Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
972/09.0TJLSB.L1.6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CADUCIDADE DA ACÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
DEFEITO DA OBRA
ACEITAÇÃO DA OBRA
DEFEITOS
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. O prazo de caducidade, previsto no art. 1224.º, n.º 1, do Código Civil, para o dono da obra exercer os direitos contra o empreiteiro, começa a correr a partir da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva.
II. Não sendo possível identificar o facto a partir do qual começa a correr o prazo de caducidade e também, por isso, situá-lo no tempo, não pode proceder a caducidade do direito de exigir a eliminação dos defeitos da obra.
III. A obra apresenta defeitos ou vícios, quando, ao não ser executada de harmonia com as boas regras da arte ou com o material acordado, reduz a sua aptidão ordinária.
( Da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO
A , instaurou, em 21 de Maio de 2009, contra B , ação declarativa, que viria a ter a forma de processo ordinário, pedindo que Réu fosse condenado a eliminar os defeitos da cerca enunciados nos artigos 37.º e 41.º da petição inicial, bem como a eliminar os defeitos enunciados no artigo 42.º da petição inicial, no terreno sito no lugar de …., freguesia de ….., C.. de ....
Para tanto, alegou, em síntese, que, em maio de 2007, celebrou com o R. um contrato verbal de empreitada, mediante o qual o último se obrigou a construir uma cerca para delimitar as extremas laterais do referido terreno e a reconstruir um muro que circundava um regato; na execução das obras, a cerca foi mal colocada e implantada, para além de, nalgumas partes, ser velha e ferrugenta e mais fina, diferente do acordado, e o muro do regato desabou.
Citado o Réu, contestou a ação, por exceção, arguindo a caducidade da ação, e por impugnação, alegando o cumprimento do contrato. Em reconvenção, pediu que o Autor fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 11 546,36, a título de preço não pago.
Replicou o A., no sentido da improcedência da caducidade e da improcedência parcial da reconvenção.
Pela 8.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, depois da audiência de discussão e julgamento, com gravação, foi proferida sentença, que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o R. a eliminar os defeitos de construção do muro de pedra do regato, reconstruindo-o por forma a não desabar, e absolveu no demais peticionado, e, julgando a reconvenção improcedente, absolveu o A. do pedido.
Não se conformando com a sentença, recorreu o Autor e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) O Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação da prova quantos aos factos controvertidos 17.º e 18.º.
b) O prazo de um ano para a produção dos efeitos da caducidade não foi contado a partir da data efetiva da recusa da obra, laborando a sentença recorrida em erro na interpretação do previsto no art. 1224.º, n.º 1, do Código Civil.
c) O prazo de caducidade referido no art. 1224.º do CC apenas tem o seu início quando da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva e não quando o A. estava habilitado para o fazer.
d) O art. 329.º do CC não é aplicável ao caso concreto.
e) O art. 1224.º do CC apenas ressalva o prazo de caducidade previsto no art. 1220.º do CC.
f) A contagem do prazo de um ano tem que ser feita a partir da data da recusa da obra (final de maio de 2008), não tendo a mesma produzido efeitos.
Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que defira os dois primeiros pedidos formulados.
Contra-alegou o R., no sentido de ser mantida a sentença recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Neste recurso, está em discussão, para além da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a caducidade do direito invocado na ação.

II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Pela 1.ª instância, foram dados como provados os seguintes factos:
1. Por acordo verbal e a pedido do A., o R. obrigou-se a fazer os seguintes trabalhos:
a) Implantar uma vedação no prédio rústico sito no Lugar …., C.. de ...;
b) Executar e montar um portão (cancela) de 4mx2m, pelo preço de € 375,00, e um outro portão (cancela) de 4mx1,5m, pelo preço de € 275,00;
c) Limpar e reconstruir a parede de, pelo menos, um poço;
d) Construir três pontes;
e) Edificar parede ou muro de pedra junto ao ribeiro;
f) Limpar o mato de todo o perímetro do prédio, nomeadamente dos caminhos;
g) Derrubar a chaminé da casa;
h) Montar o portão principal e construir as paredes laterais.
2. A. e R. acordaram o preço de € 8,00, por metro linear da vedação.
3. A. e R. acordaram que o último procederia à reconstrução do muro que circundava um regato, tendo sido acordado o preço de € 22,00, por metro linear.
4. O R. finalizou a reconstrução do muro do regato em outubro de 2007.
5. Em 21 de outubro de 2007, o A. entregou, ao R., a quantia de € 4 000,00, onde se incluía a quantia de € 770,00, referente à construção do muro do regato.
6. O A. entregou ao R. as quantias de € 10 000,00 e € 230,00.
7. A 16 de fevereiro de 2008, o A. entregou, ao R., a quantia de € 15 000,00.
8. O R. colocou 3 126,00 metros de cerca no terreno.
9. O R. procedeu à reconstrução da parede de um poço.
10. O R. procedeu à construção de três pontes sobre valas de água.
11. O R. procedeu à limpeza do mato de todo o perímetro do prédio, nomeadamente dos caminhos.
12. O R. procedeu ao derrube da chaminé da casa.
13. O R. procedeu à montagem do portão principal e construiu as paredes laterais.
14. Na parte confinante do terreno com a estrada, existia um muro de delimitação com 1,5m e, na parte oposta à estrada, o terreno confinava com outro propriedade da P..., o qual já estava vedado com arame farpado.
15. Em dezembro de 2007, o R. havia colocado alguns postes para apoiar a rede de arame não só nas laterais do prédio, como também na parte da frente do terreno junto à estrada e na parte oposta confinante com terreno da P....
16. Em janeiro de 2008, o A. viu que a rede a ser implementada pelo R. não acompanhava os limites da propriedade, chegando a distanciar, em alguns pontos, quatro metros do muro de divisão/estrema do terreno.
17. Em março e abril de 2008, o A. deslocou-se a C.. de ... e foi ver obras.
18. A análise do resultado das obras de vedação do terreno pelo A. só terminou em finais de abril de 2008, dado os 240 kms de distância da sua residência ao terreno, a sua pouca disponibilidade e a dimensão de 44 hectares do terreno.
19. Da análise efetuada, o A. constatou que a rede implementada pelo R. não acompanhava os limites da propriedade, chegando a distanciar, em alguns pontos, quatro metros do muro de divisão/estrema do terreno.
20. Numa parte da cerca, foi colocada uma rede não zincada.
21. Em data não apurada de 2008, mas antes de abril, o muro do regato construído pelo R. desabou.
22. Em final de maio de 2008, A. e R. fizeram uma reunião em C.. de ... (resposta ao quesito 18.º).
23. Para a reconstrução do muro do regato, o A. terá que despender quantia que não foi possível apurar.
24. Para a reparação do referido em 19 e 20, o A. terá que despender a quantia que não foi possível apurar.
25. O R. procedeu à limpeza do poço.
26. O R. procedeu à reconstrução dos paredões de apoio aos portões e cancelas.
27. A montagem de uma vedação suplementar foi necessária por a vedação colocada pelo R. ter ficado baixa, dado o desnível do terreno.
28. Para o derrube da chaminé, é necessário número de horas que não foi possível apurar.
29. E despender quantia que não foi possível apurar.
30. Para a montagem do portão principal e a construção das paredes laterais referidos em 13, seria necessário despender quantia que não foi possível apurar.
***
2.2. Descrita a matéria de facto dada como provada, importa então conhecer do objeto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes foram já especificadas.
A decisão sobre a matéria de facto, proferida pela 1.ª instância, pode ser alterada nos casos previstos no art. 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), sendo certo que, neste caso, se procedeu à gravação dos depoimentos.
Neste âmbito, o Apelante impugnou a resposta negativa ao quesito 17.º da base instrutória e também a parte negativa da resposta ao quesito 18.º da base instrutória, indicando, para uma resposta positiva, ao quesito 17.º, o depoimento da testemunha …., e ao quesito 18.º, o depoimento da testemunha …..
Ouvida a gravação dos depoimentos, importa então reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 712.º do CPC.
Os referidos quesitos são do seguinte teor:
17.º - Em final de abril de 2008, o A. solicitou, ao R., uma reunião, em C.. de ...?
18.º - No dia 23 de maio de 2008, A. e R. fizeram uma reunião na …., C.. de ..., tendo o A. comunicado ao R. o referido nos factos 14.º, 15.º e 16.º, recusado a obra e solicitado a correção da obra?
Do depoimento da testemunha ….., que executa trabalhos para o Apelante, resulta que o mesmo assistiu, em abril de 2008, no escritório daquele, a um telefonema do Apelante para o “empreiteiro”, para se encontrarem em C.. de .... Nesta parte do depoimento, a testemunha não deixou dúvidas quanto à pessoa que era interlocutora no telefonema do Apelante, ao contrário do que consta na fundamentação do despacho que respondeu à base instrutória (fls. 250).
Por isso, face ao conteúdo do depoimento da testemunha, deve a materialidade do quesito ser dada como inteiramente provada.
Relativamente ao quesito 18.º da base instrutória, a testemunha ….., embora tivesse revelado conhecimento da reunião, por ter ocorrido na esplanada da sua casa de agro-turismo, em C.. de ..., onde o Apelante se hospedava, não assistiu à mesma. Nessa medida, não obstante tivesse ouvido as suas vozes (“umas palavras”), como declarou, a testemunha não soube especificar aquilo que o Apelante e Apelado conversaram, tendo-se apenas referido ao que “pressupôs” que estiveram a falar. Nestas condições, não se revelando a conversa concreta, o depoimento da testemunha é insuficiente para a resposta integralmente afirmativa ao quesito.
Consequentemente, não há motivo para alterar a resposta dada ao quesito 18.º.
2.3. Face à modificação da resposta ao quesito 17.º da base instrutória, adita-se à matéria de facto provada o seguinte facto:
31. Em final de abril de 2008, o A. solicitou, ao R., uma reunião, em C.. de ....
2.4. Delimitada a matéria de facto provada, importa agora conhecer da questão da caducidade, que a sentença recorrida julgou procedente quanto ao direito de reparação dos defeitos da cerca, absolvendo o Apelado do correspondente pedido.
No âmbito do contrato de empreitada, que corresponde à relação jurídica estabelecida entre as partes, dispõe o art. 1224.º, n.º 1, do Código Civil (CC), que “os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização caducam, se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva (…)”.
O prazo curto estabelecido neste preceito legal, comum à generalidade das legislações, para o exercício dos direitos, designadamente da eliminação dos defeitos, pelo dono da obra, conta-se a partir da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva.
Assim, de uma forma bastante clara, a lei fixa o começo do prazo da caducidade na data da recusa da aceitação da obra ou da sua aceitação com reserva. Para o efeito, não serve, de modo algum, que o dono da obra se encontre habilitado para recusar ou aceitar com reserva a obra, dado que a lei estabeleceu, neste âmbito, uma outra referência, nomeadamente qualquer um daqueles factos.
Antes da aceitação, o dono da obra deve verificar se a mesma se encontra nas condições convencionadas e sem vícios, comunicando ao empreiteiro os resultados da verificação (art. 1218.º, n.º s 1 e 4, do CC). A verificação é obrigatória para o dono da obra, ficando este sujeito às sanções previstas no n.º 5 do art. 1218.º do CC, já que se entende que o dono da obra “tem de aceitar ou não aceitar a obra, logo que esta seja posta à sua disposição para verificar se está ou não em conformidade com o convencionado” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, 2.ª edição, 1981, pág. 729).
O dono da obra pode aceitar a obra, encontrando-se realizada a seu contento, aceitar sob reserva, indicando os defeitos e não prescindindo dos direitos conferidos pelo art. 1221.º do CC, ou rejeitar a obra, quando não corresponda ao convencionado, com as consequências legais decorrentes de cada uma das situações.
A aceitação da obra pode ser expressa, tácita ou presumida, não dependendo da observância de qualquer forma especial.
Enquadrado o facto a partir do qual se conta o prazo da caducidade, pode afirmar-se, neste caso, como certo que o empreiteiro deu a obra por concluída e que o dono da obra pôde proceder à sua verificação, concretamente até finais de abril de 2008. No entanto, a mesma certeza já não se obtém quanto à posição que o dono da obra tomou, depois de ter efetuado a respetiva verificação. Em face da materialidade provada, não é possível afirmar que o dono da obra a aceitou (com ou sem reserva) ou rejeitou. Tais questões mereceram, aliás, uma resposta negativa (quesito 11.º e parte do quesito 18.º da base instrutória). Por outro lado, se é exato não se ter provado que o dono da obra tenha comunicado os resultados da verificação, também, ao contrário, não se provou a omissão de tal comunicação, até porque o facto nem sequer foi alegado, nomeadamente pelo empreiteiro, a quem poderia aproveitar.
Deste modo, não se podendo ter como certa a falta de comunicação dos resultados da verificação do dono da obra, pois apenas não se provou que fora feita, como aliás fora alegado, não é permitido concluir que tivesse havido aceitação da obra, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 1218.º do CC.
Neste contexto, não é possível identificar o facto a partir do qual começa a correr o prazo da caducidade. Mas mesmo que isso fosse possível, ainda assim faltaria também um outro dado relevante, como seja a sua situação no tempo, para permitir averiguar se o exercício do direito à reparação dos defeitos, pelo dono da obra, fora concretizado dentro do prazo de um ano fixado no n.º 1 do art. 1224.º do CC.
Correspondendo a caducidade a um facto extintivo do direito invocado na ação, competia ao ora Apelado a prova da sua materialidade, em conformidade com a regra da distribuição do ónus da prova consagrada no n.º 2 do art. 342.º do CC.
Assim sendo, a sentença recorrida não podia ter declarado a caducidade do direito invocado na ação, pelo que se mantém válido o direito de reparação dos defeitos da obra.
Nesta decorrência, resulta da matéria de facto que, depois de concluída a obra, a rede não acompanhava os limites da propriedade, chegando a distanciar, nalguns pontos, quatro metros do muro de divisão/estrema do terreno e, numa parte da cerca, foi colocada uma rede não zincada (n.º s 19 e 20).
Trata-se, na verdade, de defeitos ou vícios da obra, já que a vedação, nalgumas partes, não foi executada de harmonia com as boas regras da arte, deixando de delimitar ou demarcar convenientemente a propriedade e, por isso, reduzindo a sua aptidão ordinária. Por outro lado, parte da rede também não obedeceu à qualidade que estava acordada, tendo sido utilizado material de menor qualidade, com implicação na aptidão do fim da rede.
O empreiteiro, como é óbvio, tinha o dever de executar a obra em conformidade com o convencionado e sem vícios que, designadamente, reduzissem a sua aptidão para o uso ordinário – art. 1208.º do CC.
Podendo tais defeitos ser suprimidos, cabe essa obrigação ao empreiteiro, nos termos do n.º 1 do art. 1221.º do CC.
Nesta conformidade, procedendo também os restantes pedidos formulados na petição inicial, a decisão recorrida não pode manter-se, com o consequente provimento do recurso.
2.5. Em termos de conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
I . O prazo de caducidade, previsto no art. 1224.º, n.º 1, do Código Civil, para o dono da obra exercer os direitos contra o empreiteiro, começa a correr a partir da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva.
II. Não sendo possível identificar o facto a partir do qual começa a correr o prazo de caducidade e também, por isso, situá-lo no tempo, não pode proceder a caducidade do direito de exigir a eliminação dos defeitos da obra.
III. A obra apresenta defeitos ou vícios, quando, ao não ser executada de harmonia com as boas regras da arte ou com o material acordado, reduz a sua aptidão ordinária.
2.6. O Apelado, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em ambas as instâncias, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e, em consequência, condenar o Réu a eliminar os defeitos da rede nas partes em que a sua colocação não acompanha os limites da propriedade e em que não foi colocada o tipo de rede acordado.
2) Condenar o Apelado (Réu) no pagamento das custas, em ambas as instâncias.

Lisboa, 1de Fevereiro de 2012

Olindo dos Santos Geraldes
Fátima Galante
Manuel José Aguiar Pereira