Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3021/11.4T2SNT.L1-A-6
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
DIREITOS
CONCESSÃO
MEDICAMENTO
PATENTE
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Sendo a requerente titular de Patente Europeia, relativa à utilização de " Ácido Ibandrónico” para o tratamento e a prevenção da Osteoporose, com a dosagem de 150mg, tomado por via oral e uma vez por mês, correspondentes às reivindicações 2 e 5, e, obtida AIM, comercializa essa substância através do medicamento de referência Bonviva®, ocorre violação do direito de propriedade industrial a comercialização, por banda da requerida, antes da extinção daquele direito de propriedade industrial, sem a necessária autorização, do medicamento genérico “Ácido Ibandrónico Generis”, para a prevenção e o tratamento da osteoporose, administrando-se uma única dose, uma vez por mês, de 150mg de ácido ibandrónico, ou seja, utilizando a mesma substância ativa de um medicamento de referência no tratamento da mesma doença.
2. Nos termos do art.º 4.º, n.º2, do Código da Propriedade Industrial a concessão de direitos de propriedade industrial confere ao seu titular a presunção júris tantum dos requisitos da sua concessão.
3. Para ser decretada a providência cautelar ao abrigo do disposto no art.º 338.º-I do Código da Propriedade Industrial, basta a requerente alegar e demonstrar, sumariamente, ser titular de um direito de propriedade industrial ou de autorização para o utilizar e a sua violação efetiva ou iminente
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório
A , com sede em ….. Basel, Suiça, e B , com sede em ..., ….. ... – Portugal, intentaram a presente providência cautelar, nos termos do art.º 338.º-I do Código da Propriedade Industrial, contra C , com sede em ….., Sintra, pedindo que esta seja condenada a suspender a comercialização do medicamento genérico Ácido Ibandrónico Generis, com este ou outro nome e a abster-se de fabricar, armazenar, importar, possuir, utilizar, promover ou introduzir no comércio o medicamento genérico Ácido Ibandrónico Generis, ou quaisquer outros com o princípio ativo Ácido Ibandrónico, que viole a patente europeia N.º..., bem como a abster-se de vender ou ceder a terceiros as Autorizações de Introdução no Mercado do medicamento Ácido Ibandrónico Generis, ou quaisquer outras que venham a ser aprovadas com o princípio ativo Ácido Ibandrónico, que viole a patente europeia N.º ..., alegando, em síntese, ser a 1.ª Requerente detentora da patente europeia n.º ..., a 2ª Requerente comercializa em Portugal, entre outros, o medicamento Bonviva®, objeto da patente europeia No. ..., com limite de vigência até 2 de maio de 2023 e que a requerida, através da comercialização do medicamento Acido Ibandronico Generis , sendo um medicamento genérico do medicamento Bonviva®, está a violar esta patente, conduta que causa e causará enormes prejuízos à requerente apenas minimizados pelo deferimento desta providência.
Citada a requerida, deduziu oposição, invocando a nulidade da patente das requerentes, com três fundamentos – falta de novidade, falta de suscetibilidade de aplicação industrial e falta de elementos para que um perito a possa concretizar, sustentou ainda que o medicamento que produz tem diferente composição do das requerentes, inexistindo, por isso, violação da referida patente.
Realizado o julgamento, foi proferida decisão que, deferindo a providência, condenou a requerida a:
a) Suspender a comercialização do medicamento genérico Ácido Ibandrónico Generis, com este ou outro nome;
b) Abster-se de fabricar, armazenar, importar, possuir, utilizar, promover ou introduzir no comércio o medicamento genérico Ácido Ibandrónico Generis, ou quaisquer outros com o princípio ativo Ácido Ibandrónico, que viole a patente europeia N.º ...;
c) Abster-se de vender ou ceder a terceiros as Autorizações de Introdução no Mercado do medicamento Ácido Ibandrónico Generis, ou quaisquer outras que venham a ser aprovadas com o princípio ativo Ácido Ibandrónico, que viole a patente europeia N.º. ....
Desta decisão veio a recorrida interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes,
Conclusões:
1 - A douta sentença impugnada é nula ao abrigo do artigo 668.º, n.º1, A) por não estar assinada, não conter data, nem estar rubricada, o que desrespeita o disposto pelo artigo 157.º, n.º1 do Código de Processo Civil.
2 - A sentença é nula nos termos do artigo 668.º, n.º1, alínea d) do CPC, porquanto o Tribunal a quo não apreciou todas as questões jurídicas que lhe foram colocadas como manda o artigo 660.º do CPC;
3 - A douta sentença impugnada é igualmente nula por falta de fundamentação violando por isso o disposto, entre outros, no artigo 158.º do CPC, o que é sancionado pelo artigo 668.º, n.º1, alínea B) do CPC.
4 - Os factos dados por provados e que constam da douta sentença impugnada não são apenas aqueles que deveriam constar da sentença razão pela qual existe insuficiência da matéria de facto.
5 - A patente europeia EP... das Requerentes é nula, porque não é possível, em face da lei nacional mas também da Convenção sobre a Patente Europeia, patentear descobertas nem métodos terapêuticos havendo por isso, nesta parte, violação dos artigos 52.º e 53.º/3 do CPI e 52.º e 53.º da Convenção sobre a Patente Europeia (CPE) que deveria ter motivado o reconhecimento da nulidade da patente ao abrigo do disposto pelos artigos 113 CPI e 138 CPE.
6 - A patente EP ... não contém novidade porque a conexão entre a dosagem e a
frequência da administração de bisfofonatos incluindo o ácido ibandrónico já antes fora publicamente divulgada pelos pedidos de registo de patentes trazidos pela recorrente aos autos.
7 - A patente europeia EP... não contém atividade inventiva como é legalmente requerido pelos artigos 55.º, n.º2, CPI e 56.º da CPE razão pela qual é nula nos termos do artigo 113.º do CPI e 138 CPE, o que deverá ser judicialmente reconhecido;
8 - A patente europeia EP... não contém o requisito legal da suscetibilidade de aplicação industrial como é legalmente requerido pelos artigos 55.º, n.º3 CPI e 57.º da CPE razão pela qual é nula nos termos do artigo 113 do CPI e 138 CPR o que deverá ser judicialmente reconhecido;
9 - O objeto específico desta patente consiste unicamente na utilização do ácido ibandrónico para a preparação de um medicamento para a prevenção ou o tratamento de osteoporose em que esse medicamento compreende uma dose eficaz de 150mg de ácido ibandrónico e é administrado oralmente uma vez por mês.
10 - A reivindicação numa patente da pretensa invenção de "administrar um medicamento por via oral um dia por mês" não tem qualquer industrialidade ou caráter industrial pois a larga maioria dos medicamentos disponíveis, são administrados por via oral inclusivamente o ácido ibandrónico. E tomá-lo um dia por mês também não constitui algo que seja possível fabricar industrialmente. É antes uma forma de tratamento.
11 - É certo que o medicamento de ácido ibandrónico pode ser e é fabricado com esta característica, mas esta própria característica, não é industrial mas do domínio da terapêutica.
12 - A valorização dos princípios instrumentais da celeridade, simplicidade e sumariedade não pode afastar a análise e a decisão, ainda que perfunctória no procedimento cautelar, das razões alegadas pela contraparte que são suscetíveis de levar ao indeferimento sob pena do princípio do contraditório veiculado pela oposição ser inoperante.
13 - A patente constitui uma presunção de que os requisitos para a sua concessão foram observados e verificados, mas essa presunção é seriamente abalada ou mesmo destruída pelas questões jurídicas trazidas pela oposição.
E concluiu pela revogação da sentença impugnada e substituída por outra que indefira o procedimento.
As apeladas apresentaram contra-alegações, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito devolutivo (fls. 605).
Recebidos neste Tribunal da Relação, foi, por despacho do relator, retificado o modo de subida, determinando-se a sua subida em separado e dando-se cumprimento ao disposto no art.º 702.º/2 do c. P. Civil, baixando os autos á 1.ª instância para que o senhor juiz se pronunciasse sobre as invocadas nulidades da sentença, o qual o fez em termos negativos.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Como é sabido o teor das conclusões formuladas pelo recorrente definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 660º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1, todos do C. P. Civil.
Assim, perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente constata-se que o thema decidendum consiste em saber:
a) Se a sentença é nula por falta de assinatura, omissão de pronúncia ou falta de motivação.
b) Se a Patente n.º EP... é válida, quais os seus efeitos e se estão ou não reunidos os pressupostos referidos no art.º 338.º-I/1 do C. P. I.
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III – Fundamentação.
A) Matéria de facto.
A factualidade a atender, fixada na 1.ª instância, é a seguinte:
1. A 1ª Requerente, enquanto grupo empresarial, dedica-se, assim, à atividade de investigação, produção e comercialização de novos medicamentos.
2. A 1ª Requerente investe, de forma regular, avultadas quantias com a investigação e desenvolvimento de novos produtos.
3. Atualmente o Grupo está entre as 10 maiores empresas farmacêuticas do mundo.
4. Com os seus produtos presentes em mais 150 Países, emprega mais de 81 mil pessoas.
5. Sendo um Grupo reconhecido pela sua capacidade de investigação e colocação no mercado de produtos inovadores, focando em áreas com significativas necessidades médicas, em particular tornou-se líder mundial em produtos inovadores para o cancro.
6. Ao longo dos anos, a capacidade inovadora do Grupo permitiu novas terapias para vários tipos de doenças, sendo que, enquanto inovador em produtos e serviços para a deteção, prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, o Grupo contribui, em larga escala, e em diferentes áreas, para a melhoria da saúde e das condições de vida das pessoas.
7. Em janeiro de 2010 tinha em fase de desenvolvimento 111 novos produtos e tinha 50 projetos na fase III ou com pedidos de aprovação de Autorização de Introdução no Mercado.
8. A 2ª Requerente foi fundada em 1973 e emprega, atualmente, cerca de 172 pessoas.
9. Atualmente ocupa o 3º lugar no ranking das empresas farmacêuticas em Portugal, sendo que no mercado hospitalar ocupa a 1ª posição desse ranking.
10. A 2ª Requerente comercializa em Portugal, entre outros, o medicamento Bonviva®, objeto da Patente Europeia N.º ..., cujo titular é a 1.ª requerente, com limite de vigência até 2 de maio de 2023.
11. A Requerida não solicitou, nem obteve, autorização das Requerentes para, por qualquer forma, explorar a invenção constante da Patente.
12. Com base em autorizações relativas à Patente Europeia N.º..., foi concedida, através de um procedimento centralizado, à R…..Registration Ltd., Autorização de Introdução no Mercado.
13. Com base nessa AIM, a 2ª Requerente, enquanto representante da titular da AIM, solicitou ao Infarmed um número de registo, tendo procedido a todos os restantes passos que lhe permitiram iniciar a comercialização do medicamento Bonviva® em Portugal.
14. O objeto da Patente Europeia N.º ... foi alcançado após a realização de estudos, durante largos anos, envolvendo vastas equipas de pessoas.
15. O INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP. concedeu à Requerida AIM para o medicamento genérico “Ácido Ibandrónico Generis”, da Requerida.
16. Foi o medicamento Bonviva®, que serviu de referência ao referido medicamento genérico.
17. A Requerida já iniciou a comercialização do medicamento genérico “Ácido Ibandrónico Generis”.
18. Ao Bonviva® está atribuída a seguinte classificação farmacoterapêutica: “Bifosfonatos”, estando destinado ao tratamento da osteoporose.
19. A osteoporose é uma patologia que inclui um aumento anormal da resorção óssea, cuja manifestação mais frequente ocorre na mulher após a menopausa, manifestando-se através de uma diminuição da densidade e resistência dos ossos, e levando a um aumento da probabilidade da ocorrência de fraturas e outras lesões ósseas.
20. A osteoporose é um estado no qual os ossos se tornam finos e quebradiços, sofrendo facilmente fraturas. A causa subjacente é um desequilíbrio entre os processos normais de resorção e de formação dos ossos, no corpo.
21. A osteoporose é uma doença que se caracteriza por uma massa óssea pequena e por uma deterioração da arquitetura óssea, levando a uma maior fragilidade dos ossos e a um aumento do risco de fraturas. As fraturas são a principal consequência clínica da doença, e a sua incidência aumenta com a idade.
22. Estima-se que a osteoporose afete 75 milhões de pessoas, no conjunto da Europa, Estados Unidos e Japão, sendo que cerca de um quarto da população no grupo etário acima dos 50 sofre desse problema.
23. Os bisfosfonatos são agentes contra a resorção, sendo o Ibandronato (denominação comum internacional Àcido Ibandrónico) um desses bisfosfonatos e constituindo o ingrediente farmacêutico do Produto Bonviva® das requerentes.
24. O Ibandronato abranda a capacidade de resorção óssea induzindo a morte dos “osteoclastos”, as células que são responsáveis pela resorção óssea.
25. O Bonviva® permite o tratamento da osteoporose, através de uma dosagem mensal de 150 mg de Ibandronato.
26. A Patente Europeia N.º..., com a epígrafe " Ácido Ibandrónico para o tratamento e a prevenção da Osteoporose", registada em nome da 1.ª requerente, foi pedida a 2 de maio de 2003, tendo sido concedida a 18 de dezembro de 2007 e estando em vigor até 2 de maio de 2023.
27. A Patente Europeia N.º..., após a concessão pelo Examinador do Instituto Europeu de Patentes, foi objeto de oposição por oito entidades, a saber: (……..) .
28. O procedimento oral teve lugar no dia 9 de dezembro de 2010, tendo esse mesmo Instituto confirmado a validade da patente, com correções no texto, que se traduziram em incorporar as originais reivindicação 2 (tratamento de Osteoporose) e reivindicação 5 (a dose de 150mg) na reivindicação 1 (fls.339).
29. Relativamente a estes direitos, foi concedida uma licença de exploração para Portugal em nome da 2ª Requerente, conforme se pode comprovar pela certidão emitida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
30. A Patente Europeia N.º ... protege (além de outras realidades) a utilização do ácido ibandrónico para a produção do medicamento para o prevenção ou tratamento da osteoporose em que o medicamento compreende uma dose eficaz de 150mg de ácido ibandrónico ou de um sal farmaceuticamente aceitável e que o medicamento é administrado oralmente uma vez por mês.
31. A requerida comercializa o Ácido Ibandrónico para a prevenção e o tratamento da osteoporose administrando-se uma única dose, uma vez por mês, de 150mg de ácido ibandrónico.
32. Uma parte significativa do volume de vendas das Requerentes resultante das vendas do Bonviva® é reinvestida em I&D para o desenvolvimento de novos medicamentos.
33. Em Portugal, o medicamento Bonviva® vendeu, em 2008, 326.000 unidades o que correspondeu a uma faturação de €8.084.000,00 (oito milhões e oitenta e quatro mil euros), em 2009 438.000 unidades o que correspondeu a uma faturação de € 10.871.000,00 (dez milhões oitocentos e setenta e um mil euros), e em 2010 487.000 unidades o que correspondeu a uma faturação de €11.427.000,00 (onze milhões quatrocentos e vinte sete mil euros).
34. Atualmente cerca de 20 pessoas trabalham para a 1.ª requerente, exclusivamente no produto Bonviva®, acrescendo a esses um número considerável de funcionários que, de forma indireta, e em diferentes áreas, trabalha nesse produto, seja na área financeira, recursos humanos, assuntos regulamentares, entre outros.
35. O medicamento Actonel® - um outro produto bifosfonato comercializado por outra entidade - assistiu à entrada de genérico no mercado, em outubro de 2008, e sofreu uma quebra nas vendas de €900.000,00 em outubro de 2008, para menos de €200.000,00 em outubro de 2010.
36. Sob a identificação WO 01/82903, existe um pedido de patente, com data de publicação em 8/11/2001, na qual, além do mais, se divulgou a relação entre a dosagem e a frequência da administração dos ácidos bisfosfónicos.
37. Sob a identificação WO 01/15703, existe um pedido de patente, com data de publicação em 8/3/2001, na qual, além do mais, se divulgou a relação entre a dosagem e a frequência da administração dos ácidos bisfosfónicos.
38. O princípio ativo do medicamento da requerida é fabricado pela empresa Dr. ….., sendo em seguida produzido pela empresa P…., SA e, em Portugal, pelas empresas F…..APS, SA e C….., SA.
39. De dezembro de 2010 para janeiro de 2011, as requerentes perderam mais de 10.000 unidades em vendas do medicamento Bonviva e, no mesmo período, a requerida vendeu cerca de 100 unidades.
40. De dezembro de 2010 para janeiro de 2011, as requerentes perderam mais de 400.000,00 euros em vendas do medicamento Bonviva e, no mesmo período, a requerida vendeu cerca de 30.000,00 euros do medicamento Acido Ibandrónico Generis.
41. A suspensão da comercialização do genérico levará a que a requerida fique impedida de gerar receitas e de reaver os investimentos efetuados com o lançamento dos medicamentos.
42. A requerida despendeu com a formação de força de vendas cerca de 40.000,00 euros e com a produção de material promocional, cerca de 15.000,00 euros.
43. A requerida teve despesas com o investimento que realizou na aquisição do produto junto do fornecedor P…., SA.
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B) O Direito.
1. Nulidade por omissão de assinatura.
Alega a recorrente que a douta sentença impugnada é nula ao abrigo do artigo 668.º, n.º1, a) por não estar assinada, não conter data, nem estar rubricada, o que desrespeita o disposto pelo artigo 157.º, n.º1 do Código de Processo Civil.
Ora, como se constata da certidão junta a fls. 2 a 20, a decisão recorrida foi proferida em ata, em 8/6/2011, dela constando a assinatura digital da Senhora Juíza que a proferiu, (Dr.ª …..), pelo que de acordo com o art.º 17.º/1 e 3 da Portaria nº 114/2008, de 6 de fevereiro, sendo os atos processuais dos magistrados judiciais sempre praticados em suporte informático através do sistema informático CITIUS - Magistrados Judiciais, com aposição de assinatura eletrónica qualificada ou avançada, esta assinatura substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais.
Donde, manifestamente não ocorre a invocada nulidade.
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2. Nulidade da Sentença por omissão de pronúncia ou falta fundamentação:
Sustenta a recorrente que a sentença é nula nos termos do artigo 668.º, n.º1, alínea d) do CPC, porquanto o Tribunal a quo não apreciou todas as questões jurídicas que lhe foram colocadas como manda o artigo 660.º do CPC, porquanto, em seu entender, o tribunal não apreciou a nulidade da patente europeia EP... das Requerentes, por em face da lei nacional mas também da Convenção sobre a Patente Europeia, patentear descobertas e métodos terapêuticos havendo por isso, nesta parte, violação dos artigos 52.º e 53.º/3 do CPI e 52.º e 53.º da Convenção sobre a Patente Europeia (CPE) que deveria ter motivado o reconhecimento da nulidade da patente ao abrigo do disposto pelos artigos 113 CPI e 138 CPE. E, além disso, não contém novidade porque a conexão entre a dosagem e a frequência da administração de bisfofonatos incluindo o ácido ibandrónico já antes fora publicamente divulgada pelos pedidos de registo de patentes trazidos pela recorrente aos autos, e ainda por não conter atividade inventiva como é legalmente requerido pelos artigos 55.º, n.º2, CPI e 56.º da CPE, razão pela qual é nula nos termos do artigo 113.º do CPI e 138 CPE, o que deverá ser judicialmente reconhecido.
Quanto a esta questão, pode ler-se na decisão recorrida:
“A requerida põe em causa tal direito, invocando a nulidade da patente das
requerentes, o que a verificar-se, afasta o direito destas.
Tal nulidade é invocada com três fundamentos.

Quanto a esta questão da nulidade, não podemos seguramente ignorar o facto de que estamos aqui no âmbito de providências cautelares, com características e princípios próprios, entre os quais os de celeridade (artigo 382.º, do CPC e 338.º-E, do CPI), simplicidade (384.º, n.º 3,do CPC) e sumariedade (artigos 384.º, e 387.º, n.º 1, do CPC).
Destes princípios decorre que a análise a fazer nesta sede não é, nem pode ser, tão profunda como aquela que deve ser feita em sede de processo principal.
Ora, o que a requerida pretende com a sua invocação das nulidades é precisamente uma análise aprofundada da matéria da patente, situação que não pode ser analisada nesta sede.
Não se está desta forma a afastar a possibilidade de no âmbito de uma providência cautelar ser reconhecida a nulidade de uma patente. Mas esse reconhecimento tem que resultar dos mesmos princípios de simplicidade e sumariedade, o que não acontece neste caso. Ou seja, essa nulidade tem que ser tão óbvia que mesmo as características da providência cautelar não impedem a sua verificação e constatação.
Neste caso, muito sinceramente, não creio que seja o que está em causa. Pelo contrário existe um direito reconhecido a favor das requerentes, que já foi objeto de análise pelo IEP, o qual, recentemente, com apenas algumas alterações no texto da 1ª reivindicação, manteve a patente a favor das requerentes e não determinou porém a nulidade da mesma. Não creio por isso que em sede de providência cautelar se possa determinar a nulidade referida, pelo simples facto de que a mesma implica necessariamente uma análise mais profunda, e não óbvia, da patente em causa, em face dos preceitos legais do CPI e da Convenção europeia.
Tanto quanto resulta da matéria de facto apurada, a requerente tem um direito registado a seu favor, que não vemos fundamento para, em sede perfunctória pôr em causa”.
Basta ler atentamente a fundamentação da decisão, supra referida, para se concluir, sem esforço, que o senhor juiz apreciou as invocadas nulidades, ponderou essas questões e afastou-as por, face aos elementos dos autos e a natureza da providência cautelar, bem como sumariedade da prova produzida, não permitiam detetar tais nulidades.
O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução de outras (art.º 660.º/2 do C. P. Civil). E, ao fazê-lo, deve examinar toda a matéria de facto disponível e discutir todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas dos pedidos ou matérias considerados juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido.
E a verdade é que o tribunal concluiu pela existência de um direito legítimo das recorridas, violado pela recorrente, o que implica o afastamento das invocadas nulidades da patente.
Mais, não é em sede de providência cautelar que o tribunal teria de apreciar tais matérias, a menos que fosse de todo evidentes face aos elementos de prova disponíveis nos autos. E ainda que nesse sentido concluísse, nunca teria de declarar essa nulidade, que não constitui objeto da providência, nem poderia sê-lo neste âmbito, mas em sede de meio processual autónomo e adequado. Seria sim, quando muito, de ponderar como elemento indiciador de demonstração da inexistência da aparência do direito invocado pelas requerentes.
Voltaremos a esta questão, mais adiante, a propósito da análise dos pressupostos da providência decretada.
E quanto à falta de motivação, dir-se-á o seguinte:
Como ensina Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Processo Civil”, pág. 221: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
Também Lebre de Freitas, in C. P. Civil, pág. 297, sublinha que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.
E já o Professor Alberto dos Reis, in C. P. Civil, Anotado, Vol. V, pág. 140, lembrava que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Ora, lendo a decisão recorrida é igualmente manifesto inexistir a apontada nulidade, pois que está suficiente e proficuamente fundamentada de facto e de direito.
Consequentemente, não se verificam quaisquer das invocadas nulidades da sentença e referidas no art.º 668.º/1 al. d), 1.ª parte, do C. P. Civil.
Improcedem as conclusões nesta matéria.
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3. Validade da Patente Europeia, seus efeitos e se estão ou não reunidos os pressupostos referidos no art.º 338.º-I/1 do C. P. I.
Os medicamentos para uso humano só podem ser introduzidos no mercado após a emissão de uma autorização administrativa, no caso, o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento, estando esta matéria regulada pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto ( alterado pelos Decretos-lei n.ºs 182/2009, de 7 de agosto, 64/2010, de 9 de junho, e 106 -A/2010, de 1 de outubro, e pela Lei n.º 25/2011, de 16 de junho – e bem assim pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, embora esta última alteração seja inaplicável no caso dos autos), diploma legal que aprovou o atual Estatuto do Medicamento, e que transpôs para o direito português a Diretiva n.º 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, entre outros, estabelecendo “o regime jurídico a que obedece a autorização de introdução no mercado e suas alterações, o fabrico, a importação, a exportação, a comercialização, a rotulagem e informação, a publicidade, a farmacovigilância e a utilização dos medicamentos para uso humano e respetiva inspeção” ( seu art.º 1.º).
E decorre do seu regime jurídico que nenhum medicamento para uso humano pode ser introduzido no mercado de Estado-membro da União Europeia sem que tenha sido emitida uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM) pela autoridade competente desse Estado-membro ou União Europeia nos termos do Regulamento (CE) n.º 736/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004 (in Jornal Oficial, n.º L 136.)
Assim, para que um medicamento seja colocado no mercado, é necessário que o Infarmed conceda uma autorização para o efeito, a Autorização de Introdução no Mercado (AIM).
O art.º 14.º e segs., do citado Decreto-Lei n.º 176/2006 regula os procedimentos necessários com vista à obtenção da AIM.
Assim, prescreve o seu art.º 19.º, n.º1: “Sem prejuízo dos direitos da propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na alínea i) do n.º 2 do artigo 15.º se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que tenha sido autorizado num dos Estados membros ou na Comunidade, há pelo menos oito anos.
E reza o seu n.º8: “Sem prejuízo do disposto no artigo 102.º do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março, a realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.ºs1 a 6, e as exigências práticas daí decorrentes, não são contrárias aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de proteção de medicamentos”.
De acordo com a definição consagrada nesse diploma legal, “os “medicamentos de referência” são os medicamentos que foram autorizados com base em documentação completa, ou seja, com base, entre outros, em ensaios farmacológicos, toxicológicos, pré-clínicos e clínicos
Os “Medicamentos genéricos” são os medicamentos que ostentam a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, sob a mesma forma farmacêutica, cuja bioequivalência em relação aos medicamentos de referência tenha sido demonstrada através de estudos de biodisponibilidade adequados” ( Art.º 3.º/1 ii) e nn).
Como refere J. P. Remédio Marques , in “Medicamentos versus Patentes”, Estudos de Propriedade Industrial, Coimbra Editora, pág. 67 e 68: “ (… a obtenção de uma AIM respeitante a um medicamento de referência obriga à junção de inúmeros elementos e documentos técnicos, nos termos do art.º 15.º do citado Decreto-Lei n.º 176/2006 de 30 de agosto. A Concessão de direito de patente sobre tais invenções de produtos ( de processos ou de novas aplicações terapêuticas) confere a estas empresas a faculdade jurídica de impedir a importação, o transporte, o armazenamento, a promoção, a comercialização e a posse das substâncias químicas ou das matérias biológicas para o exercício de alguma daquelas atividades incluídas no licere do direito de patente.
A obtenção de direitos de patente e, logo de seguida, de certificados complementares de proteção, representa para estas empresas, o filão que, juridicamente, lhes assegura o exclusivo da efetiva comercialização durante um prazo máximo de 15 anos”.
E mais refere, este distinto Professor, a pág. 15 e segs, “(…Os medicamentos para uso humano pode traduzir invenções que são objeto de direito de patente, nas modalidades de patentes de produto, de processo ou de uso ( de substâncias químicas já conhecidas em novas indicações e aplicações terapêuticas)”
De acordo com o n.º1, do art.º 75º, do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março), as suas disposições seguintes aplicam-se aos pedidos de patente europeia e às patentes europeias que produzam efeitos em Portugal.
E o seu n.º2 manda aplicar as disposições deste diploma legal em tudo que não contrarie a Convenção sobre a Patente Europeia de 5 de Outubro de 1973.
Portanto, o Código da Propriedade Industrial é aplicável aos pedidos de patente europeia, previstos na Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias de 5 de Outubro de 1973 ( também designada por Convenção sobre a Patente Europeia, que criou a Organização Europeia de Patentes (OEP).
Nos Estados contratantes onde a patente europeia produzir efeitos, o seu titular beneficia dos mesmos direitos que lhe seriam conferidos por um pedido de patente nacional.
Portugal ratificou a Convenção sobre a Patente Europeia em 30 de agosto de 1991, passando a ser possível proteger uma invenção pela via europeia, no nosso país, a partir de 1 de janeiro de 1992 (cfr. António Campinos e Luís Couto Gonçalves, in “Código da Propriedade Industrial”, Anotado, Almedina, 2010, pág. 256).
O art.º 51.º e segs. do Código da Propriedade Industria regula o âmbito de aplicação de patentes, como um direito privativo da propriedade industrial que visa proteger uma invenção, embora não apresente uma definição legal deste conceito.
Por sua vez, o art.º 97.º, n.º1, do Código da Propriedade Industrial, estabelece que “o âmbito da proteção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar”.
E, “se o objeto da patente disser respeito a um processo, os direitos conferidos por essa patente abrangem os produtos obtidos diretamente pelo processo patenteado”.
O seu art.º 99.º fixa em 20 anos, contados da data do respetivo pedido, a duração da patente.
No que respeita aos direitos emergentes da patente, o n.º1 do art.º 101.º, estabelece, expressamente, que a patente confere o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português.
E confere ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados – n.º2 do citado art.º 101.º.
Para garantia efetiva desse direito, prescreve o seu n.º3: “O titular da patente pode opor-se a todos os atos que constituam violação da sua patente, mesmo que se fundem noutra patente com data de prioridade posterior, sem necessidade de impugnar os títulos, ou de pedir a anulação das patentes em que esse direito se funde”.
Tais direitos, porém, não podem exceder o âmbito definido pelas reivindicações (n.º4).
Nesse sentido, o art.º 338.º-I, do Código da Propriedade Industrial (cuja última alteração ocorreu com a Lei n.º 16/2008 de 1 de abril, e que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva Comunitária 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, visando assegurar um nível equivalente de proteção da propriedade intelectual dos Estados-membros), sobre epígrafe “Providências cautelares”, estatui:
1 - Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a:
a) Inibir qualquer violação iminente; ou
b) Proibir a continuação da violação.
2 - O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação.
3 - As providências previstas no n.º 1 podem também ser decretadas contra qualquer intermediário cujos serviços estejam a ser utilizados por terceiros para violar direitos de propriedade industrial.
4 - Pode o tribunal, oficiosamente ou a pedido do requerente, decretar uma sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar a execução das providências previstas no n.º 1.
5 - Ao presente artigo é aplicável o disposto nos artigos 338.º-E a 338.º-G.
Por sua vez, o artigo 338.º-P do mesmo diploma legal, prevê que “em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente secção, são subsidiariamente aplicáveis outras medidas e procedimentos previstos na lei, nomeadamente no Código de Processo Civil”.
Ora, a questão essencial decidenda consiste, pois, em saber se da matéria de facto apurada se pode extrair a conclusão de que se verificam todos os requisitos da providência requerida.
Do cotejo destas disposições legais, resulta, sem dúvida, um procedimento cautelar específico para os casos de violação de direito de propriedade industrial, ao que acresce o regime dos procedimentos cautelares comuns previstos nos art.ºs 381.º e segs. do C. P. Civil.
Assim, são requisitos essenciais desta providência cautelar específica: haver uma violação do direito de propriedade industrial; ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável desse direito.
Convém acentuar que nesta matéria a lei exige uma violação do direito de propriedade industrial ou o fundado receio de que outrem cause uma lesão grave e de difícil reparação desse direito.
Nesse sentido, seguimos a decisão recorrida, quando afirma”(…É que, na verdade, o artigo 338.º-I, do CPI prevê como dignos de tutela cautelar, não só o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito, mas também a violação do direito, independentemente de causar ou não lesão grave e dificilmente reparável”.
Basta, pois, a mera violação objetiva do direito de propriedade industrial, presumindo o legislador que existindo um direito de propriedade industrial reconhecido, a simples violação efetiva desse direito acarreta prejuízos ao seu titular.
No mesmo sentido se pronunciou este Tribunal da Relação, no seu Acórdão de 20/10/2011, proferido na Apelação n.º 3696/11.4T2SNT.L1, relatado pelo Exm.º Desembargador Manuel José Aguiar Pereira, onde foi decidido:
Para que seja decretada providência cautelar ao abrigo do disposto no artigo 338º-I do Código da Propriedade Industrial é necessário e suficiente que seja feita prova sumária da titularidade do direito de propriedade industrial ou da autorização para o utilizar e da violação atual ou iminente desse direito;
Nos casos abrangidos por essa norma é desnecessária, por irrelevante, a prova da lesão resultante do periculum in mora”.
Seguimos de perto a doutrina aí expendida, nomeadamente “a inserção no Código da Propriedade Industrial de um específico regime de proteção cautelar resulta da clara intenção de conferir uma maior proteção aos direitos de propriedade industrial. Tal intenção de espacial proteção é de ter como especialmente relevante nos casos de violação já consumada de direitos.
Ora considerando que o objetivo central dessa proteção cautelar é sancionar de modo eficaz a violação de direitos, em especial nos casos de violação já consumada, não faz sentido fazer depender o seu decretamento da prova da verificação de um requisito suplementar qual seja o perigo da lesão decorrente da demora na decisão na ação principal”.
Mas se no caso de violação efetiva do direito de propriedade industrial não se mostra necessário a demonstração do periculum in mora - o grave prejuízo causado pela demora inevitável do processo para o reconhecimento do direito - , exige-se, como em toda a providência cautelar, o denominado “fumus bonni iuris”, ou seja, a mera aparência da realidade do direito invocado – que se traduz no conhecimento através de um exame e instrução indiciários (“summaria cognitio”), ou como sublinha Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 230, “(… implica necessariamente uma apreciação sumária da situação através de um procedimento simplificado e rápido”.
Daí a instrumentalidade da providência , visto que a decisão a proferir na providência cautelar é transitória, fica a aguardar a decisão definitiva a proferir na ação principal que terá obrigatoriamente que ser proposta e dela depende – art.º 383.º do C. P. Civil ex vi art.º 338.º-P do Código da Propriedade Industrial.
Também Miguel Teixeira de Sousa, ob. citada, pág. 229, o refere: “ O objeto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou tutelada, mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação provisória ou a antecipação da tutela que for requerida no respetivo procedimento”.
Ora, no caso sub judice, decorre dos factos sumariamente assentes que a 2ª Requerente comercializa em Portugal, entre outros, o medicamento Bonviva®, objeto da Patente Europeia N.º ..., cujo titular é a 1.ª requerente, com limite de vigência até 2 de maio de 2023.
E com base em autorizações relativas a essa patente foi concedida, através de um procedimento centralizado (regulado no art.º 47.º e segs., do Estatuto do Medicamento – trata-se de pedidos de autorização de introdução no mercado apresentados perante o INFARMED com a indicação da apresentação em simultâneo de igual pedido noutro ou noutros Estados membros), à R….. Registration Ltd., Autorização de Introdução no Mercado (AIM). Com base nesta AIM, a 2ª Requerente, enquanto representante da titular da AIM, solicitou ao Infarmed um número de registo, tendo procedido a todos os restantes passos que lhe permitiram iniciar a comercialização do medicamento Bonviva® em Portugal.
Ao referido medicamento está atribuída a seguinte classificação farmacoterapêutica: “Bifosfonatos”, estando destinado ao tratamento da osteoporose.
O Bonviva® permite o tratamento da osteoporose, através de uma dosagem mensal de 150 mg de Ibandronato.
A referida patente europeia, com a epígrafe " Ácido Ibandrónico para o tratamento e a prevenção da Osteoporose", registada em nome da 1.ª requerente, foi pedida a 2 de maio de 2003, tendo sido concedida a 18 de dezembro de 2007 e estando em vigor até 2 de maio de 2023.
A Patente Europeia N.º..., após a concessão pelo Examinador do Instituto Europeu de Patentes, foi objeto de oposição por oito entidades, a saber: (….) .
O procedimento oral teve lugar no dia 9 de dezembro de 2010, tendo esse mesmo Instituto confirmado a validade da patente, com correções no texto, que se traduziram em incorporar as originais reivindicação 2 (tratamento de Osteoporose) e reivindicação 5 (a dose de 150mg) na reivindicação 1 (fls.339).
Esta patente protege (além de outras realidades) a utilização do ácido ibandrónico para a produção do medicamento para o prevenção ou tratamento da osteoporose em que o medicamento compreende uma dose eficaz de 150mg de ácido ibandrónico ou de um sal farmaceuticamente aceitável e que o medicamento é administrado oralmente uma vez por mês. E, com base nesses direitos, foi concedida uma licença de exploração para Portugal em nome da 2ª Requerente.
Perante o supra descrito quadro fáctico, urge concluir, estar sumariamente demonstrado que a 1.ª requerente é titular da Patente Europeia N.º... relativa à aplicação de " Ácido Ibandrónico” para o tratamento e a prevenção da Osteoporose, com a dosagem de 150mg, correspondentes às reivindicações 2 e 5, que a segunda requerente comercializa em Portugal, após a concessão da AIM, através do medicamento Bonviva®, que permite o tratamento da osteoporose, através de uma dosagem mensal de 150 mg de Ibandronato.
Portanto, este medicamento de referência tem como substância ativa o Ácido Ibandrónico e destina-se ao tratamento da osteoporose, com a dosagem de 150mg e tomado uma vez por mês.
Como foi decidido no Acórdão do STJ, de 27/01/2010, Proc. n.º 598/08.5TBCBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj, uma coisa é o “direito à patente, a que correspondente um direito subjetivo do inventor a um certo comportamento da administração, oponível a esta, e que nasce com a solicitação da concessão, reunidos que sejam os requisitos da patentabilidade, outra bem diversa é o direito de patente, que nasce e se constitui com a concessão e que corresponde um direito igualmente subjetivo de exploração económica do evento, em regime de monopólio e oponível erga omnes.
Consequentemente, a titularidade dessa patente, e a obtenção da AIM, conferem às requerentes o direito exclusivo de comercialização desse medicamento de referência durante o respetivo período de validade.
E não se invoque a nulidade dessa patente europeia, pois decorre do art.º 4.º, n.º2, do Código da Propriedade Industrial que a concessão de direitos de propriedade industrial implica mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão, ou seja, trata-se de uma presunção júris tantum que só poderá ser ilidida junto do órgão jurisdicional.
Mas porque emanada por uma autoridade administrativa, no exercício de um poder público regulado pela lei, presume-se que o direito de propriedade industrial é válido até decisão em contrário do tribunal competente que declare nulo ou anule o respetivo registo - António Campinos e Luís Couto Gonçalves, ob. citada, pág. 91.
Na verdade, dispõe o art. 113º do Código da propriedade Industrial que, além dos casos previstos no art. 33º, as patentes são nulas quando o seu objeto não satisfizer os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial ou quando o seu objeto não for suscetível de proteção nos termos dos art.s 51.º, 52.º e 53.º.
E o art.º 33.º prescreve os casos de nulidade parcial ou total das patentes e registos, invocável a todo o tempo por qualquer interessado, mas essa declaração de nulidade só pode resultar de uma decisão judicial, mediante ação a instaurar pelo Ministério Público ou qualquer interessado, como flui expressamente do seu art.º 35.º/1 e 2.
Daí que a questão da eventual nulidade da patente invocada pela recorrente não possa ser apreciada e decidida nesta providência, por não ser o meio processual próprio e não resultar dos autos matéria factual que o evidencie ostensivamente, caso em que, como já se sublinhou, poderia infirmar a mera aparência do direito, não a declaração da sua nulidade.
O que não sucede, no caso dos autos, repete-se, estando inequívoca e sumariamente demonstrada a existência do direito de propriedade industrial, reforçada tal convicção pela presunção jurídica decorrente do registo da patente europeia.
E mais vem provado que a recorrente não solicitou, nem obteve, autorização das recorridas para, por qualquer forma, explorar a invenção constante da patente, sendo que o INFARMED lhe concedeu AIM para o medicamento genérico “Ácido Ibandrónico Generis”.
E assente ficou ainda que foi o medicamento Bonviva®, ( medicamento de referência) que serviu de referência ao referido medicamento genérico, e a recorrente já iniciou a comercialização deste genérico “Ácido Ibandrónico Generis, para a prevenção e o tratamento da osteoporose, administrando-se uma única dose, uma vez por mês, de 150mg de ácido ibandrónico, isto é, utiliza a mesma substância ativa de um medicamento de referência (DCI - Denominação comum) no tratamento da mesma doença.
A este propósito concluiu J. P. Remédio Marques, ob. citada, pág. 245 “(… a concessão da AIM relativa ao genérico e a respetiva fixação do preço ( e da eventual comparticipação) não agride estes direitos fundamentais, pois os titulares destas autorizações para comercializar genéricos dos medicamentos patenteados continuam a não poder praticar quaisquer atos ( fácticos ou jurídicos) destinados a preparar ou a efetivar a fabricação ou a comercialização desses genéricos em Portugal antes da extinção daqueles direitos de propriedade industrial sobre os medicamentos de referência.
Está, por isso, sobejamente demonstrada a violação efetiva do direito de propriedade industrial das recorridas, que lhes confere o direito à comercialização exclusiva do medicamento em causa.
Decorrentemente, preenchidos que se mostram os requisitos enunciados no art.º 338.º-I/1 e 2 do Código da Propriedade Industrial, bem andou a 1.ª instância ao deferir a providência, pois que as recorridas demonstraram a titularidade do direito de propriedade industrial e a sua autorização a utilizá-lo (no caso a 2.ª recorrida) e verifica-se uma violação efetiva desse direito, por banda da recorrente.
Improcedem, pois, as demais conclusões e, consequentemente, o recurso.
Vencida no recurso, suportará a recorrente as respetivas custas – Art.º 446.º/1 do C. P. Civil.
***
IV. Sumariando, nos termos do art.º 713.º/7 do C. P. C.
1. Sendo a requerente titular de Patente Europeia, relativa à utilização de " Ácido Ibandrónico” para o tratamento e a prevenção da Osteoporose, com a dosagem de 150mg, tomado por via oral e uma vez por mês, correspondentes às reivindicações 2 e 5, e, obtida AIM, comercializa essa substância através do medicamento de referência Bonviva®, ocorre violação do direito de propriedade industrial a comercialização, por banda da requerida, antes da extinção daquele direito de propriedade industrial, sem a necessária autorização, do medicamento genérico “Ácido Ibandrónico Generis”, para a prevenção e o tratamento da osteoporose, administrando-se uma única dose, uma vez por mês, de 150mg de ácido ibandrónico, ou seja, utilizando a mesma substância ativa de um medicamento de referência no tratamento da mesma doença.
2. Nos termos do art.º 4.º, n.º2, do Código da Propriedade Industrial a concessão de direitos de propriedade industrial confere ao seu titular a presunção júris tantum dos requisitos da sua concessão.
3. Para ser decretada a providência cautelar ao abrigo do disposto no art.º 338.º-I do Código da Propriedade Industrial, basta a requerente alegar e demonstrar, sumariamente, ser titular de um direito de propriedade industrial ou de autorização para o utilizar e a sua violação efetiva ou iminente.
***
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2012

Tomé Ramião
Jerónimo Freitas
Maria Manuela Gomes