Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7876/10.1JFLSB-A.L2-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº Não existe contradição entre a al.f, do art.202, nº1, do Código de Processo Penal (al.c, na redacção anterior à Lei nº28/10, de 30Ago.), que prevê como pressuposto da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, estar em causa pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão e o art.142, da Lei nº23/07, de 4Julho, que afasta a possibilidade de decretar prisão preventiva no âmbito de processo de expulsão;
IIº A expulsão, decretada com base na Lei nº23/07, não depende do cometimento pelo estrangeiro de qualquer crime, bastando que tenha entrado ou permaneça irregularmente em território nacional ou que, apesar de ter entrado regularmente, sobrevenham razões ou fundamentos que justifiquem a sua expulsão nos termos do art.134, daquela Lei;
IIIº Caso o estrangeiro tenha cometido um crime em Portugal, no respectivo processo penal, o juiz pode aplicar qualquer das medidas coactivas previstas no Código de Processo Penal, sem quaisquer restrições para além das aí previstas no que concerne aos requisitos de cada uma delas;
IVº Em relação à medida de coacção de prisão preventiva, verificando-se a previsão da al.f, do art.202, nº1, do CPP (pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão), a sua aplicação não está dependente do limite máximo da pena aplicável ao crime imputado ao arguido, contrariamente às demais alíneas que exigem uma pena de prisão superior a três ou mesmo a cinco anos;
Vº Esta solução não ofende qualquer princípio constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade, pois o estrangeiro que entrou e permanece irregularmente em Portugal ou aquele que, apesar de ter entrado regularmente, está em vias de ser expulso e que em Portugal cometeu um crime, não está nem pode estar em situação de igualdade relativamente aos cidadãos nacionais, que não podem ser expulsos;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:
Após primeiro interrogatório judicial (art. 141.º, do CPP) que teve lugar em 23/07/2010, a Mm.ª Juíza do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa determinou que o arguido A... ficasse a aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva, considerando indiciados factos susceptíveis de integrarem a co-autoria dos seguintes crimes:
- de contrafacção de títulos equiparados a moeda, p. p. pelo 262.º, n.º 1, com referência ao art. 267.º n.º 1 al. c), ambos do CP;
- de passagem de moeda falsa, p. p. pelo art. 265.º, n.º 1, por referência ao art. 267.º, n.º 1 al. c), do CP;
- de burla informática, na forma continuada, p. p. pelos arts. 221.º, n.º 1 e 30.º, do CP.
Terminado o inquérito, foi deduzida acusação por aqueles e outros crimes.
Realizado o julgamento, foi proferido acórdão, em 20/01/2012, que o absolveu dos crimes de contrafacção e passagem de títulos equiparados a moeda falsa e de burla informática agravada (art. 221.º, n.ºs 1 e 5 al. b), por referência ao art. 202.º al. b), do CP), condenando-o por um crime de falsidade informática, na forma continuada, p. p. pelo art. 3.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei 109/2009, de 15/09 e 30.º, n.º 2, do CP, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, um crime de burla informática simples na forma continuada (arts. 221.º, n.ºs 1 e 30.º, n.º 2, do CP) na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, um crime de falsificação p. p. pelo art. 256.º, n.º 1 al. c), do CP, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, e ainda um crime de falsificação agravada, na forma continuada, p. p. pelos arts. 256.º, n.ºs 1, als. a), e) e f) e n.º 3 e 30.º n.º 2, ambos do CP, na pena de 2 anos de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 5 anos de prisão.
No final daquela peça processual, o tribunal tomou a seguinte posição quanto ao estatuto processual dos arguidos:
«Determina o disposto no arto 213.º, n.º 1 do C P Penal que “o Juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas: a) no prazo máximo de três meses a contar da data da sua aplicação ou do último reexame; b) quando no processo forem proferidos despachos de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada”.
Proferido o presente acórdão, impõe-se, então, proceder ao reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva a que estão sujeitos os arguidos.

O Estatuto Processual do arguido A… será mantido.
Com efeito, o arguido entrou em território nacional irregularmente (o seu passaporte tinha aposto um visto falso) e é muito elevado o perigo de fuga (o arguido tem nacionalidade ganesa, não possui quaisquer ligações de natureza pessoal ou profissional a Portugal e tendo sido condenado numa pena de prisão efectiva, tudo aponta para que se tentasse furtar à acção da justiça).
Em consequência, ao abrigo dos arts 202.º, n.º 1 c) e 2040, a) do C. P. Penal, o arguido A… aguardará o trânsito em Julgado do Acórdão em prisão preventiva.
…»

Em posterior requerimento, veio o MP requerer a libertação daquele mesmo arguido, o qual deverá ficar sujeito à obrigação de apresentação periódica prevista no art. 198.º, do CPP, com periodicidade semanal e obrigação de não se ausentar para o estrangeiro (art. 200.º, n.º 1 al. b), do CPP), por se manter o perigo de fuga, entendendo o requerente que, em virtude dos crimes por que está condenado o arguido, a lei processual em vigor à data da detenção não permitia a prisão preventiva e a lei de estrangeiros proíbe a sua sujeição à referida medida coactiva, devendo ser feita uma interpretação abrogante do art. 202.º, n.º 1 al. c), do CPP.

Pronunciou-se o arguido A... no mesmo sentido, após o que foi proferido DESPACHO que indeferiu o requerido pelo MP e arguido

Não se conformando com tal indeferimento, recorreu o MP.
Concluiu nos seguintes termos (transcrição):
1- O arguido A… está condenado, por decisão não transitada em julgado, pela prática de um crime de falsidade informática na forma continuada, previsto e punido pelo art. 3º, nºs. 1 e 2, da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro; um crime de burla informática, na forma continuada, previsto e punido pelo art. 221º, nº1, do Código Penal e um crime de falsificação previsto e punido pelo art. 256º nº1 c), do Código Penal, a que correspondem pena de prisão até 3 anos.
2- Está ainda condenado pela prática de um crime de falsificação, previsto e punido pelo art. 256º, nº 1 c) e 3, do Código Penal, a que corresponde pena de prisão até 5 anos.
3- Face ao disposto nas alíneas a) e mb) do nº 1, do art. 202º, do Código de Processo Penal na versão em vigor à data da prática dos factos (conferida pela Lei nº 48/2007), aplicável por força do nº 2 a), do art. 5º, do referido diploma legal - tais crimes não admitem prisão preventiva.
4- O douto despacho “a quão” estribou a sua decisão no entendimento de que o art. 202º, nº 1 c), do Código de Processo Penal, na versão conferida pela Lei nº 48/2007, tem na sua génese um crime pelo que o facto de a lei de estrangeiros aprovada pela Lei 23/2007, não permitir a prisão preventiva de estrangeiro que tenha entrado ou se encontre em situação ilegal em território nacional, não obsta à sua aplicabilidade.
5- Considerou ainda que a um cidadão que tenha entrado irregularmente ou permaneça ilegalmente em território nacional, pode ser aplicada a medida de coacção prisão preventiva desde que se verifiquem os condicionalismos previstos nos arts. 193º e 204º, do Código de Processo Penal.
6- E que tal interpretação é consentânea com o facto de a redacção do art. 202º, introduzida pela Lei nº 26/2010, ter mantido a referida regulamentação legal.
7- Salvo o devido respeito por melhor opinião, a interpretação propugnada no despacho “a quão” viola o disposto no art. 202º, nº 1 c), do Código de Processo Penal, na versão da lei nº 48/2007, de 4 de Agosto e ainda o disposto no art. 142º, nº 1, da Lei nº 23/2007, e os arts. 27º, 18º, nº3 e 15º, nº1, da Constituição da República Portuguesa e ainda os arts. 7º, nº 2 e 9º, do Código Civil.
8- De acordo com o teor do art. 202º, nº 1 c), do Código de Processo Penal, na versão conferida pela Lei nº 48/2007, os pressupostos legais para aplicação da prisão preventiva são um de dois: tratar-se de pessoa que tiver entrado ou permaneça ilegalmente em território nacional ou tratar-se de pessoa que tiver em curso processo de extradição ou expulsão, não exigindo a prática de qualquer crime.
9- O art. 27º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa estatui que o direito à liberdade só pode ser derrogado pelo tempo e nas condições que a lei determinar.
10- Face às referidas premissas, no caso, a lei que contém as regras a que está sujeita a prisão preventiva aplicada em virtude do nº 1 c), do referido art. 202º do Código de Processo Penal, terá que ser a lei que regula a entrada, permanência, saída ou afastamento de estrangeiros em território nacional ou a extradição.
11- À data da prática dos factos estava e está em vigor a Lei nº 23/2007, de 4/7, cujo art. 142º proíbe a aplicação da prisão preventiva.
12- O regime contido na alínea c) do nº 1 do art. 202º, do Código de Processo Penal, foi introduzida quando se encontrava em vigor a lei de estrangeiros na versão conferida pelo DL nº 264-B/81, de 3 de Setembro.
13- Nesta lei, as medidas de coacção, designadamente a detenção eram determinadas e executadas pelo Serviço de Estrangeiros sendo que face ao estatuído no seu art. 52º, nº 2, “a contrario”, era permitida a prisão preventiva, mas nada se determinava quanto à competência para a sua aplicação.
14- Os arts. 27º e 28º, da Constituição da República, na sua versão originária, estabeleciam que a privação de liberdade só podia ter lugar por força de decisão/validação judicial.
15- Neste contexto, deve entender-se que a norma vertida no art. 202º, nº 1 c), do Código de Processo Penal, visava compatibilizar o regime constitucional sobre prisão preventiva com as regras em vigor sobre a detenção de estrangeiro em situação ilegal quer fosse aplicada no âmbito do processo de expulsão ou em momento anterior ao início do referido processo.
16- O Código de Processo Penal não regula exclusivamente as medidas restritivas de liberdade aplicadas em virtude de suspeitas ou indícios da prática de crimes; por exemplo, o art. 250º, nºs. 1 e 6 refere-se a restrição de liberdade com vista à identificação de pessoa sobre a qual recaíam suspeitas da pendência de processo de expulsão ou de que tenha penetrado ou permanecido irregularmente em território nacional, ainda que não tenha praticado ilícito de natureza criminal.
17- A interpretação feita pelo Tribunal da alínea c), do nº1, do art. 202º, do Código de Processo Penal, posterga o princípio da legalidade da prisão preventiva que decorre dos art. 18º, nº 3 e 27º, da Constituição da República Portuguesa.
18- Tal interpretação deixaria à mercê de um juiz, a determinação do crime que justifica a prisão preventiva de cidadão estrangeiro que tenha entrado ou permaneça irregularmente em território nacional.
19- Isto é, em vez de se limitar a interpretar e aplicar a lei, o juiz passaria a fazer lei.
20- Com manifesto prejuízo da segurança dos cidadãos em matéria tão sensível como é a privação de liberdade na sua modalidade mais gravosa.
21- Aquela interpretação colide com o disposto no nº 1, do art. 15º, da Constituição da República Portuguesa.
22- Este normativo impõe que um cidadão que tenha entrado ou permaneça em situação ilegal no território nacional sofra as consequências previstas na lei de estrangeiros e caso cometa um crime, deverá estar sujeito às medidas de coacção e penas genericamente previstas para qualquer cidadão.
23- O facto de a versão actual do Código de Processo Penal, manter, noutra alínea, aquela norma em nada inquina o raciocínio acima expendido.
24- Deverá pois entender-se que o art. 142º, nº 1, da Lei nº 23/2007 teve como efeito a abrogação do art. 202º nº 1 c), do Código de Processo Penal, na versão conferida pela Lei nº 48/2007.
25- E em consequência, determinar-se a libertação do arguido Linchor.
…”

O próprio arguido respondeu ao recurso e, em concordância com o recorrente, pugna pelo seu provimento e pela sua libertação imediata.

Usando da faculdade concedida pelo art. 414.º, n.º 4, do CPP, o tribunal recorrido manteve a decisão, após admitir o recurso.
Foram os autos remetidos a este Tribunal, tendo a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta aposto “visto”.
Colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO:
1 - Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso.
No presente caso, ao submeter à apreciação deste Tribunal Superior o despacho recorrido, invoca o recorrente que, perante os crimes pelos quais foi condenado o arguido A..., não pode subsistir a prisão preventiva a que este foi sujeito, pedindo a sua libertação imediata.
2 – Vejamos, antes de mais, o teor do DESPACHO RECORRIDO:

«Veio o M° Público requerer a restituição à liberdade do arguido A… preso preventivamente à ordem dos presentes autos.
Para o efeito fundamenta o seu pedido com o facto da Lei 48/2007, no seu arto 1420, proibir a aplicação da prisão preventiva a estrangeiro que penetrou ou se encontra irregularmente em território nacional; mais alega que nos termos do arto 270, n03, c) da Constituição da República Portuguesa, apenas pode ser preso preventivamente estrangeiro ilegal nas condições e por tempo que a lei determinar.
Cumprido o contraditório veio o arguido, reproduzindo os fundamentos invocados pelo M0 Público, requerer igualmente a sua liberdade, consignando que a manter-se a prisão preventiva do arguido esta será ilegal e, como tal, fundamento para um pedido de habeas corpus.

Apreciando e decidindo:
O arguido A… foi condenado (Acórdão não transitado em julgado) pela prática dos seguintes ilícitos: -‑
- um crime de falsidade informática p. p. pelo art. 3.º n.ºs 1, 2 e 3 da Lei 109/2009 de 15 de Setembro e arto 300 n02 do C Penal - punido em abstracto com uma pena de um a cinco anos de prisão;
- um crime de burla informática, p. p. pelos arts 221.º, no 1 e 30.º, n0 2 do C. Penal - punido com uma pena de prisão até 3 anos ou com uma pena de multa;
- um crime de falsificação, p. p. pelo art 256.º n-º 1 c) do C. Penal - punido com uma pena de prisão até 3 anos ou com uma pena de multa;
- um crime de falsificação p. p. pelo arto 2560 n01 a), e) e f) do C Penal - punido com uma pena de seis meses a 5 anos de prisão ou com uma pena de multa de 60 a 600 dias;

O arguido A… encontrava-se, à data da prolação do Acórdão condenatório, em prisão preventiva, situação processual que foi mantida, ao abrigo do arto 2020, no l, c) do C. P. Penal (versão introduzida pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto).

A questão que o M0 Público veio suscitar no requerimento em apreciação aborda a (in)compatibilização do estipulado pelo C. P. Penal na referida alínea c) (actual alínea f) do no 1 do arto 2020 do C. P. Penal e o disposto no arto 142.º, n.º 1 da Lei 48/2007, disposições legais que têm a seguinte redacção:

- arto 202.º, no l c) do C P Penal - "Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
(...) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão."

- arto 142.º, n0 1 da lei 48/2007 - "No âmbito do processo de expulsão, para além das medidas de coacção enumeradas no Código de Processo Penal, com excepção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes: (...).

Assim, o C. P. Penal admite a possibilidade de se aplicar a medida de coacção de prisão preventiva a pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão, e a Lei 48/2007 proíbe expressamente a aplicação dessa medida de coacção no âmbito do processo de expulsão a pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional.

Uma leitura menos aprofundada dos dois textos legais poderia levar à conclusão de que, então, face à redacção do arte 1460 da Lei 48/2007, nunca seria fundamento legal para a aplicação da medida de prisão preventiva (para além de outros pressupostos, como o sejam, a verificação em concreto de perigo de fuga) a circunstância de se tratar de pessoa que tivesse penetrado ou permanecesse irregularmente em território nacional.

No entanto, o texto do n.º 1 do artigo 142.º da Lei 48/2007 é claro quando refere especificamente que aquelas medidas de coacção (do elenco das quais se afasta expressamente a prisão preventiva) são para aplicar no âmbito de processos de expulsão. E processos de expulsão são os que vêm indicados nos artigos subsequentes seja o processo de expulsão determinada por autoridade administrativa (arts 145.º e ss.) ou seja o processo de expulsão judicial (artes 1520 e ss.).
E, compreende-se que o legislador, até no sentido de harmonizar a lei nacional com as leis comunitárias, tenha optado por excluir a medida de coacção de prisão preventiva do âmbito dos processos de expulsão, pois esta medida foi pensada para ser aplicada em processo penal e subjacente à mesma está a prática de um crime (pois só assim existe um processo penal). Ora, o processo de expulsão não tem na sua base a prática de qualquer delito criminal mas tão somente a situação de um estrangeiro - que não praticou um crime - que entrou em território nacional irregularmente ou que nele permaneça ilegalmente. Ou seja, a possibilidade de aplicação da medida coactiva de prisão preventiva seria manifestamente desproporcional no âmbito de um processo de expulsão em que apenas está em causa a violação de uma medida de interdição ou permanência em território português e não a prática de um crime, pelo que, a exclusão da possibilidade de aplicação da prisão preventiva a estrangeiros irregulares teve por finalidade afastar a sujeição de quem não praticou qualquer crime de uma situação processual que surge na sequência do cometimento de um ilícito criminal.
Em contrapartida, consagra-se, como medida de coacção a aplicar, no âmbito do processo de expulsão, e para o caso de se verificar perigo de fuga, a colocação do expulsando em centro de instalação temporária ou em espaço equiparado (alínea c) do n.º do art. 142.º), sendo certo que, e mais uma vez no sentido de proteger os direitos de quem não cometeu qualquer ilícito criminal, tal "detenção" não pode, em caso algum, exceder os sessenta dias (arto 1460, n.º 3). -

Assim, em nosso entender, a um cidadão estrangeiro que tenha entrado irregularmente em Portugal ou aqui se mantenha nessa condição e que tenha cometido um crime pode ser aplicada a medida de coacção de prisão preventiva desde que:
- Se verifique, no momento da aplicação da medida, qualquer uma das situações previstas no arte 2040 do C. P. Penal:
• Fuga ou perigo de fuga;
• Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
• Perigo, em razão da natureza das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem ou a tranquilidade públicas.
- Esta medida se afigure como necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade - art0 1930 do C. P. Penal). E desta forma se afasta a eventualidade de ser aplicada uma medida tão gravosa em situações em que se mostram em causa crimes de menor ilicitude.

No sentido defendido neste despacho v.d. artigo da autoria da Legispedia SEF em comentário ao art0 1420 da Lei 23/2007 consultado na internet em sites.google.com/site/leximigratoria/Home/ ... i.../artigo-142.º.
Em idêntico sentido se pronunciou o Senhor Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, no Debate de Interpelação no 24/X Sobre a Segurança, realizado a 10 de Outubro de 2008 na Assembleia da República, quando interpelado pelo Dr. Nuno Magalhães quanto à existência de uma eventual contradição entre o texto do artigo 142.º e o do art0 202.º, n.º 1 c) Código de Processo Penal, defendendo que "a imigração ilegal não é crime, os imigrantes irregulares são internados para efeitos de expulsão mas não são propriamente criminosos, são objecto de medidas cautelares diferentes" (em endereço da internet supra citado).
De resto só assim se pode compreender que apesar da sucessão de leis (C.P.Penal) que se verificou já depois da entrada em vigor da lei 23/2007, se tenha mantido na íntegra o conteúdo e redacção da disposição legal em causa, apenas se alterando a referida sistematização. Referimo-nos especificamente à Lei 48/2007 de 29/08 (que passou a consagrar a possibilidade de aplicação da prisão preventiva a estrangeiros irregulares na alínea c) e não na alínea b) e à Lei 26/2010 de 30/08 (que passou a consagrar a possibilidade de aplicação da prisão preventiva a estrangeiros irregulares na alínea f) e não na alínea c), chamando-se a atenção para a circunstância de que, em ambos os diplomas legais, o art0 2020 sofreu alterações materiais substanciais em partes do respectivo conteúdo. Ou seja, não foi intenção segura do legislador revogar a norma que permitia a aplicação da prisão preventiva nessas situações.
Com a publicação da Lei 23/2007 não houve, pois, uma revogação da norma contida na então alínea b) do n0 1 do arto 202.º (C. P. Penal, redacção anterior à entrada em vigor da Lei 48/2007) o que, nos termos do arto 70, n.º 3 do C. Civil, apenas poderia resultar de uma declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior, o que não se verifica no caso concreto.
Reproduzindo o que Paulo Pinto de Albuquerque consigna em anotação ao arte 2020, em Comentário ao Código de Processo Penal, defende o M.º Público (e no seu seguimento o arguido) que deverá ser feita uma interpretação ab rogante do arto 2020 no l c) do C. P. Penal (a interpretação ab-rogante é a que conduz à conclusão segundo a qual a norma não tem conteúdo válido designadamente por exprimirem valorações contraditórlas, v.d. Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1977, pg. 369, ou Oliveira Ascensão, 0 Direito - introdução e Teoria Geral, § 261).
Porém, convirá realçar que o autor se refere expressamente à impossibilidade de aplicação da medida de prisão preventiva no processo de expulsão (o que não pomos obviamente em causa), sendo certo que a disposição legal em causa menciona outras situações que não apenas essa, como o seja a circunstância de existir um processo de extradição. Assim o indica a utilização da conjunção disjuntiva "ou".
Não se verifica também qualquer violação do princípio da igualdade relativamente a Nacionais (artos 13 e 15 da Constituição da República Portuguesa), pois trata-se não só de um cidadão estrangeiro que cometeu um crime, mas que além disso está em Portugal em situação irregular, o que acentua o perigo de fuga. Não podendo haver nacionais em situação idêntica, nunca se poderá falar de violação do principio da igualdade ou de uma desprotecção dos estrangeiros em Portugal.
Aliás a própria Constituição da República Portuguesa, sempre no respeito do tempo e condições que a lei fixar, continua a consagrar a possibilidade da aplicação da prisão preventiva a qualquer pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão (arto 27.º, n0 3 alínea c).
Salvo o devido respeito, mas a interpretação realizada pelo Mo Público no requerimento em apreciação peca pela simplicidade na apreciação de uma disposição legal - arto 142.º, no l da Lei 23/2007 - sem a sua devida integração no contexto em que se insere - pendência de processo de expulsão - e não fazendo a exigida correlação com o sistema processual penal na sua globalidade e com o que, em concreto, prescrevem os autos 1910, 1930, 2020, n01 alínea f) - ou antigas alíneas b) e c) - e 2040, alínea a) do C. P, Penal.
O arguido A… foi condenado, nestes autos, pela prática de crimes de falsidade informática, burla informática, falsificação simples (estes todos na forma continuada) e falsificação agravada na pena única de cinco anos de prisão (Acórdão não transitado em julgado).
Resultou apurado, nos termos do Acórdão, que o arguido, que tem nacionalidade ganesa, entrou em território nacional com um visto forjado.
Apenas se deslocou a Portugal, país onde não tem quaisquer ligações familiares, laborais ou de outra natureza, para praticar os factos ilícitos pelos quais foi condenado.
É legítima a conclusão de que, se restituído à liberdade, abandonará o país, furtando-se assim à acção da justiça, sendo, pois, manifesto, concreto e real o perigo de fuga.
A medida de coacção de prisão preventiva continua a ser a única que se mostra adequada a evitar a fuga do arguido, mostrando-se proporcional à gravidade dos factos e à pena em que se encontra condenado.
Razões pelas quais se decide manter o arguido A… em prisão preventiva.
Notifique.
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3 – Apreciando:
Diga-se, desde já, que o recorrente carece de razão, estando esta do lado do despacho recorrido.
Segundo o art. 27.º, da CRP:
“1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Detenção em flagrante delito;
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
…”

Aquele dispositivo constitucional é concretizado através das disposições do Código de Processo Penal, no que concerne ao processo penal, pela Lei 23/07, de 4/7, na parte respeitante ao processo de expulsão e pela Lei 144/99, de 31/8, no que respeita ao processo de extradição.
Trata-se, pois, de três processos distintos e autónomos, cada um deles visando um determinado e específico objectivo e regulados autonomamente por diplomas diversos, embora o regime do processo penal possa ser subsidiariamente aplicável aos demais em certas matérias.
O que está em causa no presente recurso é o art. 202.º, do CPP, em confronto com o que actualmente dispõe o art. 142.º, da referenciada Lei 23/2007 de 4/7.
Vejamos o teor de cada uma das referidas normas.

Artigo 202.º, do CPP:
“Prisão preventiva
1 — Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;
b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; ou
c) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.

Esta norma sofreu alterações pela Lei n.º 26/10, de 29/10, introduzindo mais alíneas a partir da b) e passando aquela alínea c) a f).

Artigo 142.º da Lei 23/07, de 4/7:
“Medidas de coacção
1—No âmbito de processos de expulsão, para além das medidas de coacção enumeradas no Código de Processo Penal, com excepção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes:
a) Apresentação periódica no SEF;
b) Obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância electrónica, nos termos da lei;
c) Colocação do expulsando em centro de instalação temporária ou em espaço equiparado, nos termos da lei.
2—São competentes para aplicação de medidas de coacção os juízos de pequena instância criminal ou os tribunais de comarca do local onde for encontrado o cidadão estrangeiro.

Efectivamente, na redacção da anterior lei que regulava a mesma matéria - DL 244/98, de 8/8 (republicado pelo DL 34/03, de 25/2 – não se excluía expressamente a prisão preventiva, como o faz agora a norma acabada de citar.
Retira daí o recorrente (MP) - corroborado pelo arguido - a ideia de que, actualmente, não é possível a aplicação de prisão preventiva a estrangeiros, mesmo que entrem e permaneçam irregularmente em território nacional, salvo se se verificarem os mesmos requisitos que a lei exige para a prisão preventiva de nacionais, considerando revogada a alínea c) – actual alínea f) – do citado art. 202.º, n.º 1, do CPP pelo mencionado art. 142.º da Lei 23/07. Ou seja, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade, segundo o recorrente os estrangeiros naquela situação só poderão ser submetidos a prisão preventiva se preenchidos os pressupostos das anteriores alíneas a) ou b), do mesmo art. 202.º, n.º 1, do CPP.
Apoia-se em anotação de Paulo Pinto de Albuquerque ao mesmo normativo processual penal, in “Comentário do Código de Processo Penal”, pág. 571, no qual se pode ler:
«…Não obstante o artigo 202.º, n.º 1, al. c), do CPP, na versão da Lei 48/2007, continua a prever a prisão preventiva para a pessoa contra quem estiver em curso “processo de expulsão”, o que se deve a lapso manifesto do legislador, que não pode ter querido em Agosto repor a prisão preventiva de expulsando acabada de revogar em Julho pela Lei n.º 23/2007. O lapso só pode ser corrigido por via de uma interpretação abrogante do art. 202.º, n.º 1 al. c), enquanto a lei não for revista».

Acontece, porém, que o aludido art. 202.º, do CPP, foi revisto e alterado já depois daquela anotação, pela Lei n.º 26/10, de 30/08, que manteve na íntegra a redacção da respectiva alínea c), passando a constituir a actual alínea f), o que é bem demonstrativo de que o legislador não deixou a referência ao processo de expulsão por lapso, mas sim com plena consciência de que pretendia manter intacta a redacção da mencionada alínea, apesar de já vigorar, há muito tempo, a referida Lei 23/07.
E, na verdade, não se vislumbra qualquer incompatibilidade entre aquela norma e a do art. 142.º desta lei, de molde a considerar-se prejudicada a norma mais antiga em prol da mais recente.
Enquanto a norma do art. 142.º da Lei 23/2007 se aplica apenas “no âmbito de processos de expulsão”, cujo campo de aplicação ela própria delimita, o art. 202.º, do CPP tem plena aplicação no âmbito do processo penal.
Ou seja:
A expulsão do território nacional pode ter vários fundamentos, os quais estão enunciados no art. 134.º,  n.º 1, da Lei 23/2007.
Um dos fundamentos ocorre quando o estrangeiro “entre ou permaneça ilegalmente no território português”.
Neste caso, a expulsão depende de processo administrativo prévio, a decidir pelo director-geral do SEF (arts. 145.º e segs.).
Nos demais casos, a expulsão depende de processo judicial (art. 151.º e segs.), sendo da competência dos juízos de pequena instância criminal onde existam, ou do tribunal da comarca nas restantes áreas do País.
Tal expulsão ocorre, independentemente da prática, pelo estrangeiro, de qualquer infracção criminal. Aquela expulsão não prejudica a eventual responsabilidade criminal em que o estrangeiro haja incorrido.
No âmbito desse processo de expulsão - seja ele administrativo ou judicial - podem ser aplicadas quaisquer medidas de coacção de entre as previstas no CPP, excepto a prisão preventiva, tendo esta excepção a ver com o facto de o estrangeiro não ser arguido em processo penal, visto não lhe ser imputado qualquer crime - a única infracção é estar irregularmente no nosso país - , pelo que entendeu o legislador que aquele não deveria ficar detido em prisão preventiva, misturado com os demais presos de delito comum, indiciados, acusados ou condenados pela prática de crimes, podendo o estrangeiro, todavia, ficar detido, em centro de detenção temporária, enquanto decorrer o processo de expulsão, por um período máximo de 60 dias.
Diversamente, no âmbito de um processo penal, ou seja, quando o estrangeiro está indiciado ou acusado pela prática de um crime, o regime aplicável é apenas o que decorre do Código de Processo Penal, tendo aplicação plena as medidas de coacção neste previstas e desde que verificados os pressupostos ali definidos. O disposto no art. 142.º da Lei 23/2007 não tem aplicação em processo penal.
Neste, vigora em pleno o disposto no art. 202.º, do CPP, cuja alínea c) do n.º 1 – na redacção vigente à data dos factos, pois, agora será a alínea f) – prevê que o juiz titular do processo penal pode impor ao arguido a prisão preventiva, quando … “se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão”, desde que considere “inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores”.
Resumindo:
No âmbito do processo de expulsão, vigora o art. 142.º, da Lei  n.º 23/2007 de 4/7, não sendo possível decretar a prisão preventiva;
No âmbito do processo penal - no qual até pode vir a ser decretada a expulsão a título de pena acessória (art. 151.º, daquela mesma lei) - não tem aplicação aquela norma, vigorando apenas e na sua plenitude, as normas do processo penal, incluindo o seu art. 202.º, na sua globalidade.
E então, como explicar a referência na alínea c) - actual alínea f) – ao processo de expulsão, se neste deixou de ser possível a prisão preventiva?
Pode, à primeira vista, parecer haver incompatibilidade entre os dois regimes, o que terá induzido em erro o MP e o levou a interpor o presente recurso, bem como alguns comentadores.
Todavia, mais uma vez afirmamos, há inteira compatibilidade entre as duas normas, nenhuma delas está morta de molde a justificar a pretendida interpretação ab-rogante proposta pelo MP. Esta verificar-se-á quando o intérprete tem de concluir que há uma contradição insanável, donde não resulta nenhuma regra útil da norma a interpretar. A fonte da norma terá, por isso, de ser considerada inexistente. Não há, em tais casos, correcção da lei, nem cessação da vigência duma regra. O que acontece é que, por ter escapado ao legislador uma incongruência na regulamentação ou uma incompatibilidade entre dois ou mais textos, há desde o início uma falta de sentido, contentando-se o intérprete em reconhecer que o texto proclamado como lei não contém, afinal, apesar das aparências, nenhuma regra de direito[1]. Não é seguramente o que acontece no presente caso, relativamente às duas normas pretensamente em antagonismo. O legislador não estava distraído quando manteve a redacção da norma aqui em questão e ao aprovar a do art. 142.º da Lei 23/07.
A explicação está no facto de a expulsão não depender, em princípio, do cometimento pelo estrangeiro de qualquer crime, bastando que o estrangeiro tenha entrado ou permaneça irregularmente em território nacional ou que, apesar de ter entrado regularmente, sobrevenham razões ou fundamentos que justifiquem a sua expulsão nos termos do já citado art. 134.º, n.º 1, da Lei 23/07. Tais circunstâncias determinarão a abertura do respectivo processo – administrativo ou judicial, consoante o fundamento –, com vista a tal expulsão.
Nesse processo de expulsão não pode ser decretada a prisão preventiva, por força do aludido art. 142.º da mencionada lei.
Mas, paralelamente ao processo de expulsão, porque o mesmo estrangeiro cometeu um crime em Portugal, corre também, contra ele, um processo penal, onde está indiciado, ou até acusado, desse crime. Estamos, então, perante dois processos independentes e autónomos: um processo de expulsão e um processo criminal.
No processo penal, o respectivo juiz pode aplicar qualquer das medidas coactivas previstas no Código de Processo Penal, sem quaisquer restrições para além das aí previstas no que concerne aos requisitos de cada uma dessas medidas.
Pode, por isso, o juiz do processo criminal aplicar, nesse mesmo processo, a prisão preventiva ao arguido - pessoa estrangeira contra a qual corre, no mesmo ou noutro tribunal, processo de expulsão -, desde que preenchidos os respectivos pressupostos, definidos no Código de Processo Penal.
Note-se, porém, que, no presente caso, a prisão preventiva não teve como pressuposto o facto de contra o arguido A... correr processo de expulsão, mas sim com base no facto de o mesmo ter entrado e permanecer irregularmente em território nacional, circunstância prevista na primeira parte da citada al. c) do n.º 1 do art. 202.º, do CPP e independente daquela outra prevista na parte final da mesma norma. É que, como é o caso presente, pode o estrangeiro ter entrado e permanecer irregularmente em território nacional e, no entanto, não estar pendente contra ele qualquer processo de expulsão, ou pode ter entrado e estar regularmente em Portugal e, no entanto, haver lugar a processo de expulsão, como já vimos supra. Daí a norma da alínea c) do art. 202.º, n.º 1 do CPP distinguir as duas realidades, equiparando-as para efeitos de aplicação da prisão preventiva.
Note-se, por outro lado, que as várias alíneas daquele n.º 1 funcionam de modo autónomo, podendo a prisão preventiva ser decretada com base em uma só dessas alíneas, sem preencher os requisitos das outras.
Queremos com isto dizer que a prisão preventiva decretada com base na alínea c) – actual alínea f) – não está dependente do limite máximo da pena aplicável ao crime imputado ao arguido, contrariamente às demais alíneas que exigem uma pena de prisão superior a três ou mesmo a cinco anos.
No que concerne a estrangeiro que tenha entrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra o qual corra processo de extradição ou de expulsão, não exige a lei que o crime que lhe é imputado seja punível com determinada pena, pode aquela medida de coacção ser decretada para qualquer crime punível com pena de prisão, dependendo apenas do juízo de necessidade, adequação e proporcionalidade a fazer no caso concreto, bem como do juízo de inadequação e insuficiência das demais medidas de coacção, nos termos dos arts. 193.º e 202.º, n.º 1, do CPP, para além, obviamente, de estar indiciado algum dos perigos previstos no art. 204.º, do mesmo Código.
Tal norma e a respectiva interpretação que dela fazemos, contrariamente ao que possa parecer, não ofende qualquer princípio constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade, pois não pode tratar-se de igual forma aquilo que é diferente.
O estrangeiro que entrou e permanece irregularmente em Portugal ou aquele que, apesar de ter entrado regularmente, está em vias de ser expulso e que em Portugal cometeu um crime, não está nem pode estar em situação de igualdade relativamente aos cidadãos nacionais, que não podem ser expulsos.
Daí que, o recurso é improcedente.

III. DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, julga-se improcedente o recurso do Ministério Público, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente.
Notifique.

Lisboa, 20 de Março de 2012

Relator: José Adriano;
Adjunto: Vieira Lamim;
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[1]  Como refere José de Oliveira Ascensão in “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, edição Fundação Calouste Gulbenkian de 1978, pág. 370:
«Estas situações são raríssimas. E são-no, não propriamente pelo cuidado posto na legiferação, mas em consequência do que podemos chamar o princípio do aproveitamento das leis … e da presunção de racionalidade da legislação. O intérprete, partindo do princípio de que a lei é acertada, procurará de todos os modos chegar a um sentido útil, e só em último recurso se resignará a desaproveitar a fonte, admitindo que dela nada de útil resultou».