Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
399/11.3TVLSB.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
DENÚNCIA DE CONTRATO
ALTERAÇÃO DO PACTO SOCIAL
CAPITAL SOCIAL
TRANSMISSÃO DE QUOTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A alínea b) do n.º 6 do are 26° da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro deverá ser interpretada no sentido da sua aplicação a todas as situações em que se verifique uma alteração de mais de 50% da titularidade do capital social da sociedade inquilina, resultante de transmissão inter vivos, mesmo não tendo havido entrada de novos sócios.
(FA)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

“A” intentou contra “B, Lda.”, a presente acção declarativa comum, sob a forma ordinária, pedindo que seja declarada válida a denúncia do contrato de arrendamento vigente entre as partes, efectuada ao abrigo do art. 26.º, n.º 6, alínea b) da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro.

Para tanto, alegou:

É dona do prédio urbano sito (…) em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana (…).
Por escritura outorgada em 09-07-1947, a ré tomou de arrendamento a loja com os n.ºs (…) do dito prédio.
Por escrituras outorgadas em 18-09-07 e 11-10-07 foram cedidas quotas correspondentes a mais de 50% do capital social da ré.
O que, nos termos da al. b) do n.º 6 do art. 26.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, conferiu ao senhorio o direito de denunciar o contrato, mediante comunicação ao arrendatário com cinco anos de antecedência relativamente à data em que se pretenda a cessação.
Através de notificação avulsa efectuada a 08-02-2010, a “A” denunciou o contrato de arrendamento com efeitos a 31 de Março de 2015.
Tendo a ré respondido que se opunha à referida denúncia por não estarem reunidos os pressupostos legais.
Pretendendo a autora ver reconhecida a validade da denúncia efectuada.

Citada, a ré contestou, defendendo que a norma invocada pela autora não é aplicável, uma vez que não houve entrada de novos sócios na sociedade, mas apenas a saída de dois sócios e a repartição das respectivas quotas pelos restantes.

No seguimento, foi proferida decisão a julgar a acção improcedente.

Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

a) A alínea b) do n° 6 do are 26° da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro deverá ser interpretada no sentido da sua aplicação a todas as situações em que se verifique uma alteração de mais de 50% da titularidade do capital social da sociedade inquilina, resultante de transmissão intcr vivos, tenha havido ou não entrada de novos sócios;

b) A interpretação desta norma feita na Sentença recorrida viola o disposto no n° 2 do arte 9° do Cód Civil e contraria o espírito do Legislador, conforme consagrado nos objectivos traçados no programa do Governo relativos ao NRAU.

A apelada contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, está em causa na presente apelação saber se, como pretende a apelante, a alínea b) do n.º 6 do are 26° da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro deverá ser interpretada no sentido da sua aplicação a todas as situações em que se verifique uma alteração de mais de 50% da titularidade do capital social da sociedade inquilina, resultante de transmissão inter vivos, mesmo não tendo havido entrada de novos sócios.

Na decisão recorrida foi considerada assente a seguinte matéria de facto, que não vem impugnada nem suscita alterações oficiosas:

1. Por escritura pública outorgada em 9 de Julho de 1947 no 13° Cartório Notarial de Lisboa, foi celebrado entre “C” e a sociedade "B, Lda_" o contrato de arrendamento para "exploração do comércio de pastelaria e confeitaria", nos termos que constam do documento de fls. 6 a 13.
2. A sociedade B, Lda." encontra-se matriculada sob o número (...na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, como capital de 12.469,95€, e as seguintes quotas; de 3.740,98€ sendo titular “D”; de 3.117,49€, sendo titular “E”; de 3.117,49€, sendo titular “F”, e de 2.493,99€, sendo titular “G” (documento de fls. 14 a 17).
3. Pela inscrição n.° 3 de 24/9/2007, foram registadas as seguintes alterações ao contrato social: quota de 3.740,98€, sendo titular “D”; quota de 3.740,99€, sendo titular “F”; quota de 4987,98€, sendo titular “G”.
4. Pela inscrição n.° 4 de 23/10/2007, foram registadas as seguintes alterações ao contrato social: quota de 7.481,97€, sendo titular “F”; quota de 4.987,98€, sendo titular “G”.

Está ainda assente que:
5. Através de notificação avulsa efectuada a 08-02-2010, a “A” denunciou o contrato de arrendamento com efeitos a 31 de Março de 2015 – doc. de fls. 25 a 28.
6. Tendo a ré respondido que se opunha à referida denúncia por não estarem reunidos os pressupostos legais.

O Direito

Como se referiu, está em causa na presente apelação saber se a alínea b) do n.º 6 do art. 26° da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro também é aplicável no caso de a transmissão de posições sociais, de que resulta uma alteração da titularidade em mais de 50% em relação à situação existente à data da entrada em vigor daquela lei, ter ocorrido entre sócios. Como decorre da matéria de facto fixada, a sociedade tinha quatro sócios, cujas quotas representavam, respectivamente, 30%, 25%, 25% e 20% do respectivo capital social, e nos meses de Setembro e Outubro de 2007 ocorreu a transmissão da quota de 30% e de uma das quotas de 25%, em favor dos outros dois sócios da sociedade. Que, por via dessa cessão, passaram a ser os únicos sócios, detendo a totalidade do capital social da sociedade.

A questão foi apreciada na decisão recorrida nos seguintes termos que, por comodidade, ora se transcrevem:

«A única questão que se coloca, face ao pedido formulado, de declaração de validade da denúncia do contrato de arrendamento, é a da aplicabilidade, ao caso, da norma contida no art.º 26°, n.° 6, alínea b) (ex vi do art ° 28°) da Lei n.° 6/2006 de 27 de Fevereiro, que aprovou o Novo RAU.
Esta norma permite que, em contratos celebrados antes da entrada em vigor deste novo regime, o senhorio possa efectuar a denúncia imotivada prevista no artigo 1101°, alínea e) do Código Civil, faculdade esta que está afastada, em regra geral, quando tais contratos sejam anteriores. Ou seja, excepciona a regra geral de inaplicabilidade desta nova faculdade conferida ao senhorio dos contratos celebrados na vigência dos regimes de arrendamento anteriores.
A questão que divide as partes é a de saber se as alterações ao contrato social da Ré preenchem a previsão desta norma, que tem a seguinte redacção:
"Sendo o arrendatário uma sociedade, ocorra transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor da presente lei".
E o cerne da questão está na expressão "alteração da titularidade", como adiante se explanará. Qual foi o objectivo do legislador? O legislador consagrou um novo regime, mais favorável do que o anterior no que respeita aos interesses do senhorio, facultando-lhe a possibilidade de, sem qualquer justificação, pôr termo ao contrato de arrendamento, tendo de exercer a denúncia com 5 anos de antecedência relativamente à data em que opera a cessação.
Face a isto, entendeu o legislador dever proteger os arrendatários dos contratos celebrados na vigência de um regime anterior, em que tal denúncia injustificada não era possível – daí ter excluído a aplicabilidade desta norma a esses contratos – evitando urna mudança inesperada (e indesejada para o arrendatário) das "regras do jogo", no decurso da relação arrendatícia.
Todavia, entendeu também o legislador excepcionar dessa não aplicabilidade os casos em que o arrendatário não merece essa protecção, porque já não é o mesmo, já não é o primitivo arrendatário.
E é essa a razão que, inequivocamente, preside ao afastamento da protecção quando o arrendatário não é o mesmo em virtude dum trespasse, ou quando, sendo-o, não é a mesma pessoa que explora o estabelecimento, como sucede com a locação do mesmo, posterior à entrada em vigor da Lei 6/2006. Deixa de merecer a protecção devida a quem celebrou contrato contando com a impossibilidade duma denúncia injustificada quando a pessoa que goza ou explora o locado já não é a mesma.
E é essa mesma razão que leva a que seja consagrada a regra da alínea b), porquanto uma cessão de quotas duma sociedade arrendatária não deixa de ser, em muitos dos seus efeitos práticos, um autêntico trespasse, com o "acréscimo" de se transmitir a sociedade também, ou melhor, as suas partes sociais.
Ou seja, de molde a obviar a que, sob a capa duma sociedade cujas partes sociais vão sendo sucessivamente transmitidas a outras pessoas, se consiga a protecção que o legislador quer conferir apenas aos arrendatários primitivos, foi estabelecida esta norma, em que o legislador optou por deixar de conferir tal protecção quando a alteração ultrapasse os 50% das posições sociais, ou seja, o domínio da sociedade.
Assim, ao legislador não repugna que parte do capital social da sociedade arrendatária vá sendo alienado, sem limite de vezes, desde que isso não implique uma alteração superior a 50%, e não implique a alteração duma maioria do capital social preexistente à entrada em vigor da Lei n.º 6/2006.
Uma outra nota para atentar bem que ao legislador não repugna que os titulares do capital social da sociedade arrendatária sejam outros, por sucessão hereditária, conferindo-lhes a mesma protecção, o que pode levar a que esta norma, esta inaplicabilidade venha a ser aplicada por mais de uma geração, enquanto a sociedade durar e as suas partes sociais forem sendo transmitidas mortis causa, seja em que proporção for.
Aqui chegados, fácil é de ver que os negócios em causa nos presentes autos não constituem sequer uma alteração da titularidade das partes sociais, porquanto aqueles que adquirem as quotas já eram sócios à data da entrada em vigor da Lei n.° 6/2006. A alteração da titularidade tem de ser interpretada, atenta a óbvia intenção do legislador, como uma alteração que implique que o ou os novos detentores da parte social sejam pessoas que ainda não o eram. Que os titulares sejam pessoas novas, diferentes das que preexistiam à data da entrada em vigor da lei. Assim, se numa sociedade em que os sócios A e B detém quotas, respectivamente, de 60% e 40% aqueles decidem trocar de posições e passa A a ter 40% e B passa a ter 60%, é manifesta a inaplicabilidade desta norma excepcional, porquanto os titulares são os mesmos, sendo indiferentes as proporções em que o sejam. O legislador quis proteger estes arrendatários, e considera que essa protecção ainda é devida quando, na sociedade arrendatária, se mantenham titulares aqueles que já o eram, até uma proporção de 50%.
No caso dos autos houve, tão-só, uma concentração de capital, tendo saído dois sócios, não entrando nenhum sócio novo, tendo dois dos primitivos sócios adquirido as quotas dos que saíram.
São as mesmas pessoas, que já eram titulares do capital social, e agora continuam a sê-lo, mas numa proporção superior. Não houve a descaracterização da sociedade resultante duma alteração em proporção que permite o seu domínio por pessoas novas, novos titulares do capital social.
Por tudo o exposto, é manifesta a improcedência da acção

Entendimento que a apelante contesta, opondo que do mesmo resulta uma restrição substancial ao âmbito de aplicação da norma em causa - art. 26°, n.° 6, alínea b) da Lei n.° 6/2006 de 27 de Fevereiro - que não tem um mínimo de correspondência no respectivo texto.

Vejamos.

Nos termos em que a questão se mostra equacionada, está apenas em causa saber se a norma do art. 26°, n.º 6, alínea b) da Lei n.° 6/2006 de 27 de Fevereiro também é aplicável às transmissões de posições sociais verificadas entre sócios da sociedade, das quais não resulta a entrada de qualquer novo sócio.
O referido preceito legal reconhece ao senhorio o direito de denúncia imotivada, previsto no actual art. 1101.º, al. c) do C. Civil, em relação a contratos celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006 de 27-02 quando: "Sendo o arrendatário uma sociedade, ocorra transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor da presente lei".
Sendo que a antecedente alínea a) confere o mesmo direito de denúncia no caso de trespasse ou de locação do estabelecimento, (instalado no prédio arrendado), após a entrada em vigor da mesma lei.
O texto da referida alínea b) não distingue entre transmissões efectuadas a sócios ou a terceiros, sendo claro que o entendimento em que se funda a decisão recorrida traduz uma interpretação restritiva do preceito em causa, feita com base na equiparação das transmissões ali consideradas às hipóteses de trespasse ou de locação do estabelecimento previstas na al. a) do mesmo preceito. Nessa equiparação, concluiu-se que o reconhecimento do direito de denúncia era, em qualquer dessas situações, justificado pela alteração, directa ou indirecta, das pessoas físicas que detinham a posição de arrendatários, ou que usufruíam o arrendado.
Situação que não ocorria no caso dos autos, uma vez que não entraram novos sócios na sociedade, tendo havido apenas uma concentração de capital.
Importando, pois, averiguar se essa interpretação restritiva deve ser considerada fundada.
A questão não é de resposta fácil, sendo sugestiva a argumentação desenvolvida na decisão recorrida. Em todo o caso, propendemos a não subscrever tal entendimento e a reconhecer, antes, razão à apelante.
Desde logo, julga-se que não existe uma diferença essencial entre a transmissão da maioria do capital social feita a terceiros, ou a outros sócios. Em qualquer dos casos, o que conta é o domínio da vontade social e, através desta, do respectivo estabelecimento comercial. Se a entrada de terceiros na sociedade, em posição de maioria, pode ter efeitos práticos semelhantes aos de um trespasse, passando a exploração do estabelecimento a ser dominada pela nova maioria social, esse efeito também ocorre quando dois sócios, que apenas detinham 45% do capital social, passam a deter a totalidade desse capital. Por efeito dessa transmissão, os sócios adquirentes passaram a deter o domínio da sociedade, e do respectivo estabelecimento, o que antes não acontecia.
Aliás, segundo se julga, nem a simples alteração da pessoa do arrendatário, que resulta do trespasse, nem a simples mudança da pessoa que explora o estabelecimento comercial, que resulta da locação do estabelecimento, nem a simples transmissão de mais de 50% do capital social da sociedade detentora do estabelecimento, justificam, por si sós, a atribuição ao senhorio do direito de denunciar o contrato.
Desde logo, não se trata de um critério uniforme. Num caso há mudança de arrendatário, enquanto nos demais o arrendatário se mantém, apenas ocorrendo a mudança das pessoas que, directa ou indirectamente, exploram o estabelecimento.
Depois, se a alteração das pessoas fosse o elemento determinante, a transmissão “mortis causa” de mais de 50% do capital social também deveria merecer a mesma protecção, pois que também estarão em causa pessoas com quem o senhorio não contratou, e que também lhe são impostas. Não se vendo que pudesse relevar aqui, positiva ou negativamente, o facto de se tratar de uma transmissão não voluntária.
Por fim, na perspectiva dos interesses do senhorio, que podem fundamentar a denúncia do contrato de arrendamento, julga-se que não é tanto a alteração da pessoa do arrendatário, do explorador, ou da maioria de capital da sociedade detentora do direito ao arrendamento, que justificam a atribuição do direito de denúncia, mas antes as condições concretas em que essa mudança se processa, em particular, nos contratos com rendas antigas. O que tem a ver com os fins prosseguidos com a atribuição do questionado direito de denúncia no âmbito do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).
Nos termos do art. 1101.º, al. c), do C. Civil, aditado pelo art. 3.º da Lei n.º 6/2006 de 29-02, que aprovou o NRAU, o senhorio pode denunciar o contrato de arrendamento de duração indeterminada mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação. Trata-se de um direito de denúncia que não tem de ser especialmente motivado, estando apenas sujeito ao referido prazo mínimo de cinco anos.
A atribuição deste direito, pondo fim à sujeição do senhorio à renovação indefinida do contrato de arrendamento, visa certamente assegurar que, dentro dos limites estabelecidos, não lhe poderá ser imposta a subsistência do contrato. Solução que, fragilizando a posição do arrendatário, permite, em todo o caso, um melhor equilíbrio das prestações recíprocas das partes no âmbito do contrato de arrendamento.
Pois que, ao menos em regra, o senhorio apenas promoverá a extinção do contrato se entender que a sua continuação é contrária aos seus interesses, ou seja, se não houver equilíbrio nas prestações contratuais. E a procura desse equilíbrio é certamente um objectivo a prosseguir, de modo a assegurar, designadamente, que a contrapartida recebida pelo senhorio pela cedência do gozo do arrendado seja ajustada ao valor do gozo cedido.
A procura esse equilíbrio assume particular relevo nos contratos de arrendamento antigos, onde se verifica, demasiadas vezes, haver desajustamento entre o valor locativo do imóvel e o valor da renda devida pelo arrendatário, em evidente prejuízo do senhorio, que não vê adequadamente remunerada a cedência do gozo do arrendado e só muito limitadamente pode obviar a essa situação.
E, no que agora interessa, esse desajustamento também se reflecte nos negócios que têm por objecto, ou por referência, o estabelecimento instalado no prédio arrendado, sendo evidente que uma renda baixa, que não possa ser adequadamente actualizada, é/era um factor de valorização do estabelecimento que, apesar respeitar exclusivamente ao senhorio, apenas beneficia(va) o arrendatário. Ou seja, em caso de negócios que envolviam a transmissão de um estabelecimento, ou da respectiva exploração, era o arrendatário quem beneficiava da valorização do estabelecimento que, caso existisse, resultava do desajustamento do valor da renda em relação ao valor locativo do prédio arrendado.
É para obviar a esse benefício não justificado que, em nosso entender, a lei atribui ao senhorio o direito de denúncia nos casos referidos em que a propriedade, ou a exploração, do estabelecimento instalado em prédio arrendado são objecto de transmissão, directa ou indirecta, nos termos previstos no já referido art. 26.º, n.º 6 da lei n.º 6/2006 de 27-02. A atribuição desse direito de denúncia desvaloriza esses negócios de trespasse, de locação do estabelecimento, ou de transmissão de posições sociais, afectando, assim, fundamentalmente, a posição jurídica do arrendatário, trespassante, locador do estabelecimento, ou cessionário de posições sociais que conferem o domínio da sociedade. Mas essa desvalorização é limitada, ao menos em regra, à medida do valor que assentava no desfasamento do valor da renda. Pois que o estabelecimento, ou a sua exploração, continuam a poder ser cedidos, apenas não podendo o cedente contar, da mesma forma, com a valorização que resultava da existência de rendas desfasadas, uma vez que o senhorio pode denunciar o contrato com o pré-aviso de cinco anos. Sendo que, se não houver desajustamento de rendas, só muito excepcionalmente o senhorio promoverá a denúncia do contrato.
Sendo esta, segundo, se julga, a razão de ser da norma, ela mostra-se verificada na situação dos autos, em que dois sócios de uma sociedade, detentores de 55% do respectivo capital social, cederam as respectivas posições sociais aos outros sócios. Porque através desses negócios foram transmitidas posições sociais que asseguram o domínio da posição de arrendatário no contrato de arrendamento dos autos, por valores que não podiam deixar de ter em conta os termos do contrato, designadamente o valor do direito ao arrendamento, resultante da relação existente entre o valor locativo do imóvel e o montante da renda. Nesta perspectiva, não se identifica diferença relevante entre a transmissão efectuada em favor de sócios e a efectuada em favor de terceiros, uma vez que, em qualquer dos casos, o valor do negócio é influenciado pelo valor do contrato de arrendamento.
No caso, não estão concretizados os valores envolvidos nas cessões efectuadas, nem a relação desses valores com o da renda em vigor no contrato de arrendamento dos autos, sabendo-se apenas que o senhorio não pretende manter o contrato. Mas esses factos não tinham de ser esclarecidos para efeitos da presente acção, encontrando a pretensão da autora fundamento bastante na demonstração de que, depois de 26-06-2006, data em que entrou em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27-02, ocorreu uma transmissão inter vivos de posições sociais da sociedade arrendatária, que determinaram a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente naquela data. A argumentação desenvolvida visa apenas justificar a conclusão de que a atribuição do questionado direito de denúncia tem por fundamento obstar a que, nos negócios que envolvam a transmissão de um estabelecimento comercial instalado em prédio arrendado, o arrendatário possa obter vantagem do eventual desfasamento do valor da renda em relação ao valor locativo do prédio.

Assim se concluindo, deverá ser julgada válida a denúncia do contrato de arrendamento efectuada pela ora apelante, procedendo a apelação.

Nos termos expostos, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e em julgar procedente a acção, declarando válida a denúncia do contrato de arrendamento efectuada pela ora apelante através da notificação judicial avulsa referida no ponto 5 do elenco da matéria de facto.
Custas, em ambas as instâncias, pela apelada.

Lisboa, 1 de Março de 2012

Farinha Alves
Ezagüy Martins
Maria José Mouro