Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14232/11.2T2SNT-G.L1-7
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: RECLAMAÇÃO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
PODER DISCRICIONÁRIO
RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: IA decisão que designa administrador de insolvência diferente do proposto pela insolvente, ainda que sem explicação dos motivos que levaram à não aceitação da sugestão apresentada, não admite recurso, por se estar no campo do uso legal de poder discricionário do juiz que é insusceptível de impugnação – arts. 52º, nº 2 e 32º, nº 1 do CIRE e 156º, nº 4 e 679º do C. P. Civil.
II - A admissibilidade do recurso, por um lado, e os fundamentos do mesmo recurso, por outro, são realidades jurídicas distintas, apenas a primeira sendo objecto próprio da reclamação deduzida nos termos do art. 688º do CPC.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
7ª SECÇÃO CÍVEL

I – A… S. A., notificada do despacho que não admitiu o recurso de apelação por si interposto contra a sentença que declarou a sua insolvência, na parte em que procedeu à nomeação do Administrador da Insolvência em pessoa diversa daquela que havia proposto, sem fundamentar por que razão excluiu a nomeação da pessoa para o efeito proposta, veio apresentar a presente reclamação ao abrigo do disposto no art. 688º do CPC, aplicável por via do disposto no art. 17º do CIRE.
Alega, em síntese, que o “poder” instituído no art. 52º, nº 2 do CIRE se não consubstancia, ao menos de forma clara, num poder discricionário, sendo que o mesmo deve ser interpretado em conjugação com o dever de fundamentar as decisões consagrado no art. 158º do C. P. Civil.
Conclui pedindo que o recurso por si interposto em 18 de Julho de 2011 seja admitido e julgado procedente.
Foi proferida decisão pela relatora que indeferiu a reclamação em causa.
Contra essa decisão singular reclamou para a conferência a recorrente, pedindo que seja emitido acórdão que admita o recurso em causa, sustentando, em resumo nosso, o seguinte:
a) A questão, abordada pela relatora do processo, de saber se a insolvente podia ou não sugerir pessoa para o exercício do cargo de Administrador da Insolvência não é discutida pela recorrente;
b) Diversamente, o que motivou o recurso dos autos foi a falta de fundamentação da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, quanto aos motivos pelos quais entendeu afastar a pessoa sugerida pela insolvente para o exercício de tal cargo.
c) “É da violação do dever de fundamentação que a recorrente reclamou para o presente Tribunal e ora reclama para a Conferência.” (sic)

Colhidos os vistos cumpre decidir.

II – Os elementos processuais a considerar para a decisão da presente reclamação são os seguintes:
1. Com data de 13 de Junho de 2011, e na sequência de apresentação do devedor à insolvência, foi declarada, ao abrigo do disposto no art. 28º do CIRE, a insolvência da requerente A…SA.
2. E, nessa decisão, foi nomeado como administrador judicial o Sr. Dr. AM…, constante da lista oficial.
3. Veio a requerente interpor recurso contra essa sentença, mas tão só na parte em que nomeia como administrador a pessoa indicada, sem fundamentar por que razão não acolheu a sugestão por si feita no sentido da nomeação do Sr. Dr. AP… para o exercício de tal cargo, pelo que, nessa parte, segundo sustenta, a sentença se mostra ferida de nulidade. E conclui pedindo que, dando-se provimento ao recurso, se ordene a substituição do Sr. Administrador nomeado pela pessoa por si indicada.
4. Seguiu-se despacho que considerou inverificada a invocada nulidade parcial da sentença, por estar em causa decisão que o juiz não tem de fundamentar.
5. E considerou ainda que, tratando-se de despacho proferido ao abrigo de poderes discricionários do juiz, o mesmo não admite recurso, pelo que se não admitiu a impugnação interposta contra a referida parte da sentença.
 
III - O que está em causa é uma decisão que, embora não respeite à verificação dos pressupostos da insolvência e à sua decretação, faz parte integrante da sentença que a declara, constituindo, como se vê do art. 36º, d) do CIRE, menção obrigatória dela.
Com efeito, “O administrador da insolvência é uma figura nuclear do instituto, essencial à marcha do processo, a quem são cometidas, entre muitas outras de carácter predominantemente preparatório ou instrumental, as tarefas relativas à liquidação do património do devedor. A sua designação é, assim, um acto essencial, cuja omissão determina a nulidade da sentença, todavia suprível nos termos do art. 668º, nºs 3 e 4, do C. P. Civ.”[1]
Porém, respeitando a discordância da apelante, não à decisão de mérito, mas a matéria que, nada tendo a ver com a verificação dos pressupostos da insolvência, bem podia ser objecto de decisão autónoma, como o será, por exemplo, no caso de alteração do administrador nomeado, importa saber se o recurso interposto de uma tal decisão – a que designa administrador de insolvência – admite ou não impugnação.
E, a nosso ver, a resposta tem de ser negativa.
Como se disse na decisão singular proferida nesta Relação em 9.06.2011[2], “São poucos os casos em que ao juiz se atribuem poderes discricionários.
Mas o disposto no art. 52º do CIRE, com referência ao art. 32º, não deixa qualquer dúvida a esse respeito, na medida em que apenas admite que o juiz pondere alguma indicação feita pelos requerentes ou por outros interessados quando se trate de caso em que se exijam especiais conhecimentos.
E é assim, de facto, sendo de salientar que, tanto o art. 32º, como o art. 52º do CIRE, começando por afirmar que a nomeação do administrador de insolvência é da competência do juiz, prosseguem, estabelecendo[3] que este pode ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, “no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.
Sinal evidente da diferença entre o “dever” e o “poder”, sucessivamente atribuídos ao juiz nesta matéria, é a nova redacção dada aos referidos preceitos pelo Dec. Lei nº 282/2007, de 7.08. O vocábulo “devendo”, antes usado no nº 2 do art. 52º, mostra-se agora substituído pelo dizer “podendo” e a expressão “tendo o juiz em conta” antes presente no teor do nº 1 do art. 32º, deu agora lugar à expressão “podendo o juiz ter em conta”.
Além de que no nº 1 do art. 32º refere-se agora, inovadoramente, que no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, pode o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial, o que circunscreve a tais casos, quer a possibilidade de apresentação de sugestão pela parte, quer a atendibilidade da mesma por parte do juiz.
Não sendo alegado pela recorrente que se verifica a probabilidade da existência de necessidade da prática de actos de gestão daquela natureza, não se vê, sequer, que no caso coubesse à parte a faculdade de indicar pessoa para exercer tal cargo, estando-se manifestamente perante poder discricionário do juiz cujo exercício é insusceptível de recurso ao abrigo do que dispõem os arts. 156º, nº 4 e 679º do C. P. Civil.
Por isso, se conclui que não admite recurso a decisão em que nomeado foi o administrador da insolvência, ainda que sem explicação sobre os motivos que estiveram na base da não aceitação da sugestão apresentada pela recorrente.

Sobre a argumentação inovadoramente produzida no âmbito da reclamação que apresentou para a conferência, importa referir que a reclamante revela confundir duas realidades jurídicas absolutamente distintas, quais sejam, a admissibilidade do recurso, por um lado, e os fundamentos do mesmo recurso, por outro.
O fundamento do recurso era, realmente, a invocada falta de fundamentação do despacho que não nomeou como administrador a pessoa por si indicada. Isto apesar de a recorrente pretender, ao fim e ao cabo, por via dele, obter a alteração da decisão proferida, visto que pedia a sua substituição por decisão que nomeasse para o exercício do cargo a pessoa que indicara.
Mas a apreciação desses fundamentos não era naturalmente o objecto da reclamação que interpôs ao abrigo do disposto no art. 688º do CPC.
No âmbito dela à relatora coube, como a este tribunal caberá, em decisão da presente reclamação para a conferência, pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso, negada pelo tribunal de 1ª instância, e já não apreciar o seu mérito, com a análise dos fundamento invocados; tal apreciação, apenas no caso de procedência da reclamação, teria lugar ulteriormente – cfr. o nº 6 do mesmo preceito legal.
Daí que não faça sentido, salvo o devido respeito, a argumentação ora expendida.

 IV – Por isso, desatendendo a reclamação, não se admite o recurso interposto pela requerente.
Custas a cargo da apelante.

Lisboa, 6 de Março de 2012

Rosa Maria Mendes Cardoso Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro
Graça Amaral
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[1] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, pág. 189.
[2] Relator Desembargador Abrantes Geraldes, junta em cópia a estes autos.
[3] 2ª parte do nº 1 do art. 32º e nº 2 do art. 52º.