alegações de 04.06.2010) indiciam um valor médio de € 25/m2, que corresponde ao valor unitário adoptado pelo Perito indicado pela Expropriante (avaliando a parcela como solo apto para a construção, relembre-se), importa cumprir de pleno o referido princípio do valor de mercado e, simultaneamente, o princípio da igualdade na relação a estabelecer entre os expropriados e os não expropriados, pelo que deve ser este o valor máximo a adoptar no presente processo, o que determinaria uma indemnização de € 25/m2 x 813 m2 = € 20.325.
14ª- De resto, não pode ignorar-se que o Expropriado adquiriu o prédio (com 5.920 m2) em que se integra a parcela expropriada (com 813 m2) em 1985, tendo pago pelo mesmo o valor de 800.000$00 (cerca de € 4.000) – cfr. Doc. 3 junto às Alegações da Entidade Expropriante de 04.06.2010. Ora, de acordo com a Portaria nº 772/2009, de 21 de Julho, que aprovou os coeficientes de desvalorização da moeda, aquele valor de € 4.000 deve ser multiplicado por 3,45, determinando um valor actualizado de € 13.800. Dado que o prédio em causa tem 5.920 m2, deste valor actual resulta um valor unitário de € 2,33. Deste modo, ao adoptar-se um valor de € 25/m2 já se estaria a proporcionar ao Expropriado um valor 10 vezes superior ao que resultou da sua aquisição.
15ª- Para além de ter classificado e avaliado a parcela expropriada como solo ‘apto para construção’, a Sentença recorrida ainda adoptou os valores que os Senhores Peritos calcularam para indemnizar as benfeitorias existentes na parcela à data da declaração de utilidade pública. Sempre sem conceder quanto à possibilidade da classificação desta parcela como solo ‘apto para construção’ (o que, como já se demonstrou, não é possível), não pode deixar de se constatar que os Senhores Peritos, ao avaliarem a parcela de acordo com uma determinada capacidade edificativa, não poderiam calcular qualquer tipo de indemnização pelas benfeitorias existentes na parcela.
16ª- A classificação da parcela expropriada como solo ‘apto para construção’ determina que, na fixação da respectiva justa indemnização, não deva ser considerada a construção ou benfeitoria aí existente, quando esta, pelas suas características, mais do que beneficiar aquele terreno, se destina, num aproveitamento económico normal do mesmo, a ser demolida.
17ª- Assim, atendendo à natureza e características das benfeitorias consideradas pelos Senhores Peritos (muros, pavimento, etc.) existentes na parcela expropriada e ao facto de qualquer aproveitamento edificativo do terreno expropriado implicar a demolição dos mesmos, não poderia ser reconhecida qualquer indemnização por essa construção, pelo que, também nesta dimensão a Sentença recorrida falhou, devendo ser revogada.
18ª- A Sentença recorrida não aplicou, tal como os Senhores Peritos não o tinham feito, por qualquer forma o factor correctivo imposto pelo art. 26º, nº 10, do Código das Expropriações ao custo de construção que consideraram (nem ao custo de construção, nem a qualquer outro valor com que lidaram).
19ª- Numa situação normal de mercado, torna-se necessário ponderar (i) os riscos inerentes à construção, como por exemplo, os financiamentos a efectuar, acidentes na obra, deficiências dos projectos, mau tempo, atrasos, surpresas geológicas, custos da mão-de-obra e dos materiais, etc., e (ii) os riscos inerentes à comercialização, nomeadamente, depreciação do imóvel, dificuldades de venda por retracção do mercado, tempo de exposição no mercado, etc.
Quantos projectos imobiliários acabam por envolver prejuízos para o seu promotor ou levar o mesmo à falência, em particular na actual situação do mercado (importa constatar uma das maiores crises económicas e financeiras que vem sendo vivida em Portugal e na Europa (queda do número de transacções imobiliárias e no valor dos bens imobiliários), existindo por parte dos agentes económicos e analistas um grande clima de incerteza quanto à evolução da economia do país).
20ª- Deste modo, a este título, sempre se exigiria uma correcção de 15%.
21ª- As necessárias correcções à avaliação/indemnização adoptada e fixada pela Sentença recorrida que se deixaram expostas nestas Alegações determinariam uma indemnização inferior ao valor da proposta indemnizatória que a Expropriante dirigiu aos Expropriados (€ 21.500). No entanto, porque foi esse o valor proposto e porque tem sido esse o valor defendido neste processo, é esse valor que deve ser fixado, com a actualização que resulta do art. 24º do Código das Expropriações. Se assim não se entender, deve ser ser fixado como justa indemnização o valor calculado pelo Perito da Expropriante (€ 30.749).
Contra-alegou o expropriado, B , pugnando pela improcedência do recurso da expropriante.
Por seu turno, o expropriado, B , interpôs recurso subordinado, nos termos do art. 682º do CPC., concluindo nas suas alegações:
1. O presente recurso é interposto subordinadamente em relação ao recurso interposto pela ..., nos termos do artigo 682º/CPC.
2. A discordância do recorrente centra-se nas questões prévias suscitadas e relativas
- à ilegitimidade da A , ACE;
- à questão da nomeação dos árbitros ou à falta da sua válida nomeação.
3. A legitimidade para intervir no processo de expropriação é, nos termos do artigo 40º/1/CE, da entidade expropriante, cabendo-lhe, nos termos do artigo 42º/1/CE, promover a constituição e o funcionamento da arbitragem.
4. No caso presente, a entidade expropriante é o Estado, como beneficiário da expropriação, tendo, por invocada concessão à ….- Auto-Estradas da Grande Lisboa, S.A. e respectivo contrato, sido a esta atribuída “a condução e realização dos processos expropriativos... como entidade expropriante em nome do Concedente”.
5. Não obstante o nº 3 da Base XXII aprovada pelo Decreto-Lei nº 242/2006, de 28 de Dezembro, prever a celebração de um “Contrato de Condução e Realização de Processos de Expropriação” para cumprimento das obrigações assumidas pela Concessionária em matéria de expropriações, o certo é que a intervenção de tal ACE - no caso a A — nunca poderia verificar-se, como aconteceu na fase pré-judicial e, agora, na fase judicial, como sendo ela a entidade expropriante, isto é, em nome próprio.
6. Pode ver-se dos docs. 22 e seguintes juntos pela A que ela própria se intitula simples procuradora da … Auto-Estradas da Grande Lisboa, S.A.
7. Assim como reclama que para o Estado se adjudique a parcela expropriada!
8. Cabendo a legitimidade para intervir no processo à entidade expropriante, ao expropriado e aos demais interessados — artigo 40º/CE — o certo é que, no caso presente, a A não é a entidade expropriante.
9. Assim, e estando em causa um pressuposto processual, de conhecimento oficioso, deveria a A ser considerada parte ilegítima, com as inerentes consequências legais quanto às diligências realizadas — o que não aconteceu.
10. A entidade expropriante remeteu ao Tribunal o que seriam, ou deveriam ser, os “autos da expropriação” (artigos 39º e 51/CE), mas eles ou não são completos ou não permitem mostrar que tenha havido um legal e regular provimento dos Árbitros designados nos autos — que não houve.
11. Dispõe o artigo 42º/1/CE que “compete à entidade expropriante, ainda que seja de direito privado, promover, perante si, a constituição e o funcionamento da arbitragem”.
12. E dispõe o artigo 45º/1/CE que “na arbitragem intervêm três árbitros designados pelo presidente do tribunal da Relação da situação dos prédios ou da sua maior extensão.”
13. Dispõem ainda os nºs 2, 3 e 4 do artigo 45º/CE:
“2 - Os árbitros são escolhidos de entre os peritos da lista oficial, devendo o presidente do tribunal da Relação indicar logo o que presidirá.
3 - Para o efeito do disposto nos números precedentes, a entidade expropriante solicita a designação dos árbitros directamente ao presidente do tribunal da Relação.
4 - O despacho de designação dos árbitros é proferido no prazo de cinco dias.”
14. Decorre do exposto que — como não poderia deixar de ser — a nomeação dos árbitros e, de entre eles, o presidente deverá ser feita pelo Presidente do Tribunal da Relação.
15. Ora, não sucedeu isso no caso presente; não se vê dos autos que tal tenha sucedido!
16. Assim, a A, ao promover a arbitragem, solicitou ao Presidente do Tribunal da Relação a designação de seis grupos de árbitros — cfr. ofício que constitui o doc. 20 da petição.
17. Mas não se vê que, posteriormente, tivesse solicitado ao Presidente do Tribunal da Relação, de entre esses grupos, a nomeação dos árbitros que haveriam de realizar, no presente caso, a arbitragem relativa à parcela expropriada.
18. Foi então a própria A quem, de entre esses grupos, escolheu ela e nomeou os árbitros que realizaram a arbitragem relativamente à parcela expropriada — o que, como directamente interessada, não poderia manifestamente fazer.
19. Significa isto que — a menos que o contrário fosse demonstrado e não foi — a arbitragem foi realizada por árbitros que não foram nomeados nos termos da lei, ou seja, pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa — o que conduz à inexistência de Árbitro, ou seja, de “Juiz”!
20. Aliás, dispõe o nº 4 do artigo 46º/CE que “a distribuição pelos grupos de árbitros consta do despacho de designação e respeita a sequência geográfica das parcelas, que a expropriante deve indicar no seu pedido” — o que não se mostra que tenha acontecido, nem resulta do ofício/doc. 21 da petição.
21. Deveria a A juntar aos autos, se outros documentos existissem, os que estivessem em falta relativamente à nomeação dos Árbitros e seu Presidente, nomeadamente o despacho do Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que — para a concreta parcela em causa — designa os Árbitros que procederão à arbitragem.
22. No caso não se trata — como a sentença recorrida decidiu — de qualquer “irregularidade cometida no procedimento administrativo” (artigo 54º/1/CE), nem dela aliás tiveram antes conhecimento os recorrentes.
23. Constatando-se que os Árbitros que proferiram o Acórdão Arbitral não foram nomeados pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, mas escolhidos pela própria A ou pela entidade expropriante de entre os grupos nomeados, trata-se, isso sim, e verdadeiramente, de decisão a non judice ou a non arbitro, conduzindo verdadeiramente à inexistência ou à nulidade da própria arbitragem e à nulidade absoluta do Acórdão Arbitral.
24. Ao não reconhecer razão às questões prévias suscitadas e acima aludidas —
ilegitimidade e nulidades de procedimento arguidas que influíram decisivamente nos resultados alcançados nos autos, com prejuízo para o recorrente — a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 40º e 42º/1/CE e ainda nos artigos 42º, 45º e 46º/CE, pelo que deverá ser revogada e anular-se todo o processado, com as consequências legais.
Contra-alegou a expropriante, pugnando pela improcedência do recurso subordinado.
Foram colhidos os vistos.
2- Cumpre apreciar e decidir:
As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º e 685º-A, todos do CPC.
As questões a dirimir consistem em aquilatar:
A) - No recurso independente da expropriante A , ACE:
- Sobre a correcta ou incorrecta classificação da parcela expropriada.
- Sobre a determinação do valor da justa indemnização.
B) - No recurso subordinado do expropriado, B:
- Sobre a ilegitimidade da expropriante.
- Sobre a nomeação dos árbitros ou à falta da sua válida nomeação.
Como regra, os recursos deverão ser conhecidos pela ordem da respectiva interposição.
Os recursos poderão ser classificados como independentes ou subordinados.
Nos termos constantes do nº 1 do artigo 682º do CPC., se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.
Como diz, Miguel Teixeira de Sousa, in, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 496 «A justiça processual e a igualdade das partes justificam que se admita que a parte, que inicialmente se conformara com a decisão e que foi surpreendida com a interposição do recurso pela contraparte, possa, ela própria, interpor recurso».
E como refere, Amâncio Ferreira, in, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Almedina, pág. 87 «A parte contra quem é dirigido o recurso principal, pode, por sua vez, interpor recurso quanto à parte da decisão que lhe foi desfavorável, para o tribunal superior reapreciar, na sua totalidade, a decisão impugnada.
Se tal ocorrer, o recorrente principal pode ver alterado em seu prejuízo a decisão recorrida».
Na situação em apreço, o recurso subordinado cinge-se à parte das questões prévias suscitadas e referentes a ilegitimidade e nulidade de nomeação dos árbitros.
Ora, como alude Amâncio Ferreira, na obra supra referida a fls. 88 «Depois de o tribunal se assegurar da inexistência de obstáculos ao conhecimento do objecto do recurso principal, poderá começar por julgar a questão posta no recurso subordinado, se o conhecimento desta preceder o da questão posta no recurso principal, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 660º do CPC.».
E ainda, Miguel Teixeira de Sousa, na mesma obra já mencionada a fls. 498 «Se for interposto um recurso subordinado, a ordem de apreciação dos recursos pelo tribunal ad quem deve observar aquela que é imposta pela relação de prejudicialidade. Assim, mesmo que o pedido prejudicial tenha sido impugnado no recurso subordinado, é por este que deve começar a apreciação do tribunal, porque o tribunal nunca poderá decretar a procedência do pedido dependente se não for confirmada a procedência do pedido prejudicial».
Perante o explanado, constatamos que o recurso subordinado interposto, pela natureza das questões suscitadas, poderá ser prejudicial relativamente às questões colocadas no recurso independente, pelo que, nos termos constantes do nº1 do art. 660º do CPC., conheceremos primeiramente daquele.
A matéria de facto delineada na 1ª. instância foi a seguinte:
1. Encontra-se inscrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação nº 33, datada de 5 de Dezembro de 1986, a aquisição, por compra, a favor de B, do prédio urbano denominado … Grande, descrito naquela Conservatória sob o nº 0000/00000000;
2. Encontra-se inscrita naquela Conservatória, e quanto ao prédio referido em 1., hipoteca a favor do D.
3. A parcela expropriada é a seguinte:
- Parcela de terreno, identificada com o nº 105, com a área de 813 m2, a destacar do prédio urbano com a área de 5 300 m2, inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo 00000 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais com o nº 00000/000000, confinando a Norte com a Rua da ..., na ..., a Sul com estrada de serviço variante à EN9, a Nascente com ….. e a Poente com …..;
4. Foi declarada a utilidade pública urgente da expropriação desta parcela de terreno, por despacho publicado no D.R. nº 91, II Série, de 12/05/2008;
5. A referida parcela de terreno foi expropriada com vista à construção da Auto-Estrada A16/IC30 - Lanço Linhó (EN9) / ... (IC 15);
6. Conforme auto de vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam, de fls. 50 e ss., efectuado no dia 18 de Junho de 2008:
- a parcela 105 aloja uma unidade industrial de carpintaria e construção civil, com a denominação C , tendo licenciamento industrial;
- o acesso ao prédio é feito por dois portões: o principal, situado na Rua da ….., alcatroada e dotada de infraestruturas públicas de águas, esgotos, electricidade, iluminação pública e telefones; o secundário, na referida estrada alcatroada, que não apresenta outras infraestruturas públicas;
- a parcela em apreço tem forma irregular, situando-se na marginância do prédio com a dita estrada e sendo murada no seu perímetro exterior;
- o terreno da parcela é em socalcos e com pendente a norte;
- na data da vistoria, a parcela era usada como logradouro industrial, armazenando, a céu aberto, materiais e equipamentos da empresa, sendo atravessada pela via privativa, em “touvenant”, que liga os dois portões;
- com o destaque da parcela a expropriar o prédio fica com 4 487 m2;
- para a manutenção da segurança física do perímetro industrial depois da expropriação, caberá construir a norte um muro idêntico ao actualmente existente;
- de acordo com a Planta de Ordenamento e Condicionantes do Plano Director Municipal do Concelho de Cascais a parcela integra-se em Espaço Cultural Nível 2;
- existem na parcela 78 m2 de muro em blocos de cimento; 102,84 m2 de muro em tijolo; um portão metálico e 185,98 m2 de pavimento em “toutvenant”;
7. A parcela margina com via pública pavimentada em betuminoso, a Norte o prédio confina com via pública pavimentada em betuminoso (Rua da ...), a qual dispõe de redes de água, saneamento, estação depuradora em ligação com a rede de colectores de saneamento com serviço junto do prédio, redes de iluminação pública e de telefone;
8. De acordo com o relatório pericial constante de fls. 288 e ss., o solo da parcela expropriada deverá ser considerado como “solo apto para construção”.
Vejamos:
Do recurso subordinado:
Insurge-se o expropriado relativamente à legitimidade da expropriante para estar nos presentes autos, na medida em que, a entidade expropriante é o Estado, o qual, por concessão à ….. – Auto-Estradas da Grande Lisboa, SA., lhe atribuiu a condução e realização dos processos expropriativos como entidade expropriante em nome do concedente, sendo a A, ACE, simples procuradora da ...lisboa.
Dispõe o nº 1 do art. 40º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, que têm legitimidade para intervir no processo de expropriação, a entidade expropriante, o expropriado e os demais interessados.
Como consta dos autos, por despacho do Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, publicado em DR. de 12 de Maio de 2008, foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência, a expropriação das parcelas de terreno necessárias à construção da Auto-Estrada A16/IC30, Lanço Linhó (EN9)/... (IC15).
A entidade competente para esta declaração de utilidade pública foi o Estado, através do ministro a cujo departamento competia a apreciação.
A utilidade pública é a causa legitimadora da expropriação e o efeito da declaração da utilidade pública é tecnicamente a sujeição à expropriação (cfr. anotações aos arts. 1º e 13º do C. Exp. de João Pedro Ferreira, Coimbra Editora, 2007).
Foi assim, o Estado, no exercício do seu jus imperii, que desencadeou o processo expropriativo, na qualidade de entidade expropriante e foi ao Estado Português que por despacho proferido a fls. 123 dos presentes autos, se adjudicou a propriedade da parcela 105.
No mesmo despacho publicado em DR. de 12 de Maio de 2008, foi autorizada a concessionária … - Auto-Estradas da Grande Lisboa, SA., a tomar a posse administrativa das parcelas expropriadas, onde se inclui aquela parcela 105.
Por seu turno, o Decreto-Lei nº 242/2006 de 28 de Dezembro, nos seus artigos 1º e 2º aprovou as bases de concessão e atribuiu à ….- Auto-Estradas da Grande Lisboa, SA., a concessão da concepção, projecto, construção financiamento, manutenção e exploração dos lanços de Auto-Estrada A/16/IC 16 e A16/IC30.
A base XXII anexa àquele diploma, com o título «Condução, controlo e custos dos processos expropriativos», estipulou no seu nº 3 que, «Para cumprimento das obrigações assumidas pela Concessionária em matéria de Expropriações, a Concessionária celebrou com o A , um Contrato de Condução e Realização de Processos de Expropriação».
Ora, nos termos deste contrato, a ….- Auto-Estradas da Grande Lisboa, SA., (Concessionária) entregou ao A. (designada por ACE Expropriações), a execução dos processos expropriativos atinentes àqueles lanços de auto-estradas e IC.
Assim, a A, através de um diploma legal e da celebração de um contrato elaborado ao abrigo do mesmo, possui legitimidade para intervir nos autos, na posição de parte expropriante, por vontade e consentimento do próprio Estado que para tanto a habilitou.
O poder de soberania do Estado não foi beliscado ou retirado na fase de declaração de utilidade pública, mas ultrapassada esta fase, poderá o mesmo Estado definir quem pode procedimentalmente prosseguir, na qualidade de expropriante, que foi o que sucedeu.
Destarte, não assiste razão ao apelante, decaindo este segmento do recurso.
Discorda também o recorrente da decisão, na parte em que julgou inexistir qualquer nulidade na nomeação dos árbitros na fase da arbitragem, pois, em seu entender, não foram respeitados os procedimentos legais para o efeito, inquinando o acórdão arbitral.
Ora, nos termos constantes do art. 42º do C.Exp., compete à entidade expropriante, promover a constituição e o funcionamento da arbitragem.
E nos termos plasmados no art. 45º do mesmo diploma legal, na arbitragem intervêm três árbitros designados pelo presidente do tribunal da Relação da situação dos prédios, sendo os árbitros escolhidos de entre os peritos da lista oficial, devendo o presidente do tribunal da Relação indicar logo o que presidirá.
A entidade expropriante solicita a designação dos árbitros directamente ao presidente do tribunal da Relação.
Dispõe ainda o art. 46º do C.Exp., no seu nº 1, que pode ser designado mais de um grupo de árbitros sempre que, em virtude da extensão e do número de bens a expropriar, um único grupo se mostre manifestamente insuficiente para assegurar o normal andamento de todos os processos.
E, refere o seu nº 4 que, a distribuição dos processos pelos grupos de árbitros consta do despacho de designação e respeita a sequência geográfica das parcelas, que a entidade expropriante deve indicar no seu pedido.
Como consta da anotação a este artigo, no Código das Expropriações Anotado, de Melo Ferreira, 4ª. ed., Coimbra Editora, «A nomeação de peritos pelo presidente do Tribunal da Relação visa garantir a imparcialidade na nomeação e a independência dos árbitros. O nº 4 deste preceito tem nova redacção que se traduz num reforço da garantia de independência e imparcialidade dos peritos».
Com efeito, compulsados os autos, constatamos que pelo documento junto a fls. 92 dirigido ao Presidente da Relação de Lisboa, foi formulado um pedido de nomeação de árbitros com a seguinte passagem pertinente: “…pelo que tenho a honra de solicitar a V. Exa. Se digne designar 6 (seis) grupos de 3 (três) árbitros, de entre os peritos permanentes da lista oficial do Ministério da Justiça”.
Pelo documento junto de fls. 93 a 95 dos autos, constatamos que o Presidente do Tribunal da Relação, em satisfação do solicitado, procedeu à nomeação de VI grupos de árbitros, dizendo na parte final que «A Presidência caberá ao primeiro Árbitro de cada grupo designado em primeiro lugar».
E pelo documento junto a fls. 96 dos autos, constatamos que a expropriante, notificou o expropriado, B, da identificação dos árbitros que foram nomeados para proceder à arbitragem (pertencentes ao V grupo).
Ora, como se constata, o Presidente da Relação nomeou as equipas de árbitros sem que, contudo, lhes houvesse atribuído de forma específica as parcelas a vistoriar, como decorre do normativo inserto no nº4 do art. 46º do C. Exp.
O grupo dos peritos que foi nomeado para a parcela dos autos, foi constituído à revelia do nº 4 do art. 46º do C. Exp., ou seja, a entidade expropriante ao requerer aquela nomeação, não tratou de individualizar as parcelas em concreto, acabando por ser ela própria a escolher e a determinar, qual o grupo de árbitros que desempenharia a arbitragem em cada uma das parcelas.
Tal desiderato não tem qualquer cobertura legal, nem a poderia ter, na medida em que a garantia da imparcialidade na nomeação ficaria completamente desvirtuada.
Efectivamente, se esta nomeação pudesse ser levada a efeito pela entidade expropriante, os artigos 45º e 46º do C.Exp. ficariam completamente esvaziados de conteúdo.
Os princípios da legalidade, da igualdade e da imparcialidade, consagrados, entre outros, no art. 2º do C. Exp., ficariam seriamente ameaçados na perspectiva do expropriado e também ameaçariam os princípios estruturantes de um Estado de Direito.
Assim, a situação em apreço, é mais profunda de que uma mera irregularidade no funcionamento da arbitragem, antes constituindo um vício que a inquina em absoluto, conduzindo à sua nulidade, nos termos contemplados no art. 201º do CPC., pois, poderá influir no exame ou na decisão da causa.
Perante tal, não faz sentido dizer-se como o faz a sentença recorrida, que a existir nulidade, a mesma não teria sido arguida em tempo, nos termos do art. 54º do C.Expropriações.
Ora, o expropriado logo que foi notificado para efeitos do disposto nos arts. 51º e 52º do C.Exp., veio logo na sua peça de fls. 130 e seguintes suscitar a questão, ou seja, reagiu logo que tomou conhecimento da situação.
E, de facto, da análise da documentação carreada para os autos, nomeadamente, das notificações que lhe foram efectuadas sobre a nomeação dos árbitros, não se descortinava o vício em apreço.
Deste modo, a arguição foi atempada, face ao disposto no art. 205º do CPC., ou seja, houve uma reacção do expropriado logo que foi notificado do despacho proferido a fls. 123 dos autos, para efeitos do disposto no nº 5 do art. 51 e art. 52º, ambos do C.Exp., ou seja, para efeitos de recurso.
Destarte, assiste razão ao recorrente expropriado, pelo que, se anula todo o processado, a partir da fase em que a expropriante solicita ao Presidente do Tribunal da Relação a nomeação dos árbitros, a fim de lhe ser solicitado, em relação à parcela expropriada, a concreta distribuição daqueles.
Face ao supra explanado, nos termos constantes do nº 2 do art. 660º do CPC., fica prejudicado o conhecimento do recurso independente.
Em síntese:
(...)

3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em:
- Julgar procedente o recurso subordinado e em consequência, anula-se todo o processado, a partir da fase em que a expropriante solicita ao Presidente do Tribunal da Relação a nomeação dos árbitros, a fim de lhe ser solicitado, em relação à parcela expropriada, a concreta distribuição daqueles.
- Julgar prejudicado o conhecimento do recurso independente.
Custas a cargo da expropriante.

Lisboa, 27 de Março de 2012

Maria do Rosário Gonçalves
Maria da Graça Araújo
José Augusto Ramos