Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
318/10.4PAAMD.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: FURTO
FURTO QUALIFICADO
VALOR DIMINUTO
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Estando provado que os arguidos formularam o propósito de se dirigirem a determinado estabelecimento comercial para se apropriarem de bens que aí encontrassem e pudessem repartir entre si, sendo detidos quando acabavam de se introduzir no mesmo por arrombamento, não estando provado, nem alegado, que bens aí se encontravam, nem permitindo os elementos disponíveis nos autos determinar um valor aproximado e seguro dos bens que os arguidos podiam levar consigo, por força do princípio in dubio pro reo, deve a indeterminação do valor ser valorada a seu favor, afastando-se a qualificação do furto, por aplicação do nº4, do art.204, do Código Penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência na (5.ª) Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I – Relatório.
I – 1.) Nos Juízos de Pequena Instância Criminal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, foram os arguidos A..., B... e C..., com os demais sinais, submetidos a julgamento em processo sumário, acusados pelo Ministério Público da prática em autoria material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado p. e p. na conjugação dos art.ºs 203.º e 204.º, n.º 2, al. e), 22.º e 23.º, todos do Cód. Penal.

Proferida a respectiva sentença, vieram os mesmos a ser condenados pela indicada infracção (co-autoria de um crime e furto qualificado, na forma tentada, p. e p. na conjugação dos art.ºs 22.º e 23.º, 203.º e 204.º, n.º 2, al. e), com referência ao art. 202.º al. d), todos do Cód. Penal), nas penas, respectivamente, de 9 meses de prisão, 1 ano de prisão e 1 ano e seis meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo prazo de 1 ano no caso dos dois primeiros arguidos (A... e B...), sendo que em relação a este último, acompanhada de regime de prova.

I – 2.) Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido C... para esta Relação, assim concluindo as razões da sua discordância:

1.ª ….

2.ª …
….


I - 2.) Na sua resposta, a Digno magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Grande Lisboa-Noroeste teve o ensejo de expor as razões pelas quais, no seu entendimento, deve ser negado provimento ao recurso interposto.

II – Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer apontando no mesmo sentido decisório.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Não foi requerida a realização de audiência.
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Pelo que, nessa conformidade, teve lugar a conferência.
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Cumpre apreciar e decidir:

III – 1.) Conforme resulta das conclusões apresentadas, consabidamente delimitadoras do seu objecto, visa o arguido C... com o recurso ora interposto, discutir em primeira linha a qualificação do crime de furto pelo qual foi condenado - dada a ausência na matéria de facto provada de qualquer referência ao valor dos bens a subtrair - e depois, discutir a medida da pena que lhe foi aplicada no quadro do correspectivo tipo base.

I – 2.) Como temos por habitual, vejamos conferir primeiro a factualidade que se mostra definida:

Factos provados:
1. No dia 30-10-2010, cerca da 01h00, os três arguidos combinaram dirigir-se ao estabelecimento comercial denominado “Restaurante Pastelaria ….”, sito no …, e fazerem seus bens que se encontrassem no interior daquele local;

2. Em concretização de tal desígnio, os arguidos retiraram o vidro da porta de acesso ao aludido estabelecimento, após o que abriram essa porta;

3. De seguida, os arguidos B... e C... entraram no interior do referido estabelecimento para se apoderarem de bens que pudessem repartir entre os três, enquanto o arguido A... permaneceu no exterior daquele estabelecimento, junto da porta de acesso ao mesmo, tendo sido combinado entre todos que este avisaria os restantes dois caso surgisse alguma ameaça aos intentos dos mesmos;

4. Nesta ocasião, agentes da Polícia de Segurança Pública surpreenderam os arguidos B... e C... quando estes ainda se encontravam no interior do aludido estabelecimento e interceptaram o arguido A... quando este estava junto da porta de acesso àquele local;

5. Os três arguidos tinham conhecimento dos factos acima descritos e, ainda assim, quiseram agir pela forma mencionada, em conjunto e em comunhão de esforços e de intenções, com o intuito de fazerem seus os bens referidos, bem sabendo que agiam contra a vontade do dono destes e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

6. O arguido A... vive com os pais que, tal como aquele, são vendedores ambulantes, e com a sua namorada;

7. O arguido A... aufere no exercício desta actividade um montante mensal médio de cerca de €150,00;

8. A namorada do arguido A... recebe o rendimento social de inserção;

9. O arguido A... tem como habilitações literárias o 5º ano de escolaridade; e

10. O arguido A... não tem antecedentes criminais;

11. Por sentença proferida em 25-09-2009 nos autos de processo comum singular com o n.º 1676/07.3PASNT do 2º Juízo Criminal de Sintra, o arguido B... foi condenado pela prática em 15-09-2007 de um crime de aproveitamento de obra contrafeita em pena de prisão substituída por multa e em pena de multa;

12. Por sentença proferida em 09-02-2010 nos autos de processo comum singular com o n.º 1039/06.8PASNT do Juízo de Média Instância Criminal da Comarca da Grande-Lisboa Noroeste, o arguido B... foi condenado pela prática em 18-04-2007 de um crime de aproveitamento de obra contrafeita em pena de prisão substituída por multa; e

13. Por sentença proferida em 26-04-2010 nos autos de processo comum singular com o n.º 820/07.5PASNT do Juízo de Média Instância Criminal da Comarca da Grande-Lisboa Noroeste, o arguido B... foi condenado pela prática em 05-05-2007 de um crime de aproveitamento de obra contrafeita em pena de prisão substituída por multa e em pena de multa;

14. Por acórdão proferido em 16-01-2002 nos autos de processo comum colectivo com o n.º 27/01.5GABRR do 2º Juízo Criminal do Barreiro, o arguido C... foi condenado pela prática em 17-01-2001 dos crimes de furto, de furto de uso de veículo e de furto qualificado na pena única de seis anos e quatro meses de prisão;

15. Por acórdão proferido em 24-01-2003 nos autos de processo comum colectivo com o n.º 345/00.0GABRR do 2º Juízo Criminal do Barreiro, o arguido C... foi condenado pela prática em 15-12-2000 do crime de furto de uso de veículo na pena de oito meses de prisão;

16. Neste processo comum colectivo com o n.º 345/00.0GABRR do 2º Juízo Criminal do Barreiro foi efectuado cúmulo jurídico da pena no mesmo imposta ao arguido C... com as penas parcelares que a este foram aplicadas no processo referido no ponto 14., tendo o mesmo sido condenado na pena única de seis anos e oito meses de prisão;

17. Por sentença proferida em 22-09-2006 nos autos de processo sumário com o n.º 594/06.7GTCSC do 3º Juízo Criminal de Cascais, o arguido C... foi condenado pela prática em 14-09-2006 do crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução;

18. Por sentença proferida em 06-03-2009 nos autos de processo sumário com o n.º 192/09.3PBMTA do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Moita, o arguido C... foi condenado pela prática em 20-02-2009 do crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de nove meses de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade; e

19. Por sentença proferida em 25-02-2010 nos autos de processo sumário com o n.º 81/10.9GASXL do 2º Juízo Criminal do Seixal, o arguido C... foi condenado pela prática em 09-02-2010 do crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de prisão por dias livres.

Factos não provados:

Com relevância para a decisão da causa, inexistem.

III – 3.1.) Tal como decorre do facto provado sob o n.º 1, a deslocação combinada dos três arguidos que conduziu à sua introdução no estabelecimento comercial denominado “Restaurante Pastelaria …”, sito no …., tinha em vista a intenção daqueles de “fazerem seus bens que se encontrassem no interior daquele local”.
Ou de uma outra forma, como depois se concretiza no ponto 3, “para se apoderarem de bens que pudessem repartir entre os três”.

Que bens eram esses e quais os existentes no estabelecimento que poderiam satisfazer tal critério, é algo que a matéria de facto não esclarece.
Mais, nessa decorrência, não lhes atribuiu qualquer valor.

Ninguém contestará que a actuação em causa é susceptível de integrar o conceito de arrombamento, haja-se em vista a respectiva definição legal constante do art. 202.º, al. d), do Cód. Penal.
Porém, porque o art. 204.º, n.º 4, do mesmo diploma, estabelece que a qualificação no furto não se opera, se o valor da coisa for diminuto, não havendo qualquer referência àquela expressão económica dos bens a subtrair, o que entender em casos como estes?

III – 3.2.) Embora a posição doutamente sustentada em ambas as Instâncias pelo Ministério Público até encontre alguma ressonância pontual em termos de Jurisprudência (v.g. a traduzida no Ac. do STJ de 26/06/1997, CJ (STJ) Ano V, T.2, pág.ª 250), a verdade é que não é essa a opinião que temos como maioritária, nem a que vimos seguindo sobre tal matéria.

O raciocínio que se pretende aportar é este: uma vez que no interior de um Restaurante/Pastelaria é normal encontrarem-se sempre artigos diversos de mercadoria e equipamentos de hotelaria do mais distintos, dificilmente aqueles não ascenderão “a centenas ou milhares de euros”.
Logo, os bens a apropriar pelos arguidos nunca seriam inferiores à unidade de conta.

No fundo, é o que a dogmática vertida no referido aresto em parte pretende significar. Ou seja, para que se possa considerar um determinado valor como insignificante ou diminuto, é necessário um juízo positivo sobre esse valor.
O que na situação em apreço, perfilhando-se o raciocínio apontado, não se autoriza efectuar - antes pelo contrário!
Daí ganhar justificação legal a qualificação.

Em função das especificidades do caso que nos é presente, não temos porém desse silogismo uma ideia tão assertiva.

Desde logo, porque a não existir referência a um qualquer meio de transporte adequado para o efeito, sempre a experiência comum imporia a limitação decorrente da possibilidade de movimentação dos bens a apropriar, o que, por si só, afasta a maioria dos referidos equipamentos de hotelaria.
Depois, porque o que a experiência comum normalmente assinala como objectivo deste tipo de furto é antes a apropriação de dinheiro, tabaco, bebidas alcoólicas …, bens depois facilmente transaccionáveis ou consumíveis.
Não os conseguimos divisar nas fotografias juntas aos autos.
Aliás, o que aí aparentemente se retrata, com apoio nas respectivas notas de comentário, é que a caixa registadora foi remexida, assim como uma gaveta do interior do balcão, mas nada terá sido retirado.

Questão diferente é se os arguidos teriam razões para pensar que existiriam.

Mas como até se poderá facilmente concluir a partir deste tipo de considerações, este é um problema a ser encarado em dois planos distintos: um primeiro que congrega aspectos relativos à alegação, e depois, um outro, subsequente, de natureza probatória.

Se estivéssemos, por exemplo, perante um quadro produzido por um artista famoso (Monet, Rembrandt), ou de uma peça de joalharia de valor inquestionável (ouro e diamantes), com facilidade admitimos que aquele segundo momento não tivesse forçosamente que ser percorrido – pelo menos para este efeito.

Mas não é essa a situação dos autos. Aqui a direcção da acção apropriativa é excessivamente vaga e o universo dos bens que se afirma serem passíveis de a satisfazer, para além de não estar quantificado, não está suficientemente determinado.
Aliás, tudo o indica, aquele até será um estabelecimento bem modesto.

Logo, mais não seja que em razão do funcionamento do princípio in dubio pro reo, as referidas presunções não poderão aqui funcionar em toda a sua plenitude.

A hipótese de se considerar a existência de uma eventual insuficiência da matéria de facto provada traduzida no não apuramento do valor dos bens, na esteira, por exemplo, do douto acórdão desta Relação e Secção de 18/01/2011, no processo 950/08.6PBOER.L1-5 (consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt/jtrl), como forma de se solucionar este tipo de omissões, não se nos afigura, igualmente, constituir a melhor solução para o problema.

Porventura, em razão da forma sumária que foi emprestada ao julgamento dos autos, tais factos e valores não só não estão alegados (a sua introdução, traduzirá agora uma mera alteração não substancial?), como também a prova que foi arrolada (constituída por agentes policiais), não é em princípio apta à sua demonstração.

III - 3.3.) Se no art. 204.º, n.º 4, do Cód. Penal, estamos perante um “contra-tipo” ou “uma norma de desqualificação”, é questão Doutrinal na qual não gostaríamos de entrar.

Fazendo nossa parte da argumentação sintetizada no sumário do douto acórdão do STJ de 23/06/2010, no processo 246/09.6GBLLE.S1 (consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt/jstj) diríamos antes que:

- (…) Sendo a coisa objecto do crime de diminuto valor, mesmo que se verifique alguma das circunstâncias qualificativas, não funciona a qualificação (…).
- A determinação do valor da coisa objecto de crime é (…) essencial, como pressuposto necessário da integração diferencial, com reflexos fundamentais na qualificação ou não qualificação do crime e na moldura penal aplicável.
- No caso vertente, não consta dos factos provados da sentença recorrida qualquer indicação sobre as coisas e respectivo valor, que o recorrente teria a intenção de subtrair – e o valor quantificado ou quantificável, já que os critérios de integração das noções relevantes são positivados, delimitados e quantificados por referência a valores monetários.
- O valor das coisas não é (diríamos nós, poderá não ser), revertível à noção de facto notório, e menos ainda se não for referido ou identificado algum bem ou quantia de valor específicos, e a ausência de circunstâncias que permitam, no mínimo, uma quantificação aproximada, relevante e segura, para satisfazer o respeito pelo princípio da legalidade penal, não pode ser interpretada no sentido mais amplo e com maior desfavor do arguido, ou seja, em valoração in pejus.
- Deste modo, os factos provados, no que respeita ao elemento essencial do valor, não permitem a decisão tomada pelo tribunal a quo quanto à subsunção no tipo legal agravado. Por isso, a projecção material ainda do princípio in dubio, enquanto princípio relevante da prova sobre elementos de factos relevantes em processo penal, impõe que a indeterminação dos valores, bem como a ausência de qualquer indicação sobre os bens que o recorrente pretendia retirar ao ofendido, tenha de ser valorada a favor do recorrente.
- Nesta conformidade, os factos provados apenas permitem a subsunção no tipo de furto simples, p. e p. no art. 203.º, n.º 1, do Cód. Penal, uma vez que (…), não tem lugar a qualificação do crime.

III – 3.4.) Aqui chegados, uma vez que a moldura penal do crime em apreço, ainda que na sua forma tentada, é totalmente diferente da que foi considerada na sentença ora posta em crise (a prisão passará agora a situar-se entre 1 mês e os 2 anos e multa entre os 10 e os 240 dias - cfr. art.ºs 203.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, 23.º e 72.º do Cód. Penal), haverá que nessa conformidade reequacionar a pena aplicada ao recorrente, e por via do estatuído no art. 403.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, a dos outros dois arguidos.

Para tanto, haveremos de recordar os parâmetros doseométricos que foram considerados na decisão em epígrafe:

- O grau de ilicitude do facto [art. 71º, n.º 2, al. a), do Código Penal], que na situação em apreço se apresenta mediano para uma conduta que integre a prática do crime de furto qualificado;
- A intensidade do dolo dos arguidos, que é directo [art. 71º, n.º 2, al. b), do Código Penal];
- As condições pessoais e a situação económica dos arguidos [art. 71º, n.º 2, al. d), do Código Penal], sendo que apenas se logrou apurar que o arguido A... não exerce actividade profissional regular. Quanto aos arguidos B... e C..., como já se referiu, o Tribunal não logrou apurar qualquer factualidade relativa às condições pessoais e à situação económica dos mesmos, na medida em que ambos não compareceram na audiência de discussão e julgamento e não foi possível proceder à elaboração de relatório social respeitante àqueles pelas razões expostas a fls. 140 e 147;
- A conduta anterior e posterior ao facto [art. 71º, n.º 2, als. e) e f), do Código Penal], sendo que o arguido A... é primário e os arguidos B... e C... têm antecedentes criminais, sendo que o último cumpriu já pena de prisão efectiva pela prática do crime de furto qualificado.
Na situação em apreço são ponderosas as razões de prevenção geral, sobretudo dada a frequência com que o crime de furto qualificado é praticado.
A culpa dos arguidos reflecte o grau de ilicitude do facto e, atendendo também aos factores mencionados, situa-se no nível médio das necessidades de prevenção geral.

Ao quadro geral deixado exposto, haverá apenas que introduzir uma alteração pontual. O crime de furto que temos em referência deixa obviamente de ser qualificado, o que degrada a sua ilicitude, mas no quadro de consideração que baliza agora a sua forma simples, haverá que imputar o acréscimo nesse mesmo factor decorrente da apropriação intentada ter sido conseguida com uma forma particularmente desvaliosa de acesso à propriedade alheia.

No que concerne ao arguido A..., em face da sua primariedade e o aparente nível satisfatório de inserção social, já que vive com os pais a quem ajuda na venda ambulante, auferindo um pequeno rendimento, julgamos que a pena de multa, dentro do critério ínsito ao art. 70.º do Código Penal, realiza ainda assim de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Atendendo a que se trata de furto em estabelecimento, aquelas razões de prevenção geral apontam para a fixação de uma pena acima do seu intervalo médio.
Vamos situa-la nos 160 dias, com a respectiva razão diária no mínimo legal - €5,00.

Em relação ao arguido B..., tal como se faz anotar, tinha 20 anos de idade à data da prática dos factos.

Porém, diferentemente do que sucede em relação primeiro arguido, já tem antecedentes criminais.
Dir-se-á, são condenações (em número de três) que dizem respeito a crimes a conexos com os direitos de Autor, possivelmente relacionadas com o tipo de profissão (venda ambulante) que aparentemente exerce ou exerceu.
Ainda assim, não deixam de ser infracções penais.

E o crime que temos presente já traduz uma gradação “para mais” em termos de perigosidade, a demandar maior prevenção geral e especial.
É um furto em estabelecimento com luvas, passa montanhas a cobrir a cara, um vigia…

No seu caso, entendemos ser de aplicar a pena de prisão, do mesmo modo que consideramos ser de afastar a atenuação especial decorrente do 4.º do DL n.º 401/82, de 23/09, Regime Penal Especial para Jovens Delinquentes, na medida em que não existem razões, sérias ou não, para crer, que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

Fixaremos a sua pena em 7 (sete) meses de prisão, cuja execução também vamos deixar suspensa por um ano, na condição de se submeter a regime de prova, pese embora as dificuldades já sentidas pela DGRS para a sua execução, a começarem, desde logo, pela circunstância da morada por si fornecida nos autos aparentemente não existir, e o contacto com o mesmo estar a revelar-se difícil de alcançar.

III – 3.5.) No que concerne ao recorrente C..., nada temos a objectar à pena de 1 ano de prisão que propõe, já que a consideramos adequada à sua culpa e aos factores acima discriminados.

A questão, no que diz respeito a este arguido, centra-se apenas nas suas eventuais modalidades substitutivas, mormente a da suspensão da respectiva execução, prevista no art. 50.º do Cód. Penal.

No que concerne ao seu percurso pessoal, familiar ou profissional, como já vimos, nada se sabe.
Também em relação a ele não foi possível à DGRS elaborar o relatório que havia sido solicitado pelo Tribunal para o efeito (cfr. fls. 140), do mesmo modo que não compareceu a julgamento.

Do que existe traço indiscutível, é que:
Regista uma condenação em 2002, por furto de uso de veículo e furto qualificado, na pena de 6 anos e 4 meses de prisão;
Outra por furto de veículo em 2003, na pena de 8 meses de prisão;
No cúmulo destas duas penas, foi-lhe fixada a pena única de 6 anos e 8 meses de prisão. A mesma veio a ser declarada extinta por cumprimento em 15/03/2008.

Nessa intermitência (09/10/2006) surge uma pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por três anos (por condução sem habilitação legal).

Em 2009, nova condenação pelo mesmo motivo, na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 horas de trabalho a favor da comunidade.

Em 25/02/2010, idem, identificando-se a pena agora aplicada como correspondendo a 18 períodos de prisão.

Como se deixou subentendido no relatório do presente acórdão, o Tribunal da Grande Lisboa-Noroeste não se mostrou favorável à concessão da suspensão agora solicitada.

Justificou-o, entre o mais, no entendimento de que em relação ao arguido C...:

“ (…) os seus antecedentes criminais, nomeadamente relacionados com a prática do crime de furto, e as exigências de prevenção especial que dos mesmos decorrem, levam a que se considere que a simples ameaça da prisão não permite fazer supor que aquele repensará a prática de novos ilícitos criminais, não suportando a comunidade que o mesmo não cumpra uma pena de prisão efectiva ou que o cumprimento dessa pena se processe de outra forma que não através de prisão efectiva em estabelecimento prisional.

Com efeito, de harmonia com o preceituado no art. 50.º, n.º 1, do Cód. Penal, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior da 5 anos se, “atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Ou seja, para além daquele pressuposto formal, que aqui obviamente não constitui qualquer óbice, haverá que reunir-se um outro, de natureza material, a traduzir o prognóstico favorável em como a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Este na definição de Jescheck (Tratado de Derecho Penal – Parte General – Comares Editorial, Granada 1993, pág.ª 760/1, tradução de José Luís Samaniego), “consiste na esperança de que o condenado se dará já por advertido com o proferir da sentença e que não cometerá mais nenhum delito.” (…).

Ainda que a esperança não signifique segurança, pois que o tribunal “deve dispor-se a correr um risco aceitável”, também não é sinónima de uma qualquer profissão de fé.
Como o sublinha aquele Magno Autor, “se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”.

É o caso dos autos, pois com se vê, já sofreu uma condenação significativa por furto, vem progredindo em termos substitutivos nas penas de prisão que lhe vêem sendo aplicadas por crime de menor significado social, mas mesmo assim não deixa de delinquir em domínio diverso e em que as razões de prevenção geral são significativas.
No seu contraponto, nada oferece em termos positivos que atenue as razões de prevenção especial assim agigantadas, mais não fosse disponibilizando-se para fornecer aos decisores um retrato, mínimo que fosse, da sua trajectória e história pessoal mais recente.

Nessa conformidade, nada temos a alterar ao decidido neste particular.

Substituir a pena prisão por multa no quadro apontado (art. 43.º, n.º1, do Cód. Penal), afigura-se-nos não fazer qualquer sentido punitivo, após se ter sido sancionado várias vezes em prisão, sem aparente resultado.
Fazer cumprir aquela prisão em regime de permanência na habitação (art.44.º), também não, pois que o desconhecimento do seu paradeiro e a sua errância processual são um traço permanente nestes autos.
Converter a prisão por dias livres (art. 45.º) ou em regime de semi-detenção (art. 46.º), já foi experimentando sem sucesso, para além do que, não se demonstra que exista qualquer “actividade profissional normal” que cumpra salvaguardar.

Em relação à prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58.º do Cód. Penal), que já foi tentada em 2009, haveria para a sua concessão que se demonstrar aquele mínimo de estabilidade pessoal e habitacional justificadora da sua eventual concessão.

A pena terá pois, que assumir um cumprimento efectivo.

Assim

IV – Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, na parcial procedência do recurso interposto pelo arguido C..., decide-se:

- Alterar a subsunção jurídico-normativa do crime apurado nestes autos, que passará agora a traduzir-se na co-autoria material de um crime de furto simples, na forma tentada, p. e p. na conjugação dos art.ºs 203.º, n.ºs 1 e 2, 26.º 22.º, 23.º e 73.º do Cód. Penal.

- Nessa conformidade, e em função deste novo quadro incriminador:
a) Condenar o arguido A…, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a multa total de € 800,00 (oitocentos euros).

b) Condenar o arguido B..., na pena de 7 (sete) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 1 (um) ano na condição de se submeter a regime de prova.

c) Condenar o arguido C..., na pena de 1 (um) ano de prisão.

Sem custas, dada a actual redacção do art. 513.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.

Elaborado em computador. Revisto pelo relator, o 1.º signatário.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2012

Relator: Luís Gominho;
Adjunto: José Adriano;