Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4130/11.5TCLRS-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
DELIBERAÇÃO SOCIAL
INSTAURAÇÃO DO PROCESSO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Depende de deliberação dos sócios a proposição de acções pela socie-dade contra gerentes e sócios, mesmo no caso de a sociedade só ter dois sócios e as quotas serem iguais.
II – Tal conclusão vale para os procedimentos cautelares e mesmo que existam réus/requeridos que não sejam gerentes nem sócios, desde que estes este-jam em litisconsórcio necessário.
III - A propositura da acção contra sócio gerente sem a deliberação exigi-da pelo art. 246/1g) do CSC dá origem a uma excepção dilatória, conducente à absolvição da instância [arts. 25º/2, 288º/1c), 493º/2) e 494º/d), todos do CPC] excepto se entretanto este vício tivesse sido sanado.
IV – Na fase da sentença ou na de recurso da sentença, não está previsto nenhum despacho destinado a tentar sanar vícios processuais: as excepções dilató-rias, quando devam ser procedentes, conduzem, nestas fases, a decisões de absol-vição da instância, salvo se se verificar a hipótese prevista no art. 288/3º do CPC.
(da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

              Auto Táxis “A”, Lda, requereu contra “C” e “D” - Táxis Unipessoal, Lda, o presente procedimento cautelar para que o tribunal decretasse uma série de providências, entre elas a de que fosse declarada nula a transmissão da propriedade de um táxi para a requerida e se ordenasse aos requeridos a entrega das chaves e documentação da viatura à requerente.
              Alega, em síntese, que o requerido, um dos dois sócios e gerentes da requerente, constituiu a requerida, às escondidas da requerente, e depois transferiu para o nome da requerida um dos dois táxis da requerente, sem a vontade desta; fê-lo através de documentos que obteve usando a sua qualidade de gerente da requerente e com essa transferência privou a requerente da utilização do táxi e os empregados desta de trabalho.
              O requerido deduziu oposição, excepcionando a inexistência de deliberação prévia dos sócios para a propositura da presente acção, em violação do disposto no art. 246º/1g) do Código das Sociedades Comerciais; e impugnou, dizendo, no essencial, que o táxi era seu e não da requerente que aliás existe apenas formalmente, já que o outro sócio foi um mera testa de ferro do requerido por não poder constar como titular único das duas quotas; assim, o táxi era seu, quer porque o comprou, quer porque é o único titular do capital social da requerente e, por isso, a transferência da propriedade do táxi não pode causar prejuízo à requerente; por fim, a impossibilidade de o requerido utilizar o táxi que decorreria da providência pedida, é manifestamente superior ao prejuízo que se pretende “acautelar” para a requerente.
              Depois da produção de prova, foi proferida decisão, julgando parcialmente procedente o procedimento cautelar e, em consequência, declarou-se nula a transmissão de propriedade do táxi da requerente para a requerida, ordenou-se a apreensão imediata do táxi pela autoridade policial, determinou-se o cancelamento do registo efectuado e determinou-se a noti-ficação da decisão às entidades competentes.
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              Desta decisão foi interposto recurso pelo requerido - para que a decisão seja revogada -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
         1. Tendo o procedimento cautelar sido requerido pela socie-dade contra o seu sócio, e tendo por objecto a impugnação de um acto da própria sociedade, estava a mesma obrigada a deliberar previamente sobre a instauração do procedimento objecto dos au-tos, conforme disposto na al. g) do n.° 1 do art. 246° do CSC.
         2. Não existindo deliberação prévia da sociedade nos termos do art. 246°/1g) do CSC, nem ratificação, deveria o tribunal a quo ter julgado verificada a situação de representação sem poderes e, consequentemente, a procuração outorgada ineficaz relativamente à sociedade requerente.
         3. A declaração de nulidade da transmissão da propriedade da viatura com a matrícula 00-BB-00 e o cancelamento do registo da propriedade a favor da transmissária definem, em termos deci-sivos, a relação jurídica controvertida, tornando inútil a acção principal.
         4. As medidas decretadas pelo tribunal a quo não são admis-síveis em sede de procedimento cautelar, por consubstanciarem decisões definitivas e irreversíveis sobre o objecto da causa principal.
         5. Não ficaram provados factos que justifiquem o alegado periculum in mora, designadamente quanto aos danos cuja produ-ção e difícil reparação se receia com a demora na prolação da deci-são final.
         6. O tribunal a quo deveria ter absolvido o recorrente da ins-tância com fundamento em falta de legitimatio ad causam ou, caso assim se não entendesse, absolvê-lo do pedido por inadmissibili-dade legal do procedimento cautelar.
         7. Ao não fazê-lo, violou o disposto nos arts 246°/1 do CSC e 381 do CPC.
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              A requerente contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
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              Questões a decidir: se era necessária uma deliberação dos sócios da requerente para que esta pudesse requerer este procedimento e nesse caso qual a consequência de essa deliberação não existir; se as providências de declaração de nulidade e do cancelamento de registo não são admissíveis em sede de procedimento cautelar, por consubstanciarem decisões definitivas e irreversíveis sobre o objecto da causa principal; e se não se verifica no caso o alegado periculum in mora.
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                             Da necessidade da deliberação dos sócios
              Factos dados como provados com (qualquer possível) interesse para a decisão desta questão:
         1. A requerente é uma sociedade por quotas, com capital de 5.000€ e dois sócios com quotas iguais.
     2. Os sócios da requerente são o requerido e “D”, os quais assumem ambos a qualidade de gerentes.         
         […]
         10. A forma de obrigar da requerente é com a intervenção de uma assinatura dos gerentes.
         11. À data de entrada do presente procedimento cautelar em juízo, encontrava-se inscrita a favor da requerente a propriedade sobre as viaturas para o transporte de táxi com as matrículas 00-BB-00 e 00-00-NZ.
         12. As duas viaturas são os instrumentos de trabalho da sociedade e é mediante a utilização das mesmas que a sociedade obtém os seus rendimentos, para pagar salários e impostos e contribuições.
         […]
         18. Em Abril de 2011, por carta registada que remeteu à re-querente, o requerido renunciou à gerência da sociedade reque-rente [rectifica-se, no itálico, a referência à requerida que constava do despacho recorrido e que já vinha do articulado de oposição].
         […]
         20. Em 08/04/2011 o requerido constituiu a requerida, da qual é o único sócio, cujo objecto social é o mesmo da requerente.
         21. Em 26/04/2011, o requerido, na qualidade de sócio ge-rente da requerente, transferiu a viatura de matricula 00-BB-00, propriedade da requerente, para nome da requerida.
         22. A transferência de propriedade deu entrada no dia 26/04/2011 na Conservatória do Registo Automóvel, com o nº de ap ....
         23. Na mesma data, o requerido fez o pedido de alteração do licenciamento da viatura para nome da requerida.
         24. No mesmo dia, o requerido dirigiu-se ao instituto de Mobilidade e dos transportes Terrestres, LP., para alterar o nome do proprietário que constava no alvará atribuído à viatura.
         25. Ao proceder desta forma, o intuito do requerido foi im-pedir que quando a requerente e o outro sócio tivessem conheci-mento fosse mais difícil anular todos os procedimentos juntos das entidades oficiais.
         26. O requerido tem perfeito conhecimento de que o acto de transmissão de propriedade da viatura foi realizado sem qualquer deliberação prévia da requerente e sem a autorização desta;
         27. A requerida não entregou qualquer quantia à requerente, pela aquisição da viatura, licença e alvará.
         28. A requerente ficou privada de utilizar a viatura em 05/05/2011, data em que tomou conhecimento do ocorrido, tendo o empregado que a conduzia ficado privado de exercer a sua actividade.
         […]
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              Quanto à necessidade de deliberação dos sócios diz a decisão recorrida:
         “A regra que impõe a deliberação prévia da sociedade à ins-tauração de acções em juízo contra gerentes ou sócios, fica teleologicamente esvaziada ante situações como a vertente, em que existem apenas dois sócios, com quotas iguais, sendo um deles o próprio demandado.
         Estando em causa uma acção em que figura como parte o só-cio visado este estaria impedido de votar, o que tornaria absoluta-mente desprovida de utilidade a convocação de uma assembleia que não poderia funcionalmente operar (art. 251º do CSC). Por ou-tro lado, a própria natureza cautelar do presente procedimento a tanto obstaria, já que o conhecimento que o sócio então obteria da demanda a instaurar poderia inviabilizar o fim pretendido com a mesma.
         Assim, entende o tribunal ser inteiramente improcedente a defesa por excepção invocada.”
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                São, pois, dois, os fundamentos aduzidos pela decisão recorrida para a improcedência da excepção.
                O requerido só argumenta, como se vê das respectivas conclusões, relativamente ao primeiro.
                A requerente tem a mesma posição da decisão recorrida (que se tinha baseado na resposta dela apresentada em audiência), não aduzindo novos argumentos.
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                Posto isto:
                O art. 246/1g) do CSC dispõe que: “Dependem de deliberação dos sócios os seguintes actos, além de outros que a lei ou o contrato indicarem: […] g) a proposição de acções pela sociedade contra gerentes, sócios ou membros do órgão de fiscalização, e bem assim a desistência e transacção nessas acções”.
                A decisão recorrida faz uma interpretação restritiva da regra que decorre desta norma, no sentido de não se aplicar quando a sociedade só tem dois sócios, com quotas iguais, tendo em conta que o sócio demandado está impedido de votar por haver conflito de interesses [art. 251º/b) do CSC].
                Esta posição pode ver-se apoiada, parcialmente (e lido com as necessárias adaptações) por Raúl Ventura, a propósito de um situação idêntica, que é a da exclusão de sócios das sociedades por quotas.
                Esta última está regulada nos arts. 241º/1,  242º/1 e 2 e 246º/1c) do CSC, dos quais decorre que a exclusão de um sócio pode ocorrer por deliberação social em dados casos e por decisão judicial noutros. Ora, quando a exclusão tiver de ocorrer por decisão judicial, a propositura da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios.
                Que as situações são idênticas resulta do respectivo confronto:
                - dependem de deliberação dos sócios a proposição de acções pela sociedade contra gerentes.
                - a proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios.
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                Ora, a propósito desta última situação, diz então Raúl Ventura (Sociedade por quotas, vol. II, Almedina, 1989, págs. 56 a 58: “A orientação legislativa que se induz dos três preceitos legais acima citados [arts. 186º/3 e 257º/5 do CSC e 1005º/3 do Código Civil] é no sentido de proteger o sócio excluendo, forçando o outro a usar a via judicial […]. Afastada a deliberação, como via de exclusão, afastada está ela também como pressuposto da acção judicial de exclusão, pois tão inútil é num caso como no outro […].”
                E acrescenta o mesmo Prof.: “Acima notei que no art. 1005º/3, falta a frase correspondente a ‘su demanda dell’altro’ do art. 2287 CC italiano, mas tal frase aparece no art. 257º/5: ‘em acção intentada pelo outro’. Este deve ser também o regime para a exclusão do sócio, visto que, só vindo a exclusão a operar (ou não) pela sentença judicial, não pode entretanto o outro sócio ser considerado ‘a sociedade’ para propor a acção.”
                E isto tem ainda a seguinte explicação que o mesmo Prof acrescenta no III vol. daquela obra, Almedina, 1991, págs. 145/146: “[…A] falta de deliberação (necessária legalmente) dos sócios retira ao gerente o seu poder de representação[?]. Dois motivos me levam a responder afirmativamente a essa pergunta. O art. 246º/1 CSC começa por dispor que ‘dependem de deliberação dos sócios os seguintes actos, além de outros que a lei ou o contrato de sociedade indicarem’. […] Na enumeração que se segue em nove alíneas […] podem ser separadas duas categorias de actos: aquelas que consistem em deliberações dos sócios, cabendo apenas aos gerentes uma actuação notificativa; aqueles em que a deliberação dos sócios tem de ser seguida por uma actuação dos gerentes verdadeiramente representativa da sociedade perante um terceiro. No entanto, quer num caso quer no outro, esses actos ‘dependem da deliberação’ […]. O segundo motivo é retirado da finalidade da referida disposição legal, a qual consiste na protecção da sociedade e não na defesa dos interesses de terceiros que entrem com estas em relações jurídicas. Ora, essa protecção é muito mais perfeita se a sociedade não ficar vinculada para com o terceiro, do que se ficar e só tiver recurso contra o gerente, pela responsabilidade em que este tenha incorrido”.
                Ou seja, na posição deste autor, no caso de se tratar de uma socie-dade com apenas dois sócios, está afastada a necessidade do pressuposto processual da deliberação social, mas nesse caso a acção é proposta pelo sócio, não pela sociedade. A acção que for intentada pelo sócio gerente em nome da sociedade, sem deliberação prévia, é ineficaz relativamente à sociedade, não a vincula.
              Pelo que, seguindo-se a posição deste autor, a decisão recorrida estava correcta enquanto dispensa o pressuposto da deliberação, mas não enquanto considera que a excepção é improcedente, pois que o sócio gerente que requereu o procedimento em nome da requerente não tinha poderes para o efeito.
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              Outros autores se têm pronunciado sobre o assunto:
              Assim, Brito Correia (Direito Comercial, 2º vol, sociedades comerciais, AAFDL, 1989 (tiragem de 1993), em nota (nota 52 da pág. 479) fala, a propósito do nº. 3 do art. 186 do CSC, um dos lugares paralelos utilizados por Raúl Ventura, no “sócio autor da acção”.
              João Labareda, Direito Societário Português – Algumas questões, Quid Juris?, 1998, pág. 252, considera que a deliberação “funciona […] como um pressuposto da legitimidade da sociedade para litigar contra o sócio infractor.”
              Assim, o primeiro destes autores confirma que a acção, nesse caso, é do sócio, e o segundo defende que a deliberação funciona como um pressuposto para a sociedade poder litigar.
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              Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II, das sociedades, Almedina, 2002, págs. 434 a 436, começa por lembrar que “a ‘exclusão judicial’ não se opera com a respectiva sentença do tribunal. Os sócios devem começar por deliberar a propositura da acção de exclusão (art. 242º/2). E depois pergunta: “Nas sociedades com dois sócios, tem a exclusão de um deles, com fundamento em facto especificado na lei ou no estatuto, de ser efectuada por via judicial? Tem-se dito que sim; a protecção do sócio excludendo e a aplicação analógica dos arts. 186/3, e 257/5, do CPC, bem como do art. 1005/3 do CC, a isso obrigariam (Raúl Ventura, obra citada […]). Penso que não tem de ser assim. Uma deliberação de exclusão pode perfeitamente ser tomada tão-só com os votos de um dos dois sócios. Imagine-se que a sociedade por quotas x, cujo estatuto prevê a possibilidade de exclusão do sócio que revele a terceiros ‘segredos de indústria’ da sociedade, tem como sócios A, com uma quota correspondente a 60% do capital social, e B. Este, em determinado momento, comunicou a um terceiro (concorrente da sociedade) um daqueles segredos. Logo que soube disto, A (sócio-gerente) convocou uma assembleia geral para deliberar sobre a exclusão de B. Compareceram a ela ambos os sócios. A presidiu (v. o art. 248º/4). Na votação da proposta de exclusão votou apenas (a favor) A – respeitando o impedimento prescrito no art. 251º/1d), B não votou; ou votaram A e B, mas A (como presidente) não computou os votos (contrários) de B; ou votaram A e B, o presidente computou também os votos de B e proclamou aprovada a proposta de exclusão. Qual o problema?... É claro que as coisas podem complicar-se. Imagine-se que foi A quem revelou o segredo ao terceiro. Na assembleia, B votou a favor da exclusão de A, mas este (presidente), desrespeitando a obrigação de não votar, votou contra e proclamou não aprovada a proposta de exclusão. B consegue a anulação judicial da deliberação (negativa)… mas a estória repete-se. Ora, tendo em vista hipóteses destas (e os arts. 186º/3 e 257º/5) entendo que, nas sociedades com dois sócios, pode um deles propor a acção judicial de exclusão do outro quando ocorra facto especificado no estatuto social ou em norma legal (pode, não tem de seguir essa via)  [mutatis mutandis – lembra na nota 492 – vale o mesmo relativamente à deliberação de propositura de acção judicial prevista no art. 242º/2].”
              Ou seja, necessidade de deliberação como regra (acção da sociedade), deliberação que, também como regra, não haverá qualquer problema em obter. Excepcionalmente, nos casos de impossibilidade material de obter tal deliberação, legitimidade do sócio para propor a acção (acção do sócio).
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              Carolina Cunha, A exclusão de sócios, Problemas do Direito das Sociedades, IDET, Almedina, Julho 2002, págs. 203 a 206, desenvolve a questão, concluindo que a deliberação prévia nunca pode ser dispensada e substituída pelo reconhecimento de legitimidade processual activa ao outro sócio: “[…] A deliberação é o instrumento de expressão da vontade da pessoa colectiva sociedade, única titular do direito potestativo cujo exercício requer a subsequente intervenção do tribunal. Poucos contestarão, fora dos casos em que a sociedade é formada por dois sócios, que a acção judicial deva ser precedida de uma deliberação, cuja falta não pode ser suprida pela intervenção do tribunal. E as razões apresentadas para rejeitar a mesma solução, na hipótese de os sócios serem apenas dois, são, a nosso ver, insubsistentes.
              Afirma-se, em primeiro lugar, que tal implica a realização de um acto inútil: se se afasta a (simples) deliberação como via de exclusão, não fará sentido ‘repristiná-la’ como pressuposto de uma acção judicial que necessariamente  tem de ser proposta. Em primeiro lugar este argumento prova demais: idêntica lógica deveria, então, conduzir à dispensa de deliberação sempre que os sócios não excluendos (fossem eles em número de dois, de três ou em número superior) optassem pela proposição conjunta de uma acção de exclusão. Por outro lado, não distingue devidamente o papel da deliberação enquanto meio de expressão da vontade social de exercer o direito potestativo em causa (papel que sempre desempenha, em obediência às regras que pautam a organização interna de uma sociedade comercial), e o papel da deliberação enquanto veículo de exteriorização da decisão tomada, a permitir a produção dos respectivos efeitos extintivos (papel que claramente já não desempenha nos casos de intervenção obrigatória do tribunal).
              Sustenta-se, também, uma interpretação do regime da exclusão à luz da doutrina consagrada no art. 257º/5 […] mas não vislumbramos a que título se chama à colação a disciplina da destituição de gerentes com justa causa, já que em tal quadro – e independentemente do número de sócios que compõem a sociedade – ‘pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção [por si] intentada contra a sociedade (art. 257º/4). Estamos perante uma situação especial de atribuição de legitimidade processual activa a sócios, atribuição que não depende do seu número e que não encontra paralelo no regime de exclusão.
              [tão pouco se diga – acrescenta na nota 12 – que a dispensa de deliberação actua como um expediente para evitar ‘uma situação de todo insolúvel’ (ac. do TRC de 14/03/2000, publicado na CJ.2000.II., págs. 15/16), ‘como seria o caso de o prevaricador ser o sócio maioritário: o sócio minoritário não excluendo, que não possui uma participação social susceptível de determinar a maioria na deliberação de exclusão, ficaria totalmente impedido de reagir, e assim ficaria subjugado à vontade de um sócio desleal que provocasse graves prejuízos à sociedade de que ambos são sócios’. A valer semelhante argumento, justificaria a dispensa de deliberação em todos os casos de participação social maioritária do sócio excludendo – e não apenas naqueles casos em que a sociedade é formada por dois sócios. Mas o argumento, obviamente, não colhe: o sócio excludendo está impedido de votar (art. 251º/1d) e as ‘deliberações consideram-se tomadas se obtiverem a maioria dos votos emitidos’ (art. 250º/3) – ou seja, a maioria apura-se no contexto dos votos provenientes do(s) outro(s) sócio(s), já que o excluendo não pode votar].
              Em suma, defender, ao arrepio do expressamente estatuído pelo art. 242º/2 […] a desnecessidade de deliberação nas sociedades constituídas por dois sócios, equivale a confundir dois plenos: o plano da pessoa colectiva, dotada de órgãos próprios, e o plano do respectivo substracto pessoal, formado por sujeitos dotados de vontade própria. A dificuldade em distinguir estes planos, na hipótese em apreço, assenta na circunstância de a vontade da pessoa colectiva materialmente tender a coincidir com a vontade do sócio não excluendo, cujos votos são, afinal, os únicos que contam para a tomada da deliberação. Daí a concluir que a exigência de uma deliberação prévia redunda num ‘excessivo formalismo’ vai um passo.
              Cremos que o ‘formalismo’ de uma deliberação prévia não é excessivo, nem tão-pouco inútil. O sócio excluendo está impedido de votar, mas não impedido de ocupar o seu lugar na assembleia destinada a deliberar sobre o exercício (ou não) do direito de exclusão. A presença na assembleia [não se esqueça que o art. 247º/8 torna imperativa a realização de uma assembleia], a intervenção na discussão, a exposição do seu ponto de vista são ainda modos de participar na tomada da deliberação – direito reconhecido a todos os sócios pelo art. 21º/1d) – e, por esta via, modos de contribuir para a formação da vontade juridicamente imputável à sociedade. Algo, portanto, que não é manifestamente substituível pela posterior faculdade de contraditar, em tribunal, uma acção de exclusão.
              Além do mais, nas sociedades por quotas, a participação nas assembleias gerais tem foros de regra imperativa […]. Ora, aquilo que o legislador entendeu pôr a salvo até mesmo do consenso expresso nos estatutos […] acaba por ser drasticamente suprimido pelas teses que sustentam a desnecessidade de deliberação prévia – a tal deliberação que reputam de ‘excessivamente formal’ e ‘inútil’, mas cujo processo constitutivo permite, na verdade, salvaguardar um direito central do sócio excluendo.
              Quanto ao sócio não excluendo, a realização da assembleia visando a tomada de uma deliberação sobre a exclusão representa uma simples decorrência da própria opção pelo mecanismo societário: os eventuais incómodos que a recusa de uma directa legitimidade processual activa lhe suscitam são uma natural consequência das regras próprias da organização e do funcionamento das sociedades comerciais”.
              No sentido desta autora veja-se o ac. do TRE de 10/05/2007 (593/07-2 – este tipo de referência é sempre à base de dados do ITIJ, excepto indicação de sinal contrário): I - Decorre do nº. 2 do art. 242º da CSC que "A proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios”. Tendo em conta este preceito legal e o disposto no art. 246º/1g), do mesmo diploma, é nítido que a acção em questão só pode ser proposta pela sociedade contra o sócio a excluir, e só por ela, após deliberação tomada pelos sócios, em assembleia geral. II - Quanto à questão da formação da vontade da sociedade, constituída apenas por dois sócios, tendo em vista a exclusão judicial de um deles, não se verifica qualquer impossibilidade legal. O regime e a disciplina aplicáveis não é a constante do art. 1005 do CC, mas sim o CSC, designadamente o seu art. 248º que contém a disciplina relativa à convocação, participação e presidência das assembleias gerais das sociedades por quotas”
              (quanto aos dois últimos pontos do sumário, este acórdão do TRE acompanha de perto o ac. do STJ de 04/03/2004 (04B019), para o qual remete: I. O CSC […] remete subsidiariamente, a propósito das sociedades por quotas e no nº 1 do seu art. 248º, em tudo o que especificamente não contemple, para o "disposto sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas". II. Ora, por mor do nº 1 do art. 386º do mesmo diploma, a assembleia geral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, salvo disposição diversa da lei ou do contrato ", sendo que "as abstenções não são contadas". III. Nada obstará assim a que uma deliberação seja tomada apenas por um único sócio titular de uma pequena quota minoritária, observados que sejam todos os restantes pressupostos de validade formal ou substancial da mesma, formando-se as maiorias deliberativas tão-somente pelos votos emitidos e validamente expressos. IV. A não imposição pelo CSC86 de qualquer «quorum» deliberativo para as assembleias gerais das sociedades por quotas, deve-se a razões de eficácia e funcionalidade do processo deliberativo social, por um lado, e de fomento do interesse da participação pessoal dos sócios nesse mesmo processo por outro”.
                                                                 *
           Paulo de Tarso Domingues, A vinculação das sociedades por quotas no CSC, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, I/2004, diz (págs. 294/296): “Se as limitações contratuais ou deliberativas não são oponíveis pela SQ a terceiros, já o mesmo não se pode dizer das limitações legais, uma vez que estas podem sempre ser opostas a quem contrata com a sociedade.” E mais à frente: “Estas limitações legais podem decorrer, p. ex., do facto de a lei atribuir a competência a outro órgão para a prática de certos actos, ou de fazer depender a prática de determinados actos da intervenção de outro órgão. É esta última hipótese que, a propósito das SQ, nos importa considerar, porquanto o art. 246º CSC expressamente consagra um leque relativamente alargado de actos que os gerentes só podem praticar depois de obtida a prévia deliberação dos sócios.
              Assim, se a prática do acto não observar os pressupostos legais – desig-nadamente, se a gerência tiver praticado um acto previsto no art. 246º/1 CSC sem que o mesmo tenha sido previamente deliberado pelos quotistas – aquele acto não vinculará a sociedade, ainda que o terceiro desconhecesse tal condicionalismo, dado que a ignorância da lei não o aproveita.
              Nestas situações, o acto, apesar de válido, será ineficaz em relação à soci-edade, sendo-lhe aplicável o regime da representação sem poderes que supra analisámos a propósito dos actos ultra vires ineficazes”.
              No âmbito das limitações legais aos poderes de representação dos geren-tes, importa ainda ter presente que o art. 246º CSC reserva, para os sócios, compe-tências imperativas (consagrando um conjunto de actos que necessariamente cabe aos sócios deliberar – cfr. art. 246º/1 CSC) e competências supletivas […] (cfr. art. 246º/2 CSC)”.
              E mais à frente acrescenta (págs. 305/306): “Um mandatário judicial não terá poderes para propor uma acção contra gerentes, quotistas ou membros do órgão de fiscalização – ainda que para tanto haja sido mandatado pela gerência – sem que tenha havido uma prévia deliberação dos sócios nesse sentido [cfr. art. 246º/1g) do CSC]. Faltando essa deliberação, deverá aplicar-se o art. 25º do CPC: o juiz do processo deverá fixar prazo para a obtenção daquela deliberação, sob pena de o réu ser absolvido da instância.”
              Neste sentido, veja-se também o ac. do TRC de 21/03/2006 (4316/05). 
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Alexandre Soveral Martins, Competência dos sócios vs. competência dos gerentes (nas sociedades por quotas): sobre o n.º 2 do art. 246.º do CSC
Ars Ivdicandi - Estudos em homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves - Vol. II Direito Privado, Coimbra Editora, Stvdia Ivridica, 91, Dez2008, explica (pág. 404, desenvolvido depois na pág. 405): “Por vezes, a lei exige que a prática de um acto externo da sociedade por quotas (a prática de um acto de representação perante terceiros) seja precedida de um acto interno, designadamente de uma deliberação de um órgão societário. Veja-se o que diz o nº. 1 do art. 246 do CSC: ‘Dependem de deliberação dos sócios os seguintes actos (…)’. Se tais actos dependem daquela deliberação, sem ela a sociedade não ficará vinculada por actos ali previstos que sejam praticados pelos gerentes em representação da sociedade: os gerentes não terão, aí, poderes para representar a sociedade e o acto será ineficaz relativamente a esta”.
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              Pedro Pais de Vasconcelos, Responsabilidade Civil dos Gestores das Sociedades Comerciais, Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Março de 2009, I, pág. 27, lembra que “para que a acção [de responsabilidade] seja proposta pela própria sociedade, é necessária uma prévia deliberação da assembleia geral nesse sentido. Esta deliberação é tomada por maioria simples, sem a participação dos gestores visados, se forem sócios. Este regime pode causar dificuldades a accionistas titulares de maioria absoluta, que sejam gestores e que podem ser, assim, destituídos e responsabilizados pelo voto da minoria (assim tornada maioria). Esta dificuldade tem soluções conhecidas […]”
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              Coutinho de Abreu e Elisabete Ramos, no CSC em comentário, vol. I, Almedina, 2010, a propósito de uma regra e situação semelhante, a do art. 75º/1 do CSC (:“1. A acção de responsabilidade [contra os fundadores, gerentes ou administradores] proposta pela sociedade depende de deliberação dos sócios, tomada por maioria simples […]. 3. Aqueles cuja responsabilidade estiver em causa não podem votar nas deliberações previstas nos números anteriores”), di-zem: “o órgão de administração e representação da sociedade é incompetente para decidir a propositura de acções de responsabilidade contra administradores […] A propositura de acção de responsabilidade pela sociedade, para ser eficaz, necessita de ser autorizada por deliberação dos sócios (art. 75º/1)” Em nota acrescentam: “o art. 246º/1g) também faz depender a propositura da acção social de responsabili-dade contra gerentes de uma deliberação dos sócios. À vista desta norma especí-fica, afirma-se igualmente que sem deliberação dos sócios a sociedade não fica vinculada quando gerente(s) propõem em nome dela a acção de responsabilidade – Raúl Ventura, vol. III, 1991, pág. 145; Tarso Domingues, pág. 295, e Soveral Martins, pág. 404. E mais à frente terminam: “A propositura da acção social de responsabilidade sem a deliberação social exigida pelo art. 75º/1, determina as consequências processuais previstas no art. 25º/1 do CPC: fixação de prazo para a tomada da deliberação e suspensão dos termos da causa. Se o vício da falta da deliberação não for sanado, o administrador demandado será absolvido da instância (arts. 25º/2, 493º/2d) do CPC) – a falta de deliberação dos sócios sobre a acção social de responsabilidade é excepção dilatória (art. 494º/d) do CPC)”.
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              Maria de Fátima Ribeiro, A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a "Desconsideração da Personalidade Jurídica", Almedina, 2009, demonstra que tudo isto é assim também na Espanha, na Itália e na Alemanha. Já não assim em França, em que a acção não depende de deliberação da assembleia geral nesse sentido (págs. 602 a 605).
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              No mesmo sentido das consequências referidas nos estudos acabados de referir, vejam-se, entre outros, os acórdãos:
              - do TRP de 23/03/1992 (9210035 - só sumário), “nos termos dos arts 75º/1, e 246º/1g), do CSC, depende de deliberação a propositura de acção de indemnização pela sociedade contra o seu sócio-gerente. A falta de autorização integra o vício processual previsto no art. 25º/1, do CPC, o qual, não sendo sanado, implica a absolvição da instância (art. 494º/1d), idem) […].
              - do TRL de 29/04/1993 (0069191 – só sumário): “a deliberação dos sócios para a proposição de acções pela sociedade contra gerentes deve ser expressa e inequívoca. A falta desta deliberação a que alude o art. 246º/1g), do CSC, constitui excepção dilatória, nos termos do art. 494º/d) do CPC […]”
              - do TRP de 23/03/2004 (0420890): “A acção da sociedade contra o sócio tem de ser precedida de deliberação dos sócios a autorizá-la.”
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              Em suma, e é isto que importa reter, as posições acima podem sintetizar-se assim no que tem relevo para os autos: para haver uma acção que seja interposta pela sociedade, tem de haver uma deliberação dos sócios, caso contrário a sociedade não fica vinculada pela acção, ou seja, ela é ineficaz quanto a ela. Para aqueles que dispensam a deliberação (e em termos genéricos só Raúl Ventura o faz, num escrito publicado pouco depois da entrada em vigor do CSC), a acção é posta pelo sócio.
              O que é suficiente para afastar o primeiro argumento do despacho recorrido, isto é, o da interpretação restritiva da norma do art. 246º/1g) do CSC, que não abrangeria as hipóteses de sociedades só com dois sócios com quotas iguais. Aliás, este acrescento com referência a quotas iguais, é suficiente para pôr em causa o argumento. Pois que, assim, o despacho recorrido está a admitir que não há problemas de deliberações só com um sócio, se as quotas dos dois sócios forem diferentes…
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              Quanto ao segundo argumento - a própria natureza cautelar do presente procedimento a tanto obstaria [isto é, obstaria à necessidade da deliberação prévia], já que o conhecimento que o sócio então obteria da demanda a instaurar poderia inviabilizar o fim pretendido com a mesma [quando se pretende secreta, sem audição do mesmo] - o que antecede também o afasta, pelo seguinte:
              Quando se está a exigir a deliberação dos sócios para a propositura da acção, está-se a partir do pressuposto de que, sem ela, a sociedade não fica vinculada pela propositura da acção e do que aí for decidido. O gerente, que está a agir como se tivesse poderes para vincular a sociedade, passando inclusive procuração a mandatário judicial, está a agir sem os poderes invocados, pois que a competência para o acto pertence aos sócios e não à gerência.
              Ora, nada disto se modifica se, em vez de uma acção propriamente dita, estivermos perante um procedimento cautelar requerido pela socie-dade. Também aí o gerente que assina a procuração a favor de um mandatário judicial para propôr o procedimento está a agir sem os poderes que invoca, fora do âmbito da sua competência e quer o requerimento do procedimento quer o resultado obtido não vinculam a sociedade. 
              Isto é, para que o procedimento possa ser requerido em nome da sociedade, é necessária a deliberação.
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                                  Acções e procedimentos cautelares
              Isto se não fosse de responder de forma ainda mais simples, com a consideração de que a expressão acções abrange procedimentos cautelares (como o sugere o ac. do TRC de 01-07-1986, publicado na CJ.1986.IV, págs. 64/66, relativamente à expressão ‘acção’ prevista então no art. 35 da Lei das Sociedades por Quotas - citado por Tarso Domingues, estudo referido, nota 143,), ou de que os procedimentos cautelares são verdadeiras acções (neste sentido Rui Pinto, A questão de mérito na tutela cautelar. A obrigação genérica de não ingerência e os limites da responsabilidade civil, Coimbra Editora, Maio de 2009, págs. 543/544) o que ainda passará a ser mais nítido com a novo regime dos procedimentos cautelares previsto na proposta de revisão do CPC apresentada pelo governo e publicada no sítio da Ordem dos Advogados na internet a 21/12/2011 http://www.oa.pt/upl /%7B54292116-d0b1-4747-a2bc-26974d223da8%7D.pdf em que se “consagra […] o regime de inversão do contencioso, conduzindo a que, em determinadas situações, a decisão cautelar se possa consolidar como definitiva composição do litígio”.
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              Em suma, para ser a sociedade a demandar (mesmo em procedi-mentos cautelares…) um gerente ou sócio é sempre necessária a verificação do pressuposto da deliberação, pois que só ela é que confere ao outro sócio e gerente a qualidade de representante da sociedade naquela acção. Nas palavras de Raúl Ventura, sem ela, “não pode entretanto o outro sócio ser considerado ‘a sociedade’ para propor a acção.”
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              Quanto à possibilidade da exigência em causa frustrar o secretismo visado pelo sócio que quer requerer o procedimento, pode-se, por um lado, dizer que tal resultará de uma opção legislativa, que estaria a coberto da excepção prevista no nº. 2 do art. 2 do CPC. Ou, nas palavras já referidas de Carolina Cunha, “a realização da assembleia visando a tomada de uma delibera-ção […] representa uma simples decorrência da própria opção pelo mecanismo societário: os eventuais incómodos que a recusa de uma directa legitimidade processual activa lhe suscitam são uma natural consequência das regras próprias da organização e do funcionamento das sociedades comerciais”.
              Isto a não se entender, por outro lado, com vários dos autores já referidos (mas para as acções de exclusão de sócios, pelo que, aqui, querendo es-tender-se a solução para o caso das acções contra os gerentes e sócios, haveria que fazer a demonstração da possibilidade de adaptação da solução, o que agora não importa pois que não é isso que está causa nestes autos), que em determinadas circunstâncias especiais, este sócio gozará de legitimidade processual activa própria, o que também se justificaria para as providências cautelares.
              Só que, neste caso, repete-se e sublinha-se, a providência teria que ser proposta em nome dele e não da sociedade, o que não foi o que aconte-ceu no caso dos autos.
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                                 Do litisconsórcio necessário natural
              Tudo isto é válido contra a requerida, apesar de esta não ser sócia nem gerente da requerente, porque, no caso, a pluralidade de partes se configura como um litisconsórcio necessário natural: se o procedimento não fosse intentado contra os dois, as providências requeridas – nos termos em que o foram – não podiam produzir o seu efeito útil normal (art. 28º/2 do CPC): uma “transmissão” anulada só perante uma das parte não poderia conduzir aos resultados pretendidos pela requerente (sobre o litisconsórcio necessário natural em casos idênticos, veja-se Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. I, 3ª edição, reimpressão de 1982, Coimbra Editora, págs. 94 a 97).
              Ora, no caso de litisconsórcio necessário há uma única acção com pluralidade de sujeitos, não uma simples acumulação de acções como haveria no caso de litisconsórcio voluntário, em que cada litigante conservaria uma posição de independência em relação aos seus compartes (art. 29º do CPC) e, assim sendo, não é possível aplicar um pressuposto processual só em relação a um dos réus.
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                  Das consequências da falta da deliberação dos sócios
              A propositura da acção contra sócio-gerente sem a deliberação exigida pelo art. 246/1g) dá origem a uma excepção dilatória, conducente à absolvição da instância (arts. 25º/2, 288/1c), 493º/2) e 494º/d), todos do CPC) excepto se entretanto este vício tivesse sido sanado.
              Sanação que se pode tentar no despacho pré-saneador (art. 508/1a) do CPC), ou na sequência de recurso contra um despacho saneador que seja proferido sem essa tentativa de sanação, mas já não depois de este ter sido proferido, com subsequente julgamento e sentença. Na fase da sentença ou na de recurso da sentença, já não está previsto nenhum despacho destinado a tentar suprir vícios processuais: as excepções dilatórias, quando forem procedentes, conduzem, nesta fase, a decisões de absolvição da instância (arts. 660º/1 e 713º/2 do CPC – neste sentido, em dito lateral, quanto ao despa-cho de aperfeiçoamento, veja-se o acórdão do STJ de 27/05/2010 (3417/08.9TV LSB.L1.S1: “[…] o despacho de aperfeiçoamento […], por razões óbvias, só pode ter lugar antes do despacho saneador, pois após este relevantíssimo despacho ou, menos ainda, após o julgamento, nenhum sentido faz voltar tudo à fase dos articu-lados apenas para eventual aperfeiçoamento dos mesmos (até porque não está ve-dado à parte convidada recusar, expressa ou tacitamente, tal convite), o que impli-caria consequências calamitosas de morosidade processual que dispensam, pela sua evidência, maiores considerações”. E é por isso mesmo que o ac. do TRP de 25/02/1997 (9620866) diz que: “A invocação tardia de uma excepção de co-nhecimento oficioso pode traduzir, atentas as circunstâncias em que foi invocada, litigância de má fé, o que se verifica na hipótese de o réu só invocar essa excepção na fase do julgamento, sabendo que, se o tivesse feito na contestação, ela seria jul-gada no saneador e poderia ter sido oportunamente suprida pelo autor”. Ou, como se diz no ac. do TRP de 17/03/2009 (27/05.6TBBAO): “[…] deve este tribunal de recurso dela conhecer, não sendo já, nesta sede, possível o suprimento dessa falta de pressuposto processual (ao abrigo dos arts 265º2, e 508º/1a), do CPC), por ter passado o momento processual próprio e por a omissão dessa diligência de supri-mento não configurar nulidade de conhecimento oficioso (neste sentido, e com solução idêntica, cfr. ac. STJ de 02/02/2005, 04S610).”
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              À absolvição da instância, por fim, não pode obstar, no caso, a regra do nº. 3 do art. 288 do CPC.
              Primeiro porque, como resulta daquilo que Raúl Ventura disse (citado acima) o interesse a proteger, com a exigência deste pressuposto, é o da sociedade. Assim, para que a regra do nº. 3 do art. 288 do CPC funcionasse, a decisão de mérito teria que ser integralmente favorável à sociedade. Ora, como o procedimento foi julgado em parte improcedente e a requerente não interpôs recurso, a decisão já não pode ser integralmente favorável à sociedade.
              Mas principalmente porque, mesmo que viesse a ser proferida uma decisão que se pudesse considerar integralmente favorável à requerente, esta decisão, por aquilo que se disse acima, sempre seria ineficaz em relação à sociedade. O vício de que sofre – ter sido requerido em seu nome sem que tivesse havido uma deliberação dos sócios – impediria qualquer efeito útil à decisão e por isso impederia que esta pudesse ser considerada favorável à sociedade. 
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              Do relevo do facto de a oposição e do recurso serem só do requerido
              Como resulta do relatório deste acórdão, o recurso só foi interposto pelo requerido, não pela requerida (como, aliás, só tinha sido deduzida oposição pelo requerido, não pela requerida).
              Esta circunstância não tem, no entanto, relevo processual, visto que, como se disse acima, os réus estarem numa situação de litisconsórcio necessário natural.
              Ora, no caso de litisconsórcio necessário há uma única acção com pluralidade de sujeitos (art. 29º do CPC) e o recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes (art. 683º/1 do CPC).
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              As custas devem ficar a cargo, não da sociedade “requerente” mas sim da pessoa que agiu em nome dela sem ter poderes para o efeito (veja-se, neste sentido, o ac. de 01/07/1986, do TRC, já citado, que, em situação similar, teve o cuidado de condenar nas custas não a sociedade, mas quem se dizia seu representante legal).
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              Posto isto, conclui-se que a excepção dilatória deve ser considerada procedente, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, e os requeridos devem ser absolvidos da instância, ficando prejudicadas as outras questões que o recurso levantava.
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              Sumário (da responsabilidade do relator):
              I - Depende de deliberação dos sócios a proposição de acções pela socie-dade contra gerentes e sócios, mesmo no caso de a sociedade só ter dois sócios e as quotas serem iguais.
              II – Tal conclusão vale para os procedimentos cautelares e mesmo que existam réus/requeridos que não sejam gerentes nem sócios, desde que estes este-jam em litisconsórcio necessário.
              III - A propositura da acção contra sócio gerente sem a deliberação exigi-da pelo art. 246/1g) do CSC dá origem a uma excepção dilatória, conducente à absolvição da instância [arts. 25º/2, 288º/1c), 493º/2) e 494º/d), todos do CPC] excepto se entretanto este vício tivesse sido sanado.
              IV – Na fase da sentença ou na de recurso da sentença, não está previsto nenhum despacho destinado a tentar sanar vícios processuais: as excepções dilató-rias, quando devam ser procedentes, conduzem, nestas fases, a decisões de absol-vição da instância, salvo se se verificar a hipótese prevista no art. 288/3º do CPC.
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              Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se o despa-cho recorrido, que se substitui por este que julga verificada a excepção dila-tória da falta de deliberação dos sócios e por isso absolve os requeridos da instância.
              Custas do procedimento e do recurso pelo gerente que requereu o procedimento em nome da requerente, sem ter poderes para o efeito.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2012.

Pedro Martins
Sérgio Almeida
Lúcia Sousa