Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3083/10.1T2SNT-C.L2-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO DO CRÉDITO
DIREITO DE RETENÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Se a impugnação do mapa de créditos reconhecidos pelo administrador de insolvência se fundar na indevida inclusão de certo crédito na lista de credores reconhecidos ou na atribuição de uma qualificação de grau superior à correta, só o próprio titular do crédito impugnado poderá responder, no prazo de 10 dias, para o que será notificado.
II - Se responder à impugnação (e só nesse caso), o titular do crédito impugnado será notificado para comparecer na tentativa de conciliação prevista no art.º 136.º n.ºs 1 a 3 do CIRE e, depois, se for o caso, do despacho previsto nos artigos 510.º e 511.º do CPC, do despacho que determinar diligências probatórias anteriores à data do julgamento e, finalmente, da designação da audiência de julgamento.
III – A falta de notificação referida em I constitui nulidade que não é de conhecimento oficioso, pelo que, não tendo o titular do crédito impugnado respondido à impugnação nem invocado a omissão da sua notificação para esse efeito, não havia que notificá-lo para os efeitos referidos em II.
IV – Impugnado um crédito e a sua garantia reconhecidos pelo administrador de insolvência no respetivo mapa, recai sobre o titular desse crédito o ónus da prova dos direitos por si reclamados.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em 20.7.2010, por apenso ao processo de insolvência n.º 3083/10.T2SNT, pendente no Juízo do Comércio da Comarca da Grande Lisboa- Noroeste, em que foi declarada insolvente a sociedade “A” – Cooperativa de Habitação e Construção Económica, CRL, juntou o Sr. administrador da insolvência as listas de créditos a que alude o artigo 129.º do CIRE.
Em 14.9.2010, o administrador da insolvência juntou aos autos novo mapa dos créditos por si reconhecidos.
Em 24.9.2010 foi proferida sentença em que se homologou a lista apresentada pelo Sr. administrador da insolvência, julgando verificados todos os créditos dela constantes e se procedeu à sua graduação.
Em 24.9.2010 Banco “B”, credor reclamante nos autos de insolvência, impugnou o crédito reclamado por “C”, Lda, bem assim o direito de retenção sobre determinados imóveis pertencentes à massa insolvente que alegadamente garantiriam o referido crédito.
Na mesma data Banco “B” notificou da impugnação o mandatário de “C”, Lda.
Tal impugnação foi indeferida por despacho de 28.9.2010, por extemporaneidade.
Banco “B” apelou do despacho e da sentença supra referidos.
“C” Lda, notificada do recurso, não contra-alegou.
Em 15.02.2011 o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão em que julgou a apelação procedente e consequentemente revogou o despacho recorrido e por isso também o acórdão recorrido, ordenando a substituição do despacho por outro que admitisse a aludida impugnação da lista apresentada pelo Sr. administrador da insolvência e desse seguimento ao sequente incidente declarativo, regulado nos artigos 131.º e seguintes do CIRE.
Em 07.4.2011 deu entrada nos autos comunicação do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, dando conhecimento que “C”, Lda havia sido declarada insolvente por sentença proferida em 06.4.2011, tendo sido nomeado administrador da insolvência o Dr. “D”, cujo endereço foi aí indicado.
Por despacho de 09.5.2011 foi determinada a realização de tentativa de conciliação, nos termos do disposto no art.º 136.º do CIRE, para o dia 20.5.2011.
Em 18.5.2011 o Dr. “E”, mandatário de “B”, Lda, informou nos autos que, em virtude da declaração de insolvência da sua representada, considerava caducado o mandato e a procuração que lhe fora conferida nos autos.
Em 20.5.2011 efetuou-se infrutiferamente a designada tentativa de conciliação, na qual estiveram presentes o administrador da insolvência e os credores Banco “F” e Banco “B”.
Em 04.10.2011 foi proferido saneador tabelar, fixou-se a matéria de facto assente e a base instrutória e designou-se o dia 02.11. para o julgamento.
Em 02.11.2011 realizou-se audiência de julgamento, na qual estiveram presentes o administrador da insolvência e o Banco “B”.
Em 14.11.2011 foi proferido despacho designando o dia 18.11.2011 para resposta à matéria de facto.
Em 18.11.2011 foi proferido despacho de resposta à matéria de facto e seguidamente foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, na qual, além do mais, julgou-se reconhecido o crédito reclamado por “C”, Lda, mas não se reconheceu o invocado direito de retenção.
Em 28.12.2012 “D”, administrador da insolvência de “C”, Lda, apresentou nos autos um requerimento no qual fez constar o seguinte:
a) O Administrador da Insolvência tomou conhecimento informalmente de que já foi proferida sentença do recurso interposto, pelo credor Banco “B”, SA, da sentença de graduação de créditos, proferida no âmbito dos presentes autos.
b) Ora, salvo melhor opinião, o Administrador da Insolvência entende que deve ser notificado de todas as notificações referentes aos presentes autos, bem como dos respectivos apensos, na qualidade, não só de credor, como também de membro da comissão de credores, nomeado nos presentes autos.
Pede e aguarda deferimento.”
Em 30.01.2012 a massa insolvente de “C”, Lda, representada pelo respetivo administrador de insolvência, apelou da sentença proferida em 18.11.2011, tendo apresentado motivação na qual formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem:
Primeiro. Subjazem ao presente recurso duas questões a decidir, a saber:
a. a NULIDADE da sentença em causa, o qual surge após a omissão de diligências processuais obrigatórias e omissão de pronúncia.
b. Se o crédito da recorrente tem natureza comum ou é garantido por direito de retenção.
Segundo. Ora, quanto à NULIDADE, a recorrente é uma massa insolvente por força da declaração de insolvência da sociedade “C”, LDA., credora nestes autos, decretada no Processo de Insolvência n.º 101/11.0TBSCD, que corre termos no 1.º Juízo do Tribunal judicial de Santa Comba Dão, por sentença de 06.04.2011.
Terceiro. Ora, em virtude da declaração de insolvência, o Administrador da Insolvência assume, nos termos do art.º 81.º, n.º 4 do CIRE a representação da insolvente mormente para exercício dos seus direito patrimoniais.
Quarto. Para o efeito, o Administrador da Insolvência informou estes autos de que assumia a representação da insolvência no âmbito das diligências decorrentes da reclamação, verificação e graduação do seu crédito.
Assim,
Quinto. Estabelecem os art.ºs 136.º e ss. do CIRE que, decorridos os prazos legais fixados nos normativos anteriores e respeitantes à impugnação da Relação de Créditos Definitiva e à resposta, o juiz designa dia e hora para uma tentativa de conciliação, ordena realização de diligências instrutórias e designa data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Sexto. Aliás, a ora recorrente não tem conhecimento de que tenha sido agendada ou realizada qualquer diligência de audiência de discussão de julgamento, com vista à produção de prova;
Sétimo. Tendo sido surpreendida, sem qualquer outra diligência ou notificação prévia, pela sentença ora recorrida, a qual decide as questões formuladas na impugnação da Relação de Créditos.
Oitavo. Ora, a recorrente não foi notificada para qualquer audiência de discussão e julgamento, nem para a leitura aos quesitos;
Nono. Desconhecendo o que quer que seja quanto à realização de prova agendada pelo Tribunal, já que de nada foi notificada;
Décimo. Sendo certo que naquela data, já havia sido declarada a insolvência da credora impugnada.
Décimo primeiro. Desta forma, a sentença ora recorrida revela uma preterição de formalidade e processualismos legais, nomeadamente por força da não notificação da Massa Insolvente/Administrador da Insolvência para a realização de diligências instrutórias e da audiência de discussão e julgamento, prevista nos art.ºs 137.º, 138.º e 139.º do CIRE;
Décimo segundo. Ora, tal não sucedeu no presente caso o que determina a nulidade da sentença, por falta de notificação para diligência processual, da qual apenas teve conhecimento nesta data,
Décimo terceiro. E, consequentemente, de todo o processado desde a data da declaração de insolvência da credora/recorrente, ou seja, desde 06.04.2011, devendo o mesmo ser repetido com as notificações a serem feitas na pessoa do Administrador da Insolvência;
Décimo quarto. nulidade que se invoca para os devidos efeitos e deverá ser declarada, quer pelo omissão de pronúncia, quer pela preterição de formalidades legais impostas por lei.
Décimo quinto. Assim, declarando-se a nulidade da sentença, deverá ser revogada a mesma e ordenada a repetição de todos os actos processuais com as notificações a serem feitas na pessoa do Administrador da Insolvência.
Décimo sexto. Já no que diz respeito à NATUREZA DO CRÉDITO, o Tribunal a quo considerou que, apesar de verificado e reconhecido o crédito da recorrente no valor de 1.240.222,78 €, o mesmo deveria ser graduado com natureza comum;
Décimo sétimo. Fazendo depender o não reconhecimento do direito de retenção pelo facto de que:
“(...)
Quanto ao direito de retenção, ele não pode ser reconhecido, uma vez que não se provaram os factos constitutivos dos pressupostos de que dependeria o seu conhecimento. Falamos concretamente e com maior pertinência da detenção da coisa.”.
(...)”
Décimo oitavo. Ora, desde logo, a omissão da notificação supra referida e que determina a nulidade da sentença, revela-se como uma preterição de formalidades que impede a credora/impugnada de exercer o seu legítimo direito de defesa;
Décimo nono. perdendo de todo a hipótese de vir a ser ressarcida dos seus créditos.
Vigésimo. No entanto, sem prescindir, sempre assiste o direito de retenção à credora impugnada/recorrente, na medida do seu reconhecimento pelo próprio Administrador da Insolvência.
Vigésimo primeiro. É que, todos os prédios destinados a construção objecto do invocado direito de retenção foram entregues pela insolvente à recorrente para que esta executasse os trabalhos melhor descritos no contrato de empreitada.
Vigésimo segundo. Sendo certo que, na qualidade de empreiteira, competia à credora impugnada, uma vez findos os trabalhos, proceder à entrega dos imóveis à insolvente, para cabal cumprimento das suas obrigações.
Vigésimo terceiro. Ora, sucede, que, por força da falta de pagamento dos valores em dívida e aqui reclamados, manteve na sua posse os imóveis, zelando diariamente pela sua integridade e inviolabilidade.
Vigésimo quarto. Aquando da suspensão dos trabalhos e do início do exercício do direito de retenção em causa, a credora/recorrente logo tratou de informar, quer a insolvente, quer o banco “B” de que se encontrava a exercer o direito de retenção sobre os mesmos imóveis e as obras nunca foram entregues à insolvente;
Vigésimo quinto. E a verdade é que, desde essa data e até ao presente é a credora que detém a posse sobre o aludido imóvel, o que exerce de dia e de noite, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente,
Vigésimo sexto. A credora impugnada mantinha um guarda nas referidas obras, pago por si, sem entrave ou contestação de ninguém, designadamente da Insolvente ou até do credor hipotecário, na convicção de quem exerce um direito próprio, sem lesar qualquer direito de terceiro.
Vigésimo sétimo. Pelo que, se mostra evidente a existência do direito de retenção que a aqui recorrente invocou.
Vigésimo oitavo. Ora, da matéria que se alegou, não restam quaisquer dúvidas quanto ao preenchimento destes requisitos na presente situação.
Vigésimo nono. Pelo que não resta senão concluir que a credora/recorrente tem direito de retenção da obra que executou enquanto a sua construção não estiver totalmente liquidada, a exercer sobre os imóveis melhor identificados na sua reclamação de créditos.
Trigésimo. Nesse sentido veja, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 06/04/2000, no qual se refere que: «O empreiteiro, seja qual for a modalidade da empreitada, tem o direito de retenção da obra (total ou parcialmente realizada) para garantia do pagamento das despesas que realizou com a execução da mesma» (disponível em 0).
Trigésimo primeiro. O direito de retenção é oponível erga omnes (cfr. o Estudo do Cons. Eliseu Figueira, publicado na CJ-ST J, ano V, tomo II, p. 5 a 10) que permite ao respectivo titular invocá-lo eficazmente, de molde a fazê-lo prevalecer contra seja quem for que tenha ou se arrogue uma posição incompatível, de direito ou de facto, posteriormente constituída.
Trigésimo segundo. Dito isto, o crédito da recorrente estava graduado em primeiro lugar com o reconhecimento da dívida e do seu legítimo direito de retenção, oportuna e devidamente exercido;
Trigésimo terceiro. Reconhecimento esse que veio do próprio Administrador da Insolvência.
Trigésimo quarto. Isto é dizer que, tendo-se o Administrador da Insolvência deslocado ao empreendimento para proceder à sua apreensão, verificou que a credora/empreiteira exercia o direito de retenção e a posse sobre o imóvel;
Trigésimo quinto. Como tal, e cautelarmente, ainda que se não admitisse a realização de demais prova, sempre se verifica que pelo reconhecimento pelo próprio Administrador da Insolvência do direito de retenção de que beneficia o crédito da recorrente, a mesma já faz prova suficiente da posse dos imóveis;
Trigésimo sexto. Prova essa constante dos autos, através da pessoa mais habilitada e isenta para o efeito, o Ex.mo sr. Administrador da Insolvência, que atestou da posse e do correspectivo direito de retenção;
Trigésimo sétimo. Sendo que, por força daquela prova, dar-se-ia a inversão do ónus da prova e seria ónus da credora impugnante provar que a posse não existia e/ou não tinha sido exercida, o que manifestamente não sucede.
Trigésimo oitavo. Deste modo, deve ser reconhecido à recorrente o direito de ser paga em primeiro lugar, com preferência aos demais devedores, incluindo em relação aos credores hipotecários - ainda que com hipotecas registadas anteriormente -, pelo produto da venda dos bens sobre o qual incide o direito de retenção (cf. art, 759. °, n.º 2 do C.Civ.).
Trigésimo nono. Assim, deverá revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que considere verificado como garantido por direito de retenção o crédito já reconhecido da ora recorrente, o que deverá ser determinado e assim se realizando Justiça.
Banco “B”, S.A., contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
I - A Recorrente invoca a alegada omissão de uma formalidade que a Lei prescreve - falta de notificação para a realização da audiência de discussão e julgamento - para concluir pela nulidade da sentença recorrida;
II - Todavia, a Apelante confunde nulidade da sentença com nulidade processual;
III - Com efeito a sentença apenas é nula nas situações taxativamente elencadas do artigo 668.° n.o 1 do C.P. Civil. (Ac. STJ, de 23.3.2006: Proc. 05B4325.dgsi.Net);
IV - Ora, percorrendo as várias alíneas do n.o 1 do referido artigo 668.° do CPC, verifica-se que o caso em apreço não cabe em nenhuma das suas previsões;
V - Claramente, não padece a douta sentença recorrida de qualquer vício que acarrete a sua nulidade, sendo, consequentemente, absolutamente válida;
VI - A alegada omissão de notificação da Recorrente para a leitura da resposta aos quesitos e para a realização da audiência de discussão e julgamento - o que apenas por hipótese se admite - sempre consubstanciaria uma nulidade processual atípica, expressamente prevista no artigo 201.° do CPC e não, como pretende a Recorrente, uma nulidade da sentença;
VII - O prazo de arguição da nulidade aqui eventualmente em causa é de 10 dias e "conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência." - cfr. artigo 153.° e n.o 1 do artigo 205.° do CPC;
VIII - A intervenção da parte nos autos após o cometimento da alegada nulidade, pode revestir qualquer forma, bastando para tal, que a parte ou o seu mandatário intervenham nos autos, mesmo por simples requerimento avulso - vide Ac. RP, de 9.4.1991: Col. Jur. 1991, 2.°-260 e Ac. RL, de 5.6.1985: BTE,2 Série, n.os 7-8-9/88, pág. 1212);
IX - Após o alegado cometimento da nulidade aqui em causa, a Recorrente, representada pelo seu Administrador da Insolvência, interveio nos presentes autos em 28/12/2011 através da entrega do requerimento de fls., e que constitui também o documento n.o 2 das suas alegações;
X - Nesse requerimento, a própria Recorrente admite o conhecimento da alegada nulidade uma vez que expressamente informou o tribunal ter tido informalmente conhecimento, e em momento anterior, que havia sido já proferida sentença de reclamação e verificação de créditos;
XI - Logo, o prazo de 10 dias para a arguição da alegada nulidade aqui em causa, contar-se-ia, sempre e necessariamente, da data de entrega, pela recorrente, do aludido requerimento;
XII - Pelo que o prazo que a recorrida dispunha para arguir tal nulidade terminou no dia 10 de Janeiro de 2012;
XIII - Encontrando, assim, definitivamente precludido o direito de a Recorrente arguir tal nulidade que, consequentemente, sempre se encontraria sanada;
XIV - Sem prejuízo do que supra ficou dito, por dever e cautela de patrocínio, sempre se dirá que a Recorrente não goza de direito de retenção sobre o património imobiliário da Insolvente, hipotecado a favor do ora Recorrido;
XV -Tal direito de retenção, na versão da Apelante, adviria do facto de a Recorrente ter executado os trabalhos a que se obrigou no âmbito de contrato de empreitada celebrado com a Insolvente e desta, não obstante instada para o fazer, não ter liquidado os valores que lhe foram facturados;
37 - Invocando por isso deter a posse dos imóveis entretanto construídos zelando diariamente pela sua "integridade e inviolabilidade" "de dia e de noite, de forma ininterrupta"; "à vista de toda a gente"; que "mantinha um guarda nas referidas obras, pago por si'; "sem entrave ou contestação de ninguém, designadamente da insolvente ou até do credor hipotecário"
XVI - Não logrou, porém, em nenhum momento, fazer prova dessa posse;
XVII - Contrariamente ao alegado pela Apelante, resulta de documentos juntos pelo Senhor Administrador de Insolvência que os imóveis em causa se encontravam abandonados há muito tempo e sem qualquer segurança ou vigilância;
XVIII - Que foi o Senhor Administrador de Insolvência que providenciou pela vedação e contratação da segurança para vigilância desses imóveis;
XIX - Que o pagamento de tais medidas foi financiado pela massa insolvente;
XX - Em síntese: falta um requisito constitutivo essencial ao direito de retenção em que a Recorrente se diz investida: a posse dos imóveis;
XXI - Por outro lado, ainda que reconhecido o direito de retenção por sentença, transitada em julgado, a mesma só obriga as partes no processo, nunca afectando direitos de terceiro juridicamente interessado, a quem não foi concedido direito de defesa no mesmo;
XXII - O ora Recorrido não foi parte no processo n.O 33416/09.7T2SNT, que correu termos na Comarca da Grande Lisboa Noroeste, Juízo de Grande Instância Cível de Sintra, 2.ª Secção, Juiz 4, pelo que não lhe foi dada oportunidade de intervir no mesmo;
XXIII - Consequentemente, o reconhecimento do direito de retenção, ocorrido na mencionada acção, não faz caso julgado perante o ora Recorrido ou a massa insolvente, sendo-lhe inoponível;
XXIV - Acresce que, admitir a prevalência de um direito que não é publicitado com primazia sobre uma hipoteca previamente registada é admitir a existência de "ónus ocultos" contra os quais os vários agentes não se podem legitimamente precaver e contrário ao princípio da certeza jurídica a existência de direitos reais de garantia que não são levados a registo;
XXV -Pelo, por tudo quanto foi dito, é de manter a sentença recorrida nos exactos termos em que foi proferida: o crédito da Recorrente tem a natureza de um crédito comum, não gozando de privilégio algum por via de direito de retenção;
XXVI - Consequentemente, deve manter-se graduado como comum e sem primazia sobre o crédito com garantia hipotecária do Recorrido;
XXVII - Por último, e caso assim não se entenda, o que apenas por cautela se concebe, a reconhecer-se qualquer direito de retenção à Apelante, o seu crédito apenas beneficiará desse privilégio até ao limite de € 925.992,00, montante que lhe foi reconhecido por sentença de 15/09/2010, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo n.o33416/09.7T2SNT.
O apelado terminou pedindo que se negasse provimento ao recurso e em consequência se mantivesse a sentença recorrida.
O recurso foi recebido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões suscitadas nos autos são as seguintes: se a sentença recorrida está inquinada de nulidade, por preterição de formalidades legais; se o crédito da apelante está garantido com direito de retenção sobre determinados imóveis.
Primeira questão (nulidade)
Cabe levar em consideração o factualismo supra referido no Relatório e ainda o seguinte:
1. O administrador de insolvência de “C”, Lda não foi notificado do despacho de 09.5.2011, que determinou a realização de tentativa de conciliação, nem do despacho de 04.10.2011, que procedeu à fixação da matéria de facto assente e da base instrutória e designou a data do julgamento, nem do despacho que marcou a data da resposta à matéria de facto.
2. O administrador de insolvência de “C”, Lda foi notificado da sentença de verificação e graduação de créditos em 16.01.2012.
O Direito
Declarada a insolvência, devem os respetivos credores reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos previstos no art.º 128.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE). Ao administrador de insolvência cabe elaborar e apresentar uma lista dos créditos por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos (art.º 129.º do CIRE). As listas apresentadas podem ser alvo de impugnações, nos termos do art.º 130.º do CIRE.
Se a impugnação se fundar na indevida inclusão de certo crédito na lista de credores reconhecidos ou na atribuição de uma qualificação de grau superior à correta (por exemplo, crédito “garantido” em vez de crédito “comum”), só o próprio titular do crédito impugnado poderá responder, no prazo de 10 dias, para o que será notificado (art.º 131.º n.ºs 2 e 3 e 134.º n.º4 do CIRE).
Se responder à impugnação (e só nesse caso), o titular do crédito impugnado será notificado para comparecer na tentativa de conciliação prevista no art.º 136.º n.ºs 1 a 3 do CIRE e, depois, se for o caso, do despacho previsto nos artigos 510.º e 511.º do CPC (n.ºs 3 a 6 do art.º 136.º do CIRE), do despacho que determinar diligências probatórias anteriores à data do julgamento (art.º 137.º do CIRE) e, finalmente, da designação da audiência de julgamento (artigos 138.º e 139.º do CIRE).
No caso dos autos foi impugnado o crédito de “C”, Lda, que havia sido reconhecido pelo administrador da insolvência e qualificado como garantido por direito de retenção.
Tal impugnação foi rejeitada, por extemporaneidade, e foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, aí se incluindo o crédito impugnado, com a classificação de crédito garantido (por direito de retenção). Por via disso o credor impugnado não chegou a responder à impugnação. Porém, o despacho de rejeição da impugnação e a sentença de verificação e de graduação dos créditos foram revogados, tendo sido determinado pela Relação de Lisboa que a primeira instância proferisse despacho que admitisse a aludida impugnação e desse seguimento ao sequente incidente declarativo, regulado nos artigos 131.º e seguintes do CIRE.
Assim sendo, deveria ter-se determinado a notificação da credora “C”, Lda para, querendo, responder à impugnação. Tal não foi feito e o incidente prosseguiu, tendo sido realizada tentativa de conciliação, proferido despacho de selecção da matéria de facto e realizada audiência de julgamento sem que disso fosse notificada a aludida credora.
A omissão da aludida notificação para responder à impugnação constitui preterição de formalidade legal, que pode ter influência no desfecho do respectivo incidente, pelo que é uma nulidade (art.º 201.º do CPC). Porém, não é de conhecimento oficioso, ou seja, o tribunal só a pode apreciar se ela for arguida pelo respectivo interessado (artigos 17.º do CIRE, 202.º e 203.º do CPC). Ora, a apelante não invocou nos autos essa omissão, pelo que não cabia nem cabe ao tribunal dela conhecer.
Não tendo a credora “C”, Lda, entretanto declarada insolvente e representada pelo respectivo administrador de insolvência (art.º 81.º n.º 4 do CIRE), apresentado resposta à impugnação do seu crédito, não tinha, conforme supra referido, que ser notificada para as aludidas tentativa de conciliação e audiência de julgamento.
Mesmo que assim não fosse, ou seja, ainda que se entendesse que o tribunal a quo devia ter notificado a credora/ora apelante para a tentativa de conciliação e tramitação subsequente, ainda assim a arguição de nulidade ora apresentada em sede de recurso teria de improceder.
A sentença ora recorrida não enferma, em si, de qualquer vício, ou seja, não padece de qualquer das causas de nulidade ou anulabilidade previstas no art.º 668.º do CPC. O vício que a apelante aponta (falta de notificação da tentativa de conciliação e da audiência de julgamento) reporta-se a momento processual anterior à sentença, pelo que a apelante carece de rigor, ao imputar nulidade à sentença. Seja como for, aceitamos que as nulidades dos atos da sequência processual que não tenham sido arguidas ou conhecidas anteriormente e que não possam ser consideradas sanadas, podem ser arguidas no recurso ordinário que venha a ser interposto da sentença a que, ao fim e ao cabo, subjazem, convertendo-se, pois, em causas de impugnação da decisão judicial (neste sentido, cfr. Remédio Marques, “Acção declarativa à luz do Código Revisto”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 253).
Ora, in casu, a aludida nulidade, a existir, deveria considerar-se sanada ao tempo da sua arguição.
De facto, em 28.12.2011 o representante da ora apelante apresentou um requerimento nos autos, no qual dava conta de ter tido informalmente conhecimento de que já havia sido proferida sentença “do recurso interposto, pelo credor Banco “B”, SA, da sentença de graduação de créditos, proferida no âmbito dos presentes autos” e manifestava o entendimento de que deveria ser notificado “de todas as notificações referentes aos presentes autos, bem como dos respectivos apensos”.
Ou seja, a apelante praticou um acto nos autos, o que pressuporia, se fosse diligente, o prévio exame destes e a consequente constatação de eventuais irregularidades. No momento da apresentação do aludido requerimento começou, pois, a correr o prazo de arguição de nulidades (art.º 205.º n.º 1 do CPC – cfr., v.g., José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. I, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 379), o qual era de 10 dias (art.º 153.º do CPC) e assim se esgotou em 09.01.2012 (art.º 144.º n.º 5 alínea b) do CPC e art.º 9.º n.º 1 do CIRE), ou seja, antes da data da interposição do presente recurso (30.01.2012) e da própria notificação da sentença (16.01.2012).
A apelação improcede, pois, quanto a esta questão.
Segunda questão (direito de retenção)
A este respeito o tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de Facto
Quanto aos créditos não impugnados:
a) Da lista de credores reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência constam os seguintes créditos, não impugnados, de natureza garantida pelo produto da venda dos bens imóveis apreendidos.
- Banco “B”, SA, hipoteca até ao valor de 3.130.887,65 euros.
b) Da lista de credores reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência constam os seguintes créditos, não impugnados, de natureza privilegiada pelo produto da venda dos bens móveis da insolvente:
- “G”, até ao valor de 17.242,48 euros.
c) À exceção do crédito de “C”, Lda, todos os demais créditos são comuns.
d) Nos autos mostram-se apreendidos bens imóveis e bens móveis, conforme consta do apenso A, de apreensão de bens.
Quanto ao crédito impugnado:
e) A reclamante “C”, Lda dedica-se à indústria de construção civil e obras públicas e ao comércio de materiais de construção.
f) A reclamante emitiu em nome da insolvente as faturas juntas a folhas 200 a 210 dos autos.
g) A reclamante emitiu em nome da insolvente a fatura junta a folhas 211.
h) A reclamante emitiu em nome da insolvente a fatura junta a folhas 211.
i) A reclamante emitiu em nome da insolvente a fatura junta a folhas 220.
j) A reclamante emitiu em nome da insolvente as notas de débito juntas a folhas 221 a 235.
l) Em 23 de Julho de 2007, a insolvente e a reclamante “C”, Lda acordaram em que a reclamante executaria para a insolvente, todos os trabalhos de construção civil, infra-estruturas, arranjos exteriores e os restantes items constantes do caderno de encargos que constitui o documento junto a folhas 186 e ss, mediante o pagamento da quantia de 4.545.228,00 euros, acrescido de IVA, estando o preço sujeito a ajustamento em função da área de construção efetivamente realizada e registada no Livro de Obra.
O Direito
Na sentença recorrida deu-se por verificado o crédito reclamado pela ora apelante. Porém, não se reconheceu o direito de retenção invocado pela credora. Isto porque, segundo se escreveu na sentença, “não se provaram os factos constitutivos dos pressupostos de que dependeria o seu conhecimento. Falamos concretamente e com maior pertinência da detenção da coisa. Quem se arroga titular de um direito de retenção tem que demonstrar, além do mais, a detenção da coisa retida, o que não aconteceu neste caso em que a credora não provou qualquer detenção.
A apelante rebela-se contra a parte da sentença em que se recusou o reconhecimento do invocado direito de retenção e consequentemente se graduou o crédito como comum. Para tal entende a apelante que devem dar-se como provados os factos, que indica, que consubstanciavam a posse dos imóveis atinentes à empreitada da qual decorre o seu crédito, posse essa exercida a título de direito de retenção. Tal prova resultaria desde logo do reconhecimento da posse do imóvel e do correspondente direito de retenção por parte do próprio administrador da insolvência, o que implicaria a inversão do ónus da prova, passando a ser ónus da credora impugnante provar que a posse não existia e/ou não tinha sido exercida.
Vejamos.
É certo que o administrador da insolvência qualificou o crédito da apelante como garantido, reconhecendo o direito de retenção que esta invocara na respectiva reclamação do crédito. Tal juízo, bem assim a restante lista de credores reconhecidos, se não fosse alvo de impugnação, e a menos que padecesse de erro manifesto, tornar-se-ia definitivo, por força de sentença homologatória a proferir pelo tribunal nos termos do n.º 3 do art.º 130.º do CIRE. Porém, uma vez impugnado o aludido crédito e a garantia respetiva, caberá ao juiz proceder ou não ao reconhecimento dos créditos, dentro do ritualismo previsto nos artigos 130.º e seguintes do CIRE. Aí não cabe qualquer presunção de prova decorrente do prévio reconhecimento do crédito e suas garantias na lista elaborada pelo administrador da insolvência. Pelo contrário, se o titular do crédito impugnado não responder, a impugnação deverá ser julgada procedente (n.º 3 do art.º 131.º do CIRE). Tanto na impugnação como na respetiva resposta deverão os interessados apresentar ou indicar as respetivas provas (art.º 134.º n.º 1 e n.º 2 do art.º 25.º do CIRE). Na tentativa de conciliação prevista no art.º 136.º do CIRE serão considerados reconhecidos os créditos que mereçam a aprovação dos presentes e nos precisos termos em que o forem (n.º 2 do art.º 136.º) e depois será proferida decisão em que, além de se considerarem reconhecidos os créditos incluídos na respectiva lista e não impugnados e os que tiverem sido aprovados na tentativa de conciliação (n.º 4 do art.º 136.º), considerar-se-ão ainda reconhecidos “os demais créditos que possam sê-lo face aos elementos de prova contidos nos autos” (n.º 5 do art.º 136.º do CIRE). Na audiência de julgamento serão observados os termos estabelecidos para o processo declaratório sumário, podendo ser ouvidos, se o tribunal o determinar, o administrador da insolvência e a comissão de credores (quando a haja) – art.º 139.º do CIRE.
Não se surpreende, pois, nesta matéria e no que concerne aos mapas de créditos elaborados pelo administrador da insolvência, qualquer alteração às regras sobre ónus da prova previstas nos artigos 342.º e seguintes do Código Civil.
Ou seja, sobre a ora apelante recaía o ónus de provar os factos consubstanciadores do invocado direito de retenção, entre os quais a posse do imóvel alegadamente retido (artigos 754.º e 759.º do Código Civil).
Ora, sobre isso havia o tribunal a quo, com base na reclamação do seu crédito apresentada pela ora apelante, elaborado os seguintes quesitos:
17.º Em 15 de Abril de 2009, a reclamante comunicou à insolvente que a partir dessa data exercia direito de retenção sobre o empreendimento …, em Sesimbra ?
18.º Desde a data referida em 17) que a reclamante impede qualquer pessoa, nomeadamente a insolvente, de aceder aos prédios aludidos em 17)?
19.º Desde a data referida em 17) que a reclamante delimitou esses prédios por vedação metálica e fechada a cadeado, composta por painéis de rede e chapa, incluindo a zona do estaleiro e sob vigilância permanente por guarda, 24 horas por dia?
Estes quesitos tiveram a resposta de “não provado.”
O tribunal a quo fundou essa resposta na “absoluta falta de prova no sentido apontado.
Na audiência de julgamento não foram ouvidas testemunhas, pelo que nos autos constam todos os elementos pertinentes para a decisão de facto.
Segundo a apelante, dos autos constaria o reconhecimento, por parte do administrador da insolvência, do invocado direito de retenção.
Ora, a verdade é que, para além da já aludida inclusão do crédito da apelante no mapa de créditos reconhecidos, sobre cujos efeitos já nos pronunciámos, apenas encontramos no autos, a este respeito, uma comunicação dirigida pelo Sr. administrador da insolvência na sequência da apelação interposta pelo credor Banco “B” da primeira sentença de verificação e graduação de créditos (fls 54 e 55), onde aquele, após afirmar que o reconhecimento da natureza e crédito reclamado pela ora apelante se fundamentara na sentença junta à reclamação de créditos, a qual, devido à formação do Sr. administrador na área de gestão, não fora por ele, talvez, criteriosamente analisada sob o aspeto jurídico, esclareceu que quando se dirigiu ao local da obra em questão, em Junho de 2010, e após ter constatado que havia sido furtado algum material e existiam outros estragos de menor monta, lhe fora dito por um vizinho que os prédios se encontravam, havia muito, abandonados e sem qualquer guarda, pelo que o Sr. administrador tomou medidas tendo em vista vedar e vigiar a obra, procedendo à sua apreensão efetiva.
O exposto contradiz a pretensão da apelante, sendo certo que nos autos não se encontram elementos que fundem modificação da decisão de facto.
É certo que a reclamante juntou à reclamação sentença, proferida em 16.4.2010 pelo Juiz 4 da 2.ª secção do Juízo Grande Instância Cível da comarca da Grande Lisboa-Noroeste, em ação intentada pela ora apelante contra a ora insolvente, na qual foi declarado que a autora gozava de direito de retenção sobre os aludidos imóveis. Só que, para além de tal sentença não vincular a ora impugnante, que não interveio nesse processo, não pode deixar de se levar em consideração que a ré não contestou a acção, o que influenciou o seu desfecho. Por outro lado a circunstância de em Abril de 2010 se considerar verificado o direito de retenção não implica que a situação de detenção/posse dos imóveis se manteve no futuro.
Dito isto, a sentença recorrida não nos merece censura, devendo ser confirmada.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a sentença recorrida.
As custas da apelação são a cargo da apelante.

Lisboa, 29 de Março de 2012

Jorge Manuel Leitão Leal
Pedro Martins
Sérgio Almeida