Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3110/11.5TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
SUSPENSÃO
FALTAS
COMUNICAÇÃO
REGULAMENTO INTERNO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I - A Ordem de Serviço 26/2005, de 8/07, emanada da Administração da CGD, atendendo ao regime especial que vigora em termos de Previdência e Segurança Social no sector bancário, ao Acordo de Empresa da CGD e aos poderes de direcção, regulamentar e disciplinar do empregador, configura um lícito regulamento de empresa, do tipo normativo, que, no fundo, se limita a adaptar, em aspectos de pormenor, e mesmo reforçar (junta médica em vez de médico singular) o regime geral constante dos artigos 229.º do Código do Trabalho de 2003 e 205.º, 206.º e 191.º e seguintes da Lei n.º 35/2004, de 29/07.
II - A comunicação e justificação atempadas e sucessivas traduzem-se em deveres do trabalhador que não se mostram afastados pela suspensão do contrato de trabalho por motivo de doença, dado não pressuporem, pelo menos, em moldes exclusivos, a efectiva prestação de trabalho, prendendo-se com outros deveres acessórios relacionados com a boa fé no cumprimento dos contratos (artigos 119.º do Código do Trabalho de 2003 e 126.º do actual Código do Trabalho) e contemplados nas alíneas a) e e) ou f) dos números 1 dos artigos 121.º e 128.º dos dois Códigos do Trabalho (deveres de urbanidade e lealdade), que emergem da relação jurídica complexa que é a relação laboral
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO

AA (…), intentou, em 30/08/2011, Procedimento Cautelar de Suspensão de Despedimento contra CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, com sede na Avenida João XXI, n.º 63, 1000-3000 Lisboa, pedindo, em síntese, o seguinte:
Nestes termos, nos mais de direito e com o douto suprimento de Vossa Excelência, a Requerente requer que seja decretada a suspensão do seu despedimento, nos termos dos artigos 32.º e seguintes do Código do Processo do Trabalho, com as consequências previstas na lei
*
A Requerente, para fundar tal pedido, alegou, em síntese, que foi despedida pela Requerida, na sequência de processo disciplinar para o efeito instaurado pela CGD, SA, com fundamento em faltas injustificadas, muito embora a trabalhadora se encontrasse durante esse período de faltas injustificadas, de baixa médica psiquiátrica, com apresentação de atestados médicos mensais passados por médico psiquiatra.
A Requerida considerou que a Requerente se encontrava em situação de faltas injustificadas a partir do momento em que o médico não a encontrou em casa quando da realização de uma visita médica domiciliária por determinação da CGD (sendo certo que anteriormente já se havia gorado a concretização de um exame por junta médica, por falta de comunicação atempada para a morada correcta).
A Requerente nunca recebeu a múltipla correspondência que lhe foi remetida, nomeadamente, a que respeitava à comunicação da instauração do processo disciplinar e do envio da Nota de Culpa, que a Requerente não conseguiu levantar nos CTT, pois ainda vinha com o seu nome de casada quando já se havia divorciado, com perda do apelido do cônjuge, oportunamente comunicada à Requerida.
A Requerente informou a Requerida dessa última situação de impossibilidade de recebimento da mencionada correspondência e as razões para a mesma, mas a comunicação seguinte que a demandante percebeu foi a decisão de despedimento.
Juntou documentos e arrolou prova testemunhal.
*
Citada a Requerida (fls. 69 e 70 e 117), veio a mesma, em 26/09/2011, deduzir oposição nos termos constantes do articulado de fls. 75 e seguintes, aí se impugnando parcialmente os factos articulados pela Requerente e reafirmando os factos imputados à trabalhadora e os fundamentos de direito, que radicaram o despedimento com invocação de justa causa (faltas injustificadas).
Juntou o processo disciplinar e arrolou testemunhas.
*
Foi designada data para a Audiência Final, que decorreu com observância do legal formalismo (fls. 114 a 116), onde se procedeu à inquirição de quatro testemunhas, com registo-áudio dos correspondentes depoimentos, vindo a ser proferida a sentença de fls.118 e seguintes, com data de 27/09/2011, que, por entender, por um lado, que o processo disciplinar estava ferido de nulidade (violação do direito de defesa), por outro, a ultrapassagem do prazo máximo legalmente consagrado para o exercício da acção disciplinar e, finalmente, a probabilidade séria de inexistência de justa causa, decidiu o seguinte:
Nestes termos, julgo o presente procedimento cautelar procedente e, em consequência, decreto a suspensão do despedimento da requerente AA.
Custas pela requerida (sendo o valor da causa o indicado no requerimento inicial).
Notifique.
*
A Requerida, inconformada com tal decisão, veio, a fls. 141 e seguintes e em 01/10/2011, interpor recurso da mesma.
O juiz do processo admitiu, a fls. 198, o recurso interposto, como de apelação, tendo determinado a sua subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
A Apelante apresentou alegações de recurso (fls. 143 e seguintes) e formulou as seguintes conclusões:
(…)
*
Notificado a Requerente para responder a tais alegações, veio a mesma fazê-lo dentro do prazo legal, nos moldes constantes de fls. 167 e seguintes, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
*
O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação, não tendo as partes se pronunciado sobre o mesmo dentro do prazo legal.
*
Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II – OS FACTOS

O tribunal da 1.ª instância recorrido considerou indiciariamente provados os seguintes factos:

1 – A Requerente encontra-se ao serviço da Requerida, vinculada a esta por contrato de trabalho desde 18 de Agosto de 1996, estando inscrita na Caixa Geral de Aposentações.
2 – A Requerente é sócia do STEC – Sindicato da Empresas do Grupo Caixa Geral de Depósitos.
3 – Na sua relação laboral com a Requerida, a Requerente encontra-se abrangida pelo Acordo de Empresa celebrado com o referido sindicato e a Requerida, publicado no BTE n.º 47, de 22/12/2007.
4 – A Requerente encontra-se ausente do serviço, na situação de baixa médica, por doença do foro psiquiátrico, desde Setembro de 2008.
5 – Por força da regulamentação interna da Requerida e do AE acima mencionado, as faltas da Requerente por motivo de doença não envolvem perda de retribuição.
6 – A partir de 22 de Abril de 2009, inclusive, embora a Requerente tenha continuado a apresentar à Requerida, regular e tempestivamente, como forma de justificar a sua baixa por doença, documentos comprovativos da situação de incapacidade em que se encontrava, a Requerida deixou de lhe pagar, a partir dessa data, qualquer importância de natureza retributiva.
(A partir de 22 de Abril de 2009, inclusive, embora a Requerente tenha continuado na situação de baixa por doença e sempre tenha apresentado à Requerida, regular e tempestivamente, documentos comprovativos da situação de incapacidade em que se encontrava, a Requerida deixou de lhe pagar, a partir dessa data, a retribuição que lhe é devida.)
7 – Em 24 de Agosto de 2009, o sindicato da Requerente enviou à Requerida uma carta a solicitar o pagamento das retribuições em dívida e, face ao parecer entretanto emitido pelo médico psiquiatra que vinha acompanhando a Requerente (que esta apresentara oportunamente nos serviços da Requerida), solicitou também, por indicação desse médico, a sua transferência para outro local de trabalho como forma de se readaptar ao exercício de funções (documento n.º 3 junto a fls. 29/30 cujo teor se dá por inteiramente reproduzido).
8 – Essa carta não foi objecto de resposta por parte da Requerida.
9 – Em 15 de Outubro de 2010, a Requerente apresentou-se ao serviço da Requerida e entregou, na direcção de pessoal desta, o pedido escrito que resulta do documento n.º 5 junto a fls. 32 dos presentes autos (cujo teor se considera integralmente reproduzido).
10 – A direcção de pessoal da Requerida comunicou-lhe, nessa altura, que considerava a Requerente apresentada ao serviço mas que, em função do pedido efectuado, deveria aguardar na sua residência – sem prejuízo da sua retribuição – um contacto para se apresentar ao serviço.
11 - A Requerente chegou a ser contactada telefonicamente pela direcção de pessoal da Requerida para se apresentar nessa direcção com vista a acertar o novo local de trabalho e serviço em que a Requerente deveria ser colocada.
12 – Antes da data agendada pela direcção de pessoal da Requerida para a Requerida aí se deslocar para esse efeito, aquela direcção de pessoal contactou de novo a Requerente informando-a de ter sido cancelado esse encontro, pelo que deveria continuar a aguardar, em casa, um novo contacto.
13 – Até ao presente, a Requerente jamais voltou a ser contactado pela Requerida para se apresentar ao serviço.
14 – A Requerida passou a pagar à Requerente a sua retribuição, com efeitos a partir de 15 de Outubro de 2010.
15 – A Requerida não pagou à Requerente qualquer importância de natureza retributiva durante o período de 22 de Abril de 2009 a 15 de Outubro de 2010.
(A Requerida jamais pagou à Requerente a retribuição em dívida, correspondente ao período de 22 de Abril de 2009 a 15 de Outubro de 2010.)
16 – Por carta datada de 18 de Agosto de 2011, efectivamente recebida em 23 de Agosto de 2011, a Requerida notificou a Requerente de que “por deliberação da comissão executiva de 10/8/2011, foi decidido aplicar-lhe a pena disciplinar de despedimento sem qualquer indemnização ou compensação, com efeitos a partir do dia seguinte àquele em receber esta carta” (documento n.º 6 junto de fls. 33 a 49 cujo teor se dá por inteiramente reproduzido).
17 – Antes de receber a notificação da deliberação de despedimento, a Requerente nunca teve conhecimento por escrito de ter sido instaurado um processo disciplinar contra si pela Requerida, dado as três cartas (todas registadas e duas com Aviso de Recepção) que foram enviadas, durante a pendência do mesmo, para a morada que foi indicada pela Requerente, terem sido devolvidas ao remetente.
(Antes de receber a notificação da deliberação de despedimento, a Requerente jamais foi notificada por escrito pela Requerida de ter sido instaurado, contra si, qualquer processo disciplinar.)
18 – A Requerente jamais recebeu da requerida qualquer nota de culpa.
19 – A Requerente recebeu na sua caixa de correio, em Maio de 2011, dois avisos dos CTT para levantar, na estação dos correios da área da sua residência, correspondência registada, que incluía a nota de culpa.
20 – Essa correspondência, dirigida a AA, que, para o efeito entrou na posse dos respectivos avisos, não foi levantada pela mesma, por razões não concretamente apuradas, nos serviços dos CTT.
(Tendo-se dirigido à referida estação dos correios, dentro do prazo estabelecido, para efectuar o levantamento dessa correspondência, foi-lhe recusada, pelos serviços dos CTT, a entrega da correspondência a que se referiam os ditos avisos em virtude dessa correspondência se encontrar dirigida a AA.)
21 – A Requerente adquiriu, por via do casamento, o apelido B....
22 – Tendo-se divorciado, em 20 de Janeiro de 2011, a Requerente readquiriu o seu nome de solteira, ficando excluído o apelido B....
23 – A Requerente comunicou essa alteração de nome à Requerida, tendo esta última mencionado o seu nome actual nos recibos de retribuição referentes aos meses de Fevereiro a Maio de 2011.
24 – Não obstante conhecer essa alteração, a requerida identificou a Requerente como AA no relatório final emitido pelo instrutor do processo disciplinar e na deliberação de despedimento (documento n.º 6 supra-citado, fls. 34 e 35).
25 – Na carta pela qual a Requerente foi notificada do despedimento, o seu nome encontra-se correctamente identificado – exclusão do apelido B... – razão pela qual a Requerida recebeu a notificação do seu despedimento (documento n.º 6 supra-referenciado, fls. 33).
26 – O erro de identificação cometido pela Requerente resultou de lapso dos seus serviços internos.
27 – Em meados de Julho de 2011, na sequência de, em Maio de 2011, ter entrado na posse dos Avisos relativos às duas cartas registadas que lhe foram dirigidas pelo instrutor do processo disciplinar, a Requerente, admitindo tratar-se de correspondência expedida pela Requerida, dirigiu-se à direcção de pessoal desta e comunicou o facto à Dr.ª BB, pedindo-lhe esclarecimento sobre a questão de saber se lhe teria sido enviada correspondência registada pela Requerida.
(Algum tempo depois de ter sido impedida de receber, em Maio de 2011, as duas cartas registadas que lhe eram dirigidas, em consequência de erro na sua identificação, a Requerente, admitindo tratar-se de correspondência expedida pela Requerida, dirigiu-se à direcção de pessoal desta e comunicou o facto à Dr.ª BB, pedindo-lhe esclarecimento sobre a questão de saber se lhe teria sido enviada correspondência registada pela Requerida.)
28 – Após ter efectuado algumas diligências, a Dr.ª BB informou a Requerente de que corria termos um processo disciplinar contra esta e que essa correspondência se destinava, em princípio, a enviar-lhe a Nota de Culpa, mas que o processo fora, entretanto, concluído, pelo que a Requerente deveria aguardar a deliberação final a proferir nesse processo.
29 – Apesar desta chamada de atenção efectuada pela Requerente na direcção de pessoal da Requerida, de que a impossibilidade de recepção das cartas registadas que lhe foram enviadas resultou de erro de identificação cometido pela Requerida, esta veio a deliberar, em Agosto de 2011, o despedimento da Requerente.
30 – A Requerente jamais foi submetida a qualquer exame por Junta ou por médico susceptível de pôr em crise os atestados médicos que tem apresentado desde o início da sua doença.
31 – Em 22 de Abril de 2009 foi tentada, por iniciativa da Requerida, uma visita domiciliária de verificação da doença da Requerente, em que o respectivo médico permaneceu 15 minutos junto à residência da Requerente – das 16h05m às 16h20m – sem que tenha sido atendido.
32 – Dá-se aqui por reproduzido o procedimento disciplinar instaurado contra a Requerida, apresentado em sede de audiência final.
33 – A Requerente, ao aperceber-se de que lhe tinha sido suspenso o pagamento da retribuição, em Abril de 2009, contactou telefonicamente a direcção de pessoal da Requerida e solicitou informação sobre tal facto, tendo sido informada de que tal constituía uma consequência de ter faltado a uma junta médica para a qual fora convocada, de não ter sido encontrada em casa no âmbito de uma visita domiciliária e de não ter respondido a cartas que lhe teriam sido enviadas.
34 – A Requerente informou logo não ter recebido qualquer convocatória para se submeter a exame por junta médica, nem ter recebido quaisquer cartas, informando, tal como se refere na nota de culpa, existirem inúmeras falhas de entrega de correspondência no prédio em residia, tendo solicitado, nessa ocasião, que lhe fossem enviadas cópias dessas cartas através de e-mail.
35 – Em 16/06/2009, foi remetido pela funcionária da Requerida CC à Requerente, o E-mail que se mostra junto a fls. 35 do processo disciplinar, que, para além de um anexo com documentos não concretamente identificados, em formato comprimido (ZIP), tinha o seguinte teor:
Boa tarde,
No seguimento do s/email que mereceu a n/melhor atenção, informamos o seguinte:
1.º. - Confirmamos que a morada que abaixo indica no seu email corresponde aquela para onde foi enviada toda a correspondência referente às consequências - injustificação das faltas a partir de 22/04/2009 -, resultantes do facto de não se encontrar na sua residência no dia 22/04/2009, quando foi efectuada a visita domiciliária do médico para verificar a situação de doença.
2.º. - Todas as comunicações foram efectuadas através de carta registada com aviso de recepção, de carta com registo simples e de carta normal, tendo as cartas registadas com aviso de recepção sido devolvidas por não se encontrar no momento da entrega e posteriormente não ter procedido ao levantamento das mesmas na estacão dos correios. Quanto às restantes cartas, os CTT informaram que foram entregues no destinatário.
3.º. - Considerando que a comunicação da CGD com os seus empregados, especialmente os que se encontram de ausência prolongada, é efectuada formalmente através de carta enviada para a morada constante da base de dados de Recursos Humanos da Instituição, devem os empregados garantir/acautelar a recepção do correio que lhes é dirigido, informando sempre a DPE do local onde se encontram durante o período de doença, caso se ausentem de residência habitual.
4.º. - Por fim, cabe salientar que, até à sua retoma das funções ou apresentação de justificação que venha a ser aceite pela DPE, as suas faltas encontram-se injustificadas desde o dia 22/Abril/2009, nos termos da OS 26/2005, cujo exemplar se junta em anexo.
Com os melhores cumprimentos
(A Requerida jamais deu satisfação à solicitação atrás referida (ponto 34).)
36 – A Requerente sofria de depressão profunda e passava longos períodos do dia a dormir, em função da medicação que tomava.
37 – De acordo com a alínea e) do ponto 7.1. da ordem de serviço 26/2005 emitida pela Requerida, as faltas são injustificadas “quando o empregado não for encontrado no seu domicílio ou no local em que declarou estar doente desde o dia da verificação até à data da retoma de funções ou de apresentação de documento justificativo aceite pela DPE” (cf. fls. 50 a 52 do procedimento disciplinar, cujo teor se considera integralmente reproduzido).
38 – A Requerida tentou notificar a Requerente para uma Junta Médica, a realizar em 17/4/2009, tendo a respectiva carta sido devolvida com indicação de morada inexistente.
39 – Tal Junta nunca chegou a efectuar-se.
40 – A Requerente jamais recebeu a convocatória referida nos arts. 3.º a 6.º da nota de culpa.
41 – A Requerente jamais recebeu as cartas referidas nos arts. 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da nota de culpa.
42 – A Requerente, à excepção dos atestados a que se alude no ponto 6, não enviou à Requerida qualquer outro elemento na sequência da solicitação efectuada por e-mail de 16 de Junho de 2009 (documento de fls. 35/36 do procedimento disciplinar cujo teor se considera integralmente reproduzido).
43 - A Requerida remeteu, com data de 09/07/2009, três cartas iguais, com o teor constante de fls. 37 a 43 do processo disciplinar, para a morada que havia sido fornecida pela Requerente no E-mail, datado de 8/06/2009 e por si enviado à funcionária da Requerida, CC (SSA).

2.2. Factos não provados.

Não se provou a restante factualidade alegada, designadamente a vertida nos arts. 51.º, 61.º e 62.º do requerimento inicial e nos arts. 10.º (na parte que pressupõe a efectiva entrega da carta aí mencionada), 14.º, 17.º/18.º (na parte que pressupõe a entrega da carta de 9/7/2009), 54.º, 67.º (a partir de “sabia que se encontrava”) e 76.º (a partir de “a requerente foi efectivamente notificada”) da oposição.

NOTA: O Ponto 31, na sequência, aliás, do pedido de rectificação nesse sentido formulado pela Recorrente nas suas alegações, foi objecto de correcção, nos termos dos artigos 666.º, números 2 e 3 e 667.º do Código de Processo Civil, tendo aí se procedido à substituição da expressão “Requerente” por «Requerida».
Acham-se inseridos a negrito os Pontos da Matéria de Facto que foram alterados por este tribunal de recurso na sequência da impugnação da correspondente Decisão pela Apelante, tendo-se mantido em itálico e entre parênteses a anterior redacção desses mesmos Pontos.
Importa também chamar a atenção para a circunstância do tribunal recorrido ter dado como assentes por acordo os factos constantes dos artigos 48.º a 51.º do Requerimento Inicial, por referência ao artigo 72.º da Oposição, quando a afirmação neste último inserida (“…dir-se-á que os contactos aí referidos ocorreram nos termos descritos…”) não remete para aqueles artigos do articulado da Apelada mas antes para o teor da própria oposição, que contradita e apresenta uma versão diferente dos mesmos.
*
III – O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
*
A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 30/08/2011, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 1/1/2008) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e que só se aplicaram aos processos instaurados a partir de 01/1/2008 (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal) bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas excepções que não tem relevância na economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal) – cf., quanto ao complexo regime decorrente das normas de direito transitório constantes do último diploma legal indicado, Eduardo Paiva e Helena Cabrita, “O processo executivo e o agente de execução”, 2.ª Edição, Abril de 2010, Edição conjunta de Wolsters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, páginas 19 e seguintes -, mas esse regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância tem para a economia deste processo judicial.
Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do actual Código do Processo do Trabalho e, essencialmente, da reforma do processo civil de 2007 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12 e Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e aplica-se a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido, quer na vigência do Código do Trabalho de 2003, quer no de 2009 (o Código do Trabalho de 2009 entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, os regimes decorrentes de qualquer um desses diplomas que poderá aqui ser chamado à colação, conforme os factos e questões concretas abordadas, em conjugação com as normas de aplicação da lei no tempo, o reclamem.

B – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(…)
C – OBJECTO DO RECURSO

C1 - QUESTÃO PRÉVIA

Afigura-se-nos fundamental alertar para a configuração muito particular que, quer em termos formais, como materiais, assume o litígio vertido nos presentes autos de procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
Deparamo-nos com uma trabalhadora que entrou de baixa por doença do foro psiquiátrico desde Setembro de 2008 e 15 de Outubro de 2010, com apresentação de atestados médicos comprovativos do seu estado clínico ao longo desse período e mesmo par além dele (muito embora nem sempre o fazendo com a regularidade e oportunidade necessárias, apesar de tal conduta não ter sido, aparentemente, valorada negativamente no quadro do processo disciplinar instaurado contra a mesma e que conduziu ao seu despedimento com justa causa, com base na prática de 373 faltas injustificadas, sendo 174 relativas ao ano de 2009 e 199 ao ano de 2010).
Impõe-se referir que o motivo que está na base de tal injustificação se prende com a impossibilidade de realização de uma visita domiciliária à Requerente por médico designado pela CGD, por a não ter encontrado em casa ou, pelo menos, por aquela, apesar de aí se encontrar, não lhe ter aberto a porta (não se tendo revelado viável, em momento anterior, a comparência da Apelada em Junta Médica igualmente requerida pela Apelante, por não recebimento pela primeira da correspondência respectiva), o que implicou, da parte da recorrente e face à inacção da recorrida ao longo daquele período temporal - entre 22 de Abril de 2009 e 14 de Outubro de 2010 -, que as faltas a partir daí fossem encaradas como injustificadas e deixasse de ser pago o vencimento, nos termos do Acordo de Empresa, como vinha acontecendo até aí.
Importa precisar que tal qualificação jurídica das faltas dadas desde 22 de Abril de 2009 tem um motivo essencialmente “administrativo” - não realização da dita visita domiciliária, sem uma justificação posterior apresentada pela trabalhadora para tal impossibilidade, para além de uma Atestado Médico onde se informava que a doente se podia ausentar de casa -, que se escuda na Ordem de Serviço n.º 26/2005, que entrou em vigor em 08/07/2005 e que se mostra junta a fls. 48 e seguintes do processo disciplinar.
Logo, não é o facto de a Requerente não padecer efectivamente da doença de carácter depressivo que invoca e que justifica a sua baixa (muito embora a CGD, nas entrelinhas e sem o afirmar expressamente, pareça duvidar da efectiva existência de tal doença, tal por pensar ser essa a verdadeira razão da não sujeição da Requerente à Junta Médica e depois à visita domiciliária) mas antes por não estar disponível, nos moldes determinados pela referida Ordem de Serviço, ao controlo pela entidade empregadora do seu estado clínico nem ter apresentado depois justificação credível e suficiente para essa indisponibilidade.
Ora, chegados aqui, não podemos deixar de referir a natureza sensível e dúbia da complexa situação em presença, pois não havendo uma prova inequívoca e objectiva de que a doença invocada e documentalmente comprovada não é falsa, tendo de partir do pressuposto de que a mesma é real e atingiu a funcionária da CGD durante o referido período temporal de Setembro de 2008 a 14 de Outubro de 2011.
Mas se tal é um facto indesmentível, também não existe uma prova mínima nos autos de que tal doença, pela forma específica como se manifestou e afectou a Apelada, a impediu ou, no mínimo, a obstaculizou gravemente, de adoptar condutas que o senso, a lógica e o seu interesse pessoal lhe imporiam, como o recebimento ou a resposta a diversa correspondência escrita ou por via electrónica da Apelada (se não a toda ela, pelo menos à parte que foi correctamente dirigida para os endereços pela mesma fornecidos) e a apresentação de justificação pronta e suficiente para a impossibilidade da dita visita domiciliária (não sendo despiciendo recordar que tal facto acarretou a suspensão do “pagamento” do vencimento à Requerente), que, desde que credível e suportada medicamente, obrigaria a CGD a inverter a sua
Realce-se, finalmente, que a recorrida já não se encontrava materialmente de baixa quando viu ser instaurado contra si o processo disciplinar dos autos, não podendo escudar-se em tal doença, ao não buscar, de imediato ou num espaço temporal curto, informação junto da sua empregadora acerca dos dois avisos relativos à Nota de Culpa que não levantou nos serviços dos CTT (faça-se notar que esperou praticamente dois meses para se deslocar à empresa e averiguar tal situação, como ficou indiciariamente provado).
Pensamos que é a partir do cenário que deixámos traçado que deveremos analisar as diversas questões que se suscitam nos autos.

C2 - INVALIDADE DO PROCESSO DISIPLINAR

O tribunal recorrido entendeu que o processo disciplinar estava ferido de uma invalidade insanável, traduzida na não audição da Recorrente, no quadro do processo disciplinar contra a mesma instaurado, conforme o previsto nos artigos 382.º, número 2, alínea c) do Código do Trabalho de 2009.
Pode ler-se na sentença recorrida o seguinte:
Da factualidade indiciariamente provada resulta, em nosso entender, ser ilícito o procedimento disciplinar que vem impugnado nos presentes autos, atenta a circunstância de a requerente não ter tomado conhecimento da nota de culpa que foi elaborada no seu âmbito e, consequentemente, de lhe ter sido coarctado o direito de se pronunciar sobre o seu teor (cf. art. 382º, nºs 1 e 2, alínea c), do actual Código do Trabalho – 2009).
Na verdade, e levando sempre em consideração a matéria fáctica relevantemente apurada, não pode presumir-se que o desconhecimento dessa peça fundamental se deva a qualquer actuação menos diligente da requerente, tanto mais que foi a requerida, ao cometer um lapso na identificação do destinatário, quem deu origem à recusa de entrega, por parte dos CTT, da correspondência que incorporava a nota de culpa.
Foi, desta forma, cometida uma invalidade da qual decorre, nos termos sobreditos, a ilicitude do despedimento que foi decretado.
Salvo melhor opinião, tal nulidade, após a alteração da factualidade dada como indiciariamente provada e atendendo ao que se deixou analisado no ponto anterior, não ressalta, agora e em nossa opinião, com a nitidez e a certeza afirmadas pela decisão judicial impugnada.
Julgamos que a Requerida, através do instrutor do processo disciplinar, fez o que tinha a fazer, a saber, o remeter para a morada conhecida e fornecida pela Requerente a Nota de Culpa e a comunicação de instauração do processo disciplinar, com intenção de despedimento - em rigor, até fez mais do que o seu dever, ao tentar, por duas vezes, a notificação da trabalhadora naquela morada da documentação indicada -, não podendo ser responsabilizada, de acordo com os factos dados como perfunctoriamente assentes, pelo seu não recebimento (melhor dizendo, levantamento) nos serviços postais competentes, sendo certo que a Apelada, como já acima referimos, foi, pelo menos, negligente (para não dizer mais!) no tratamento de tal situação, pois só se dirigiu às instalações da Requerida, com vista a averiguar o que se passava relativamente aquelas duas cartas, cerca de 2 meses depois, num comportamento incompreensível e sem justificação aparente (pelo menos, não consta nos autos!).
Não se ignora que a Requerente afirma que não lhe foi possível proceder ao levantamento das duas cartas porque elas vinham mal endereçadas (com o seu nome de casada em vez do de divorciada/solteira) mas também é certo que, a ser verdadeiro esse cenário, a primeira carta foi remetida em 10/05/2011 e a segunda no dia 25/05/2011, ou seja, com quinze dias de diferença, o que implicou, com grande margem de probabilidade, que as mesmas estiveram em poder da trabalhadora em dois momentos temporais distintos, não tendo esta, face à primeira carta mal dirigida, tomado qualquer atitude imediata e diligente, através de um simples telefonema ou E-mail de alerta para os serviços de pessoal da CGD (que, convirá dizer, não tiveram qualquer responsabilidade pelo sucedido, tendo sido antes o instrutor do processo disciplinar que não atentou devidamente na modificação superveniente do estado civil da Apelada).
A Requerente não teria conseguido, por outro lado e nesse cenário, levantar tais cartas através da apresentação conjunta do seu cartão de cidadão (fls. 50) e de cópia ou certidão da Acta que decretou o seu divórcio (fls. 59 a 65), caso desejasse efectivamente fazê-lo?
Parece-nos que a conduta da recorrida em toda esta matéria não se pautou pelos parâmetros mínimos, que legal e socialmente são exigidos, da boa-fé e da cooperação e colaboração com a sua entidade empregadora (artigo 126.º do Código do Trabalho de 2009).
A entidade empregadora acha-se legalmente obrigada a comunicar por escrito, ao trabalhador visado e para a sua morada actual e conhecida, os referidos elementos, sob pena de nulidade do correspondente procedimento disciplinar (cf. o citado artigo 382.º do Código do Trabalho de 2009) mas não tem de garantir ou porfiar pelo seu efectivo recebimento e conhecimento por parte daquele, pois tal significaria, para além do socialmente razoável e juridicamente exigível, colocar nas mãos sérias ou desonestas dos trabalhadores a validade ou invalidade do processo disciplinar (bastaria, então, a recusa de recebimento, o seu não levantamento atempado nos CTT ou simplesmente a omissão da sua leitura, ainda que tivessem entrado na posse dos documentos em causa, para inquinar, na sua essência, o procedimento disciplinar formal em apreço).
Não ficaram demonstradas nos autos as razões para o não levantamento pela Apelada das duas cartas relativas à Nota de Culpa nos serviços postais dos CTT (nomeadamente, aquelas alegadas pela mesma) mas tão-somente que esta teve os respectivos avisos em seu poder e não levantou a dita correspondência.
Dir-se-á que tal posse faz, só por si, presumir que a Requerente tentou o dito levantamento nos CTT e que só o não conseguiu por motivos que lhe foram alheios (ainda que não sendo aqueles expressamente alegados e não demonstrados pela mesma) mas, salvo o devido respeito, da leitura dos autos ressalta um cenário renovado de não recebimento de correspondência que, pela sua repetição e nas circunstâncias concretas em que por vezes ocorreu, nos fazem suspeitar, sem prejuízo do caso pontual e inicial de erro na morada por parte da Apelante (Junta Médica), de uma conduta voluntária (se não dolosa e de má-fé, pelo menos, negligente) e reiterada da recorrida, que obsta ao funcionamento de qualquer presunção judicial (sem querer faltar minimamente ao respeito da parte, parece-nos detectar aqui a estratégia da avestruz, que, simplesmente enterrando a cabeça na areia, espera simplesmente que os problemas se resolvam por si!).
Logo, nesta parte tem o presente recurso de Apelação de ser julgado procedente, por a nulidade do processo disciplinar declarada pela sentença recorrida não se verificar.

C3 - PRESCRIÇÃO/CADUCIDADE

Abordemos esta outra matéria, convindo chamar, para o efeito, à colação, o estatuído no artigo 329.º do Código do Trabalho de 2009, na parte que releva para a apreciação da mesma:

Artigo 329.º
Procedimento disciplinar e prescrição
1 - O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime.
2 - O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
3 - O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final.
4 - O poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.
5 - (…)

A sentença impugnada, a este propósito, decidiu o seguinte:
Não existindo, embora, elementos nos autos que nos levem a crer que ocorre a prescrição prevista no art.º 329.º, n.º 1, do Código do Trabalho, dada a circunstância de a infracção imputada à trabalhadora (faltas injustificadas) apenas ter cessado em meados de Outubro de 2010, já nos inclinamos para a ocorrência do facto extintivo previsto no n.º 2 do mesmo art.º 329.º — disposição legal que prevê que o procedimento disciplinar deva iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
Com efeito, a requerida bem sabia, até porque a requerente se apresentou ao serviço na data em questão - 15/10/2010 -, que existia disponibilidade da trabalhadora para exercer a sua actividade profissional, em moldes a definir oportunamente, não tendo a actividade sido retomada porque não existiu, da parte da entidade patronal, qualquer iniciativa nesse sentido.
Assim, iniciando-se o procedimento disciplinar em Abril de 2011, é mais que provável que o mesmo tenha sido impulsionado sem ter sido cumprido o prazo consagrado no n.º 2 do art.º 329.º do Código do Trabalho.
Diremos que, numa perspectiva puramente formal e atendendo à Ordem de Serviço n.º 22/2008, que se acha junta a fls. 95 e seguintes e que se refere à Estrutura Orgânica e Funcional da CGD, à Delegação de Poderes e aos Conselhos Delegados e Comités Gerais, verifica-se que é o Conselho Delegado de Pessoal, Meios e Sistemas (CDPM), que aí é definido como “o órgão deliberativo do Conselho de Administração responsável pela apreciação e debate dos assuntos relacionados com a inovação e organização do Grupo CGD, com os sistemas de informação e telecomunicações e com apolítica de pessoal e assuntos administrativos” que, em matéria da área de pessoal, que tem as competências de “b) Instaurar processos de inquérito e decidir o seu arquivamento;” e “c) Instaurar processos disciplinares, aplicar a medida de suspensão preventiva e regularizar situações de terceiros lesados neste âmbito”.
Ora, ressaltando do processo disciplinar que tal órgão (CDPM) decidiu a instauração do respectivo procedimento disciplinar em 6/04/2011, tendo a informação respectiva sido elaborada em 1/04/2011 (cf. fls. 2 a 7 dos autos disciplinares apensos), tendo aquele sido autuado e aberto em 5/05/2011 (cf. fls. 64), é manifesto que o prazo de 60 dias entre o conhecimento da infracção e o desencadeamento do processo disciplinar foi respeitado.
Não olvidamos que parte das faltas injustificadas foram dadas no ano de 2009, sustentando a nossa doutrina e jurisprudência que a sua contabilização para efeitos disciplinares é feito por e no final de cada ano civil, o que implicaria que relativamente a tais ausências sem justificação, ocorridas no ano de 2009, já teria decorrido o prazo de 1 ano, mas, independentemente da circunstância de se poder sustentar que se está perante uma conduta única e continuada, certo é que relativamente às faltas injustificadas ocorridas no ano de 2010, tal prazo de prescrição de 1 ano nunca teria ocorrido.
Questão diversa, que não cabe analisar e decidir no quadro deste procedimento cautelar mas sim na acção laboral de que o mesmo é dependente, é averiguar das razões que estiveram na raiz da dilação temporal de quase 6 meses entre o “regresso” da Requerente ao “serviço” (15/10/2010) e a informação prestada ao dito órgão com competência disciplinar e dos eventuais efeitos que tal demora poderá ter no julgamento da gravidade da referida justa causa, para efeitos da bondade e legitimidade do despedimento da Requerente.
Logo, também nesta parte tem o recurso de Apelação de ser julgado procedente, não se acompanhando também aqui a sentença recorrida.

C4 - JUSTA CAUSA

A sentença recorrida decidiu, finalmente, quanto à justa causa propriamente dita o seguinte:
Por último, também é de duvidosa legalidade o procedimento que foi adoptado para a verificação da situação de doença, uma vez que não está demonstrado o cumprimento do regime previsto nos arts. 191.º e seguintes da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (em vigor à data em que os factos ocorreram), mas tão-somente de uma ordem de serviço em vigor na requerida, ordem de serviço, aliás, que deveria impor, para que dúvidas não restassem quanto à bondade da tese defendida pela empregadora, mais que uma deslocação à residência do(a) trabalhador(a) a fim de ser certificada (verificada) a alegada situação de incapacidade – que durante um largo período de tempo não mereceu sequer reservas, face aos justificativos apresentados.
Existe, por isso, também uma probabilidade elevada de o despedimento vir a ser julgado ilícito por improcedência dos motivos justificativos (art. 381.º, alínea b), do Código do Trabalho), pelo que, face a razões de ordem substancial e formal, estão verificados os requisitos previstos no art. 39º, nº1, alíneas a) e b), do C.P.T., devendo, nesta conformidade, ser decretada a providência requerida, com as consequências legais.”
O tribunal da 1.ª instância coloca em causa a legalidade da Ordem de Serviço n.º 26/2005, de 8/07, estabelecendo, para o efeito, o confronto do seu teor com o regime constante dos artigos 229.º do Código do Trabalho de 2003 e 205.º, 206.º e 191.º e seguintes da Lei n.º 35/2004, de 29/07 (aplicável na altura da visita domiciliária falhada, dado o diploma regulamentador do actual regime só ter sido publicado em 14/09/2009 e entrado em vigor no dia seguinte - cf. artigo 12.º, número 6, alínea l) da Lei n.º 7/2009, de 12/02 e artigos 17.º a 24.º e 37.º da Lei n.º 105/2009, de 14/09), mas não nos podemos esquecer:
a) Por um lado, do regime especial que, em termos de Previdência e Segurança Social, vigora no sector bancário (no qual se integra, naturalmente, a CGD) - ver, por todos e em termos gerais, Ilídio das Neves, “Direito da Segurança Social - Princípios Fundamentais numa análise prospectiva”, Coimbra Editora, 1996, páginas 662 e seguintes - e que se mostra estabelecido na Regulamentação Colectiva que, para esse sector, regula as relações laborais, sendo que aquelas estabelecidas entre a Requerida e os seus trabalhadores se mostram inseridas no respectivo Acordo de Empresa - cf. as cláusulas 89.ª e 117.ª e seguintes do Acordo de Empresa da CGD;
b) E, finalmente, do poder directivo, disciplinar e regulamentar que os artigos 97.º a 99.º do Código do Trabalho de 2009 (antes, artigos 150.º, 153.º e 657.º do Código do Trabalho de 2003) conferem aos empregadores, sendo certo que as únicas limitações ao nível da contratação colectiva, no que toca ao regime de faltas, são aquelas constantes do artigo 226.º do Código do Trabalho de 2003 (hoje, 250.º do Código do Trabalho de 2009) - cf. a este respeito, Maria do Rosário da Palma Ramalho, “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Almedina, Julho de 2006, páginas 583 e seguintes).
A referida Ordem de Serviço configura um regulamento de empresa, do tipo normativo (por contraponto aos de índole contratual e mista), que, no fundo, se limita a adaptar, em aspectos de pormenor, e mesmo reforçar (junta médica em vez de médico singular) o regime geral constante dos já referidos artigos 229.º do Código do Trabalho de 2003 e 205.º, 206.º e 191.º e seguintes da Lei n.º 35/2004, de 29/07.
Importa referir que, de acordo com o número 6 do artigo 229.º do Código do Trabalho de 2003 (cf., no mesmo sentido, o número 5 do artigo 254.º do actual Código do Trabalho), uma situação como a dos autos conhece consequência jurídica idêntica à da aludida Ordem de Serviço: “Em caso de incumprimento das obrigações previstas no artigo anterior e nos números 1 e 2 deste artigo, bem como de oposição, sem motivo atendível, à fiscalização referida nos números 3, 4 e 5, as faltas são consideradas injustificadas”.
Logo, pelos fundamentos expostos, afigura-se-nos como lícita a referida Ordem de Serviço.
Ora, face aos factos dados como assentes, a Requerente não se encontrava disponível (por estar ausente de casa ou não ter aberto a porta, apesar de estar na sua residência), no dia em que foi tentada a visita domiciliária por médico designado pela CGD, nunca tendo justificado posteriormente tal situação - não sendo suficiente, para o efeito e pelo seu carácter genérico e abstracto, o atestado apresentado, em que se declarava poder a Requerente se ausentar da sua habitação - o que implica que todas as faltas dadas pela mesma a partir de 22/04/2009 até 14/10/2010 tenham de ser encaradas como injustificadas.
Sempre defendemos que a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado respeitante ao trabalhador, como é o caso dos autos, não exonera o mesmo de determinados deveres (recorde-se que o artigo 331.º do Código do Trabalho de 2003 estipula que “durante a (...) suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho”) como seja o da comunicação inicial e sucessiva da situação em que se radica tal suspensão (doença, na hipótese dos autos), o período de duração previsto, a justificação periódica, reiterada e nos moldes reclamados pelo empregador, desde que contidos nos limites legais, da mesma e outras informações e comportamentos reclamados pelo cenário concreto em presença.
A não ser assim, a entidade patronal deixaria de ter qualquer conhecimento, controle e margem de manobra, em termos laborais e produtivos, para redistribuir as tarefas que eram exercidas pelo trabalhador faltoso e, eventualmente, substituí-lo temporariamente por um outro trabalhador contratado a termo certo ou incerto (ou nos termos do regime do trabalho temporário), podendo as pequenas e médias empresas, face à sua menor dimensão e organização, verem a sua actividade e estrutura produtivas ficar “reféns” das ausências prolongadas e absolutamente imprevisíveis de um ou mais trabalhadores do seu quadro, por não disporem dos elementos de facto indispensáveis à sanação/substituição temporárias de tais ausências, com um mínimo de segurança, rentabilidade e previsibilidade, sendo certo que não constitui uma obrigação excessiva, por impor um sacrifício inexigível ao empregado ausente, uma comunicação telefónica, por fax, “E-Mail”, telegrama, carta ou pessoal, da manutenção do seu impedimento prolongado, do período previsível e da sua justificação documental, logo que possível).
Tais comunicação e justificação atempadas e sucessivas traduzem-se, para nós, em deveres do trabalhador que não se mostram afastados pela referida suspensão do contrato de trabalho, dado não pressuporem, pelo menos, em moldes exclusivos, a efectiva prestação de trabalho, prendendo-se com outros deveres acessórios relacionados com a boa fé no cumprimento dos contratos (artigos 119.º do Código do Trabalho de 2003 e 126.º do actual Código do Trabalho) e contemplados nas alíneas a) e e) ou f) dos números 1 dos artigos 121.º e 128.º dos dois Códigos do Trabalho (deveres de urbanidade e lealdade), que emergem da relação jurídica complexa que é a relação laboral
A circunstância da Requerente estar doente e de baixa não a exonerava - salvo prova, que inexiste nos autos, de que não estava em condições psíquicas e emocionais para o fazer - de cumprir específicas obrigações para com a sua entidade empregadora, não só derivadas da sua baixa - designadamente, a apresentação periódica dos atestados médicos ou outros documentos equiparados, comprovativos do seu estadão de saúde e da necessidade de prorrogação de tal situação - como de outras solicitações da CGD, relacionadas com a mesma e desde que não invasivas ou perturbadoras da sua recuperação, para além do permitido pelo regime jurídico aplicável (Código do Trabalho de 2003 e respectiva Regulamentação, Acordo de Empresa e Ordem de Serviço), como a sujeição à referida visita domiciliária e envio de justificação para a sua não realização.
Não o tendo feito, colocou-se numa situação de incumprimento muito grave, com o cometimento de 373 faltas injustificadas (ou, pelo menos, de 199) o que, manifestamente, integra a previsão dos números 1 e 2, alínea g) do actual Código do Trabalho.
Logo, não se pode falar, em termos substantivos, numa probabilidade séria de ilicitude do despedimento, por inexistência de justa causa.
Sendo assim, julgando-se o presente recurso de Apelação procedente, revoga-se a sentença que decretou a suspensão do despedimento de que foi alvo a Requerente, decidindo-se, em sua substituição, pelo indeferimento da providência cautelar requerida.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 40.º, número 1 e 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 712.º e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA no que respeita à sua vertente fáctica, alterando a Decisão sobre a Matéria de Facto nos moldes acima expostos;
b) Julgar procedente o recurso de apelação interposto por CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA no que respeita à matéria de direito, nessa medida se revogando a sentença recorrida, decidindo-se, em sua substituição e atentos os fundamentos expostos, pelo indeferimento da providência cautelar de suspensão de despedimento requerida por AA.

Custas do procedimento cautelar e do presente recurso a cargo da Apelada e Requerente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe venha, eventualmente, a ser concedido e do disposto no artigo 453.º do Código de Processo Civil, caso haja lugar à sua aplicação.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2012

José Eduardo Sapateiro
Maria José Costa Pinto
Seara Paixão
Decisão Texto Integral: