Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14852/10.2T2SNT.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DE CONTRATOS
CONTESTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Em acção declarativa especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contratos sendo apresentada contestação, seja qual for o seu teor, já não pode ter aplicação o artigo 2º do Anexo ao DL nº 269/98 de 1.09, devendo a acção prosseguir, observando-se os termos previstos no art. 3º e ss. do mesmo.
II - Sendo apresentada contestação, o juiz não pode já limitar-se a conferir força executiva à petição, tendo, necessariamente, de conhecer de mérito, proferindo sentença condenatória ou absolutória, seja imediatamente após os articulados, seja após audiência de julgamento, e sem prejuízo de, logo após os articulados, julgar procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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RELATÓRIO.
A …, Lda. intentou a presente acção declarativa especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contratos contra B e C , pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de € 4.692,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
A fundamentar o peticionado, alega, em síntese:
Em meados de Dezembro de 2007, os RR. reservaram um dos espaços explorados pela A., denominado “…”, para aí celebrarem o seu casamento, em 29.06.2008, tendo ficado acordado que a cerimónia ascenderia ao valor total € 8.742,08.
Em 26.12.2007 entregaram, a título de sinal, a quantia de € 1.680,00 e em 25.06.2008 fizeram um reforço de sinal no montante de € 2.300,00, altura em que acordaram que os remanescentes € 4.692,08 seriam pagos no dia do casamento, o que não fizeram, uma vez que o cheque entregue no referido dia após a cerimónia veio a ser devolvido por falta de provisão - com o que a A. sofreu um prejuízo de € 17 -, e não obstante as posteriores promessas de pagamento e declaração de assunção de dívida que enviaram à A.

            Regularmente citados, apenas a R. contestou, alegando serem verdadeiros os factos alegados pela A., mas apenas ser responsável pelo pagamento parcial da dívida, em virtude de se encontrar separada do R. com quem acordou serem ambos responsáveis pela dívida, na proporção de 50% cada um, não tendo a R. ainda pago a sua parte por dificuldades económicas provocadas pela separação e nascimento de um filho.
Termina pedindo que a acção seja julgada parcialmente improcedente.
            Foi proferido despacho nos seguintes termos: “A R. regularmente citada veio, no prazo legal, apresentar o requerimento que antecede, o qual não configura, a nosso ver uma verdadeira oposição à pretensão da A., mas antes uma “justificação”, do não pagamento da dívida peticionada, a qual se reconhece existir, ou seja, se confessa, sendo certo que se trata de dívida solidária perante a A. credora, pelo que é indiferente para esta os acordos celebrados entre os RR. quanto à repartição das respectivas responsabilidades, que lhe não são oponíveis, relevando apenas para eventual acção de regresso entre os RR. O R. regularmente citado não contestou. Assim, perante a procedência do pedido, e face ao cominatório previsto no art. 2º do Anexo do Dec. Lei nº 269/98 de 1.09, confiro força executiva ao pedido. …”.

Não se conformando com o teor da decisão, dela apelou a R., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
a) A Recorrente entende que a douta sentença violou o artigo 2º do anexo do Dec. Lei 269/98 de 1/9.
b) A Ré apresentou contestação onde confirmou a maioria dos factos alegados pela Autora, no entanto acrescentou factos (nomeadamente o acordo celebrado entre os Réus), bem como defendeu uma aplicação diversa do direito.
c) Logo, salvo melhor entendimento, não poderia a douta sentença conferir força executiva à petição inicial,
d) Pelo que deverá a sentença ora recorrida ser revogada, prosseguindo os autos.
Termina pedindo o provimento do recurso.
Não foram apresentadas contra-alegações.

            QUESTÕES A DECIDIR.
            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC), a única questão a decidir é se a decisão recorrida violou o art. 2º do Anexo ao Dec. Lei nº 269/98 de 1.09.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade relevante é a referida no relatório supra.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A presente acção foi intentada no âmbito do DL nº 269/98 de 1.09, por estar em causa o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de um contrato, e atento o seu valor.
A acção segue a forma especial prevista no Anexo ao mencionado diploma legal, sem prejuízo de aplicação das regras gerais e comuns, e das estabelecidas para o processo ordinário nos casos omissos (art. 463º do CPC).
Entrada a petição inicial em juízo, estipula o art. 1º, nº 2 do Anexo ao DL. 269/98 de 1.09 que o réu é citado para contestar no prazo de 15 dias (no caso).
Se o réu, citado pessoalmente, não contestar, dispõe o art. 2º do mencionado diploma que “o juiz, com força de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente”.
Se o réu contestar, a acção prossegue, estabelecendo o nº 1 do art. 3º que “se a acção tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir de mérito”.
Se não conhecer de nenhuma excepção ou nulidade ou de mérito, designa dia para audiência de julgamento, na qual são oferecidas e produzidas as provas, após o que os mandatários fazem uma breve alegação oral e é logo ditada a sentença, sucintamente fundamentada, para a acta (arts. 3º, nºs 2 e 4 e 4º, nºs 1, 6 e 7 do Anexo).
No caso sub judice, citados os RR., a R. contestou dentro do prazo legal.
E sendo apresentada contestação, seja qual for o seu teor [1], é inquestionável que já não pode ter aplicação o mencionado artigo 2º do Anexo, devendo a acção prosseguir, observando-se os termos previstos no art. 3º e ss. do mesmo [2].
Como escreve Salvador da Costa in “Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 5ª ed. act. e ampl., pág. 90, em anotação ao mencionado art. 2º, “o segundo pressuposto de funcionamento do disposto na primeira parte deste artigo é o da falta de contestação do réu. A omissão de contestação por parte do réu funciona como base indirecta de certeza, ou seja, de um elemento formal, a falta de oposição, e dela resulta um conteúdo material positivo, a aposição da fórmula executória. O conceito de falta de contestação significa a não apresentação tempestiva do respectivo articulado, …”.
Sendo apresentada contestação, o juiz não pode já limitar-se a conferir força executiva à petição [3], terá, necessariamente, de conhecer de mérito, proferindo sentença condenatória ou absolutória, seja imediatamente após os articulados, seja após audiência de julgamento.
No caso em apreço, o juiz não obstante ter sido apresentada contestação pela R., conferiu força executiva ao pedido, ao abrigo do mencionado art. 2º do Anexo, não obstante ter tecido, de forma sucinta, considerações de mérito sobre a factualidade alegada na contestação [4], que entendeu não configurar verdadeira oposição.
Não podia, de facto, o tribunal recorrido conferir força executiva à petição, sendo inaplicável o referido preceito legal, face à apresentação de contestação.
Assiste, assim, razão à apelante, devendo o despacho recorrido ser revogado e a acção prosseguir nos termos do art. 3º do Anexo ao mencionado diploma legal, conhecendo o tribunal de mérito, proferindo sentença condenatória ou absolutória, seja imediatamente após os articulados, seja após audiência de julgamento.

DECISÃO.
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, devendo a acção prosseguir nos termos do art. 3º do Anexo ao DL nº 269/98 de 1.09.
Custas pela apelada.
                                                                       *
Lisboa, 20 de Março de 2012

Cristina Coelho
Maria João Areias
Luís Lameiras
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[1] A lei não distingue, reportando-se a determinado articulado – a contestação.
[2] O qual, como acabado de referir, não impõe o prosseguimento para julgamento, podendo o juiz, de imediato, apreciar de mérito, se entender que o processo reúne já todos os elementos necessários para tal, ou conhecer de alguma excepção ou nulidade, que entenda verificar-se.
[3] Que dispensa qualquer apreciação de mérito, sem prejuízo de não dispensar o juiz de apreciar se ocorrem, de forma evidente, excepções dilatórias ou se o pedido é manifestamente improcedente, consagrando, assim, “um regime intermédio entre o anterior e o novo sistema regente do processo comum” – Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol., 2ª ed. rev. e ampl., pág. 134, nota 193.
[4] Afigurando-se-nos correctas as considerações jurídicas que fez, face ao alegado na contestação, e que o deveriam ter levado a conhecer, logo, de mérito, julgando a acção procedente e condenando os RR. no pedido.