Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17528/10.7TT2SNT.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
PRESENÇA DO DEFENSOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - No Processo de Contra-ordenação Laboral e da Segurança Social, existem regras próprias no que concerne à participação do arguido na audiência e relativamente à sua ausência na mesma.
II – Por força dessas regras, o arguido não é obrigado a comparecer à audiência de julgamento. Só assim não será, ou seja, é o arguido obrigado a comparecer em julgamento quando o juiz considere a sua presença necessária ao esclarecimento dos factos. Mas o arguido pode sempre, no entanto, fazer-se representar por defensor legal; se o entender tem o direito de se fazer acompanhar por advogado (ou defensor) caso compareça em audiência. Caso não compareça e não tenha sido ordenada a sua presença pode fazer-se representar por defensor legal - o que significa que o mesmo não tem necessariamente de ser assistido.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
AA, LDA., veio interpôs recurso da decisão do tribunal de 1.ª instância, que no âmbito d impugnação judicial da decisão da ACT que lhe aplicara a coima de Euros 5.100,00 por infracção ao preceituado no art.º 37.º da Lei 100/97, manteve essa decisão.

Concluiu as suas alegações de recurso, em síntese, do seguinte modo:
(…)

O MP contra-alegou no sentido do não provimento do recurso.

Foi recebido o recurso e cumpridas as demais formalidades.

2. Matéria de facto
Na 1.ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1 – A arguida exerce a actividade principal de transportes terrestres de passageiros.
2 – No dia 26 de Março de 2009, pelas 18H00, foi efectuada uma visita inspectiva conjunta em transportes rodoviários, com a GNR e o Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P., em ... (Doc. de fls. 10).
3 – Nessa ocasião, a arguida mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens e mediante retribuição, o Sr. BB, desde Novembro de 2008, com as funções de motorista.
4 – A arguida não apresentou, apesar de notificada para tanto (Docs. de fls. 12 a 17), a apólice de seguro de acidentes de trabalho que cobrisse o mencionado BB, uma vez que não tinha transferido para qualquer seguradora a responsabilidade pela reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho, relativa ao mesmo.
5 – A arguida apresentou um volume de negócios relativo a 2008 no valor de € 2.333.838,09 (fls. 8).

3. O Direito
As questões que a recorrente coloca à apreciação deste tribunal são as seguintes:

1. Nulidade da audiência de discussão e julgamento por falta de nomeação de defensor à arguida, com a consequente nulidade da sentença;
2. Violação do art.º 32.º n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.

Quanto à 1.ª questão (nulidade da audiência de discussão e julgamento por falta de nomeação de defensor à arguida, com a consequente nulidade da sentença)
Sustenta a arguida que tendo a audiência tido lugar na ausência do seu representante legal e do seu mandatário, está a mesma ferida de nulidade insanável, e todos os actos nela produzidos, incluindo a sentença condenatória.
Adianta-se desde já que não assiste razão à arguida.
Ao presente caso tem aplicação o Processo de Contra – Ordenação Laboral e de Segurança Social (PCLSS), aprovado pela Lei 107/2009, de 14 de Setembro. Na realidade, pese embora a infracção em causa tenha sido praticada em 26 de Março de 2009, aos presentes autos de contra-ordenação (laboral), é de aplicar aquele regime legal, por força do princípio da aplicação imediata da lei processual penal, contemplado no art.º 5.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art.º 41.º do DL 433/82, de 27 de Outubro, que consagrou o regime geral das contra-ordenações (RGCO).
No PCOLSS existem, com efeito, regras próprias no que concerne á participação do arguido na audiência e relativamente à sua ausência na mesma. Aí se estabelece o seguinte:
Art.º 42.º
“ 1 - O arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos.
2 – O arguido pode sempre fazer-se representar por defensor legal.
3 – Nos casos em que o juiz não ordenou a presença do arguido a audiência prossegue sem a presença deste.”
Art.º 43.º:
“ Nos casos em que o arguido não comparece nem se faz representar por advogado, tomam-se as declarações em conta as declarações que tenham sido colhidas no âmbito do processo de contra-ordenação ou regista-se que ele nunca se pronunciou sobre a matéria dos autos, apesar de lhe ter sido concedida a oportunidade para o fazer, e procede-se a julgamento”.
Estes normativos têm, aliás, redacção semelhante ao que consta dos artigos 67.º e 68.º do DL 433/82, de 27 de Outubro, de onde resulta, designadamente, a não obrigatoriedade da comparência do arguido em julgamento, salvo se o juiz a considerar necessária ao esclarecimento dos factos, sendo que na hipótese de não ter sido ordenada a presença do arguido, poderá o mesmo fazer-se representar por advogado. Caso o arguido não compareça nem se faça representar por advogado, tomar-se-ão em conta as declarações colhidas no processo ou registar-se-á que ele nunca se pronunciou sobre a matéria dos autos, não obstante lhe ter sido concedida oportunidade para o fazer, e julgar-se-á.
Resulta, pois, com clareza das citadas disposições legais, que o arguido não é obrigado a comparecer à audiência de julgamento; só assim não será, ou seja, é o arguido obrigado a comparecer em julgamento quando o juiz considere a sua presença necessária ao esclarecimento dos factos – o que no caso não ocorreu.
O arguido pode sempre, no entanto, como se viu, fazer-se representar por defensor legal; se o entender tem o direito de se fazer acompanhar por advogado (ou defensor) caso compareça em audiência. Caso não compareça e não tenha sido ordenada a sua presença pode fazer-se representar por defensor legal. O que significa que o mesmo não tem necessariamente de ser assistido.
É de salientar que a jurisprudência é praticamente unânime quanto à não obrigatoriedade de nomeação oficiosa de defensor ao arguido, podendo a audiência ter lugar sem a presença do arguido e do seu advogado. Neste sentido, os seguintes arestos:
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 1996.12.12, processo. 4634; Acórdão da Relação do Porto de 1997.96.04, processo 9610912; Acórdão da Relação do Porto de 1998.11.25, Acórdão da Relação do Porto de 2000.06.21 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2009.09.23, “http://www.colectaneadejurisprudencia.com”, todos igualmente referidos no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2011.09.11. processo 135/10.1TTPRT.P1, www.dgsi.pt.
É certo que o art.º 66.º do RGCO refere que “salvo disposição em contrário, a audiência em primeira instância obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções não havendo lugar a redução de prova escrita”. E o regime de processamento das transgressões e contravenções é o que resulta do DL 17/91, de 10 de Janeiro. Sucede, porém, que por força da existência de regras especificas no que toca à ausência do arguido e sua representação em sede de contra-ordenações laborais, e do que se mostra regulado no âmbito do próprio DL 433/82, de 27.10 no que toca à dedução da acusação, obrigatoriedade da presença do MP em julgamento e da não redução da prova a escrito (artigos 62.º, n.º 1, 69.º e art.º 66.º do RGCO), o art.º 13.º daquele diploma, que trata das formalidades da audiência, tem actualmente um campo de aplicação particularmente diminuído e circunscrever-se-á apenas aos seus n.ºs 5, 6 e 7. Acresce que, a nosso ver, não resulta desse art.º 13.º, a obrigatoriedade da nomeação de defensor oficioso ao arguido em caso de ausência deste e do seu mandatário constituído. Efectivamente, como resulta do seu n.º 7, são subsidiariamente aplicáveis ao julgamento as disposições do Código de Processo Penal, relativas ao julgamento em processo comum.
Ora, prescreve o art.º 64.º n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, aplicável ao processo comum, que:
É obrigatória a assistência de defensor:
No debate instrutório e na audiência, salvo tratando-se de processo que não possa dar lugar a pena de prisão ou medida de segurança”.
Verifica-se, assim, de acordo com a lei processual penal que nos processos penais menos graves, como são aqueles onde não poderá ser aplicada “pena de prisão ou medida de segurança”, se dispensa a obrigatoriedade da assistência de defensor ao arguido, pelo que não faria sentido que no julgamento das contra-ordenações, infracções mais simples e por natureza sem ressonância ética, fosse imposta essa obrigação.
No caso em apreço, a arguida constituiu mandatário forense (fls. 71). Designada data para a audiência à mesma não compareceu nem a arguida, nem o seu defensor (fls. 77 e 81).
À luz do que acima se referiu, não se verifica a arguida nulidade insanável (art.º 119.º, alínea c), do CPP), porquanto a lei não exigia a comparência da arguida e do respectivo advogado em audiência de julgamento, não sendo obrigatória a nomeação de defensor àquela.

Quanto à 2.º questão (violação do art.º 32.º n.º 10, da CRP)
Tão pouco assiste razão à arguida quanto a esta questão.
No art.º 32.º n.º 10 da nossa Lei Fundamental, prescreve-se, na verdade, que nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa. No presente caso, esses direitos mostram-se plenamente assegurados, pois não obstante a arguida não tenha comparecido em audiência, nem se tenha feito representar pelo seu advogado constituído – o que já se viu não integra qualquer nulidade insanável, foi-lhe dado conhecimento da contra-ordenação que lhe era imputada (fls. 11, 12, 13 e 17), da decisão da autoridade administrativa e da sanção em que incorria 24 a 29 e 31), teve oportunidade de deduzir a sua impugnação judicial, o que fez (fls. 42 a 49); foi inquirida em julgamento a testemunha que arrolou (95 a 97); foram notificados a arguida e seu defensor a sentença condenatória proferida em 1.ª instância (fls. 98 e 99), tendo apresentado recurso da mesma que aqui se aprecia.
A arguida foi ouvida ao longo de todo o processo e pôde defender-se das imputações que lhe eram feitas. Mostra-se, pois, observado em toda sua amplitude o contraditório e a garantia de defesa da arguida.
*
Improcedem, por conseguinte, as conclusões de recurso da arguida.

4. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, não se alterando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012

Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Decisão Texto Integral: