Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3683/05.1TVLSB.L1-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
CONTRATO-PROMESSA
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- São considerados pressupostos de facto da responsabilidade pré-contratual a criação de uma razoável confiança na conclusão de um contrato;
o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;
a produção de um dano no património de uma das partes; e
a relação de causalidade entre este dano e a quebra da confiança exigida.
II - Em face do referido em I, desde que as negociações hajam induzido numa das partes a confiança e expectativa razoáveis da sua conclusão e celebração do contrato, a ruptura do iter negocial e a recusa da celebração do negócio, sem justificação plausível, faz incorrer o respectivo autor em responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar os danos causados à contraparte.
III- O referido em II aplica-se, outrossim, em caso de ruptura, sem justificação das negociações contratuais, que tenham por objecto imediato um contrato-promessa, e ainda que, então, não possa ela considerar-se tão gravosa como a reportada ao contrato definitivo, sob pena de se limitar irrazoavelmente a liberdade de contratar, sobretudo quando estejam em causa contratos, como a compra e venda de imóveis, cuja exigência formal foi (e continua a ser) legalmente imposta por ditames de ponderação e segurança.
IV - O Dano a indemnizar no âmbito da obrigação referida em II, é o dano causado pela violação da confiança na conclusão e celebração do negócio, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na conclusão do negócio e não gastos especulativos ou que constituam um risco implícito em todo o negócio, v.g. os necessariamente gastos para iniciar as negociações.
V- Em conclusão, perfilando-se um caso de responsabilidade pré-contratual, sendo o contrato que deixou de ser outorgado o contrato promessa ( contrato autónomo relativamente ao definitivo), então os danos a indemnizar são os resultantes da respectiva ruptura, e não os do hipotético contrato definitivo.
VI - E , ainda assim, em função apenas do interesse contratual negativo e tendo sempre com limite máximo a sanção derivada do incumprimento do contrato promessa em génese.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. A ( …. IMOBILIÁRIOS, S.A.) , com sede em Matosinhos, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B , C , D , E , F, G, H , I , J, L e M, pedindo que os réus fossem condenados a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de € 5 400 000,00, bem como os juros que, à taxa legal, se vencerem desde a citação até ao momento do efectivo e completo pagamento (cfr. fls. 13).
Tendo com fundamento, a título principal, a pretensa violação de contrato-promessa e, a título subsidiário, a violação de um acordo pré-contratual final e correspondente indemnização pelo interesse contratual positivo ou, caso assim também se não entendesse, pelo interesse contratual negativo, a autora invocou, basicamente, que em Junho de 2004, no exercício da sua actividade de desenvolvimento de projectos de investimento imobiliário, entabulou negociações com a ré tendentes à aquisição do prédio urbano sito na Rua …., em Lisboa, composto de rés-do-chão, 1.º andar, águas furtadas e jardim, propriedade dos réus; que se interessou-se por aquele prédio para desenvolver um projecto de investimento, que envolvia a realização de obras de demolição e a reconstrução destinada a transformá-lo em edifício em regime de propriedade horizontal, colocando, depois, à venda as correspondentes fracções autónomas, o que era do conhecimento dos réus; a autora fez chegar aos réus, por intermédio do representante destes, o Engenheiro …, em 7 de Julho de 2004, uma primeira proposta de compra do referido prédio e, após aproximação das respectiva posições e afinados os termos do negócio em preparação, remeteu aos réus, em 27 de Novembro de 2004, uma segunda proposta, na pessoa do Dr. …, que actuava em representação daquele.
Mais invocou que, em 21 de Dezembro de 2004, o Dr. …., em representação dos Réus, enviou à autora uma telecópia em que manifestava concordância com a sua proposta de compra e, em anexo, fazia chegar ao conhecimento da autora a minuta do texto do contrato promessa que, dando expressão formal ao acordo já alcançado haveria de ser subscrito pelas partes; a autora logo a seguir, através do seu representante, …., anuiu ao teor daquela minuta, concordando com as duas alterações contrapropostas pelos réus: - o objecto do negócio passaria a corresponder a 38/44 do prédio, com proporcional redução do preço; - a primeira prestação de pagamento do preço seria de 25% do total, e a segunda de 75%; os réus, através do seu representante, o Dr. …, asseguraram também à autora que tomariam todas as providências para que o comproprietário da quota restante do prédio (6/44) lha vendesse; que a confiança que a autora já depositava na concretização do negócio, baseada nas sucessivas aproximações a que, ao longo do processo de negociações, se foi chegando, transformou-se, no momento da aceitação da contraproposta dos réus (vazada, inclusive, em minuta do correspondente contrato promessa), em certeza absoluta e, por isso, a autora abandono um projecto de investimento imobiliário alternativo, consistente na compra, para posterior demolição parcial, reconstrução em regime de propriedade horizontal e revenda das correspondentes fracções autónomas, do prédio urbano situado na Avenida de …, nº 9, em Lisboa, pertencente a …,SA; se tivesse levado por diante o projecto de investimento consistente na aquisição e reconstrução, para posterior revenda, do prédio da Avenida de … obteria um lucro não inferior a € 1.950.000,00; foi também animada pela absoluta certeza na concretização do negócio estabelecido com os réus que a autora celebrou com ….,Arquitectos, Lda., um contrato de prestação de serviços, por força do qual ficou obrigada a pagar a esta sociedade de profissionais a quantia de € 290.000,00; não obstante o acordo concluído com a autora, os réus, surpreendentemente, alguns dias depois, comprometeram-se a vender o seu prédio urbano a uma empresa denominada …., Lda, recusando-se a formalizar, através dos correspondentes contrato promessa, primeiro, e escritura pública, depois, o acordo que com ela concluíram; se os réus honrassem o compromisso estabelecido com a autora, formalizando, através dos documentos adequados, os previstos contrato promessa e contrato de compra e venda do seu prédio urbano, esta tornar-se-ia dele proprietária e teria todas as condições para, então, desenvolver o projecto de investimento imobiliário referido e dele retiraria um lucro não inferior a € 5 400000,00, o qual deixou de poder beneficiar o património da autora por causa do comportamento dos réus, que desrespeitaram o compromisso por que se obrigaram perante ela.
Citados os réus, e habilitados como herdeiros da primitiva ré F , falecida já na pendência da acção, a saber: (……) , os réus contestaram pugnando pela sua absolvição da instância por procedência de excepção de ilegitimidade passiva, e pela improcedência da acção com a sua absolvição do pedido. E pediram a condenação da autora como litigante de má fé.
Invocaram, em síntese, que, por preterição de litisconsórcio necessário, os réus, sem as demais pessoas que indicaram, são parte ilegítima.
E impugnaram os factos alegando que só tomaram conhecimento que a A. mantinha interesse na aquisição dos prédios contíguos ao seu, com a recepção dos presentes autos; que é verdade que houve negociações tendo em vista a transmissão do prédio, das quais resultou que a A. enviasse aos RR. uma proposta de aquisição, mas, pelas condições de preço e forma de pagamento constantes da referida proposta, os réus informaram a A. que aquela não era por estes aceite; entre Outubro e Novembro de 2004, a A. solicitou uma nova reunião com os representantes dos RR, a qual teve lugar no escritório do Dr. …., sito em Lisboa, por ser membro da família e jurista, permitindo, assim, esclarecer aspectos jurídicos relacionados com o negócio e imprescindíveis à prossecução do mesmo; nessa reunião o Dr. …. ficou com a noção clara que, atenta a falta de formação jurídica dos representantes da A., estes não entenderam a especificidade da cláusula fideicomissária objecto das explicações dadas; em 29 de Novembro de 2004, a autora apresentou nova proposta para a aquisição do prédio, onde apenas reformulava as condições de pagamento face às anteriormente enviadas e assume a manutenção dos arrendatários; a A., nesta proposta, evidenciou que não assimilou a impossibilidade de adquirir a totalidade do prédio e, face a esse circunstancialismo, entendeu por bem, o Dr. …., elaborar um documento escrito onde constasse, de forma expressa, clara e inequívoca, por um lado, toda a realidade supra descrita e, por outro, evidenciasse quais as condições de pagamento pretendidas pelos RR., as quais divergiam das até então propostas pela A., pelo que, elaborou e enviou à A. o fax que corresponde ao doc. n.º 6 junto com a p.i; após o envio do fax acima mencionado e do documento apelidado “minuta do contrato promessa”, nunca mais a A., ou qualquer dos seus representantes, respondeu ao mesmo, o que inculcou nos réus a convicção de que a A. deixara de ter interesse na prossecução do negócio; a divergência quanto às condições do negócio constantes dos documentos trocados entre as partes é, só por si, elucidativo de que no caso dos autos, não chegou a haver concordância para que o mesmo pudesse vir a ser consumado; desta forma, nunca poderá ser assacada qualquer responsabilidade aos RR., pela não concretização do negócio em qualquer das configurações ou hipóteses jurídicas alvitradas pela A., dado que foi esta quem se demitiu da continuação das negociações.
Mais alegaram que os factos alegados pela A., são manifestamente insuficientes para que esta possa fundamentar qualquer direito de ser ressarcida pelos RR., pelo que, o processo é nulo por falta de causa de pedir, (artigo 193º do CPC); e que não obstante, a A. não hesitara em deturpar conscientemente a verdade de determinados factos, e a omissão de outros tantos, com puros intuitos especulativos, fazendo um uso manifestamente reprovável, com o fim exclusivo de obter um objectivo ilegal, qual seja o de enriquecimento à custa alheia, litigando de má fé.
A autora respondeu à matéria da excepção, pugnando pela improcedência da mesma (fls. 161-162).
A autora foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial, o que fez nos termos que constam de fls. 351 a 364, aditando novos factos.
Os réus impugnaram os novos factos invocados pela autora (fls. 370 e 371).
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelos réus e, de seguida foram enunciados os factos provados e a base instrutória.
Corridos os subsequentes termos processuais, realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver os réus do pedido.
E julgou-se igualmente não verificada a litigância de má fé por qualquer das partes.
Inconformada, apelou a autora (e, subordinadamente, os réus, tendo, todavia, estes vindo a desistir desse recurso).
A autora alegou concluindo, a final, que:
I. No caso dos autos impendia sobre os réus o dever pré-contratual de concluir com a autora o contrato cujos termos e condições acertaram completa e definitivamente entre si.
II Violando esse dever de conclusão do contrato (celebrando-o, afinal, com um terceiro), os réus devem indemnizar a autora segundo a medida do interesse contratual positivo, colocando-a na posição em que estaria se o contrato fosse celebrado e efectivamente cumprido - de acordo com os critérios gerais dos arts. 562º e 563º do CC.
III Da violação desse dever de conclusão do contrato resultou efectivamente para a autora um dano, consistente na não celebração do contrato, na consequente impossibilidade de se tornar proprietária do prédio dos réus e, por último, no impedimento de concretizar o projecto imobiliário previsto, que permitiria um lucro não inferior a € 2 235 000,00.
IV. Os réus, com sua conduta, ilícita e culposa, não só impediram a autora de consolidar na sua esfera jurídica o lucro expectável da operação (com base num "projecto exequível”), como deslocaram o ganho que ela deixou de obter para o terceiro ao qual vieram a vender o seu prédio - o que representa uma dupla injustiça.
V. Entre o facto lesivo (a violação do dever de concluir o contrato) e o dano (a não celebração do contrato, a impossibilidade de adquirir a propriedade e de, consequentemente, concretizar o investimento projectado) há um estreitíssimo nexo de causalidade.
VI O facto de os proprietários dos prédios adjacentes aos dos réus terem (também ilicitamente) inviabilizado a sua aquisição pela autora nunca constituiria mais do que uma causa virtual.
VII. Em geral, a causa virtual não tem, como é sabido, relevância negativa, não impedindo, portanto, a responsabilização que resulta da actuação da causa real.
VIII. O surgimento de uma divida em face de terceiros (que não existiria se não fosse o evento lesivo), enquanto efeito jurídico que se traduz no aumento do passivo do lesado, consubstancia, necessariamente, um dano, independentemente do respectivo pagamento.
IX. Na hipótese (que subsidiariamente se admite) de se entender que a indemnização por violação do dever pré-contratual de conclusão do contrato se mede pelo interesse contratual negativo, não pode deixar de considerar-se que os factos provados nos autos são mais do que suficientes para corporizar um verdadeiro dano negativo.
X. A indemnização do lucro cessante relativo ao negócio alternativo abandonado por força da confiança na continuação e progresso das negociações com a contraparte não depende de se provar que os respectivos termos e condições estariam já completamente acertados e negociados, bastando que se prove a perda de uma concreta oportunidade de negócio – como está provado nos autos que aconteceu.
Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que atendesse ao que peticionado.
Os réus/recorridos contra alegaram e, simultaneamente, requereram a ampliação do recurso na parte em que decaíram, atinente ao reconhecimento de responsabilidade pré-contratual por parte deles, concluindo, em síntese, que:
- Da matéria de facto provada nos presentes Autos, resulta evidente que entre a Apelante e, os ora Apelados não foi concluído qualquer acordo pré- contratual.
- Para que se tivesse obtido um acordo pré-negocial seria exigível que as partes tivessem chegado a acordo, no mínimo, quanto aos elementos essenciais no negócio a celebrar.
- No caso, um acordo que contemplasse os termos proposto pela Apelante: aquisição da totalidade do prédio, pelo preço de € 1.600.00,00, condições de pagamento e assunção da responsabilidade pelo destino dos dois arrendatários do mesmo.
- Após a remessa da minuta do contrato-promessa que apenas contemplava a transmissão de 38/44 avos, com uma cláusula fideicomissária e um usufruto vitalício, a Apelante não mais voltou a contactar os ora Apelados, nomeadamente remetendo-lhes um escrito aceitando os termos dessa minuta ou solicitando qualquer alteração, ficando por discutir pontos da maior importância como a data da escritura de compra e venda, como seria ultrapassada a questão da cláusula fideicomissária e o direito ao usufruto vitalício existentes, os direitos de preferência na aquisição desse prédio urbano aos dois referidos arrendatários, à Câmara Municipal de Lisboa e ao então IPPAR.
- Não tendo havido concertação sobre as questões acima referidas, também não se alcançou qualquer acordo pré-negocial.
- A Apelante limitou-se a alegar que os Apelados se recusaram a outorgar a escritura pública simplesmente porque o prometeram vender cinco meses depois - em Junho de 2005 - a uma outra sociedade, o que não prova que tenha existido qualquer ruptura das negociações havidas.
- A Sentença fez um juízo pouco realista, alheado da prática dos negócios, relativamente à factualidade dada como provada, violando, assim, o disposto nos artigos 227º e 232º do Código Civil.
Caso assim não se entenda,
- No âmbito da responsabilidade pré-contratual só são indemnizáveis os danos negativos.
- A Apelante não logrou provar, como lhe competia, o dano positivo que alega existir, e o nexo de causalidade entre a conduta dos Apelados e esse dano.
- A Apelante não adquiriu os dois prédios contíguos ao dos Apelados, pelo que ficou irremediavelmente impossibilitada de realizar o seu projecto imobiliário, que envolvia esses três prédios em conjunto.
- E, não logrou provar que, se tivesse adquirido o prédio objecto dos presentes Autos “(...) teria todas as condições para, então, desenvolver o projecto de investimento imobiliário C..”
- Projecto imobiliário esse que não era, sequer, legal e administrativamente exequível.
Por outro lado,
- A Apelante alegou, mas não provou, que o motivo que levou à celebração de um contrato de prestação de serviços com a …. Arquitectos, Lda. foi o facto de se encontrar "animada pela absoluta certeza na concretização do negócio estabelecido com os Réus".
- Tão-pouco logrou fazer prova, como lhe competia, que pagou o montante de € 290.000,00 em virtude desse contrato de prestação de serviços, o qual, e todo o caso, envolvia mais dois prédios urbanos, além do dos ora Apelados.
- Também não foi em consequência de se encontrar "animada com a certeza da concretização do negócio derivada da aceitação da contraproposta dos Réus" que abandonou um projecto de investimento na Avenida de …. .
- A Apelante alegou que se tratava de "um projecto de investimento alternativo, consistente na compra, para posterior demolição parcial, reconstrução em regime de propriedade horizontal e revenda das correspondentes fracções autónomas", mas, também, não provou essa situação.
Terminou pedindo que o objecto da ampliação do Recurso fosse julgado procedente, por provado, decidindo-se pela inexistência de qualquer acordo pré-negocial celebrado entre a Apelante e os Apelados. E, em todo o caso, que o recurso de Apelação interposto pela Apelante fosse julgado improcedente.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Matéria de Facto.
2. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, (aqui enunciados por ordem de sequência temporal, para melhor percepção):
1) A Autora, que resulta da transformação de …. Imobiliários, Lda., tem por objecto o desenvolvimento de projectos de investimento imobiliário (cfr. alínea A) da matéria de facto assente);
2) O prédio sito na Rua …., freguesia de ..., concelho de Lisboa, encontra-se descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 00000/00000000, da aludida freguesia (cfr. alínea B) da matéria de facto assente);
3) Tal prédio é composto de rés-do-chão, 1º andar, águas furtadas e jardim (cfr. alínea C) da matéria de facto assente);
4) Em Junho de 2004, a Autora entabulou com os Réus negociações tendentes à aquisição do prédio urbano situado na Rua …..em Lisboa (cfr. alínea D) da matéria de facto assente);
5) A Autora através de um seu administrador, …. , fez chegar ao Réu Eng. D – que representava os demais réus - em 08 de Julho de 2004, por via de telecópia, efectivamente recebida, a proposta de compra daquele prédio urbano documentada a fls. 29 dos autos, com o seguinte teor:
«Exmo. Sr.
Apresentamos a V. Exa. a n/melhor proposta, com vista à aquisição do prédio em epígrafe.
- PREÇO: 1.600,000 €
CONDIÇÕES DE PAGAMENTO: 20% com a assinatura do C.P.C.V. 20% com entrega do projecto de arquitectura na Câmara Municipal de Lisboa.
20% com a aprovação do respectivo projecto
20% com a licença em pagamento
20% com a escritura, ou seja, 90 dias após a licença estar em pagamento
O limite temporal para a outorga da escritura, independentemente da aprovação dos projectos não poderá ultrapassar os 18 meses após a celebração do C.P.C.V.
- DUE DILIGENCE: Necessitamos de uma opção de compra, caso esta proposta seja aceite, para os próximos 90 dias afim de podermos montar toda a operação.
- OUTRAS CONDIÇÕES: O prédio deverá ser entregue livre de inquilinos, ónus ou outros encargos. Aguardando uma resposta de V. Exas. (…).» (cfr. alínea E) da matéria de facto assente e resposta dada ao artigo 4º) da base instrutória);
32) Os Réus informaram a Autora que a sua proposta, referida em 5), não era por estes aceite (cfr. resposta dada ao artigo 27º) da base instrutória);
33) Em consequência, em data situada entre Outubro e Novembro de 2004, a Autora solicitou uma nova reunião com os representantes dos Réus e estes, por seu turno, informaram a Autora que a mesma deveria ter lugar no escritório do Dr. ……, sito em Lisboa, por ser membro da família e jurista (cfr. resposta dada ao artigo 28º) da base instrutória);
34) Nesse encontro, foi explicado ao representante da autora que o prédio tinha cerca de 12 proprietários, 1 usufrutuário em regime de fideicomisso, cerca de 20 nu-proprietários e 2 arrendatários comerciais, mais tendo esclarecido este representante dos réus ao representante da autora que a quota-parte correspondente à cláusula fideicomissária não era, então, susceptível de ser transmitida em simultâneo com a alienação que se efectuasse (cfr. resposta dada aos artigos 29º) e 30º) da base instrutória);
6) Em 27 de Novembro de 2004, de novo através do seu administrador …., a Autora fez chegar ao Dr. …, que actuava em representação dos Réus, por via de telecópia, efectivamente recebida, uma nova proposta de compra daquele prédio, inserta a fls. 31 dos autos, com o seguinte teor:
«Exmo. Sr.
Na sequência da reunião havida com V. Exa., vimos reformular a n/proposta de 7 de Julho de 2004 e que será a seguinte:
1. VALOR GLOBAL …………………………………. 1 600 000 €
2. CONDIÇÕES DE PAGAMENTO
20% com a assinatura do CPCV
80% na data da escritura a realizar até 9 meses após a assinatura do CPCV
3. OUTRAS CONDIÇÕES
Os compradores assumirão os dois inquilinos existentes. Para o efeito, precisamos que nos fosse fornecido para análise, os respectivos contratos e cadernetas prediais. Na expectativa das v/prezadas notícias (…).» (cfr. alínea F) da matéria de facto assente);
7) Em 22 de Dezembro de 2004, o Dr. …, em representação dos Réus, enviou à Autora, através de telecópia, o escrito documentado a fls. 33, onde comunicava:
«As. Prédio da Rua …., nºs 8 a 10
Exmºs Senhores,
Na sequência da proposta de compra do prédio em referência que V. Exªs amavelmente me enviaram em 29 de Novembro p.p., com o presente envio uma minuta de contrato promessa de compra e venda, na qual estão incluídas as condições que os meus clientes entenderam por convenientes para a celebração do negócio face à proposta acima referida.
Concretamente, chamo a atenção de V.Exªs para o objecto do contrato corresponder, apenas, a 38/44 avos do prédio, ou seja, 86,3634%.
Por outro lado, para reunir consenso relativamente às condições de pagamento, em lugar dos 20% propostos por V.Exªs a título de sinal, foi necessário contemplar 25%.» (cfr. alínea G) da matéria de facto assente);
8) Em anexo ao escrito referido em 7), igualmente via telecópia, foi enviada uma “minuta de contrato de promessa de compra e venda”, nos termos documentados a fls. 34 a 41 (cfr. alínea H) da matéria de facto assente);
9) Nessa minuta, após nove considerandos, feitos sob a epígrafe “Contexto”, fez-se constar:
“ (…) Que, em consequências das considerações acima mencionadas os actuais comproprietários do prédio objecto do presente contrato de promessa são:
1 - A herdeira D. …, identificada como outorgante pelo número 2 no presente contrato, na proporção de 3/44;
2 - O herdeiro …., identificado como outorgante pelo número 3 no presente contrato, na proporção de 6/44;
3 – Os sucessores do herdeiro …, identificados como outorgantes 1.1, 1.2 e 1.3 no presente contrato, na proporção de 6/44 em comum e sem distinção de parte;
4 - Os sucessores da herdeira …, identificados como outorgantes 5.1, 5.2, 5.3 e 5.4, no presente contrato, na proporção de 11/44 avos em comum e sem distinção de parte;
5 - A sucessora do herdeiro …, identificada e representada pela outorgante com número 4 no presente contrato, na proporção de 6/44;
6 - A descendência legítima do herdeiro …, na proporção de 6/44 e caso não a venha a ter, os seus sobrinhos, (……) , em regime de fideicomisso, mantendo-se o usufruto do referido herdeiro …. .
7 - A sociedade denominada “…..Limited”, identificada como outorgante com o número 6 no presente contrato, na proporção de 6/44;
Assim, livremente e dentro dos princípios da boa-fé, nas respectivas qualidades e posições em que intervêm, os outorgantes celebram entre si o presente contrato de promessa de compra e venda de parte de prédio urbano, a que mútua e reciprocamente se obrigam, para bom, integral e efectivo cumprimento, com o objecto, pelo preço e demais termos e condições a seguir constantes, conforme clausulado que aqui exprime as suas vontades:
Cláusula I
Os Primeiros Outorgantes são donos e legítimos proprietários de 38/44 (trinta e oito quarenta e quatro avos) do Prédio Urbano sito na Rua …., nºs 8 a 10, em Lisboa, descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha nº 000, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artº 000º, freguesia de S. Mamede, e freguesia de ....
Cláusula II
Pelo presente contrato os Primeiros Outorgantes, nas respectivas qualidades, posições e proporções em que intervêm, prometem vender, na situação em que actualmente se encontra, ou seja, parcialmente ocupado de pessoas e bens, mas livre de quaisquer ónus ou encargos, os 38/44 avos de que são proprietários do identificado prédio urbano, à representada do Segundo Outorgante, que, por seu turno, promete comprar, para si essa mesma quota parte.
Cláusula III
O preço de compra e venda mútua e reciprocamente ajustado é de € 1.381.818,00 (um milhão trezentos e oitenta e um mil oitocentos e dezoito euros) (…).” (cfr. alínea I) da matéria de facto assente);
10) O propósito essencial que determinara a Autora a interessar-se pelo prédio dos Réus consistia no desenvolvimento de um projecto de investimento que envolvia a realização de obras de demolição e reconstrução destinadas a transformá-lo em edifício em regime de propriedade horizontal, colocando, depois, à venda as correspondentes fracções autónomas, predominantemente destinadas a habitação (cfr. resposta dada ao artigo 1º) da base instrutória);
11) O projecto envolvia, além do prédio dos Réus, dois prédios vizinhos – os prédios dos nºs 4 e 6 da mesma rua -, com cujos proprietários a Autora também estabeleceu, concomitantemente, negociações tendentes à respectiva aquisição (cfr. resposta dada ao artigo 2º) da base instrutória);
12) O propósito referido em 10) era, desde o início das negociações, do conhecimento dos Réus (cfr. resposta dada ao artigo 3º) da base instrutória);
13) Após a formalização da proposta de 08.07.2004, houve vários contactos e reuniões entre a Autora e os representantes dos Réus, onde se foram aproximando as respectivas posições e afinando os termos do negócio em preparação (cfr. resposta dada ao artigo 5º) da base instrutória);
14) O teor da proposta referida em 6) limitava-se a formalizar o que, nas conversações entretanto desenvolvidas, fora já objecto de consenso entre os representantes da Autora e dos Réus (cfr. resposta dada ao artigo 6º) da base instrutória);
15) A Autora logo a seguir ao recebimento dos escritos referidos em 7) e 8), através do seu representante, ….. anuiu ao teor da minuta mencionada em 8) (cfr. resposta dada ao artigo 7º) da base instrutória);
16) Os réus, através do seu representante Dr. …., comunicaram à autora que providenciariam por tentar que o comproprietário da quota restante do prédio (6/44) lha vendesse (cfr. resposta dada ao artigo 8º) da base instrutória);
17) Entretanto, a Autora forneceu ao Dr. ….., representante dos Réus, os contactos do seu próprio advogado, para que ambos procedessem à instrução documental do contrato-promessa e à marcação da sua assinatura (cfr. resposta dada ao artigo 9º) da base instrutória);
18) Uns dias depois do envio da minuta do contrato-promessa, em reunião realizada no escritório do Dr. ….., este, representando os demais réus, manifestou ao representante da autora então presente que o negócio era firme e que, por razões profissionais, não tinha ainda conseguido tratar do negócio em questão (cfr. resposta dada ao artigo 10º) da base instrutória);
19) A autora abandonou um projecto de investimento consistente na compra do prédio urbano sito na Avenida de …., n.º 9, em Lisboa, pertencente a …., S.A. (cfr. resposta dada ao artigo 11º) da base instrutória);
20) Contemporaneamente com as negociações entabuladas com os réus para a aquisição do prédio identificado em 2), decorriam negociações entre a autora e os proprietários dos prédios sitos na Rua ….., n.ºs. 4 e 6, em Lisboa (cfr. resposta dada ao artigo 12º) da base instrutória);
21) A Autora chegara, quer directamente, quer através de uma sociedade de mediação imobiliária, a …., S.A., a apresentar propostas formais de compra deste prédio da Rua de …, aproximando-se dos termos contrapostos pela proprietária (cfr. resposta dada ao artigo 13º) da base instrutória);
22) Tratava-se de projectos de investimento (o referente ao prédio da Av. …. e o da Rua ….) que, pela sua dimensão, só podiam ser alternativos: a opção por qualquer um deles implicava o necessário abandono do outro (cfr. resposta dada ao artigo 14º) da base instrutória);
23) Se tivesse levado por diante o projecto de investimento consistente na aquisição e reconstrução, para posterior revenda, do prédio da Av. de …., n.º 9, em Lisboa, a autora, considerando os preços de mercado, quer em relação às despesas a realizar, quer a respeito das receitas previsíveis, obteria um lucro não inferior a € 1.130.000,00 (cfr. resposta dada ao artigo 15º) da base instrutória);
24) Os custos com projectos, licenças, demolições, construção, escrituras e registos rondariam os € 2.470.000,00, sendo que, as receitas previsíveis, resultantes da venda das fracções autónomas que resultariam da execução do projecto referido em 23), ascenderiam a não menos de € 6.000.000,00 (valor bruto, antes do IRC) (cfr. resposta dada aos artigos 16º) e 17º) da base instrutória);
25) A autora celebrou com a ….Arquitectos, Lda., um contrato de prestação de serviços, no qual ficou estipulada a obrigação da autora pagar a esta sociedade a quantia de € 290.000,00, nos termos documentados de fls. 48 a 50 dos autos (cfr. resposta dada ao artigo 18º) da base instrutória);
26) O objecto de tal contrato de prestação de serviços envolvia a preparação de pedido de informação prévia, a elaboração do projecto de arquitectura, dos projectos de especialidades e o acompanhamento da respectiva execução, relativos ao desenvolvimento do projecto imobiliário que determinara a Autora a interessar-se pelo prédio dos Réus (cfr. resposta dada ao artigo 19º) da base instrutória);
27) Não obstante o acordo concluído com a Autora, os Réus, alguns dias depois, comprometeram-se a vender o seu prédio urbano a uma empresa denominada …., vindo o contrato-promessa entre os réus e a …. a ser assinado em Junho de 2005 (cfr. resposta dada ao artigo 20º) da base instrutória);
28) Réus que, por isso, se recusaram a formalizar, através dos correspondentes contrato-promessa, primeiro, e escritura pública, depois, o acordo que com ela concluíram (cfr. resposta dada ao artigo 21º) da base instrutória);
29) Se os Réus honrassem o compromisso estabelecido com a Autora, formalizando, através dos documentos adequados, os previstos contrato-promessa e contrato de compra e venda do seu prédio urbano, esta tornar-se-ia dele proprietária (cfr. resposta dada ao artigo 22º) da base instrutória);
30) Desse investimento, considerando a preços correntes no mercado, as despesas e receitas previsíveis, retiraria a autora um lucro não inferior a € 2.235.000,00, para um projecto exequível (cfr. resposta dada ao artigo 24º) da base instrutória);
31) Os custos com projectos, licenças, demolições, construção, escrituras e registos rondariam os € 4.530.000,00, sendo que, as receitas previsíveis, resultantes da venda das fracções autónomas que resultariam da execução do projecto referido 10) e 11) ascenderiam, para um projecto exequível, a não menos de € 12.000.000,00 (valor bruto, antes do IRC) (cfr. resposta dada aos artigos 25º) e 26º) da base instrutória).
O Direito.
3. Vistas as conclusões da alegação da recorrente, delimitadoras do objecto do recurso - não fora a ampliação do mesmo pedida pelos recorridos - a questão a conhecer traduzir-se-ia apenas em saber a que título - interesse contratual positivo ou interesse contratual negativo – e em que medida os réus deveriam ser responsabilizados perante a autora face à reconhecida culpa in contrahendo por parte deles.
Todavia, os recorridos, apesar de vencedores, discordando do segmento da sentença recorrida que reconheceu terem os mesmos violado, sem justificação, um acordo pré-contratual final, requereram, nos termos do art. 684º-A, nº1, do CPC, a ampliação do recurso também quanto a esta questão.
E como ela é prévia a tudo o mais, começaremos por aqui.
3.1. Muito embora a lei portuguesa, no domínio do C. Civil de 1987, não contivesse qualquer referência ao princípio da responsabilidade in contrahendo, a doutrina vinha já admitindo a sua existência quando tivesse havido “culpa ou deslealdade” (Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, IV, 246 a 248), ou quando procedesse da ruptura das negociações, com abuso de direito (Galvão Telles, Manual dos Contrato em Geral, 101 a 103) ou ainda com fundamento neste último instituto e na responsabilidade por actos lícitos (cfr. Mota Pinto, A responsabilidade pré-negocial, 200 e seguintes).
Com o Código Civil de 1966, o fundamento normativo de tal responsabilidade passou a constar do art. 227º do C. Civil, que preceitua no seu nº 1 que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à contraparte”.
A responsabilidade pré-contratual radica, assim, na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de certos comportamentos, assim agrupados: deveres de protecção, deveres de informação e deveres de lealdade.
Os primeiros – deveres de protecção - impõem que naquela fase a parte tome todas as medidas para que não ocorram danos pessoais ou patrimoniais à contraparte, isto porque as negociações preliminares colocam, por vezes as partes à mercê uma da outra.
Os deveres de informação obrigam a que aquando a busca do eventual contrato, as partes, pela positiva, se prestem mutuamente todas as informações necessárias para a boa conclusão do negócio e, pela negativa, se abstenham de quaisquer artifícios ou enganos que possam induzir em erros ou equívocos.
Finalmente, os deveres de lealdade obrigam as partes a uma conduta que previna quebras da confiança uma na outra, consistente, na perspectiva positiva que uma vez iniciadas as negociações prossigam sem interrupções arbitrárias contrárias às expectativas criadas e, pela negativa que as negociações não sejam utilizadas para efeitos a ela estranho, designadamente para paralisar a concorrência ou beneficiar terceiros.
Daí que sejam considerados pressupostos de facto da responsabilidade pré-contratual a criação de uma razoável confiança na conclusão de um contrato;
o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;
a produção de um dano no património de uma das partes; e
a relação de causalidade entre este dano e a quebra da confiança exigida.
Por conseguinte, desde que as negociações hajam induzido numa das partes a confiança e expectativa razoáveis da sua conclusão e celebração do contrato, a ruptura do iter negocial e a recusa da celebração do negócio, sem justificação plausível, faz incorrer o respectivo autor em responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar os danos causados à contraparte.
Mas é evidente que as partes não concluem o negócio logo no primeiro encontro. Antes vão progredindo nas negociações, com avanços e recuos (proposta e contrapropostas) tendo como escopo final a outorga de um contrato definitivo. Se essas negociações se destinam ao contrato definitivo, mas têm como objecto imediato, ou de trânsito, ainda só um contrato-promessa, a ruptura das negociações preliminares, embora possa pôr em causa a boa fé e a lealdade exigível aos contratantes devem, para efeitos indemnizatórios, ser entendidas como reportadas a esse contrato, uma vez que a dogmática do incumprimento do contrato promessa é diferente, designadamente em termos sancionatórios, do incumprimento no contrato definitivo.
Ou seja, a ruptura, sem justificação das negociações contratuais, que tenham por objecto imediato um contrato-promessa, não podem considerar-se tão gravosas como as reportadas ao contrato definitivo, sob pena de se limitar irrazoavelmente a liberdade de contratar, sobretudo quando estejam em causa contratos, como a compra e venda de imóveis, cuja exigência formal foi (e continua a ser) legalmente imposta por ditames de ponderação e segurança.
Ora, acontece que a autora afirmou - e resultou provado - que as negociações encetadas com os réus visavam, no imediato, a outorga de um contrato-promessa, esse sim destinado depois a obrigá-los à outorga do contrato definitivo.
As partes estavam assim numa fase negociatória preliminar de um contrato-promessa – após apresentação de uma proposta da autora não aceite pelos réus, a autora fez nova proposta, aceite pelos réus com modificações, que a autora, por seu turno, aceitou, mas com vista ao contrato-promessa.
Só que, quando a autora tinha já por “firme” a concretização do negócio – no caso, todavia, apenas na vertente do contrato-promessa - os réus, sem razão legalmente justificativa, recusaram-se a continuar a dar os passos necessários à conclusão daquele contrato, o que, ponderados os contornos, dimensão e repercussões do negócio em causa, se entende fazer incorrer os réus em responsabilidade civil (pré-contratual) com a consequente obrigação de indemnizar, nos termos do art. 227º do C. Civil.
Entende-se, assim, contrariamente ao defendido pelos recorridos, que os mesmos, ao traírem injustificadamente as expectativas negociais geradas na autora e ao violarem regras da boa fé imposta a qualquer contratante médio colocado na posição jurídica deles, se constituíram na obrigação de indemnizar.
Em que medida é a questão central da apelação propriamente dita e, como tal, passamos a apreciá-la.
3.2. Quando em virtude da culpa in contrahendo forem causados danos á outra parte, discute-se se a indemnização se refere ao interesse negativo (ou de confiança) ou ao interesse positivo (ou de cumprimento).
Tratando-se de indemnização pelo interesse negativo, vai ressarcir-se o dano que resulta da violação da confiança de uma das partes no comportamento da outra por ocasião dos preliminares e da formação do negócio. Atende-se ao “prejuízo que o lesado evitaria se não houvesse, sem culpa sua, confiado em que no decurso das negociações o responsável cumpriria os deveres específicos a elas inerentes e derivados do imperativo da boa fé, maxime convencendo-se que a manifestação de vontade deste entraria no mundo jurídico, tal como esperava, ou que tinha entrado correcta e validamente”.
Já o interesse positivo, pelo contrário, reconduz-se aos danos que decorrem do não cumprimento do contrato ou do seu cumprimento defeituoso ou tardio. Trata-se da violação das respectivas prestações típicas ou principais.
Se bem que se não desconheçam posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais que, partindo da existência de um dever jurídico de conclusão do contrato no caso de os termos e condições deste já estarem acordados, faltando apenas a sua formalização, consagram (embora excepcionalmente), a indemnização pela medida do interesse contratual positivo - ou seja, pela medida do incumprimento do contrato não concluído, sobretudo em casos em “que a vinculação contratual se tenha densificado já ao ponto de ter surgido um verdadeiro dever de conclusão do contrato” (cfr. P. Mota Pinto, Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, II, 1347) - como bem concluiu e refere o STJ, no seu acórdão de 31.03.2011 – proc. 3682/05.3TVLSB.L1.S1 (que decidiu acção idêntica, proposta pela autora e envolvendo até o mesmo projecto de empreendimento urbanístico), “a solução do problema tem de assentar na conciliação da necessidade de protecção da confiança com o valor da liberdade e da autonomia privada, devendo partir-se do princípio de que, em conformidade com a liberdade contratual, cada parte dispõe, até à conclusão do contrato, do direito de se afastar deste e de recusar a celebração ou de romper as negociações, suportando, porém, por sua conta e risco próprio, no decurso delas, as despesas e a renúncia a outras oportunidades.
“A entender-se que a fonte da responsabilidade, o evento que obriga à reparação, está na violação dos deveres de boa-fé, a indemnização deverá corresponder ao interesse negativo.
“Mas, se se defender que o evento que obriga à reparação é a ruptura de negociações e/ou a recusa de celebração do contrato então há que reconhecer a existência de um dever jurídico de não romper ou de contratar; ora tal dever, em princípio, só existe se resultar da lei ou convenção (v.g., contrato-promessa).
“E o certo é que, inexistindo convenção que obrigue a contratar, as partes que entraram em negociações gozam (devem gozar…) da liberdade de as concluir ou não e de celebrar ou não os contratos negociados (liberdade contratual positiva e negativa).
“A imposição de obrigação de contratar teria como efeito uma restrição da autonomia privada ainda antes da celebração do contrato, levantando, também, o problema da possibilidade da sua execução específica.”
Logo o dano a indemnizar é o dano causado pela violação da confiança na conclusão e celebração do negócio, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na conclusão do negócio e não gastos especulativos ou que constituam um risco implícito em todo o negócio, v.g. os necessariamente gastos para iniciar as negociações, como é referido no acórdão do STJ, acima identificado.
Em conclusão, perfilando-se um caso de responsabilidade pré-contratual, sendo o contrato que deixou de ser outorgado o contrato promessa – contrato autónomo relativamente ao definitivo - seriam os danos resultantes da respectiva ruptura os indemnizáveis, e não os do hipotético contrato definitivo, conforme pretende a autora.
E claramente em função apenas do interesse contratual negativo e tendo sempre com limite máximo a sanção derivada do incumprimento do contrato promessa em génese.
Acresce que, a responsabilidade por culpa in contrahendo, qualquer que seja o facto que a justifique e além das suas peculiaridades, depende da produção de um dano e dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil, designadamente, o nexo de causalidade.
Ora, vista toda a factualidade provada, a autora não logrou provar esses danos, nem que o contrato-promessa fosse uma ponte de passagem obrigatória para a outorga do contrato definitivo, limitando-se a invocar e a pedir o ressarcimento pela ruptura das negociações conducentes a este último.
Podemos, pelo exposto, concluir pela improcedência do recurso.

Decisão.
4. Termos em que acordam os juízes que compõem este Tribunal em julgar improcedente a presente apelação da autora e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Março de 2012.

Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Olindo dos Santos Geraldes
Fátima Galante