Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
284/07.3TTLSB.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: PEDIDO GENÉRICO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1. A dedução de pedidos genéricos fora dos casos taxativamente previstos no art. 471º do CPC, configurando uma excepção dilatória inominada, é todavia sanável.
2. Sendo tal excepção dilatória inominada sanável, a omissão das diligências para a sanar constitui nulidade porque é omissão de um acto que a lei prescreve (art. 288º nº 3 e 265º nº 2 do CPC) e que influi no exame e decisão da causa (art. 201º CPC).
3. A lei confere ao juiz laboral um verdadeiro poder-dever de, até à audiência de julgamento, convidar as partes a completar e corrigir os articulados quando, no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa (sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova).
4. Se o A. invocou as razões da dificuldade em fazer em pedido preciso e concreto, devidamente quantificado, dificuldade que, em seu entender, seria ultrapassada desde que fossem juntos os documentos em poder da R., junção que requereu, sendo essas razões convincentes, justifica-se que o tribunal, em conformidade com o princípio da cooperação processual, providencie pela remoção do obstáculo que ao A. se deparou na respectiva obtenção.
5. A lei permite, através do princípio da adequação processual (art. 265-A do CPC), que quando a causa apresenta determinadas especificidades, a tramitação processual possa ser adequada a essas especificidades.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA intentou processo declarativo comum contra “BB – Electrodomésticos Sa“, pedindo:
- que a sua retribuição mensal seja fixada em € 4.560,43, acrescidos do valor a apurar das comissões;
- a declaração de ilicitude do despedimento promovido pela ré e consequente condenação na reintegração, no pagamento das retribuições intercalares;
- indemnização por danos não patrimoniais no valor de 150.000,00€ vencidos e 50€ diários por danos futuros, acrescidos de juros de mora e compulsórios;
- o pagamento do valor de 867,25€ referentes ao reembolso de despesas a cargo da ré,  acrescidos de juros moratórios e  compulsórios;
- o pagamento das retribuições do trabalho suplementar prestado em dias normais e em dias de descanso complementar, a que acrescerão as quantias relativas aos dias de descanso compensatório vencidos e não gozados, acrescidas de juros moratórios e compulsórios vencidos e vincendos, tudo a liquidar em execução de sentença
- o pagamento de 11.733,62€ referentes a férias vencidas e não gozadas e subsídio de férias, acrescidos de juros de mora.
Alegou que trabalhou para a ré desde 1 de Março de 1987, tendo ultimamente a categoria de Director de Operações zona sul e Madeira; em 13.1.07, o presidente do CA, por simples escrito, sem obediência ao legal formalismo e sem qualquer fundamento, comunicou-lhe a resolução do seu contrato (por alegada extinção do posto de trabalho), como represália pelo facto de se ter recusado a despedir colaboradores; a suspeição que se levantou no meio profissional sobre o seu despedimento abrupto atingiu o seu bom-nome e reputação e denegriu a sua imagem, além de ter sofrido depressão e ansiedade, recorrendo a apoio médico e psicológico, descurando a família; aquando do despedimento a ré não o reembolsou das despesas que reclama (867,25€); pelo seu bom desempenho foi-lhe estabelecido contratualmente a atribuição de comissões, em complemento do seu estatuto remuneratório, mas a esse título a R. não lhe pagou parte do mês de Novembro, o mês de Dezembro  e de Janeiro p.p e nunca recebeu, desde a titularidade do accionista Ilídio, qualquer importância a título de repercussão dessas prestações nos subsídios de férias e de Natal; à data do despedimento, além da retribuição base e do subsíidio de refeição, auferia outras regalias que devem ser tidas em conta para o cálculo da retribuição e dos seus créditos, tais como os encargos com a viatura automóvel de uso total (aluguer, gasolina, portagens…), telemóvel de uso total, encargos com a casa (renda, água, luz, telefone, aquecimento..), tudo suportado pela ré, e, por último, também fazia parte da sua retribuição um prémio pago anualmente nos últimos três anos que ascendia a 250€ mensais. A ré não lhe permitiu gozar 20 dias de férias vencidas em 1.1.06, pelo que reclama a retribuição em triplo e subsídio. Não gozou igualmente as férias vencidas em 1.1.2007, nem recebeu o respectivo subsídio.
Na audiência de partes (realizada em 21/2/2007), a ré confessou logo a ilicitude do despedimento e o pedido de reintegração e das retribuições intercalares até àquela data, ou à data em que o A. tivesse entrado de baixa.
Pelo despacho de fls.142, proferido em 30.08.2008, foi considerada válida esta confissão e consequentemente declarada a ilicitude do despedimento, condenando-se a R. na reintegração imediata do A., mas não nas retribuições intercalares, por o respectivo valor estar controvertido, prosseguindo os autos para apuramento do mesmo.
Na contestação a R. alegou que a partir da data em que confessou o pedido em audiência de partes o A. entrou em faltas injustificadas e, nas retribuições intercalares, deve ser descontado o período de baixa. Impugnou os danos morais. Aceitou pagar o valor peticionado como reembolso de despesas. Mais alegou que a viatura não faz parte da retribuição porque foi atribuída para serviço, bem como o telemóvel; o apartamento, incluindo despesas respeitantes ao alojamento, sendo um custo pelo facto de o autor estar deslocado dado que tinha residência em Vila ..., não constitui remuneração de trabalho.
No mais, apenas atribuiu irregularmente ao autor participação em lucro da empresa, sem natureza retributiva. Negou a obrigação de juros compulsórios. Aceitou que o autor não gozou as férias vencidas em 1.1.07, mas já não as do ano anterior.
Em resposta, o autor, entre o mais, alegou que deixou de enviar as baixas porque a ré as recusou. Pediu a condenação da ré por litigância de má fé.
A fls. 150 e seg., o autor deduziu novo pedido de declaração de existência de justa causa para a resolução do contrato por si formulada durante a vigência da acção, o qual, por despacho de fls. 199, foi admitido atenta a superveniência dos factos. Basicamente alegou que em 2.10.07, foi notificado da decisão do tribunal que declarou válida a confissão de ilicitude do despedimento anteriormente efectuado pela ré e que ordenou a sua imediata reintegração. Como tal, no dia 3.10.07, pelas 13h e 30m, apresentou-se no seu local de trabalho, na Loja de L..., para iniciar o trabalho, sendo impedido pelo segurança de sequer ultrapassar a recepção, sendo que a ré nada mais lhe transmitiu. Assim sendo, tomou a decisão de fazer cessar o contrato de trabalho que comunicou à ré em 9.10.07. Conclui pedindo que lhe seja fixada indemnização não inferior a € 50.000,00.
A ré contestou o aditamento, alegando que somente foi notificado da decisão do tribunal por carta expedida no dia 1.10.07. Quando o autor se apresentou em L... não havia ali nenhum representante da ré, os quais tiveram que ser contactados pela funcionária presente e que, após alguns contactos e minutos, solicitaram que se transmitisse ao autor que estava readmitido, o que lhe foi comunicado. Contudo, este ausentou-se e não mais voltou. Assim o autor não tem motivo para resolver o contrato, já estando aliás empregado por conta de outrem há mais de 6 meses.
A fls. 199 e seguintes foi saneado o processo. A R. foi absolvida da instância quanto ao pedido de condenação nas retribuições por trabalho suplementar e comissões, a liquidar em execução de sentença, por ser ilegal a formulação de tal pedido como genérico, constituindo excepção dilatória inominada. Foram consequentemente indeferidas as diligências de prova que versavam sobre os pedidos relativamente aos quais a R. foi absolvida da instância.
O autor recorreu deste despacho (recurso que foi admitido com subida diferida).
         Nas respectivas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:
(…)
         A recorrida contra-alegou o agravo, concluindo que o mesmo não merece provimento.
Procedeu-se a julgamento, a que se seguiu a prolação da sentença de fls. 399/426 que julgou  parcialmente procedente a acção e consequentemente:
a) fixou a retribuição base do autor em 1.895,43€ mensais, acrescido do subsídio de refeição no valor de 105,00€ mensais;
b ) condenou a ré a pagar ao autor as retribuições intercalares (1.895,43€ + 105,00€) entre 13.01.07 e 9.10.07, descontando-se as retribuições do trabalho por conta de outrem auferidas pelo autor a partir de 1.07.07, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar da liquidação;
c), condenou a ré a pagar ao autor indemnização por danos não patrimoniais que fixou em 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar da citação;
d) condenou a ré a pagar ao autor as retribuições de férias e subsídio de férias no valor de 7.437,54€ (sete mil, quatrocentos e trinta e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar dos respectivos vencimentos;
e) condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 867,25 (oitocentos e sessenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar do respectivo vencimentos;
f) julgou improcedente o remanescente do pedido;
g) julgou improcedente o pedido de condenação da ré por litigância de má fé.
            O A., de novo inconformado, recorreu da sentença  e a R., por sua vez, interpôs recurso subordinado
                   Cada uma das partes contra-alegou o recurso da outra, pugnando pela respectiva improcedência.
                    Subidos os autos a este tribunal, o M.P. emitiu o parecer de fls. 568/569, que mereceu resposta da R.

                   Estão interpostos três recursos, um agravo e duas apelações, que devem ser conhecidos pela ordem de interposição.
          Comecemos, pois, pela apreciação do agravo.
          Nele o A. insurge-se contra a parte do despacho saneador que absolveu a R. da instância quanto aos pedidos genéricos (por terem sido formulados fora dos casos taxativamente previstos na lei) e que indeferiu o requerimento de prova relativo a tais pedidos[1], imputando o agravante a tal decisão violação do dever de convidar as partes a completar e corrigir os articulados, do dever de providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias, do princípio da cooperação, do princípio do dispositivo. Acrescenta que tal decisão é geradora de nulidade processual (art. 201º CPC) e que é contraditória com os propósitos manifestados no despacho de dar seguimento ao processo para determinação da retribuição, por não permitir fixar essa retribuição.
            São, pois, essas as questões a apreciar.
            Vejamos se lhe assiste razão quanto a tais questões.
            O A. havia alegado nos art. 26º a 28º da p.i.: “26º- o bom desempenho do A. na sua entidade patronal, levou a que o anterior titular, CC, decidisse por um modo específico de atribuição de comissões ao mesmo A., participação essa que foi estabelecida contratualmente (vd. doc. nº 14, também junto que se dá, também, por reproduzido para todos os efeitos legais)[2] e tem vindo a complementar os seus estatutos remuneratórios, regularmente, embora sob controle total do actual Presidente do Conselho de Administração da R., já que o A. não tem acesso às contas da Loja da M....
27º- O A. não recebeu, todavia, a esse título, quer parte do mês de Novembro, quer o mês de Dezembro, quer o mês de Janeiro p.p.[3], ao mesmo tempo que nunca recebeu da R., desde a titularidade do accionista DD[4], qualquer importância a título de repercussão dessas prestações nos subsídios de férias e de Natal, como impõem os art. 254º, nº 1 e 255º nº 2 do CT
28º - não pode a R. deixar de ser condenada (…) verbas que se venham a liquidar em execução de sentença, devidas a comissões não pagas ou mal pagas e suas repercussões nos subsídios de férias e de Natal, passados e futuros, uma vez que tal liquidação depende de prestação de contas a ser feita pela R., única titular da documentação que permite tal operação e que o Tribunal, está-se  certo, não deixará de mandar juntar aos autos.”
                Porém na formulação dos pedidos, a final, só no pedido formulado em primeiro lugar - relativo à fixação do valor da retribuição mensal (que pretende seja de € 4.560,43) - alude o A. a comissões, pedindo que o valor ali referido seja acrescido do valor a apurar das comissões.
O tal pedido ilíquido a que se referia no art. 28º (parte das comissões de Novembro e a totalidade das de Dezembro/2006 e de Janeiro de 2007 e repercussão das mesmas nos subsídios de férias e de Natal) não foi, pois, formulado no local e momento próprio.
            Por outro lado, nos art. 35º a 46º, sob a epígrafe “outros créditos” alegou o A. que “nunca auferiu qualquer verba a título de isenção de horário”, que “o tempo trabalhado pelo mesmo A., para além do seu horário[5] semanal de 40 horas deveria ter sido considerado como trabalho suplementar”, que “toda a gente na R. sabe que o A. fazia viagens de loja em loja, quase sempre no seu tempo de descanso e, nos dias por semana que passava em Lisboa, 5 ou 6, conforme os casos, entre visitas, negociações, reuniões com as suas várias equipas e resolução de toda a gama de problemas, era raro o dia em que chegava a casa antes das 22 horas, sendo certo que tal tipo de actuação lhe era exigida, por quem disso beneficiava e muito, ou seja, a sua entidade patronal, sendo que as determinações para a prestação de trabalho suplementar eram, muitas vezes explícitas e outra vezes implícitas ou tácitas” (37º). “O A. computa, sem exagero, como provará, que a R. lhe deveria ter pago e não pagou o equivalente a 5 horas de trabalho suplementar, por cada dia útil trabalhado, e o equivalente a 12 horas mensais de trabalho em dias de descanso complementar, acrescidos dos tempos dos descansos compensatórios legais respectivos, vencidos e não pagos, pelo menos desde a sua nomeação como Director de Operações[6], até ao seu despedimento, que deverão ser calculados e/ou remidos a dinheiro com base nas remunerações auferidas, tudo a liquidar em execução de sentença, após a condenação que, também a este título, o Tribunal não deixará de proferir!” (art. 40º) E prossegue no art. 41º “É que, infelizmente, o A., nesta confusão em que se transformou a sua vida mais recente, só conhece com rigor e precisão as retribuições de base que auferiu, por não terem sido alteradas, uma vez que não conseguiu localizar os documentos onde tudo isto tinha registado, nem os da Via Verde, que, provavelmente se encontram nas instalações da R. a que não tem acesso, situação que na prática o impede de liquidar, honesta e correctamente, como lhe obriga a ética, a totalidade dos valores em dívida, o que só é ultrapassável com a colaboração da própria R. na prossecução dos deveres consignados na lei processual…”
            Verifica-se que o recorrente não vem pôr em causa o entendimento manifestado pela Srª Juíza de que os pedidos genéricos tal como foram formulados são ilegais, porque fora dos casos taxativamente previstos na lei e que tal situação configura uma excepção dilatória atípica (nulidade), porque violadora da lei processual que regula os casos taxativos em que é admissível a dedução de pedido genérico. O que ele põe em causa é que, tratando-se, como se trata, de despacho proferido nos termos do art. 61º do CPT, que remete para o disposto no art. 508º do CPC, sem prejuízo do disposto no art. 27º do próprio CPT, não tenha sido feito qualquer convite ao aperfeiçoamento, sendo certo que as normas contidas naqueles preceitos legais, maxime nos 27º b) CPT e 508º 1 a) CPC, lhe impõem o dever de convidar as partes a completar ou corrigir os articulados bem como o dever de providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias.
            Atentas as mencionadas deficiências da petição (designadamente ao omitir elementos de facto que não se vê razão para não lhe serem acessíveis, como sejam o horário de trabalho que lhe estava atribuído, a data a partir da qual as comissões deixaram de ser consideradas nos subsídios de férias e de natal, ou ao deixar de proceder ao cálculo das comissões em dívida, ao menos pelo valor mínimo referido na parte final da clª 1ª da adenda ao contrato, ao omitir no pedido propriamente dito uma pretensão referenciada na narração), há que ter em conta que (há muito) a lei confere ao juiz laboral um papel mais activo do que aquele que, em geral, era atribuído ao juiz comum, um verdadeiro poder-dever de convidar as partes a completar e corrigir os articulados quando, no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova (art. 27º al. b) do CPT), o que, desde a reforma de 95/96, foi alargado ao processo civil (508º), embora mais limitado no que se refere ao momento até ao qual esse convite pode ter lugar (antes do saneador, ao passo que no processo laboral tal pode ocorrer até à audiência de julgamento).
No caso, porém, o tribunal não ignorou esse poder-dever, porquanto no despacho recorrido se consignou “entendeu o tribunal não fazer uso de convite a aperfeiçoamento que nalguns casos faz sentido, mas neste se revela inútil, face ao facto de o A. logo ter declarado e informado que não consegue contabilizar as horas de trabalho suplementar, nem tão pouco as comissões, pretendendo antes que seja determinada a notificação da R. para juntar documentação, de modo a que o A. as possa contabilizar. Ora a regra é a inversa, isto é, o A. primeiro alega e depois requer prova (art. 513º e 523º do CPC). E caso a parte necessite de documentos para avaliar o seu direito deve recorrer a acção especial adequada ao efeito de apresentação de coisa ou documento, prevista no art. 1476º e segs. do CPC, mas não partir logo para a acção definitiva sem previamente se informar sobre o seu direito que, no seu limite, até pode não existir (art. 573º a 576º do CC).
Esta acção de processo comum laboral não é uma acção de prestação de contas”.
            Contra este entendimento se insurge o recorrente, alegando que importa violação do princípio da cooperação, designadamente quanto ao estabelecido no nº 4 do art. 266º do CPC (introduzido igualmente pela reforma 95/96) e aplicável ao processo laboral ex-vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT. Quid juris?
Dispõe aquele preceito “Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.”
Ora, no caso, o A., tendo o ónus de formular quanto às pretendidas comissões e remuneração de trabalho suplementar, um pedido preciso e concreto, devidamente quantificado, alegou nos art. 28º e 41º as razões da dificuldade em fazê-lo, o que, em seu entender, seria ultrapassado desde que fossem juntos os documentos em poder da R., junção que requereu.
Serão essas razões convincentes de que não estava ao seu alcance, mesmo actuando com a diligência devida, obter as informações necessárias à liquidação do pedido?
Afigura-se-nos que sim, que as razões invocadas são convincentes de que só o recurso a documentos internos da R.[7], a que o A. deixou de ter acesso após o despedimento, permitem proceder com precisão ao cálculo das prestações em causa depois de descrever com precisão os factos pertinentes.
Sendo os factos alegados pelo A. insuficientes para fundamentar a quantificação daqueles pedidos, por demasiado vagos e conclusivos, poderiam no entanto ser complementados e concretizados quantitativamente, uma vez obtidos documentos em poder da parte contrária cuja junção foi requerida em termos que justificavam que o tribunal, em conformidade com o princípio da cooperação processual, providenciasse pela remoção do obstáculo que ao A. se deparou na respectiva obtenção, conforme este requereu.
Se bem que a regra seja, sem dúvida, a de que a junção de documentos visa fazer prova de determinados factos previamente alegados (art. 513º e 523º CPC), não é de excluir que, em determinadas situações possa suceder que a junção de documentos em poder da parte contrária seja necessária para permitir completar a alegação de factos que o autor não conseguiu concretizar suficientemente, por falta de acesso a tais documentos. A lei permite através do princípio da adequação processual (art. 265-A do CPC) que quando a causa apresenta determinadas especificidades, a tramitação processual possa ser adequada a essas especificidades. E esta situação pode ser precisamente uma das que justificam essa adequação.
Mostrando-se justificada a dificuldade do A. em aceder a elementos indispensáveis à concretização e liquidação dos mencionados pedidos, podia e devia o tribunal providenciar pela remoção dessa dificuldade, deferindo o requerimento de junção de documentos em poder da parte contrária. Ainda que possa parecer subversão das regras e da ordem “natural” do processo (alegar primeiro, para depois provar) a especificidade da situação é bastante para justificar a adequação da tramitação a essa especificidade, deferindo o requerimento de junção de documentos em poder da parte contrária, para, após essa junção, poder alegar com mais precisão aquilo que é indispensável à formulação de um pedido concreto e determinado. A lei permite-o, designadamente através do princípio da cooperação processual, destinado, como refere o Prof. Miguel Teixeira de Sousa[8] “a transformar o processo civil numa comunidade de trabalho e a responsabilizar as partes e o tribunal pelo seu sucesso” Ainda segundo este autor, na reforma do processo civil de 95/96 esteve presente a preocupação de “coadunar a estrutura do processo civil com os princípios do Estado social de direito e de garantir uma legitimação externa às decisões do tribunal. Foram três as linhas essenciais que a reforma escolheu para prosseguir essa finalidade: a sujeição do processo a um princípio de cooperação entre as partes e o tribunal, a acentuação da inquisitoriedade do tribunal e a atenuação da preclusão na alegação de factos e finalmente a prevalência da decisão relativa ao mérito sobre a forma.”[9] O princípio da cooperação impunha, pois, que no caso se deferisse o pedido de junção de documentos em poder da parte contrária.
            Entendemos, pois, que tem razão o recorrente quando atribui ao despacho recorrido, na parte em que indeferiu o seu requerimento de junção de documentos, violação do dever de cooperação, tal como previsto no art. 266º nº 4 do CPC, porquanto esses documentos, em poder da parte contrária, se mostram necessários à concretização e quantificação dos pedidos atinentes a trabalho suplementar (e em dias de descanso), bem como a comissões.
Nessa parte merece provimento o recurso, devendo revogar-se o despacho recorrido para que seja substituído por outro que ordene a notificação requerida (com o esclarecimento, porém, no que concerne à facturação do estabelecimento Loja da M..., que a identificação da facturação pretendida não é a respectiva discriminação, bastando a indicação do respectivo valor mensal global desde Novembro de 2006, atento o alegado no art. 27º da p.i.).
Assim sendo, também não acompanhamos a Srª Juíza quando considera que seria inútil o despacho de aperfeiçoamento. Este podia ser proferido até à audiência de julgamento (art. 27º al. b) do CPT) e admitido (como acabámos de decidir), o requerimento de junção dos documentos em poder da R., sempre, após essa junção e até ao julgamento, poderia e deveria o A. ser convidado a completar e corrigir a petição com os elementos factuais indispensáveis à quantificação dos pedidos que deduziu como ilíquidos (observando, obviamente as regras do contraditório), assim se sanando a excepção dilatória inominada (art. 508º nº 1 al. a) e b) do CPC, ex-vi do art. 61º nº 1 do CPT) que fundamentou a absolvição da instância.
Deste modo, também na parte em que impugna a decisão por ter julgado verificada uma excepção dilatória inominada, sem ter procedido ao respectiva suprimento, como determina o art. 508º nº 2 al. a) do CPC, o agravo merece provimento, havendo por isso que revogar igualmente essa parte da decisão.
Concordamos com o recorrente quando afirma que a manutenção da decisão nesses termos é geradora de nulidade processual, pois sendo tal excepção dilatória inominada sanável, a omissão das diligências para a sanar é omissão de um acto que a lei prescreve (art. 288º nº 3 e 265º nº 2 do CPC) e que influi no exame e decisão da causa (art. 201º CPC). Embora o recorrente tenha suscitado a questão apenas no recurso, fê-lo dentro do prazo para arguir a nulidade (art. 153º) e a Srª Juíza, ao manter o despacho recorrido pelas razões nele expostas (cf. fls. 250), indeferiu a reclamação. Nada obsta pois a que este tribunal dela conheça.
Mas já não acompanhamos o recorrente quando afirma que a decisão recorrida ofende os  princípios da igualdade das partes e  do dispositivo ou que é contraditória com o propósito de fazer prosseguir os autos para fixação da retribuição.


Decisão
Pelo exposto, se acorda em dar provimento ao recurso de agravo, revogando o despacho saneador na parte em que julgou verificada a excepção dilatória inominada e absolveu a R. da instância quanto aos pedidos ilíquidos de condenação nas retribuições por trabalho suplementar e em dias de descanso e nas comissões, bem como na parte em que indeferiu o pedido de notificação da R. para juntar aos autos documentos necessários à liquidação dos aludidos pedidos.
Deve consequentemente tal despacho ser substituído por outro que:
- num primeiro momento ordene a notificação da R. para a junção de documentos requerida (com o esclarecimento que atrás se deixou referido);
- após essa junção, deve o A. ser convidado a aperfeiçoar a petição quanto aos pedidos genéricos e ilíquidos, articulando os elementos  factuais em falta e quantificando devidamente aqueles pedidos, prosseguindo os respectivos termos subsequentes até decisão final de tais pedidos.
Custas pela agravada.
Em face da decisão do agravo fica prejudicada a apreciação das apelações.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2012

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira
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[1] Ou seja, o requerimento de que a R. fosse “notificada para a junção aos autos do registo de pessoal do A. e bem assim dos seus registos de todo o trabalho prestado, necessários aos correctos apuramentos e liquidação do trabalho suplementar, que se deve confirmar com a junção aos autos das Guias da Via Verde do período em referência (1 de Agosto de 2000 a Janeiro de 2007)” e para prova sobre apuramento do valor das comissões a “junção de documentos fiáveis que identifiquem a facturação mensal da Loja da M... desde que o actual Presidente do Conselho de Administração adquiriu a empresa”
[2] Embora a junção de documentos não possa ser confundida com a articulação de factos, uma vez que se destina a fazer prova de factos alegados, não dispensando a respectiva articulação, na medida em que o A. remete para os termos do mesmo – apesar de se tratar de uma forma tecnicamente pouco correcta de alegação – sempre será de considerar alegado o que resulta de tal documento, junto a fls. 44, que constitui uma “adenda ao contrato de trabalho” entre BB – Electrodomésticos, Ldª e o A., datada de 18/8/97, na qual as partes estabeleceram na clª 1ª “em complemento  da remuneração mensal auferida pelo trabalhador… a entidade patronal confere-lhe a partir desta data o direito a auferir mensalmente comissões de 0,439% sobre a facturação mensal (s/IVA.) da loja da M... e 5% do resultado líquido da loja de montagem auto da M.... Este valor não pode ser inferior a 525.000$00” e na clª 2ª “Esta comissão sobre as vendas será transformada num percentual sobre o resultado líquido da loja que está à sua responsabilidade, logo que haja informação que permita o apuramento de resultados por loja.”
[3] Atente-se que a acção foi intentada em 19/1/2007.
[4] Em momento algum é referida a data a que se reporta o início dessa titularidade.
[5] Embora não refira em momento algum qual era esse horário, isto é, quais as horas do início e do termo do período normal de trabalho e a dos intervalos de descanso – cf. art. 159º CT - referindo apenas o próprio período normal de trabalho semanal.
[6] 1 de Agosto de 2001, cf. refere no art. 2º
[7] Designadamente os registos da R. relativos ao trabalho prestado pelo A., no período de 1/8/2000 a 13/1/2007 e, caso inexistam ou sejam insuficientes, os extractos da via verde da viatura que lhe estava distribuída, uma vez que no exercício das suas funções efectuava deslocações entre os diversos estabelecimentos da área pela qual era responsável e desses extractos consta a hora de passagem pelas portagens; e documentos que contenham os valores globais – que não necessariamente a discriminação - da facturação mensal da Loja da M....
[8] “Revisão do Processo Civil – Projecto” in ROA  ano 55, pag.354 e segs., maxime, pag. 361.
[9] Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 2ª ed., pag. 62
Decisão Texto Integral: