Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
371/08.0TBBNV.L1-7
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: ENERGIA ELÉCTRICA
DANO
DIRECÇÃO EFECTIVA
CASO DE FORÇA MAIOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A responsabilidade instituída no art. 509º, nº 1 do CC, para quem tenha a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica e a utilize em interesse próprio, respeita aos danos causados, tanto pela condução ou entrega da electricidade, como pela própria instalação.
II - Pressupondo a dita “condução e entrega da electricidade” a existência de determinado equipamento através do qual a energia eléctrica seja levada até ao ponto de destino, têm de considerar-se compreendidos nela os serviços técnicos tendentes a assegurar o funcionamento desse mesmo equipamento, designadamente obviando a uma avaria nele verificada, com o restabelecimento da condução e entrega do bem em causa.
III – No tocante ao prejuízo resultante da condução e entrega da energia eléctrica, só em caso de força maior existe exoneração da responsabilidade objectiva prevista no preceito – seu nº 2.
IV - Quanto aos danos causados pela própria instalação, para além da hipótese de força maior, haverá ainda exoneração de responsabilidade quando for demonstrado que a instalação estava, ao tempo do acidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação – nºs 1 e 2 do preceito.
V - A instalação em relação à qual a entidade distribuidora de energia tem de cumprir esse ónus probatório é apenas a destinada à condução e entrega da energia eléctrica, não sendo da sua responsabilidade a instalação a jusante do ponto de entrega que está, pelo contrário, a cargo do cliente desta (ou proprietário do local).
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
7ª SECÇÃO CÍVEL

I – A…propôs a presente acção declarativa contra E…, SA., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de 40.400,65€, acrescida de juros de mora vincendos, valor indemnizatório para ressarcimento de danos de natureza patrimonial e não patrimonial por si sofridos em virtude de incêndio que deflagrou na sua casa devido a curto-circuito provocado por funcionários da ré, em 19 de Março de 2006, no decurso da reparação de avaria em posto de transformação da ré.
Houve contestação onde a ré, impugnando factos, pugnou pela improcedência do pedido, alegando, em resumo, que os danos foram devidos a causa de força maior.
Realizado o julgamento, respondeu-se à matéria de facto oportunamente levada à base instrutória e, subsequentemente, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor, a título de indemnização por danos patrimoniais, quantia a liquidar ulteriormente e, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 1.000,00 (mil euros), acrescida dos correspondentes juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a prolação da sentença e até efectivo pagamento.
Apelou o ré, tendo apresentado alegações onde, pedindo a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido, formula as  conclusões que passamos a transcrever:
1 - Embora a sentença recorrida aborde os presentes autos como sendo exclusivamente do foro da responsabilidade objectiva, quanto a nós, o desenvolvimento dos factos tal como provados, aponta claramente para uma situação que deve ser analisada à luz das regras relativas da responsabilidade objectiva mas também, à luz das regras referentes à responsabilidade subjectiva.
2 - Aplica-se o disposto no artigo 509.º do CC aos factos relacionados com o disparo do corte geral no quadro de baixa tensão do posto de transformação 0248 e com a fusão de um fusível no circuito 02, que sai do referido posto de transformação para alimentar a instalação eléctrica do autor pois, trata-se aqui da instalação destinada à condução ou entrega de energia eléctrica, usada no interesse da recorrente.
3 - Tendo ficado provado que tal disparo e fusão se ficaram a dever a uma descarga atmosférica que configura um caso de força maior, a responsabilidade da recorrente encontra-se excluída, por força do n.º 2 do mesmo artigo.
4 - O estado da instalação de condução e entrega de energia eléctrica, torna-se assim e com a devida vénia, irrelevante pois a norma cuja aplicabilidade se suscita é o n.º 2 e não a parte final, do n.º 1, do referido artigo 509.º, do CC a cuja aplicação procedeu, quanto a nós erradamente, o Tribunal a quo.
5 - Já quanto à operação material de substituição do fusível fundido e rearme do corte geral, levada a cabo pelos trabalhadores do piquete enviado para proceder à reparação, não é aplicável a mesma norma, pois esse conjunto de factos já não se encontra compreendido pelo funcionamento do sistema de condução e entrega de energia eléctrica, mas sim a com a conduta do piquete de recorrente.
6 - Trata-se portanto, duma situação de responsabilidade subjectiva, tutelada pelo artigo 483.º do CC, pelo que importará – com relevo no caso concreto – demonstrar a ilicitude e a culpa dos agentes da ré, bem como o nexo de causalidade entre a sua conduta e os danos sofridos, incumbindo essa prova ao autor, nos termos dos artigos 342.º e 487.º do mesmo código, regras que não se mostram aplicadas, como, quanto a nós, deviam, no caso dos autos.
7 - A recorrente descreveu na sua contestação e ficaram provadas todas as operações materiais levadas a cabo pelo piquete e em contrapartida, em parte alguma se deu como provado tudo o que o autor alegou sobre a ilicitude dessas acções ou sobre a culpa dos agentes, não bastando dizer que a actuação dos agentes da ré foi ilícita ou culposa, sem demonstrar, com factos provados e normas a que se subsumam, porquê.
8 - Por outro lado, o que ficou provado no ponto 1.13 – A referida descarga atmosférica provocou um curto-circuito que, aliado (?) à descrita substituição do fusível fundido no circuito do posto de transformação que alimenta a casa do autor, originou o referido incêndio na mesma – carece em absoluto de justificação técnica e não configura de modo minimamente satisfatório o necessário nexo de causalidade, o que mais uma vez convocaria a aplicação dos artigos 483.º e 342.º do CC.
9 - Quanto à culpa, cuja prova igualmente compete ao autor, nos termos do artigo 487.º do CC que igualmente ficou por aplicar, não existe nos autos qualquer demonstração da sua existência, não tendo sido referida e portanto também não tendo sido provada, uma única operação material que as regras técnicas e de experiência comum mandem adoptar e que os agentes da ré tivessem omitido, como não foi referida qualquer conduta que tivesse causado o incêndio, tudo isto com dolo ou sequer mera culpa
10 - A este propósito, o que ficou provado foi um conjunto de operações materiais – vistorias sucessivas de todos os condutores que integram a rede que sai do posto de transformação dos autos – que segundo as regras técnicas e de experiência comum são as adequadas a uma situação daquele tipo.
11 - Por outro lado, na sentença recorrida estabeleceu-se uma confusão entre a instalação particular do autor que se inicia na chamada portinhola, nos termos do artigo 12.º e 11.º do Regulamento de Segurança de Instalações de Utilização de Energia Eléctrica, publicado em anexo ao DL 740/74 de 26 de Dezembro, aplicável ao caso dos autos, por força do artigo 5.º, do DL 226/2005, de 28 de Dezembro, legislação que a recorrente invocou e a sentença recorrida ignorou, e a instalação destinada à condução ou entrega de energia eléctrica a que alude o artigo 509.º do CC.
12 - Não tendo a recorrente qualquer espécie de domínio sobre as instalações eléctricas das casas dos portugueses, não sendo responsável pela sua concepção ou manutenção, não lhe competia provar como se encontrava a instalação da casa do autor, nem aqui se aplica o disposto no referido artigo 509.º, sendo infundadas as considerações que na página 9 da sentença recorrida se fazem, entrelaçando as condições da instalação privada do autor com a ausência nessa instalação de fusíveis de protecção.
13 - À recorrente competia provar, nos termos do artigo 572.º do CC, e provou, aliás com expressa confissão do autor, que não se encontravam instalados os fusíveis de protecção à própria instalação do autor, no termo da baixada de sua casa, na caixa correntemente designada por portinhola, que evitariam a ocorrência de curto-circuitos como aquele que ocorreu (ponto 1.12) e portanto teriam interrompido qualquer sequência causal.
14 - Sendo esses fusíveis dispensáveis, como expressamente estabelecido pelo artigo 573.º do Regulamento de Segurança de Instalações de Utilização de Energia Eléctrica publicado em anexo ao DL 740/74 de 26 de Dezembro, à data em que o autor contratou o fornecimento de energia com a recorrente, ainda assim, se este decidisse instalá-los, tal instalação competiria, como compete ainda hoje, ao proprietário do edifício, nos termos do artigo 7.º, do próprio DL 740/74, de 26 de Dezembro que ficou por aplicar.
15 - O facto de hoje em dia vigorarem regras que podem impor ao distribuidor de energia que não efectue uma nova ligação sem que se encontrem verificadas determinadas condições de segurança adicionais, não significa que o distribuidor de energia eléctrica deva verificar todas as instalações já existentes, de todas as casas particulares, de todo o país, ónus, económica e fisicamente incomportável, que o legislador expressamente afastou, no já referido artigo 5.º, do DL 226/2005, de 28 de Dezembro que a sentença recorrida não levou em devida conta.
16 - Não se devem portanto, aplicar regras de experiência comum, como resulta da expressão – é consabido que é da exclusiva responsabilidade da ré – utilizada na página 9 da sentença recorrida, mas sim aplicar a Lei expressa que existe e que estabelece que a instalação dos fusíveis na portinhola/fim de baixada de casa do autor, sendo adequados a evitar o incêndio dos autos, é da sua inteira responsabilidade, caso queira aumentar as condições de segurança da sua casa, o que não foi manifestamente o caso dos autos.
17 - Pelo que, também dada a existência de culpa do autor, deve, nos termos do artigo 570.º do CC, regra cuja aplicação não foi ponderada na sentença recorrida, a responsabilidade da ré ser afastada.
Nas contra-alegações apresentadas, o apelado sustentou a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as enunciadas pela apelante nas suas conclusões, visto serem estas, como é sabido, que delimitam o objecto do recurso.

II - Na sentença, descrevem-se como provados os seguintes factos:
1. No exercício da sua actividade de concessionária da distribuição de energia eléctrica na área em que se insere a Rua …, em …, freguesia de …, a ré celebrou com o autor um contrato de fornecimento de energia eléctrica, ao abrigo do qual lhe vem efectuando esse fornecimento, desde Julho de 1984, no local com o código de identificação ... (cfr. alínea A) dos factos assentes);
2. Cerca das 15.00 horas do dia 19 de Março de 2006 ocorreu uma trovoada na zona das …, freguesia da …, que originou uma descarga atmosférica que levou ao disparo do corte geral no quadro de baixa tensão do posto de transformação 0248, a partir do qual é alimentada a referida instalação eléctrica do autor (cfr. alínea B) dos factos assentes);
3. Essa descarga atmosférica causou ainda a fusão de um fusível no circuito 02, que sai do referido posto de transformação para alimentar, entre outras, a referida instalação eléctrica do autor (cfr. alínea C) dos factos assentes);
4. Em consequência do referido disparo do corte geral, a Rua … e parte de …, incluindo a casa do autor, ficaram privadas de energia eléctrica (alínea D) dos factos assentes);
5. Cerca das 17.00 horas do mesmo dia, já a referida trovoada não se fazia sentir e deixara de chover (cfr. alínea E) dos factos assentes);
6. Foi nessa altura que chegou ao local um piquete enviado pela ré, cujos elementos procederam à inspecção visual dos condutores da rede de baixa tensão e depois à substituição do fusível fundido e ao rearme do corte geral (cfr. alínea F) dos factos assentes);
7. O novo fusível colocado pelo piquete enviado pela ré fundiu novamente (cfr. alínea G) dos factos assentes);
8. Os trabalhadores desse piquete procederam a nova inspecção dos condutores e colocaram novo fusível que, uma vez ligada a energia eléctrica, não fundiu (cfr. alínea H) dos factos assentes);
9. De seguida, os trabalhadores desse piquete passaram uma última vistoria aos circuitos que saem do referido posto de transformação (cfr. alínea I) dos factos assentes);
10. Os técnicos desse piquete viram fumo a sair da casa do autor, na qual lavrava um incêndio, e pediram a uma vizinha para ligar para o 112 e chamar os bombeiros (cfr. alínea J) dos factos assentes);
11. Depois de se apetrecharem com o equipamento necessário, esses técnicos procederam ao corte do cabo da baixada que fornece energia eléctrica à casa do autor (cfr. alínea L) dos factos assentes);
12. Na referida data, não se encontravam instalados na baixada da casa do autor, fusíveis de protecção que evitariam a ocorrência de curto circuitos (cfr. alínea M) dos factos assentes);
13. A referida descarga atmosférica provocou um curto-circuito que, aliado à descrita substituição do fusível fundido no circuito do posto de transformação que alimenta a casa do autor, originou o referido incêndio na mesma (cfr. resposta aos quesitos 1º e 2º da base instrutória);
14. O incêndio danificou a instalação eléctrica e a pintura interior da casa do autor (cfr. resposta aos quesitos 4º e 5º da base instrutória);
15. O combate do incêndio exigiu a quebra dos vidros de uma porta e dos vidros de uma janela da casa do autor (cfr. resposta ao quesito 9º da base instrutória);
16. O incêndio danificou uma cama, um colchão, uma mesa-de-cabeceira, uma arca de madeira, bem como peças de vestuário, roupas de cama e banho, fotografias e géneros alimentícios, existentes na casa do autor (cfr. resposta aos quesitos 10º a 19º, inclusive, da base instrutória);
17. O autor sentiu tristeza pela ocorrência do incêndio e pela consequente danificação de bens e revolta por não ter sido ressarcido extrajudicialmente pela ré (cfr. resposta aos quesitos 20º a 24º, inclusive, da base instrutória).

III – Atentemos, antes de mais, nos fundamentos que subjazeram à decisão emitida, ora posta em causa.
Foram eles, em síntese nossa, os seguintes:
- Estando em causa os danos causados por instalação destinada à condução e entrega de energia eléctrica, utilizada pela ré no exercício da sua actividade de exploração da rede eléctrica nacional e no seu interesse, ao caso é aplicável o regime do art. 509º, nº 1 do C. Civil;
- Neste preceito consagra-se a responsabilidade, sem culpa, da entidade que tenha a direcção efectiva da instalação destinada à condução ou entrega de energia eléctrica e utilize essa instalação no seu interesse, desde que o prejuízo derive dessa condução e entrega ou da própria instalação, salvo se, ao tempo do acidente, a instalação estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
- Os factos apurados – 1.1 a 1.10 e 1.13 – preenchem os ditos pressupostos da responsabilidade civil objectiva da ré, sendo ela responsável pelos danos sofridos pelo autor com o incêndio ocorrido na sua casa; dando-se o curto-circuito em consequência da descarga atmosférica, a substituição do fusível fundido no circuito do posto de transformação e consequente reinício de alimentação eléctrica na casa do autor, sem prévia verificação e reparação da avaria – curto-circuito – aí verificada, foi a causa directa e adequada do incêndio.
- A ré não logrou provar o facto impeditivo do direito a indemnização por parte do autor, ou seja, que ao tempo do acidente, a instalação estivesse de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de funcionamento, tendo-se provado, pelo contrário, que, então, não se encontravam instalados na baixada da casa do autor fusíveis de protecção que teriam evitado a ocorrência de curto-circuitos como aquele que ocorreu.
- O curto-circuito provocado pela descarga atmosférica que, não por si só, mas aliado à substituição do fusível e realimentação da instalação eléctrica do autor, sem prévia reparação e verificação desta, deu origem ao incêndio, não reveste a causa de força maior, antes surge como facto cuja ocorrência era previsível e podia ser evitado pela ré.
- Também o incêndio na casa do autor podia ter sido evitado pela ré, através da verificação da instalação eléctrica nessa casa e da reparação do curto-circuito ocorrido, antes da substituição do fusível no circuito que alimenta a casa do autor e subsequente rearme do corte geral no respectivo posto de transformação.

A sentença apelada funda-se, essencialmente, no disposto no art. 509º do CC - diploma a que pertencem as normas que adiante forem referidas sem outra identificação.
É do seguinte teor o seu nº 1:
1- Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
 E o seu nº 2 dispõe:
2 – Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.
Do nº 1 acabado de transcrever resulta, sem margem para dúvida razoável, que a responsabilidade aí instituída, para quem tenha a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica e a utilize em interesse próprio, respeita aos danos causados, tanto pela condução ou entrega da electricidade, como pela própria instalação, entendida esta última como “agrupamento de factores convergentes para a (…) armazenagem da electricidade[1] e entendidas as primeiras como conjunto de equipamento e serviços técnicos adequados e aptos a fazer chegar a energia eléctrica a determinado local.
A apelante pretende que os eventuais resultados danosos da intervenção de um piquete seu com vista a restabelecer o fornecimento de energia escapam a esta previsão legal e que devem ser enquadrados em termos de responsabilidade por facto ilícito, por isso dependente da verificação de culpa do agente, e não de responsabilidade objectiva.
Todavia, pressupondo a dita “condução e entrega da electricidade” a existência de determinado equipamento através do qual a energia eléctrica seja levada até ao ponto de destino, não podem deixar de considerar-se compreendidos nela os serviços técnicos tendentes a assegurar o funcionamento desse mesmo equipamento, designadamente obviando a uma avaria nele verificada, com o restabelecimento da condução e entrega do bem em causa.
Importa, porém ter presentes os limites do campo de aplicação daquela responsabilidade objectiva.
Distingue-se neste preceito entre o prejuízo resultante da condução e entrega de energia eléctrica, por um lado, e os danos causados pela própria instalação, por outro.
O primeiro tipo de prejuízo é suportado pela entidade que tiver a direcção efectiva da instalação destinada àquela condução e entrega, havendo exoneração dessa responsabilidade em caso de força maior.
Quanto ao segundo tipo, para além da hipótese de força maior, haverá ainda exoneração de responsabilidade quando for demonstrado que a instalação estava, ao tempo do acidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
Na sentença entendeu-se haver responsabilidade da apelante, não tendo esta provado que a instalação eléctrica estivesse nas condições referidas na parte final do nº 1 do citado art. 509º, tendo-se até demonstrado a inexistência de fusíveis de protecção na baixada da casa do autor.
Uma precisão importa fazer nesta matéria.
No caso, a instalação em relação à qual a apelante tem de cumprir esse ónus probatório é apenas a instalação destinada à condução e entrega da energia eléctrica.
A instalação a jusante do ponto de entrega não é da responsabilidade da entidade distribuidora de energia eléctrica, estando, pelo contrário, a cargo do cliente desta (ou proprietário do local).
Cingindo-nos ao disposto nos arts. 11º e 12º do Regulamento de Segurança de Instalações de Utilização de Energia Eléctrica, aprovado pelo DL nº 740/74, de 26 de Dezembro[2], distingue-se entre “origem de uma instalação de utilização de baixa tensão” – que é o ponto por onde uma instalação de utilização de baixa tensão recebe energia eléctrica, podendo corresponder aos ligadores de saída do aparelho de corte da entrada da instalação de utilização, ou aos ligadores de saída do contador geral, aos ligadores de entrada do aparelho de corte da entrada da instalação de utilização, se esta é alimentada a partir de um posto de transformação ou de uma central geradora privativos – e “entrada” – que é a canalização que se segue à origem e vai até um ponto que pode ser, nomeadamente, uma caixa de coluna, ou um quadro de coluna, ou uma portinhola –, ao que se seguem os restantes componentes de um instalação de utilização.
E o art. 7º do mesmo Regulamento define a quem cabem as responsabilidades pelas modificações a que o Regulamento obriga quanto às diferentes partes da instalação eléctrica, dele se extraindo que:
- cabe ao distribuidor aquilo que respeita à rede pública de distribuição:
- cabe ao proprietário do edifício e ao inquilino aquilo que respeita a entradas e instalações colectivas e de utilização.
Pode dizer-se, assim, que é rede pública o sistema de condução e entrega até à origem, sendo a partir daí da responsabilidade de outrem – proprietário ou inquilino – o controlo e a manutenção da instalação de utilização.
Os factos apurados revelam que o incêndio foi devido à existência de um curto-circuito resultante da descarga atmosférica – cfr. factos 2., 3. e 13. –, conjugado com a reposição do fornecimento de electricidade a partir do momento em que foi substituído o fusível fundido no posto de transformação.
Sobre a concreta localização deste curto-circuito apenas sabemos que se situava no local do incêndio (foi o seu foco), ou seja, na casa do apelado.
Mas não se sabe se esse curto-circuito estava localizado antes da “origem” ou se, pelo contrário, estava na “entrada” ou em ponto subsequente da instalação eléctrica.
O conhecimento desta localização era indispensável para que se pudesse formular uma conclusão sobre se o mesmo respeitava ainda ao sistema de condução e entrega da energia ou se estava a jusante do ponto onde se considera que a energia é entregue pela E. ao consumidor.
Ora, cabia ao apelado, autor na acção, o ónus de provar essa localização, visto que a mesma é elemento constitutivo do seu direito a ser indemnizado ao abrigo do disposto no art. 509º; só o preenchimento da totalidade dos seus requisitos pode levar a que, ao abrigo desta norma, se considere gerado um direito de indemnização como o invocado pelo apelado.
Por outro lado, à apelada E., para obter o afastamento desta responsabilidade, não cabia provar que a instalação de utilização, pertencente ao apelado, estava nas devidas condições, já que o seu ónus probatório respeita apenas ao sistema de condução e entrega, ou seja, até à “origem”, tal como acima ficou definida. E só tem razão de ser a invocação deste ónus probatório quando o dano tenha sido provocado pela “instalação” da condução e entrega da energia.
Deste curto-circuito – que o apelado atribuiu, na petição, ao trabalho desenvolvido pelo piquete para substituição do fusível no posto de transformação e que a sentença, diversamente, já reportou á descarga atmosférica – apenas foi alegado que se situava na casa do autor, sem qualquer concretização.
Esta concretização – porque é isso que interessaria decisivamente saber, se se situava antes ou depois da “origem” – não foi feita na alegação de factos constante da petição e, referindo-se, como se disse, a um facto essencial nesta causa que é elemento constitutivo do direito do autor, não pode ser agora mandado averiguar, dado o disposto no art. 264º, nº 2 do CPC.
Por isso, em sede de responsabilidade objectiva, a acção não pode proceder.
Resta ainda saber, em sede de responsabilidade por facto ilícito – enquadramento que a apelante admitiu como possível nas suas alegações –, a relevância da factualidade provada nos pontos 12 e 6 a 11., estes últimos conjugados com a circunstância de a apelante não ter feito a verificação da instalação eléctrica do apelado e reparado o curto-circuito ocorrido na sua casa.
A inexistência de fusíveis, a que se alude em 12., é irrelevante para o efeito, visto não se conhecer, nem ter sido alegada, norma regulamentar que obrigasse a E. sua instalação; e, na sua falta, só a demonstração, no caso não feita, de que, segundo o critério do “bom pai de família”, a conduta normalmente exigível era a da instalação desses fusíveis, poderia permitir a formulação de um juízo de culpa.
E o mesmo é de dizer quanto à omissão de verificação da instalação eléctrica do apelado e sua reparação.
Faltando os pressupostos de qualquer destas vias de raciocínio, a responsabilidade por facto ilícito fica arredada.
De tudo isto se extrai que a E. não está obrigada a indemnizar o apelado pelos prejuízos sofridos em virtude do incêndio versado nos autos.
 
IV – Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revoga-se a sentença apelada e absolve-se a ré apelante do pedido.
Custas, aqui e na primeira instância, a cargo do autor apelado.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2012

Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro
Graça Amaral
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[1] cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 15.05.1984, Col. Jur. 1984, 3º, 42, citado por Abílio Neto, Código Civil Anotado, 16ª edição, pág. 570
[2] Aplicável por foça do disposto no art. 5º do Dec. Lei nº 226/2005, de 28.12