Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
481/09.7TMSNT.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO TRIBUNAL
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Se do processo constarem os elementos probatórios para tal necessários e suficientes o tribunal ad quem pode ampliar a matéria de facto, na medida em que os pontos alvo de aditamento tenham pertinência e sejam cognoscíveis, cognoscibilidade essa que, quanto à indemnização a fixar em processo de expropriação litigiosa, se prende com o teor dos requerimentos de recurso do acórdão arbitral e da respetiva resposta, os quais delimitam o thema decidendum do recurso (artigos 58.º e 60.º do CE).
II - Entre as circunstâncias a considerar para o cálculo da indemnização devida ao expropriado, existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública, incluem-se os instrumentos de ordenamento do território então em vigor e demais legislação pertinente.
III – Se não tiver sido alvo da publicação legalmente exigida, não pode ser considerado para o cálculo da indemnização o teor do plano de recuperação de uma área urbana de génese ilegal, onde se situa a parcela expropriada.
IV – Também não pode ser tomado em consideração, para o cálculo da indemnização, projeto de loteamento que não tenha sido licenciado.
V - Tendo a prova pericial por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de pessoas que dispõem de conhecimentos especiais que os julgadores não possuem e constituindo a avaliação de imóveis precisamente uma área que pressupõe conhecimentos e experiência que normalmente não estão ao alcance do tribunal, sendo por isso obrigatória a avaliação pericial no âmbito do recurso de acórdão arbitral em processo de expropriação, o tribunal só deverá divergir do sentido apontado pelos peritos se tal juízo divergente se mostrar suficientemente fundamentado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 15.01.2009 “A” – Expropriações da Grande Lisboa, ACE, remeteu aos Juízos Cíveis de Sintra processo de expropriação referente aos expropriados “B” e “C”.
O requerente alegou que nos termos de Despacho Conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações de 27.11.2006, o Estado Português adjudicou à LusoLisboa-Auto-Estradas da Grande Lisboa, S.A. a concessão do projeto rodoviário designado Grande Lisboa, o qual tem por objeto, entre outros eixos rodoviários, a construção da A16 que integra o IC30 e o IC 16. À LusoLisboa – Autoestradas da Grande Lisboa, S.A. foi cometida, pelo Dec.-Lei n.º 242/2006, de 28.12, diversos poderes e deveres relativos aos processos expropriativos necessários para os aludidos trabalhos, entre os quais se incluem a condução e realização desses processos expropriativos e o pagamento das indemnizações correspondentes. Também nos termos do referido Decreto-Lei a LusoLisboa celebrou com a ora requerente um “Contrato de Condução e Realização de Processos Expropriativos”, tendo em vista o cumprimento por esta das obrigações por aquela assumidas em matéria de expropriações. Por Despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, de 30.4.2008, publicado no DR, II série, de 12 de maio de 2008, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, das expropriações necessárias à construção da Autoestrada A16/IC30 e A16/IC16, cuja construção implica a expropriação da parcela n.º 7/7.01. A referida parcela foi identificada na DUP, como sendo uma parcela com a área de 6 605 m2, correspondendo 6 096 m2 à parcela 7 e 509 m2 à parcela 7.01, a destacar de um prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo 9 – Secção Q e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .../... e dos quais os expropriados são os proprietários. Realizou-se vistoria ad perpetuam rei memoriam, concretizou-se a posse administrativa da referida parcela e procedeu-se a arbitragem, na qual se fixou o valor da indemnização devida pela expropriação da parcela em € 427 806,00. O requerente depositou à ordem do tribunal o montante arbitrado.
O requerente terminou pedindo que se adjudicasse ao Estado Português, integrando o seu domínio público, a propriedade da parcela expropriada e se notificasse às partes o acórdão arbitral, a fim de, querendo, dele interporem recurso.
Em 26.01.2009 foi proferido despacho adjudicando a propriedade da aludida parcela ao Estado Português (na sequência de retificação determinada por despacho de 19.3.2009 – fls 187 e 188) e determinando a notificação às partes do acórdão arbitral.
Tanto a requerente “A” – Expropriações da Grande Lisboa, ACE como os expropriados recorreram do acórdão arbitral, pugnando a requerente pela fixação da indemnização devida aos expropriados em € 360 000,00 e defendendo os expropriados que esse montante fosse avaliado em € 1 839 219,05 ou, subsidiariamente, em € 1 589 823,50.
Foram juntos documentos e realizou-se perícia colegial, que, por unanimidade, propôs como valor indemnizatório dois montantes alternativos, consoante determinados pressupostos adotados: € 1 129 455,00 ou € 485 468,00.
As partes apresentaram alegações, pugnando a expropriante pela atribuição de uma indemnização no valor de € 360 000,00 e os expropriados por uma indemnização no valor de € 1 194 250,05 ou, subsidiariamente, de € 1 129 455,00.
Em 11.6.2011 foi proferida sentença que fixou a indemnização em € 485 468,00.
A expropriante apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1ª A Entidade Expropriante concorda com a metodologia adotada na Sentença recorrida que, de resto, seguiu o segundo cenário ponderado pelos Senhores Peritos. No entanto, ao aderir a essa avaliação pericial, sem mais, a Sentença recorrida manteve e sancionou os manifestos lapsos que haviam sido cometidos por aqueles Peritos, o que determinou a atribuição de uma indemnização manifestamente superior ao valor de mercado do terreno expropriado, o que não pode ser admitido, por contrariar frontalmente as disposições do Código das Expropriações e da Constituição, designadamente, o princípio fundamental da igualdade dos cidadãos perante a repartição dos encargos públicos e a proibição do enriquecimento dos expropriados à custa da comunidade.
2ª Reclamação da matéria de facto – ampliação da matéria de facto assente: para além da que resulta dada como provada na Sentença recorrida, devem ser tidos como assentes os factos que ficaram elencados no nº 6 destas Alegações, com o suporte instrutório aí referido (art. 712º, nº 1, a), do CPC).
3ª O índice fundiário e o art. 26º, nº 6 do Código das Expropriações
Nos termos do art. 26º, nº 6, do Código das Expropriações (localização, qualidade ambiental e equipamentos) e face aos elementos atestados nos autos (que nada referem quanto à qualidade ambiental e equipamentos), a Sentença recorrida não poderia ter considerado um índice fundiário base superior a 10%. Na verdade, considerando que o índice base máximo de 15% corresponde aos terrenos de maior valor do concelho de Sintra, designadamente aos que se localizam na própria cidade de Sintra, este terreno expropriado, que se integra num bairro de génese ilegal, não pode valer só menos 3% (15% máximo - 12% adotados na Sentença) do que esses melhores terrenos de Sintra.
Relativamente aos elementos a que se refere o art. 26º, nº 6, não pode aceitar-se que seja adotada uma referência de 12%, pois atendendo à localização, condicionantes urbanísticas e classificação do solo das parcelas e às suas específicas dimensões, este terreno está longe de poder integrar-se nos terrenos mais valiosos do Concelho de Sintra (“13. A parcela 7 e a parcela 7.01 situam-se no Bairro da ..., ou Casal da ..., integrado numa área urbana de génese ilegal. (…)” e “15. O Bairro da ..., contíguo às parcelas é caracterizado pela existência de habitações unifamiliares de 1 e 2 pisos, algumas delas de baixa qualidade arquitetónica e construtiva (…)”.
Assim, qualquer índice superior a 10 % desvirtua o valor relativo de terreno neste concelho e implica a integração desta parcela num escalão alto de mercado (0% a 5%, escalão baixo; 6% a 10% escalão médio; e 11% a 15% escalão alto), o que não corresponde de todo à realidade, pelo que deve ser considerado um índice fundiário base máximo de 10%.
4ª. A necessária ponderação de um fator corretivo nos termos do art. 26º, nº 10, do Código das Expropriações
A Sentença recorrida e a Avaliação Pericial erraram ao não terem considerado o fator corretivo previsto no art. 26º, nº 10º do Código das Expropriações. Com efeito, a intenção do legislador ao consagrar esta exigência foi assegurar a justiça e igualdade na indemnização devida aos expropriados (designadamente quando comparados com os proprietários não expropriados), uma vez que o valor do bem expropriado calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder efetivamente ao valor real e corrente do mesmo, numa situação normal de mercado.
A ratio legis da norma prende-se com a exigência de igualdade entre o expropriado (que recebe a indemnização sem correr quaisquer riscos e sem efetuar quaisquer esforços financeiros inerentes à atividade construtiva) e os não expropriados, que, em idêntica situação, para promoverem a construção nos seus terrenos teriam que assumir esses riscos e esforços.
Numa situação normal de mercado, torna-se necessário ponderar (i) os riscos inerentes à construção, como por exemplo, os financiamentos a efetuar, acidentes na obra, deficiências dos projetos, mau tempo, atrasos, surpresas geológicas, custos da mão de obra e dos materiais, etc., e (ii) os riscos inerentes à comercialização, nomeadamente, depreciação do imóvel, dificuldades de venda por retração do mercado, tempo de exposição no mercado, etc.
Quantos projetos imobiliários acabam por envolver prejuízos para o seu promotor ou levar o mesmo à falência, em particular na atual situação do mercado?
A este propósito importa constatar que vivemos uma das maiores crises económicas dos tempos modernos, com notórios reflexos negativos no valor dos bens imóveis.
Deste modo, a este título e num máximo de 15%, deverá ser aplicado um fator corretivo de, pelo menos, 10%.
5ª A correção da indemnização pelo facto de parte das parcelas se encontrar classificada no PDM de Sintra como Espaço de Proteção e Equipamento e Espaço Canal
Como se poderá verificar na pág. 7/26 do Relatório de Avaliação Pericial, 503 m2 das parcelas encontra-se classificada em alguma das referidas categorias de espaço, onde não é permitida a construção. Assim, em quase 10% da área total não era permitida a construção.
A própria Sentença recorrida decidiu que “A classificação do solo depende não só das infraestruturas de que o prédio e as parcelas dispõem, mas primariamente da possibilidade de edificação dos mesmos, o que resultará nomeadamente dos instrumentos de gestão territorial em vigor para o prédio, ou da existência de alvará de loteamento ou licença de construção” (pág. 7, penúltimo parágrafo). Assim, de uma forma correta, a Sentença considerou que só pode ser classificado/avaliado como solo apto para a construção aquele onde, legalmente, se pode construir.
No entanto, ignorando esta pré-decisão fundamentante, a Sentença recorrida, ao aderir ao Relatório de Avaliação Pericial, acabou por avaliar/indemnizar como solo apto para a construção os referidos 503 m2 das parcelas expropriadas onde não se pode construir.
Constata-se assim que a Sentença recorrida, para além desse erro de julgamento, acaba por enfermar da nulidade prevista no art. 668º, nº 1, c), do CPC: o fundamento está em oposição com a decisão proferida.
Deste modo, correspondendo esta área a cerca de 10% da área total das parcelas expropriadas justifica-se a correção do valor indemnizatório em 5%, avaliando-se assim esta parte das parcelas por metade do seu valor (o que peca por defeito, pois um terreno sem capacidade edificativa vale muito menos de metade de um solo onde se possa construir).
6ª A JUSTA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA AOS EXPROPRIADOS
Assim, concordando-se com a Sentença recorrida quanto à metodologia utilizada, impõem-se as 3 correções que ficaram assinaladas, devendo a justa indemnização ser fixada nos seguintes termos:
€ 700/m2 (custo de construção adotado na Sentença) x 0,5 (índice de construção excessivo já considerado na Sentença) x 0,19 (índice fundiário base de 10% acrescido dos 9% adotados na avaliação pericial e na arbitragem) x 0,90 (fator corretivo de 10% previsto no art. 26º, nº 10, do Código das Expropriações) x 0,95 (fator corretivo pela indevida avaliação como solo apto para a construção da parte das parcelas expropriadas onde não se pode construir) = € 56,85/m2.
Assim, € 56,85/m2 x 6.605m2 = € 375.494, a que acrescerá a atualização legalmente devida.
A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e a indemnização fixada nos termos expostos.
Não houve contra-alegações.
Porém, os expropriados também apelaram da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
a)- A determinação dos parâmetros urbanísticos aplicáveis ao cálculo da indemnização a fixar nestes autos não pode partir de uma falsa contradição entre o Plano de Reconversão do Casal da ... de 1991 e o PDM-Sintra, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº .../99, publicada no DR Iª Série B em 4 de outubro de 1999. É sempre este que deverá prevalecer em todo o caso, posto que é o instrumento de gestão mais recente, até porque:
b)- O RJIGT, publicado pelo Dec. Lei 380/99 de 22 de setembro nas suas sucessivas redações determina que:
(art. 69º nº 1) - os PMOT são instrumentos regulamentares da autoria dos municípios, que vinculam as entidades públicas e os particulares (art. 3º nº 2);
(arts. 101º e 102º) - A compatibilidade e conformidade entre os instrumentos de gestão territorial é condição da sua validade, sendo que a incompatibilidade e inconformidade são condição de nulidade sem prejuízo dos atos praticados;
(art. 80º) - A ratificação pelo Governo dos PDM tem como efeito a derrogação das normas anteriores, mesmo de planos sectoriais e regionais de nível hierárquico superior àqueles.
(art. 148º nº 1 e 2 alínea f)- ) – A ratificação do PDM abrange o respetivo Regulamento e a sua eficácia depende da respetiva publicação.
c)- A certidão do DPU de Sintra de 25/5/2009, junta aos autos, atesta que:
- O Plano do Casal da ... foi aprovado pela Assembleia Municipal em 25/10/91;
- O plano mantém-se eficaz e está contemplado no art. 89º nº 4 do Regulamento do PDM.
d)- O ofício S/15936 de 15/4/2010 do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, esclarece que, no âmbito do inquérito público e subsequente deliberação da Assembleia Municipal, foi aprovada para as parcelas uma tipologia de rés do chão mais 4 pisos.
e)- O art. 89º nº 4 do Regulamento do PDM- Sintra declara manter em vigor o Plano do Casal da ....
f)- Os expropriados admitem que, após diversas consultas junto dos serviços locais e centrais, não obtiveram a confirmação da publicação autónoma dos planos referidos naquele artigo.
g)- A legislação ao tempo em vigor (Dec. Lei 69/90 de 2 de março), muito embora dispensasse a ratificação dos planos em certos casos, estabelecia que a sua publicação era condição da respetiva eficácia.
Daqui retira a sentença recorrida que o Plano do Casal da ... é absolutamente ineficaz, aplicando por analogia ao cálculo indemnizatório o índice de construção de 0,50 fixado expressamente no PDM mas apenas para as parcelas envolventes. Porém:
h)- A VALIDADE do ato administrativo é a sua apetência intrínseca para produzir os efeitos jurídicos do tipo respetivo, sendo que a sua EFICÁCIA é a efetiva produção desses efeitos jurídicos. Daqui resulta que o ato administrativo pode ser ao mesmo tempo válido e ineficaz.
i)- O Plano do Casal da ... foi aprovado pela Assembleia Municipal de Sintra em 25/10/91, pelo que é válido, independentemente da sua eficácia. (art. 3º nº 2 do DL 69/90 de 2/3)
j)- A RATIFICAÇÃO é, genericamente, o ato administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um ato anulável, fazendo retroagir os seus efeitos à data do ato sanado (art. 137º 4 do CPA)
k)- No caso dos planos de ordenamento, a ratificação destina-se especialmente a salvaguardar a compatibilidade e conformidade de todos os instrumentos de gestão territorial em vigor e, quanto aos PDM e como já se invocou, a derrogar todas as normas, inclusive dos planos hierarquicamente superiores, que com ele colidam.
l)- A norma do Regulamento do PDM- Sintra aqui em questão declara “manter em vigor (…) o Plano do Casal da ...” – art. 89º nº 4 m)- Trata-se, aparentemente, de uma ratificação meramente confirmativa, no pressuposto de que o plano em questão havia sido publicado, o que até ao presente os expropriados não lograram comprovar. Mas, mesmo que revestisse a forma de ratificação-sanação, sempre teria sanado qualquer irregularidade do Plano do Casal da ... e conferindo-lhe derivadamente a publicidade que a este pudesse faltar.
n)- Assim sendo, NÃO EXISTE CONTRADIÇÃO ENTRE O PDM-SINTRA e o PLANO DO CASAL DA .... São as estipulações deste que se aplicam porque o PDM- Sintra as manda aplicar!
o)- Aliás, também a aplicação de outro critério ao cálculo da indemnização a fixar aos expropriados revestiria a figura do ABUSO DE DIREITO, posto que os expropriados haviam feito todas as cedências para arruamentos, passeios, estacionamentos, zonas verdes, parque de jogos e sede da associação de moradores e contribuído para a execução das infraestruturas do Bairro com um valor equivalente, à data da DUP, a € 101.161,97, no pressuposto da tipologia aprovada de r/c + 4 pisos e já não poderiam agora vir pedir a reversão do domínio público dessas zonas cedidas e que ficam fora da área expropriada.
p)- Assim sendo, a justa indemnização deve ser fixada à luz do art. 89º nº 4 do Regulamento do PDM-Sintra e nunca com base no índice de construção genérico de 0,50 fixado pelo mesmo PDM mas para só as áreas envolventes do Casal da ....
q)- O Plano do Casal da ..., “ex vi” do art. 89º nº 4 do Regulamento do PDM-Sintra, não fixa qualquer índice para as parcelas expropriadas, mas apenas a respetiva tipologia de construção admitida (r/c+4 pisos).
r)- Com base nessa tipologia e antes da notificação da declaração de utilidade pública da expropriação, os expropriados apresentaram para as parcelas na CM Sintra o pedido de loteamento com o nº LT/1093/2004, solicitando o licenciamento de uma área de construção de 8.131,269 m2, sendo que nos termos da respetiva apreciação liminar é dito que o mesmo não viola os instrumentos de gestão territorial.
s)- Nos termos da certidão de 25/5/2009 e do ofício S/1593 de 15/4/2010, o pedido está em condições de ser decidido, encontrando-se a aguardar resposta à consulta legal ao IEP feita em 8/6/2006.
t)- Nos termos do art. 19º nºs 1 a), 3, 8 e 9 do RJUE, competia à Estradas de Portugal emitir esse parecer no prazo de 20 dias e à CM de Sintra deliberar sobre o pedido no prazo de 45 dias após o prazo para aquele parecer ser recebido, pelo que, de acordo com o art. 111º do RJUE, se operou o deferimento tácito da pretensão. Por conseguinte esse ato tácito é válido para efeitos do art. 23º do CE. É que,
u)- Ao contrário do que diz a sentença recorrida, o pedido não viola o disposto no PDM - Sintra e o peregrino índice de 0,50 estabelecido mas apenas para a envolvente, posto que se limita a aplicar as estipulações resultantes do art. 89º nº 4 do Regulamento do dito PDM.
v)- Resultando desse pedido um índice de construção de 1,23, deverá, então e com base neste, ser fixada aos expropriados a indemnização de € 1.194.250,05, como invocado nas alegações junto do tribunal recorrido.
Subsidiariamente e caso tal não seja entendido,
x)- Sempre deverá ser fixada aos expropriados a indemnização de € 1.129.455,00, calculada nos termos do “Cenário A” do Relatório dos Peritos e feita com base num índice de construção provável de 1,16.
Nunca, obviamente, a indemnização fixada com base no “Cenário B” que a sentença recorrida acolhe, posto que não tem em conta o disposto no art. 89º nº 4 do PDM-Sintra.
z)- A sentença recorrida viola o disposto no art. 89º nº 4 do Regulamento do PDM-Sintra, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros .../99, publicada em 4 de outubro de 1999 no DR Iª Série B; nos arts. 80º, 101º, 102º e 148º do RJIGT; no art. 111º do RJUE; no art. 137º do CPA; no art. 23º nº 1 e, “a contrario” no nº 2 alínea d)- do CE e, bem assim, no disposto no art. 659º nº 2 “in fine” do CPC.
Os apelantes terminaram pedindo que a sentença fosse revogada e fixada aos expropriados a indemnização de € 1.194.250,05 ou, subsidiariamente, a indemnização de € 1.129.455,00, nos termos invocados e com todas as legais consequências.
A entidade expropriante contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação dos expropriados e pugnando pela fixação da indemnização nos termos expostos no seu recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
Por o seu objeto estar interligado, as duas apelações serão apreciadas em conjunto. As questões que aí se suscitam são as seguintes: modificação da matéria de facto; pressupostos a ter em conta na fixação da indemnização devida aos expropriados.
Primeira questão (matéria de facto)
O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de Facto
1. Nos termos do Despacho Conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações de 27.11.2006, o Estado Português adjudicou à LusoLisboa – Autoestradas da Grande Lisboa, S.A. a concessão do projeto rodoviário designado Grande Lisboa (cfr. Preâmbulo e art. 2º do Decreto-Lei nº 242/2006, de 28 de dezembro), que, nos termos da Base II da Concessão aprovada pelo referido Decreto-Lei nº 242/2006, de 28 de dezembro, e do Contrato de Concessão celebrado, tem por objeto, entre outros eixos rodoviários, a construção da A16 que integra (i) o IC30, entre Alcabideche (A5) e Ranholas (IC19), iniciando uma nova circular exterior, e (ii) o IC16, entre Lourel e a CREL.
2. O Decreto-Lei nº 242/2006, de 28 de dezembro, estabeleceu como de utilidade pública urgente todas as expropriações necessárias à construção do conjunto rodoviário objeto desta concessão (Bases XX e XXI) e cometeu à LusoLisboa – Autoestradas da Grande Lisboa, S.A., diversos poderes e deveres relativos aos processos expropriativos a efetuar para a construção deste projeto rodoviário, designadamente da Autoestrada A16/IC16 e A16/IC30.
3. Foi celebrado, em 10.01.2007, entre esta Concessionária e o “A” – Expropriações da Grande Lisboa, A.C.E., um Contrato de Condução e Realização de Processos Expropriativos.
4. Por Despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, nº. 13.267-A/2008, de 30.04.2008, publicado no DR, II Série, nº 91, de 12 de 4 maio, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, das expropriações necessárias à construção da Autoestrada A16/IC30 e A16/IC16.
5. Um dos lanços desta Autoestrada é o lanço A16/IC16:Nó de Interligação A16/A9, nos termos da Base II, nº 1, a), do Decreto-Lei n.º 242/2006, de 28 de dezembro, cuja construção implica a expropriação da parcela n.º7/7.01.
6. A referida parcela expropriada foi identificada na Declaração de Utilidade Pública, sendo uma parcela com a área de 6.605 m2, correspondendo 6.096 m2 à parcela 7 e 509 m2 à parcela 7.01, a destacar de um prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo 9 - Secção Q e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../....
7. Foi dirigida aos Expropriados carta registada com aviso de receção pela qual se lhe deu conhecimento da resolução de expropriar esta parcela e se formulou uma proposta indemnizatória com vista à aquisição amigável da mesma. Esta proposta indemnizatória foi renovada aquando da notificação aos Expropriados da declaração de utilidade pública e da marcação da vistoria ad perpetuam rei memoriam.
8. Foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam à parcela objeto desta expropriação, na sequência do que se concretizou a posse administrativa da referida parcela, tendo sido lavrado o respetivo Auto de Posse Administrativa.
9. Foi requerida ao Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a nomeação de árbitros para procederem à arbitragem desta parcela, que se realizou em novembro de 2008, tendo o colégio arbitral fixado por unanimidade o valor da indemnização devida pela expropriação da parcela, no montante global de € 427.806,00 e respondido aos quesitos apresentados pelos Expropriados.
10. Por despacho de 26 de janeiro de 2009 foi adjudicada à expropriante a propriedade das parcelas de terreno necessárias à construção deste sublanço, assinaladas nas plantas anexas, entre as quais a parcela n.º 7/7.01 - parcela com a área de 6 605 m2, correspondendo 6 096 m2 à parcela 7 e 509 m2 à parcela 7.01, a destacar de um prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., sob o artigo 9 - Secção Q e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .../...- das quais são titulares inscritos “B” e “C”, aqui expropriados.
11. No âmbito do PU do Casal da ..., quanto ao pedido de loteamento nº LT/1093/2004: “(…) O mesmo não foi ainda objecto de decisão final, tendo sido, unicamente, efectuada a respectiva apreciação liminar, em cujo âmbito foi determinada a elaboração de algumas correcções ao projecto, assim como a apresentação das necessárias correcções para a solicitação de pareceres às entidades externas ao Município de Sintra, nomeadamente o Ministério da Defesa Nacional e às Estradas de Portugal, IP. (…) Apesar do parecer ter sido solicitado às Estradas de Portugal, IP, em 8 de Junho de 2006, esta Autarquia não recepcionou, até à presente data, o supra referenciado parecer, motivo pelo qual o processo se encontra, ainda, pendente. (…)”.
12. A parcela expropriada está classificada no Plano Diretor Municipal de Sintra, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº .../99, de 16.09.1999, publicada no Diário da República, I Série-B, nº 232, de 04.10.1999 como Espaço Urbano, Espaço Urbanizável de Uso Habitacional, Espaço de Proteção e Enquadramento e Espaço Canal.
13. A parcela 7 e a parcela 7.01 situam-se no Bairro da ..., ou Casal da ..., integrado numa área urbana de génese Ilegal.
14. O Plano de Pormenor do Bairro da ... não foi sujeito a ratificação governamental e não foi publicado.
15. O Bairro da ..., contíguo às parcelas é caracterizado pela existência de habitações unifamiliares de 1 e 2 pisos, algumas delas de baixa qualidade arquitetónica e construtiva, e com um índice de construção que rondará os 0,50.
16. O PDM prevê para zona urbana daquele local um ic de 0,50 e 40 fogos/ha.
O Direito
O processo de expropriação litigiosa, regulado pelo Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18.9, sujeito a alterações que não bolem com as disposições aplicáveis ao caso vertente), constitui um processo especial, subsidiariamente regido pelas normas do Código de Processo Civil, nos termos previstos pelo art.º 463.º desse Código (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 12.02.2010, processo 09B0280, Internet, itij).
A modificabilidade da decisão de facto pela Relação está regulada no art.º 712.º do Código de Processo Civil (apesar de no processo expropriativo, relativamente à fixação de indemnização, a Relação intervir num terceiro nível de jurisdição, a Relação mantém os poderes de apreciação da matéria de facto que tem nos termos do CPC – neste sentido veja-se, v.g., Fernando Alves Correia, “Manual de Direito do Urbanismo”, vol. II, 2010, Almedina, pág. 441, nota 365, com indicação de alguma jurisprudência e doutrina). Nos termos desse artigo, a Relação pode alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Nos termos do art.º 685.º-B do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Resulta ainda do disposto no art.º 712.º, maxime da 1ª parte do seu n.º 4, que se do processo constarem os elementos probatórios para tal necessários e suficientes o tribunal ad quem pode ampliar a matéria de facto, na medida em que os pontos alvo de aditamento tenham pertinência e sejam cognoscíveis (cfr. art.º 264.º do C.P.C.). Cognoscibilidade essa que se prende com o teor dos requerimentos de recurso do acórdão arbitral e da respetiva resposta, os quais delimitam o thema decidendum do recurso (artigos 58.º e 60.º do CE).
No caso dos autos a apelante censura a decisão recorrida por omissão, defendendo que deveriam ter sido incluídos na matéria de facto ainda os seguintes pontos, alegadamente suportados pelos meios de prova que se indicam:
a. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, “as parcelas não tinham qualquer ocupação ou utilização. Encontravam-se cobertas com vegetação espontânea, herbácea” (cfr. Auto de Vistoria ad perpetuam rei memoriam, junto como Doc. 11 ao Requerimento Inicial deste processo);
b. O projeto de loteamento nº LT/1093/2004, apresentado pelos Expropriados na Câmara Municipal de Sintra, que nunca chegou a ser concluído nem, muito menos, aprovado (cfr. Certidão da Câmara Municipal de Sintra de 15.04.2010 junta aos autos nessa data; págs. 6-7 do Acórdão Arbitral, junto como Doc. 19 ao Requerimento Inicial deste processo; e pág. 8 do Relatório de Avaliação Pericial), previa-se a cedência para o domínio público a título de arruamentos/espaços verdes de 3.268,10 m2 (e posteriormente de 2.280 m2), e de 2.340 m2 para instalação de equipamentos de utilização coletiva (cfr. Resposta dos Senhores Peritos ao Quesito 2º da Entidade Expropriante, anexa ao Relatório de Avaliação Pericial);
c. Os Expropriados ainda teriam que suportar cerca de € 116.000 com obras de infraestruturação na urbanização deste terreno (cfr. Resposta dos Senhores Peritos ao Quesito 5.º da Entidade Expropriante, anexa ao Relatório de Avaliação);
d. O mercado imobiliário, designadamente de terrenos, atravessa, principalmente desde 2008, uma crise nacional e europeia que tem implicado uma queda acentuada no número de transações imobiliárias e no valor dos bens imobiliários (facto notório e Resposta dos Senhores Peritos ao Quesito 8º da Entidade Expropriante, anexa ao Relatório de Avaliação);
e. Desde 2008 que a economia portuguesa se encontra numa situação de recessão económica, existindo por parte dos agentes económicos e analistas um grande clima de incerteza quanto à evolução da economia do país (facto notório e Resposta dos Senhores Peritos ao Quesito 9º da Entidade Expropriante, anexa ao Relatório de Avaliação);
f. As taxas de juros bancárias para financiar projetos imobiliários, seja pelo risco envolvido, seja pela reduzida disponibilidade de liquidez dos bancos para o efeito, tem vindo a aumentar consideravelmente desde 2008, recusando os bancos muitas vezes esse financiamento (facto notório e Resposta dos Senhores Peritos ao Quesito 5º da Entidade Expropriante, anexa ao Relatório de Avaliação).
g. A parcela expropriada encontra-se em área de servidão militar da Base Aérea n.º 1 (cfr. Resposta dos Senhores Peritos ao Quesito 3º da Entidade Expropriante, anexa ao Relatório de Avaliação);
h. A parcela expropriada encontra-se igualmente abrangida por servidão rodoviária relativa à Via Longitudinal Norte Colaride – Portela (cfr. Resposta dos Senhores Peritos ao Quesito 4º da Entidade Expropriante, anexa ao Relatório de Avaliação);
i. Com a aprovação do traçado desta Autoestrada (plano sectorial), foi revista a classificação urbanística dos terrenos expropriados que constava no PDM (passando todo o terreno a ser classificado como Espaço-Canal), restringindo-se/anulando-se assim a capacidade edificativa que resultava do PDM. Nos termos do art. 143º, nº 3, do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de setembro), “as restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas conferem direito a indemnização quando a revisão ocorra dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor” (cfr. Resposta dos Senhores Peritos ao Quesito 4º da Entidade Expropriante, anexa ao Relatório de Avaliação);
j. Numa situação economicamente normal os custos associados a projetos, taxas e licenças rondam os 5% a 7,5% do custo total de construção (cfr. Resposta dos Senhores Peritos ao Quesito 7º da Entidade Expropriante, anexa ao Relatório de Avaliação).
Vejamos.
Quanto ao facto proposto sob a alínea a), trata-se de matéria não considerada no acórdão arbitral recorrido e que não foi mencionada nos requerimentos de recurso nem na resposta apresentada pelos expropriados. Por outro lado, não tendo sido equacionada a atribuição à parcela expropriada de outro fim económico que a construção, a matéria cuja inclusão é pretendida pela expropriante carece de relevo. Assim, nesta parte, indefere-se a pretensão da apelante.
Quanto ao facto proposto sob a alínea b), a primeira parte do aí afirmado (falta de conclusão e aprovação do projeto de loteamento) já consta no n.º 11 da matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo. Quanto à segunda parte da alínea b) (que no projeto de loteamento previa-se a cedência para o domínio público a título de arruamentos/espaços verdes de 3.268,10 m2 - e posteriormente de 2.280 m2 -, e de 2.340 m2 para instalação de equipamentos de utilização coletiva), reporta-se a matéria alegada pela expropriante no art.º 12.º alínea c) do seu requerimento de recurso do acórdão arbitral e que teve tradução no quesito 2.º por si formulado. Tal matéria foi confirmada, nos termos indicados pela apelante, por resposta unânime dos cinco peritos, pelo que nada obsta a que nesta parte se defira ao pretendido.
Quanto à alínea c), reporta-se a matéria alegada no art.º 12.º, alínea a), do requerimento de recurso do acórdão arbitral, vertida pela expropriante num quesito (quesito 5.º) com a seguinte redação: “Quais os custos (ainda que aproximados) com as obras de infraestruturação que os expropriados teriam de suportar na urbanização deste terreno de acordo com o cenário urbanístico considerado na avaliação efetuada?”. A resposta dos peritos foi a seguinte: “Os peritos admitem um custo médio da ordem dos 15,00 €/m2. Ou seja, aplicando-se a área total do imóvel, de 7 720m2, representará cerca de 116.000,00 €.
Com esta matéria relaciona-se o alegado pelos expropriados no seu requerimento de recurso do acórdão arbitral, em cujos n.ºs 45 a 49 afirmam já terem procedido ao pagamento integral da urbanização do terreno, nomeadamente ao custo das infraestruturas urbanísticas existentes no local, pagamento esse a que corresponde o valor corrigido, em 2007, de € 101 161,97. E sobre isso os expropriados formularam o seguinte quesito 1.º: “Qual o valor do custo de construção líquido por m2, em relação ao custo de construção bruto por m2 de € 721,28, fixado na decisão arbitral e aceite pelos expropriantes, calculado de acordo com o disposto no art. 26º nº 8 do Código das Expropriações e considerando o valor gasto pelos expropriados na urbanização do Bairro da ..., calculado aos preços constantes de 2007, de € 101 167,97 e que estes não podem recuperar?” Os peritos declararam não entenderem o pleno alcance da questão, fazendo depois algumas considerações sobre o teor da Portaria n.º 1425-B/2007, de 31.10 e o Dec.-Lei n.º 322-A/2000, de 22.12. Porém, na fundamentação da avaliação pericial, a dado passo escrevem o seguinte: “Atendendo às características específicas destas parcelas, às infraestruturas existentes e aos montantes já dispendidos pelo proprietário para a realização das mesmas, entendem os peritos não considerar qualquer fator retificativo resultante da aplicação dos números 8 e 9 do artigo 26.º do Código das Expropriações. De igual forma, entendem não considerar qualquer fator corretivo nos termos do n.º 10 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
Aliás, na sequência da resposta que apresentara ao requerimento de recurso do acórdão arbitral apresentado pelos expropriados, a expropriante formulara mais o seguinte quesito (3.º): “O facto de a parcela ser servida por infraestruturas é contabilizado no índice fundiário adotado?
Os peritos responderam:
Vide relatório. De qualquer modo refira-se que os expropriados pagaram já pelas infraestruturas realizadas nas parcelas e no âmbito da reconversão do Casal da ... o montante de € 67 771,97. À data da DUP a atualização deste montante com Base no Índice de Preços no Consumidor representava a verba de € 101 161,97.”
Tal resposta motivou um pedido de esclarecimento por parte dos expropriados, que pretenderam saber (fls 416) “se o montante atualizado de € 101 161,57 que é referido na resposta ao quesito 3ºa) da Expropriante é a acrescer aos valores dos cenários A) e B) do Ponto 5.4. (Cálculo da Indemnização) do seu Relatório”.
Os srs. peritos responderam nos seguintes termos:
O montante relativo ao custo das infraestruturas não pode ser acrescido à indemnização calculada, pois o índice fundiário utilizado nos dois cenários (A e B) de 0,21 refere-se naturalmente ao terreno já infraestruturado.”
Portanto, o que avulta face ao alegado e provado é que os expropriados pagaram pelas infraestruturas realizadas nas parcelas e no âmbito da reconversão do Casal da ... o montante de € 67 771,97, que à data da DUP representava, com base na variação do índice de preços no consumidor, a verba de € 101 161,97. É isso que deverá ficar consignado na matéria de facto, levando-se em consideração o a esse respeito invocado pelos expropriados na sua apelação (cfr. conclusão o)).
As alínea d), e) e f) reportam-se à evolução das circunstâncias económicas após a DUP, o que irreleva para o efeito da fixação da indemnização, que deve reportar-se ao circunstancialismo existente à data da publicação da declaração da utilidade pública da expropriação (artigos 23.º n.º1 e 24.º n.º 1 do CE). Não há, pois, que adicionar tais factos à matéria de facto.
As alíneas g), h) e i) obtiveram dos peritos respostas dubitativas, das quais de resto resulta que uma eventual resposta positiva não colidiria com os cálculos efetuados para determinação da indemnização – pelo que não há razões bastantes para adicionar esta matéria aos factos dados como assentes.
A alínea j) respeita a argumentação apresentada pela expropriante no art.º 12.º alinea a) da alegação do recurso do acórdão arbitral, a que os peritos formularam as seguintes respostas: “Na determinação dos custos de construção a aplicar na determinação do valor das parcelas expropriadas os peritos tiveram em atenção os custos diretos e indiretos da mesma e expressaram esse valor no relatório” (quesito 6.º); “Os peritos fizeram refletir no custo de construção total adotado todos os custos diretos e indiretos associados aos cenários urbanísticos considerados. Não obstante, numa situação economicamente normal os custos associados a projetos, taxas e licenças rondam os 5% a 7,5% do custo total de construção.” (quesito 7.º).
Independentemente da apreciação que infra se fará acerca da relevância deste aspeto na fixação da indemnização, entendemos que nada obsta à sua inserção na matéria de facto.
Por conseguinte, adita-se à matéria de facto os seguintes números:
17. No projeto de loteamento nº LT/1093/2004, apresentado pelos Expropriados na Câmara Municipal de Sintra, previa-se a cedência para o domínio público a título de arruamentos/espaços verdes de 3.268,10 m2 (e posteriormente de 2.280 m2), e de 2.340 m2 para instalação de equipamentos de utilização coletiva.
18. Os expropriados pagaram pelas infraestruturas realizadas nas parcelas e no âmbito da reconversão do Casal da ... o montante de € 67 771,97, que à data da DUP representava, com base na variação do índice de preços no consumidor, a verba de € 101 161,97.
19. Numa situação economicamente normal os custos associados a projetos, taxas e licenças rondam os 5% a 7,5% do custo total de construção.
Segunda questão (pressupostos a ter em conta na fixação da indemnização devida aos expropriados)
O direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida e por morte é garantido a todos, “nos termos da Constituição” (n.º 1 do art.º 62.º da Constituição da República Portuguesa - CRP).
A expropriação, ato de autoridade ablativo ou destruidor de um direito de propriedade privada, motivado por razões de utilidade pública ou de interesse geral, insere-se na ressalva supra citada e está expressamente regulado, na CRP, logo de seguida à consagração do direito à propriedade privada: “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização” (n.º 2 do art.º 62.º da CRP).
Também o Código Civil estabelece, no art.º 1308.º, sob a epígrafe “Expropriações” que “ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei.”
Estatui o art.º 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”
O art. 24.º n.º 1 acrescenta que o montante da indemnização é calculado com referência à data da declaração da utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, excluindo a habitação.
Para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em “solo apto para a construção” e “solo para outros fins” (art.º 25.º n.º 1 do CE).
Considera-se solo apto para a construção não só o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir (alínea a) do n.º 2 do art.º 25.º do CE), como também aquele que apenas dispõe de parte dessas infraestruturas mas se integra em núcleo urbano existente (alínea b) do referido n.º 2), ou está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características primeiramente referidas (alínea c) do n.º 2 do art.º 25.º) ou, não reunindo nenhuma das características atrás mencionadas, possui alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o respetivo processo se tenha iniciado antes da notificação ao expropriado da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação (alínea d) do n.º 2 do art.º 25.º do CE).
Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações supra referidas (n.º 3 do art.º 25.º do CE).
Nestes autos todos os peritos (assim como no acórdão arbitral) classificaram as parcelas expropriadas como solo apto para a construção, classificação essa que foi acolhida na sentença recorrida e não vemos razões para questionar.
Nos termos do n.º 1 do art.º 26.º do CE, “o valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º.
O n.º 2 do mesmo artigo preceitua que “o valor do solo apto para construção será o resultado da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.
Para os efeitos previstos no aludido número 2, “os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores” (n.º 3 do art.º 26.º)
Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.” (n.º 4 do art.º 27.º).
De acordo com o n.º 5 do mesmo preceito, “na determinação do custo de construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
No número seguinte explicita-se que “num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte” (n.º 6).
No n.º 7 prevê-se que a aludida percentagem de 15% seja acrescida de percentagens parcelares, fixadas em valores máximos, de acordo com a existência de nove tipos de infraestruturas, que correspondem a um máximo total admissível de mais 10%:
“a) Acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela- 1,5%;
b) Passeio em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão, do lado da parcela – 0,5%;
c) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela – 1 %;
d) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela – 1,5%;
e) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto da parcela – 1%;
f) Rede de drenagem de águas pluviais com colector em serviço junto da parcela – 0,5 %;
g) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento com serviço junto da parcela – 2%;
h) Rede distribuidora de gás junto da parcela – 1 %;
i) Rede telefónica junto da parcela – 1 %.”
Reportando-se em particular a eventuais condições especiais do local com influência no custo da construção, no n.º 8 do artigo 26.º estabelece-se ainda que “se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno.”
Tendo em consideração a eventual sobrecarga para as infraestruturas existentes que o aproveitamento urbanístico comportaria, dispõe o n.º 9 que “se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos nºs 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas.”
No n.º 10 estipula-se a aplicação de um fator corretivo, pela inexistência do risco e do esforço inerente à atividade construtiva: “O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos nºs 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15 % do valor da avaliação.”
Relativamente a solos aptos para construção situados em áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, no n.º 11 estabelece-se que “no cálculo do valor do solo apto para a construção em áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, legalmente fixadas, ter-se-á em conta que o volume e o tipo de construção possível não deve exceder os da média das construções existentes do lado do traçado do arruamento em que se situe, compreendido entre duas vias consecutivas.”
Finalmente, no n.º 12, estipula-se que “sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infracestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.
Pese embora a Constituição tenha remetido para o legislador ordinário a fixação dos critérios conducentes ao apuramento da indemnização por expropriação, ao exigir que esta seja “justa” impõe a observância dos princípios materiais da igualdade e da proporcionalidade, assim como o direito geral à reparação dos danos, como corolário do Estado de direito democrático (art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa).
A “justa indemnização” deve ter como referência o valor real do bem expropriado.
Ora, numa sociedade de mercado como a nossa, o valor real é o valor corrente, o valor venal, numa situação de normalidade económica (cfr., entre muitos, v.g., acórdão n.º 408/2008 do Tribunal Constitucional, de 31.7.2008, in D.R. 2ª série, de 24.9.2008, pág. 40234; sobre a jurisprudência constitucional nesta matéria, veja-se o estudo de Fernando Alves Correia, “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, n.ºs 3904 a 3914 e, mais recentemente, do mesmo autor, “Manual de Direito do Urbanismo”, vol. II, 2010, Almedina, páginas 217 a 221, nota 189).
Como escreveu Fernando Alves Correia (in “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, Almedina, 1989, pág. 546), “a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto”.
O valor de mercado a ter em conta será, é certo, um valor “normativo”, extirpado do efeito de fatores especulativos ou de situações criadoras de enriquecimentos injustificados (v.g., Alves Correia, “O plano urbanístico…”, citado, pág. 551).
É assim que na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração a mais-valia que resultar da própria declaração de utilidade pública da expropriação, de obras ou empreendimentos públicos concluídos há menos de cinco anos, no caso de não ter sido liquidado encargo de mais-valia e na medida deste, de benfeitorias voluptuárias ou úteis ulteriores à notificação do expropriado e dos demais interessados da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação e de informações de viabilidade, licenças ou autorizações administrativas requeridas ulteriormente à notificação da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação (n.º 2 do art.º 23º do CE). Também não serão considerados quaisquer fatores, circunstâncias ou situações criadas com o propósito de aumentar o valor da indemnização (n.º 3 do art.º 23.º).
Posto isto, o valor dos bens deve “corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado” (n.º 5 do art.º 23.º do CE). Se os critérios referenciais previstos nos artigos 26.º e seguintes do CE não apontarem para tal valor, a entidade expropriante e o expropriado podem requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, “que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor” (n.º 5 do art.º 23.º do CE).
No que diz respeito aos aludidos critérios referenciais, a lei aponta como padrão principal, seja tratando-se de solo apto para a construção, seja de solo para outros fins, os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, dentro dos limites temporais e espaciais referidos nos artigos 26.º n.º 1 e 27.º n.º 1 do CE.
Se não for possível aplicar esse critério, por falta de elementos, é que se aplicará o critério atinente ao custo da construção (n.º 4 do art.º 26.º) ou ao rendimento efetivo ou possível do solo em questão (n.º 3 do art.º 27.º).
No caso dos autos não existiam os aludidos elementos, pelo que se partiu para a aplicação do disposto nos n.ºs 4 e seguintes do art.º 26.º do CE.
Como se disse supra, a indemnização devida ao expropriado calcula-se levando em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública (n.º 1 do art.º 23.º do CE). Entre as circunstâncias a considerar incluem-se os instrumentos de ordenamento do território então em vigor e demais legislação pertinente. E foi sobre este último aspeto que surgiram as principais dúvidas e divergências, levando os peritos a apresentar dois “cenários”, a que corresponderam dois valores indemnizatórios alternativos.
Porém, a esses cenários são comuns alguns pressupostos, ajuizados pelos cinco peritos com unanimidade:
O preço unitário de custo de construção a considerar é € 700,00/m2 de área bruta;
Atendendo às características específicas das parcelas, às infraestruturas existentes e aos montantes já dispendidos pelos expropriados para a realização das mesmas, não se considerou qualquer fator retificativo resultante da aplicação dos números 8 e 9 do art.º 26.º do Código das Expropriações, assim como se entendeu não considerar qualquer fator corretivo nos termos do n.º 10 do art.º 26.º do Código das Expropriações;
O índice fundiário foi fixado em 21%, levando em consideração o impacto das infraestruturas já realizadas, sem considerar para efeitos de cálculo de indemnização a área necessária para a concretização das mesmas (1 115 m2).
A alternativa apresentada pelos senhores peritos reporta-se ao índice de construção a considerar.
Segundo os peritos, se se considerar eficaz o Plano de Recuperação do Bairro da ..., o índice de construção é de 1,16 (cenário A). Se esse Plano não for eficaz, o índice de construção é de 0,50 (cenário B).
Vejamos.
As parcelas expropriadas situam-se no Bairro da ..., o qual está integrado numa área urbana de génese ilegal.
O Bairro da ... foi alvo de um Plano de Recuperação, aprovado pela Assembleia Municipal de Sintra em 25.10.1991.
Porém, conforme se deu como provado (n.º 14 da matéria de facto) e os expropriados admitem (alínea f) das suas conclusões), tal plano nunca foi publicado. Ora, a publicação desse plano, para além da sua ratificação pelo Governo, é condição, pelo menos, da sua eficácia (art.ºs 3.º n.º 3, 16.º n.º 1 alíneas a) e c) e 18.º do Dec.-Lei n.º 69/90, de 02.3; art.º 148.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 380/99, de 22.9).
É certo que no art.º 89.º n.º 4 do Regulamento do Plano Diretor Municipal do Concelho de Sintra, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º .../99, publicada no D.R., 2.ª série, de 04.10.1999 se consignou que “O PDM mantém em vigor a consideração dos projectos de urbanização de reconversão das áreas urbanas de génese ilegal, adiante designados: (…) Casal da ... (…)”.
Porém, tal afirmação, desacompanhada da publicação do aludido “projeto”, não pode suprir a omissa publicação. Acresce que na referida norma apenas se protesta manter em vigor “a consideração” dos projetos, o que não garante que os mesmos sejam respeitados à risca, maxime relativamente a regras que contrariem o teor do PDM. Ora, quanto ao índice de construção admissível, o PDM do concelho de Sintra define, para espaços urbanizáveis localizados, nomeadamente, nos aglomerados de ..., um índice de construção bruto máximo de 0,5 (art.º 26.º, 3.2). Por outro lado, está provado que “o Bairro da ..., contíguo às parcelas é caracterizado pela existência de habitações unifamiliares de 1 e 2 pisos, algumas delas de baixa qualidade arquitetónica e construtiva, e com um índice de construção que rondará os 0,50” (n.º 15 da matéria de facto). Não é crível, pois, que a Câmara de Sintra admitisse que, à luz do plano de recuperação da ..., se implantasse nas parcelas ora expropriadas construção com um índice superior ao dobro do previsto no PDM e praticado na área.
Na avaliação os peritos não levaram em consideração o projeto de loteamento apresentado na Câmara Municipal de Sintra pelos expropriados, porque o mesmo não chegou a ser aprovado. Tal procedimento obteve a concordância do tribunal a quo.
Os expropriados defendem que o aludido projeto deve ser levado em consideração, pois foi alvo de deferimento tácito.
Ora, a este respeito o que a Câmara Municipal de Sintra certificou foi o que consta no n.º 11 da matéria de facto, ou seja, “No âmbito do PU do Casal da ..., quanto ao pedido de loteamento nº LT/1093/2004: “(…) O mesmo não foi ainda objecto de decisão final, tendo sido, unicamente, efectuada a respectiva apreciação liminar, em cujo âmbito foi determinada a elaboração de algumas correcções ao projeto, assim como a apresentação das necessárias correcções para a solicitação de pareceres às entidades externas ao Município de Sintra, nomeadamente o Ministério da Defesa Nacional e às Estradas de Portugal, IP. (…) Apesar do parecer ter sido solicitado às Estradas de Portugal, IP, em 8 de Junho de 2006, esta Autarquia não recepcionou, até à presente data, o supra referenciado parecer, motivo pelo qual o processo se encontra, ainda, pendente. (…)”.
Ou seja, não se mostra que o aludido projeto tenha sido aceite, expressa ou tacitamente, nem que se deva ter por aceite. Existindo indevida omissão de licenciamento, então caberia aos interessados requerer intimação judicial da Câmara para praticar o ato omitido, nos termos do disposto nos artigos 112.º e 111.º alínea a) do Dec.-Lei n.º 555/99, de 16.12 (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação) – o que não foi feito.
Por conseguinte, concorda-se com o tribunal recorrido, quando na avaliação das parcelas expropriadas não levou em consideração o projeto de loteamento apresentado pelos expropriados nem o invocado plano de recuperação do Bairro da ....
O tribunal a quo optou, pois, pela aplicação de um índice de construção de 0,50. Quanto aos restantes pressupostos de avaliação, o tribunal a quo aceitou os indicados pelos peritos, ou seja, o custo de construção de € 700,00/m2, o índice fundiário de 0,21 e a área de 6 605 m2. De tais valores resultou o montante indemnizatório de € 700,00 x 0,21 x 0,50 x 6 605 = € 485 468,00.
Como é sabido, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de pessoas que dispõem de conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (art.º 387.º do Código Civil). A avaliação de imóveis constitui precisamente uma área que pressupõe conhecimentos e experiência que normalmente não estão ao alcance do tribunal. Daí que a avaliação pericial no âmbito do recurso de acórdão arbitral em processo de expropriação seja obrigatória (art.º 61.º n.º 2 do CE). Embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo tribunal (art.º 389.º), este só deverá divergir do sentido apontado pelos peritos se tal juízo divergente se mostrar suficientemente fundamentado.
Ora, os cinco peritos formularam o seu juízo de forma unânime e fundamentada, mostrando dominar a matéria sobre que foram chamados a intervir, tendo inclusivamente, conforme consta no relatório, visitado o local alvo da expropriação.
Por conseguinte, não vislumbra esta Relação motivo para discordar da sentença recorrida.
Ou seja, contrariando o entendimento da expropriante, não encontramos razões para divergir dos senhores peritos quando, nos termos do art.º 26.º n.º 6 do CE, partiram de um índice fundiário base de 12%, a que acresceram 9% relativamente às infraestruturas previstas no n.º 7 do mesmo artigo, nem quando não procederam à aplicação de um índice corretivo ao abrigo do n.º 10 do art.º 26.º do CE, nem quando trataram a totalidade da área das parcelas expropriadas como área de construção (apesar de essas parcelas se inserirem, de acordo com o PDM, no limite de espaços não só urbanos e urbanizáveis de uso habitacional, mas também de proteção e enquadramento e de espaço canal – o que os peritos justificaram dizendo, por um lado, ser difícil determinar com rigor, tendo por base plantas à escala 1/10 000 ou 1/25 000, qual a área inserida em cada categoria de uso do solo, e ser evidente que, mesmo que se aceitasse as áreas invocadas pela expropriante, a maior parte das parcelas está inserida em espaço urbano, sendo as restantes áreas marginais, sendo sempre possível construir no prédio, respeitando as áreas marginais de proteção inseridas em espaços de proteção e enquadramento e em espaço canal, a totalidade da capacidade construtiva – fls 7 do relatório). E, contrariando o entendimento dos expropriados, entendemos ser bem fundada a consideração, ao abrigo do PDM, de um índice de construção de 0,50, sendo certo que o valor indemnizatório correspondente já inclui as despesas suportadas pelos expropriados com as infraestruturas de urbanização existentes nas parcelas, na medida em que essas infraestruturas contribuíram para a classificação do solo como apto para a construção e para o índice fundiário (não havendo elementos nos autos que permitam concluir que a atribuição de tal montante indemnizatório consubstanciaria um abuso de direito perante os expropriados).
O valor fixado na sentença recorrida não se apresenta, face ao supra exposto, afastado daquele que corresponderia ao valor real e corrente dos bens expropriados, numa situação normal de mercado. Sendo certo que, nos termos do art.º 24.º n.º 1 do CE, esse valor, reportado à data da publicação da DUP, deverá ser atualizado até à data do trânsito em julgado da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se ambas as apelações improcedentes e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas de cada uma das apelações são a cargo dos respetivos recorrentes.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2012

Jorge Manuel Leitão Leal
Pedro Martins
Sérgio Almeida

Texto escrito nos termos do acordo ortográfico