Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5209/04.5TDLSB.L1-5
Relator: FILOMENA LIMA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
CRIME CONTINUADO
CONSUMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº Actuando os arguidos em representação da sociedade arguida, retendo e não entregando à Segurança Social as importâncias descontadas às remunerações dos respectivos trabalhadores e dos membros dos órgãos sociais, no período de cerca de dois anos, agindo sempre de idêntico modo, com as suas actuações facilitadas pela inércia dos serviços da Segurança Social e pelo intuito de manter a empresa em actividade, devido às dificuldades económicas que atravessava, estão preenchidos os pressupostos da continuação criminosa;
IIº O crime de abuso de confiança contra a segurança social, sendo um crime omissivo puro, consuma-se com a não entrega dolosa, no tempo devido, à segurança social, das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores e corpos sociais, iniciando-se o prazo de prescrição no termo do prazo legal da entrega da prestação;
IIIº O prazo de 90 dias previsto no nº4 do art.105, do RGIT, sendo uma condição objectiva de punibilidade que não impede que possa ser exercida a acção penal, em nada interfere no decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal;
IVº A apropriação típica do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, ocorre quando a entidade empregadora deduz uma quantia da remuneração de um seu trabalhador, ou órgão social, com a finalidade de a entregar à Segurança Social e não a entrega, invertendo título da posse dessa quantia, passando a dispor da mesma como se fosse sua, afectando-a a outra finalidade;
Vº A motivação ou finalidade do agente e a consequente afectação que fez das quantias de que se apropriou são irrelevantes, pode até prosseguir o mais elevado dos fins, o que não releva para a questão de saber se houve ou não abuso de confiança;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.
1.1.
No processo n.º 5209/04.5TDLSB do 3.º Juízo Criminal - 2.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa,

A... e outros, Arguidos foram condenados, por sentença de 11 de Outubro de 2011, pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na pena de 280 dias de multa à razão diária de 15 € no total de 4.200,00 € e, de forma solidária, no pagamento da quantia peticionada no pedido cível.
1.2.
Interpuseram recurso os arguidos que motivaram concluindo:



1.3.Respondeu o MºPº:
1.
2.



2.
O objecto do recurso reporta-se à apreciação das questões que os Recorrentes colocam no seu recurso e que são as seguintes:
- O crime imputado está prescrito;
- No caso dos autos, não se aplica a figura do crime continuado;
- Violação do disposto no art. 129.º, do CPP, ao tomar-se em conta o depoimento indirecto;
- Não se mostram preenchidos os elementos constitutivos do tipo de crime de abuso de confiança à segurança social.


2.1.

É a seguinte a fundamentação de facto da sentença:

Com relevância para o presente recurso, na Sentença em crise consideraram-se provados os seguintes factos:
1. A arguida "B…, S.A.", contribuinte n.º 13…, com sede inicial na Av. … e, posteriormente, transferida, em 24.01.2002, para Estrada do …, é uma sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o n.º….
2. Tem por objecto a produção de equipamento electrónico para telecomunicações, tecnologia de informação, electrónica auto móvel e de consumo.
3. Os arguidos A..., C... e D..., exerceram as funções de administradores da sociedade arguida, durante os anos de 2001 a 2003, sendo o primeiro arguido Presidente do Conselho de Administração da mesma.
4. No desempenho de tais funções os arguidos detinham poderes para efectuar pagamentos a fornecedores, a entidades bancárias, para facturação, para contratação de empregados, processamento de salários e pagamentos à Administração Fiscal e Segurança Social.
5. A sociedade arguida entre 2001 e 2003, exerceu de facto a actividade a que se tinha destinado, satisfazendo prestações a diversos clientes e pagando, pelo menos em parte, aos seus fornecedores e demais credores.
6. No exercício da sua actividade a sociedade arguida teve sob a sua dependência laboral, um número variável de trabalhadores declarados à Segurança Social, os quais recebiam os seus salários e estavam sujeitos à retenção na fonte das contribuições por eles devidas à Segurança Social, calculadas pela incidência de percentagens fixadas na lei sobre as remunerações auferidas.
7. Das remunerações por si pagas aos seus trabalhadores (código 000) e aos membros dos seus órgãos sociais (código 669) a sociedade arguida deduziu as contribuições por estes devidas à Segurança Social, nos termos estipulados no art. 5.° n.º 2 e n.º 3 do Decreto-lei n.º 103/80 de 9 de Maio e artigo 10.° do Decreto-Lei n.º 199/99 de 8 de Junho.
8. Sucede, porém que nos períodos compreendidos entre os meses Novembro de 2001 e Dezembro de 2003, a sociedade arguida deixou de cumprir a obrigação de entregar à Segurança Social tais contribuições, retidas mensalmente das remunerações pagas aos trabalhadores e aos órgãos estatutários.
9. Assim, no período referido, a arguida "B..., S.A" não entregou à Segurança Social as contribuições deduzidas e retidas aos trabalhadores e órgãos estatutários, conforme se descrimina, no seguinte quadro:
Contribuições Contribuições Total Saldo Contr.em dividaimputadas aos trabalhadores
Mês Taxas Total Salários da Do Contribuições Pagamentos em
Ent.Patronal Trabalhador declaradas C/C
Nov-01 000 70.163,88 16.663,92 7.718,03 24.381,95 3.255,41 21,126,54 4.462,62
669 3,990,40 847,96 399,04 1.247,00 399,04 847,96 O
Dez-01 000 30.753,01 7.303,84 3.382,83 10.686,67 O 10,686,67 3,382,83
669 1.995,20 423,98 199,52 623,50 O 623,50 199,52
Jan-02 000 O O O O O O O
669 O O O O O O O
Fev-02 000 28.934,33 6.871,90 3.182,78 10.054,68 O 10.054,68 3.182,78
669 1.995,20 423,98 199,52 623,50 O 623,50 199,52
Mar-02 000 28.548,29 6.780,22 3,140,31 9.920,53 O 9,920,53 3.140,31
669 1.995,20 423,98 199,52 623,50 O 623,50 199,52
Abr-02000 31.343,68 7.444,12 3.447,81 10.891,93 O 10.891,93 3.447,81
669 2.055,04 436,70 205,50 642,20 O 642,20 205,50
Mai-02 000 28.233,12 6,705,37 3.105,64 9.811,01 O 9.811,01 3,105,64
669 2.055,04 436,70 205,50 642,20 O 642,20 205,50
Jun-02 000 28,526,88 6.775.13 3.137,96 9.913,09 O 9.913,09 3.137,96
669 2.055,04 436,70 205,50 642,20 O 642,20 205,50
Jul·02 000 58,383,40 13.866,06 6.422,17 20.288,23 O 20,288,23 6.422,17
669 4.110,08 873,39 411,01 1.284,40 O 1.284,40 411,01
Ago.02 000 27.715,22 6.582,37 3.048,67 9.631,04 O 9.631,04 3.048,67
669 2.05504 436,70 205,50 642,20 O 642,20 205,50
Set-02 000 28.600,23 6.792,55 3.146,03 9.938,58 O 9.938,58 3.146,03
669 2.055,04 436,70 205,50 642,20 O 64220 205,50
Out-02 000 28.973,04 6.881,10 3.187,03 10.068,13 O 10.068,13 3.187,03
669 2.055,04 436,70 205,50 642,20 O 642,20 205,50
Nov-02 000 58.354,85 13.859,28 6.419,03 20.278,31 O 20.278,31 6.419,03
669 4,110,08 873,39 411,01 1.284,40 O 1,284,40 411,01
Dez-02 000 31.562,01 7.495,98 3.471,82 10.967,80 O 10.967,80 3.471,82
669 2.055,04 436,70 205,50 642,20 O 64220 205,50
Jan-03 000 32.307,57 7.673,05 3.553,83 11.226,88 O 11.226,88 3.553,83
669 2.055,04 436,70 205,50 642,20 O 642,20 205,50
Fev-03 000 29.845,32 7.088,26 3.282,99 10.371,25 O 10.371,25 3.282,99
669 2,055,04 436,70 205,50 642,20 O 642,20 205,50
Mar-03 000 31.583,31 7.501,04 3.474,16 10.975,20 O 10.975,20 3.474,16
669 2.055,04 436,70 205,50 642,20 O 642,20 205,50
Abr-03 000 30,710,36 7.293,71 3.378,14 10.671,85 242,35 10.671,85 3.378,14
669 O O O O O O O
Mai-03 000 31.057,96 7.376,26 3.416,38 10.792,64 O 10.792,64 3.416,38
669 O O O O O O O
Jun-03 000 36.575,91 8.686,78 4.023,35 12.710,13 O 12.710,13 4.023,35
669 O O O O O O O
Jul-03000 23.302,50 5.534,34 2.563,28 8.097,62 O 8,097,62 2,563,28
669 O O O O O O O
Ago-03 000 25.912,81 6,154,29 2,850,41 9.004,70 O 9,004,70 2.850,41
669 O O O O O O O
Set-03 000 25.452,49 6.044,97 2.799,77 8.844,74 O 8.844,74 2.799,77
669 O O O O O O O
Out-03 000 26.058.56 6.188.91 2.866.44 9.055.35 O 9.055,35
    2.866.44
669 O O O O O O
    O
Nov-03 000 32.361.76 7.685.92 3.559.79 11.245.71 O 11.245,71
    3.559.79
669 O O O O O O
    O
Dez-03 000 19.497.81 4.630,73 2.144.76 6775,49 O 6.775,49
    2.144.76
669 O O O O O O
    O
10. O arguido A… na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da sociedade arguida e os arguidos C... e D…, na qualidade de administradores da mesma, todos na qualidade de entidade patronal, sabiam que estavam obrigados a entregar à Segurança Social as quantias monetárias resultantes dos descontos efectuados nos salários dos seus empregados e dos corpos gerentes, até ao dia 15 do mês seguinte àqueles a que se referiam, nos termos do disposto no art. 10.° n.º 2 do Decreto-lei n.º 199/99 de 8 de Junho.
11. A sociedade arguida procedia mensalmente à entrega das folhas de remunerações na Segurança Social.
12. Todavia, a sociedade arguida não procedeu ao pagamento das contribuições legalmente imputáveis aos trabalhadores dentro dos prazos legais, nem nos 90 dias subsequentes.
13. Notificados os arguidos para procederem ao pagamento das contribuições em divida à Segurança Social no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no art. 105.°, n.º 4, al. b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 05 de Junho, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de Dezembro, não o fizeram.
14. Efectivamente, a sociedade arguida reteve e não entregou até à presente data à Segurança Social a quantia total de € 90.701,27 referente às deduções por si efectuadas a título de contribuições para a Segurança Social nas remunerações dos seus trabalhadores e dos seus administradores, a qual ingressou no acervo patrimonial da sociedade, tomando-se coisa sua.
15. Não obstante a sua situação de divida à Segurança Social, a sociedade arguida, continuou a laborar, a pagar vencimentos, a efectuar pagamentos a fornecedores.
16. Sabiam os arguidos A…, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da sociedade arguida e os arguidos C... e D…, na qualidade de administradores da mesma, todos na qualidade de entidade patronal, que eram responsáveis pelos pagamentos perante a Segurança Social das contribuições devidas pelos trabalhadores e pelos membros sociais, as quais eram, para tanto, por si deduzidas e retidas dos seus salários.
17. No entanto, e apesar de conscientes desse seu dever, não efectuaram esses pagamentos a que estavam obrigados, antes introduzindo no acervo patrimonial da sociedade arguida as quantias deduzidas das remunerações, com as quais efectuaram diversos pagamentos relacionados com a actividade da sociedade.
18. Agiram os arguidos de forma concertada, livre, deliberada e conscientemente, actuando em nome e no interesse da sociedade arguida, sempre da mesma forma e repetindo as descritas condutas enquanto foram conseguindo, de modo idêntico de todas as vezes em que não efectuaram a entrega mensal das quantias devidas à Segurança Social.
19. Bem sabiam que a sua conduta era proibida e criminalmente punida por lei.
20. Por conta do valor em divida, foi pago pela sociedade arguida em Abril de 2003 o valor de € 242,35.
21. Do CRC dos arguidos nada consta.
22. A Sociedade arguida apresentou-se à insolvência, tendo sido declarada insolvente por sentença de 18 de Dezembro de 2006, sendo a Segurança Social um dos credores.
23. Entretanto, os arguidos saíram da empresa, cessaram funções e deixaram de ter qualquer contacto com a mesma e com a sua documentação contabilística, a partir da data da declaração de insolvência.
24. No período em causa a Sociedade arguida, pagava, por vezes, com atrasos os salários aos seus trabalhadores, tendo assumido especial incidência nos subsídios de férias e da gratificação de Natal dos anos de 2001 a 2004 e não pagava com regularidade os créditos dos seus principais fornecedores, sendo, algumas vezes, estes quem adquiriam e forneciam as matérias-primas para que os contratos fossem cumpridos.
25. A Sociedade arguida foi acometida por uma crise de mercado, com especial incidência no mercado dos componentes de electrónica e telecomunicações, nos quais operava e que se reflectiu na sua tesouraria.
26. A crise começou a sentir-se no início da década de 2000, acentuou-se nos anos seguintes de 2001 a 2004, sendo que no ano de 2003, viu-se obrigada a tomar medidas de gestão ordinárias e extraordinárias para poder fazer face aos prejuízos que se vinham acumulando.
27. Esta situação crítica do mercado afectou a sociedade arguida, que viu a sua carteira de encomendas diminuir, as margens reduzirem-se e os meios financeiros libertos escassearem.
28. A Administração da sociedade constituída pelos arguidos, na expectativa de que os acontecimentos se invertessem no ano de 2002, solicitou o apoio do Ministério da Indústria, através da Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços.
29. No ano de 2003, os arguidos na qualidade de Administradores da B…, dirigiram-se à PT, que era um cliente de referência para os produtos de telecomunicações e solicitaram-lhe o cumprimento do contrato o qual implicava o reforço de encomendas destes produtos.
30. Como a situação teimasse em manter-se mas sempre na convicção de que seria ultrapassada atenta a inovação dos produtos, os arguidos, decidiram implementar medidas de gestão corrente para reduzir os custos fixos, entre as quais se destaca a redução de pessoal, através de acordos de rescisão de contratos de trabalho, tendo conseguido reduzir o quadro de pessoal da empresa em número não concretamente apurado.
31. Estas medidas revelaram-se insuficientes e os arguidos, nesse mesmo ano de 2003, propuseram à Assembleia Extraordinária de 1 de Outubro, que fosse apresentado ao IAPMEI um procedimento extra-judicial de conciliação ao abrigo do DL. 316/98 de 20 de Outubro, proposta que foi aceite, foi deliberada.
32. No ano seguinte de 2004, os arguidos, sempre convencidos de que era possível superar a crise e com o objectivo de reduzir ainda mais os custos fixos, decidiram proceder à mudança de instalações, passando a ocupar outras mais modestas, de menor área e dimensão mas menos dispendiosas.
33. E convocaram uma Assembleia-geral na qual e propuseram aos accionistas que efectuassem suprimentos em dinheiro por valor equivalente a 10% do capital social e na proporção das respectivas acções.
34. E ainda propuseram, à Assembleia-geral de Accionistas, que fosse adoptada, uma terceira medida extraordinária consistente na redução do capital social.
35. A Assembleia aceitou a proposta, deliberou a redução e a efectivação desta operação, e o consequente novo aumento do capital social, o que não conseguiu resolver nem superar os graves problemas de tesouraria que entretanto se foram acumulando pela falta de liquidez.
36. Os arguidos C… e D... realizaram eles próprios prestações suplementares avulsas, por montantes retirados das suas poupanças particulares, por valores na ordem dos 50.000,00 €, dos quais nunca foram ressarcidos nem reembolsados até hoje.
37. O arguido A…, por seu lado, decidiu sair da empresa arguida, tendo prescindido do recebimento dos subsídios de férias, de Natal e dos vencimentos que foram convertidos em empréstimos.
38. A sociedade arguida quis negociar com a Administração Tributária e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social o pagamento prestacional das dívidas reclamadas.
39. A sociedade arguida promoveu com os demais credores e fornecedores, acordos particulares e extra-judiciais de pagamento dos seus créditos para evitar a penhora e a execução do pouco património sobrante.
40. Os arguidos, em Julho de 2005, convocaram nova reunião da Assembleia Geral de Accionistas para proceder à análise, discussão e apreciação da situação societária e nessa reunião, como nova medida extraordinária de salvação, propuseram aos senhores accionistas um aumento de capital de 200.000,00 Euros, a realizar em dinheiro.
41. A Assembleia analisou a proposta mas a mesma não mereceu aprovação em virtude da não concordância de todos ou da maioria qualificada dos seus accionistas, uma vez que os Estatutos da Sociedade para aumentos de capital, exigem uma maioria qualificada.
42. A Assembleia da sociedade arguida, não aprovou o aumento de capital, mas deliberou que fosse elaborado um estudo por uma empresa da especialidade no qual fossem estudadas e inventariadas as possíveis alternativas de viabilização da empresa, ao mesmo tempo que voltou a ser solicitado ao Centro Distrital da Segurança Social, por carta de 19.11.2005, a regularização da dívida já em execução.
43. O estudo deliberado pela Assembleia-geral e encomendado revelou-se conclusivo no sentido de que a viabilidade da Sociedade passava pela necessidade de injectar dinheiro fresco na empresa mediante a realização de um aumento do seu capital social, o qual já antes havia sido rejeitado.
44. Neste cenário, os arguidos apresentaram a Sociedade à insolvência.
45. Os arguidos sempre estiveram convencidos de que o mercado em que laboravam que era novo e visava projectos e produtos inovadores, dava a volta e a empresa em pouco tempo recuperaria.
46. O arguido A… encontra-se reformado, auferindo a título de reforma € 2.000; não tem filhos a cargo; a sua esposa é doméstica; vive em casa própria; tem como habilitações literárias a licenciatura em engenharia electrotécnica.
47. O arguido C… encontra-se reformado, auferindo € 2930/mês; não tem filhos a cargo; vive em casa própria; tem como habilitações literárias a licenciatura em engenharia mecânica.
48. O arguido D... encontra-se reformado auferindo a título de pensão quantia que ascende € 3000; a sua companheira é psicóloga, auferindo vencimento não concretamente apurado; o arguido não tem filhos a cargo; pagando de prestação € 1.100.”.
Considerou como não provados os seguintes factos:
1. O arguido D… aceitou o convite para ser vogal do Conselho de Administração em 09.09.2002 sem funções executivas e apenas começou a interferir na gestão e a exerceu funções efectivas de Administrador da arguida no ano de 2003.
2. No início do ano de 2005, os arguidos decidiram adoptar uma nova medida extraordinária de gestão, concretizada na realização duma operação de financiamento junto da Banca pelo valor de 90.000,00 €, garantida por um depósito caução efectuado pelos arguidos de igual montante, para dar confiança ao mercado e aos fornecedores, importância que nunca mais recuperaram.
3. A sociedade arguida viu-se destinatária de processos judiciais que inviabilizaram a sua permanência em actividade no mercado.
4. A própria a Administração Tributária, acabou por recorrer à execução do património societário da sociedade arguida e dos créditos vencidos e vincendos sobre os seus clientes, designadamente procedeu à penhora das contas bancárias e dos créditos junto dos seus clientes finais, o que lhe retirou total e completa capacidade negocial, provocou maiores atrasos na facturação e avolumou ainda mais os problemas da tesouraria.
5. A sociedade arguida nunca cessou os pagamentos à Segurança Social e antes efectuou sempre pagamentos parciais por conta da dívida os quais em Novembro de 2005 já somavam 28.192,75 €.
6. A sociedade arguida solicitou que estes pagamentos por conta, fossem afectos às contribuições não entregues e referentes às retenções feitas aos trabalhadores no período em causa o que não foi executado, pois esses pagamentos, não foram nem estão reflectidos na dívida peticionada nestes autos.
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente, de entre os alegados, todos os que tenham ficado prejudicados ou que estejam em oposição com a matéria dada por assente.”.

Motivação:
Para dar como provados os factos acima enunciados, motivou o tribunal a quo, a sua convicção da seguinte forma:
O tribunal fundamentou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, a qual foi livremente apreciada segundo as regras da experiência, tendo designadamente em conta o seguinte:
- certidões da Conservatória do Registo Comercial de fls. 23-30, 233-245, cópia de fls. 443-455; extracto de declaração de remunerações, respeitantes aos trabalhadores e administradores de fls. 48-151, mapa de apuramento de fls. 1, 2, 186 e 187 conjugado com o depoimento da testemunha T1…, quanto ao valor actualmente em dívida; documento de fls. 209-215, designadamente quanto às diligências feitas pela sociedade arguida junto da Segurança Social para acordos de pagamentos e documento de fls. 456-470 dirigido à Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços e actas de fls. 565-582 e as constantes do Apenso I; notificações de fls. 215, 220, 229, 258; os recibos de vencimento e declarações de IRS de fls. 292-310; cópia da sentença de declaração de falência de fls. 436-442; documentos constantes do Apenso I e Anexo I; CRC junto aos autos.
- as declarações do arguido A…, o qual admitiu que eram enviadas para a Segurança Social as competentes declarações relativas ao período em causa, as quais não foram acompanhadas dos respectivos meios de pagamento em face das dificuldades financeiras da sociedade arguida que se acentuaram a partir do ano 2001, descrevendo com algum pormenor os factores que geraram tais dificuldades, bem assim o que foi feito para manter a empresa em funcionamento, superar o colapso financeiro, bem como as medidas que foram tomadas para a recuperar e conseguir honrar os compromissos com a Segurança Social, as Finanças e outros credores da empresa, confirmando basicamente, em conjunto com as actas juntas aos autos e os documentos constantes do Apenso I), a factualidade alegada na contestação que se deu como provada.
Mostrando completamente conhecedor do funcionamento da sociedade arguida, afirmou sem qualquer hesitação e de forma completamente espontânea que, no período em causa, a gerência da mesma estava a cargo de todos os arguidos, donde não excluiu o arguido D…, contrariando, como a seguir melhor se verá, neste particular, as declarações deste.
Muito embora tivesse referido que as declarações eram enviadas mesmo que os salários não fossem pagos, admitiu claramente a prioridade que foi dada ao pagamento dos salários – o que, de resto, é vulgar neste tipo de casos – , ao acabar por afirmar que os trabalhadores eram pagos ainda que, por vezes, com atrasos, reportando sobretudo tais atrasos aos anos de 2004/2005 (ou seja, posteriormente, ao período em causa). No mais referiu de forma vaga e pouco consistente que não eram pagos subsídios de Natal, não sabendo, contudo, concretizar em que período tal sucedeu.
Foi também vago e impreciso quando declarou que era enviado para a Segurança Social mensalmente um valor para pagamento das prestações em dívida, não sendo, todavia, capaz de concretizar que valores foram enviados, em que datas ou a que períodos se reportavam.
Referiu, ainda, que abdicou de salários para emprestar o dinheiro à empresa que nunca recuperou que injectou na mesma dinheiro próprio na ordem dos € 50.000.
- As declarações do arguido C..., o qual não pondo em causa os factos constantes da acusação, referiu que em face das dificuldades financeiras da sociedade arguida era feito uma espécie de rateio, já que com a liquidez disponível não se conseguia efectuar todos os pagamentos devidos, v.g., à Segurança Social, deixando, pois, bem manifesto, por um lado que havia algum dinheiro, e, por outro lado, a opção pelo pagamento dos salários e fornecedores, os quais, como afirmou, eram, por vezes, pagos com atrasos.
Mais referiu que também ele injectou dinheiro próprio (€ 58,000) na empresa com o intuito de a recuperar, salientando à semelhança do arguido anterior, os aumentos de capital efectuados, tudo por forma a recuperar a sociedade arguida e mantê-la em funcionamento.
Mais explicou as tentativas que foram efectuadas junto da Segurança Social por forma a efectuar os pagamentos devidos, nunca se tendo logrado qualquer acordo, na medida em que o ISSS exigir garantias reais que a sociedade arguida não dispunha.
Referindo de forma vaga e genérica que foram feitas entregas monetárias ao ISSS não soube, contudo, concretizar se tal se reportava ao período em causa.
No mais confirmou que em 2005 o arguido A… saiu da empresa tendo sido feito com o mesmo um acordo, o que sucedeu também com outros trabalhadores, que acabaram por ser pagos; outros saíram da empresa com acordos de pagamento; e outros, ainda, reclamaram dívidas na insolvência, neste particular, referindo o período de 2004/2005.
- As declarações do arguido D..., o qual, esclarecendo que o seu cargo não era remunerado à semelhança do arguido anterior, referiu que apenas foi convidado para ser administrador da empresa em final de 2002, pelo que, no período anterior, não teve qualquer participação na respectiva administração. Contudo, para além de, neste particular, ter sido contrariado expressamente pelo primeiro arguido e pelo teor de fls. 451, mostrando-se bom conhecedor das dificuldades económicas da empresa em todo o período em causa, referiu que um dos principais factores do colapso financeiro da sociedade arguida se prendeu com o facto de um dos principais clientes (a PT) ter deixado de comprar os produtos da sociedade arguida.
Para além de ter afirmado que também ele injectou dinheiro próprio na sociedade arguida, referiu que a empresa arguida pagou sempre uma determinada quantia à Segurança Social, tendo apurado através da contabilidade a entrega de valor total na ordem dos € 30.000 – o que, todavia, não se mostrou confirmado por qualquer outra prova, designadamente pelo documento de fls. 415 e sgs., como a seguir melhor se verá, referindo o administrador da insolvência, que se encontra na posse de toda a documentação da empresa, não ter qual conhecimento de tal rubrica da contabilidade.
- O depoimento da testemunha T1…, funcionária da Segurança Social, a qual confirmou basicamente os valores em dívida, esclarecendo a forma de apuramento dos mesmos, afirmando que em relação a todos os valores apurados foram feitas as competentes declarações à Segurança Social não tendo, contudo, sido enviados os correspondentes meios de pagamento.
De forma esclarecedora e que se afigurou isenta e verdadeira referiu que foram feitos alguns pagamentos, sendo que os mesmos já foram considerados, havendo no valor em causa apenas a abater o valor de € 242,35, relativo ao mês de Abril de 2003. Mostrou-se igualmente firme e esclarecedora ao explicar as razões pelas quais os pagamentos efectuados por conta pela sociedade arguida foram imputados aos juros de mora já então em divida e não às quotizações. Mais referiu que os pagamentos efectuados já se mostram considerados no valor em divida nestes autos, afirmando categoricamente não ter conhecimento de quaisquer outros valores pagos, mostrando-se o valor em causa nos autos (com o referido abatimento dos € 242,35) completamente actualizado.
- o depoimento da testemunha T2…, funcionária da sociedade arguida desde 1997-2006, onde exercia as funções de Directora de Operação, a qual num depoimento algo confuso e pouco firme, revelando já não se recordar com precisão de alguns dos factos sobre os quais depôs, confirmou, contudo, sem hesitações, que os três arguidos administravam a empresa, com quem participava em frequentes reuniões, bem assim as diligências feitas pelos administradores para recuperar a sociedade arguida, designadamente ao nível da redução de pessoal, mudança de instalações, contactos com várias entidades, colocando na empresa dinheiros próprios. No mais, confirmou as dificuldades financeiras da sociedade arguida, traduzida na falta de pagamento a fornecedores, às Finanças e à Segurança Social.
Mostrou-se pouco segura e conclusiva ao afirmar que as declarações eram remetidas à Segurança Social sem que os salários fossem pagos, para mais tarde afirmar que apenas os subsídios de férias (que não concretizou) não eram pagos na sua totalidade.
Instada para esclarecer o seu caso concreto, foi, neste ponto, peremptória ao referir que todos os seus salários foram pagos ainda que com alguns atrasos, o que sucedeu com os demais funcionários.
- O depoimento da testemunha T3…, funcionário da sociedade arguida no período compreendido entre 1997-2006, onde exercia funções como responsável financeiro, o qual confirmando as dificuldades de tesouraria da sociedade arguida no período em causa e as diligências que foram feitas para as ultrapassar e, desse modo, honrar os compromissos junto de várias entidades, referiu que foram negociadas dívidas com fornecedores, com a Segurança Social e com as Finanças, sendo que com estes últimos foram tentados acordos de pagamentos prestacionais que não foram aceites.
No mais, referiu que foram feitos pagamentos por conta para a Segurança Social, todavia não se mostrou consistente na afirmação de que teria sido solicitado à Segurança Social que os pagamentos enviados fossem afectos às quotizações, não sabendo sequer concretizar onde, como e quando tal foi feito, desconhecendo de igual modo a quantia que era entregue e se o era mensalmente.
Mais referiu que no período em causa havia salários em atraso e que, dos meios financeiros disponíveis, optou-se por fazer um rateio sendo que nas opções da tesouraria se deu prioridade aos pagamentos dos fornecedores e trabalhadores.
Foi firme ao referir que os salários foram sempre pagos quer em relação a si quer em relação aos demais trabalhadores, ainda que com atrasos, referindo que no final ficaram alguns salários em falta (num período posterior) – o que diga-se se afigura plausível em face das regras da experiência, dado o considerável lapso de tempo em causa, afigurando-se pouco credível que os trabalhadores efectivamente trabalhassem na empresa sem receber o seu salário durante um período de 3 anos, sendo certo que a empresa só em 2006 veio a ser declarada insolvente.
- O depoimento da testemunha T4…, Presidente do Conselho de Fiscalização da sociedade arguida, que representava dois dos sócios, o qual referenciando as dificuldades financeiras daquela no período em referência e frisando o cancelamento de encomendas por parte da PT, mencionou que foram feitas várias reuniões das Assembleias Gerais (o que se mostra corroborado pela documentação junta aos autos e acima mencionada), tendo os administradores dado conta aos accionistas do colapso financeiro da empresa, referiu genericamente as negociações que foram feitas com várias entidades sobretudo com a banca para recuperar a empresa e mantê-la em funcionamento.
Mo mais confirmou os atrasos nos pagamentos aos fornecedores e aos trabalhadores, mostrando-se pouco seguro ao depor sobre as prioridades que foram feitas quanto aos pagamentos, salientou o esforço que foi feito para manter a sociedade em actividade.
Da análise critica dos depoimentos prestados, resulta, pois, que sempre foi descontado nos vencimentos o montante respeitante à Segurança Social constante do mapa de remunerações junto aos autos, o que, aliás, não foi posto em causa pelos próprios arguidos e se confirma pela prova documental acima referenciada, designadamente folhas de remunerações e declarações entregues pela sociedade arguida à Segurança Social, onde declarou ter efectuado os descontos legais, não tendo tais contribuições sido entregues àquela, por se ter dado prioridade a outros pagamentos para manter a sociedade em funcionamento.
Na verdade, muito embora os arguidos tenham afirmado genericamente que não eram feitas retenções, já que mesmo que os salários não fossem pagos eram de igual modo enviadas as respectivas declarações à Segurança Social, a verdade é que, feita a análise critica das suas declarações no conjunto da demais prova produzida, para além de resultar que a final os salários eram pagos ainda que com atrasos, sendo certo que mal se compreenderia que a sociedade arguida tivesse continuado a declarar à Segurança Social os pagamentos e respectivas retenções sem que os salários fossem efectivamente pagos durante um tão longo período de tempo. Seja como for, já o dissemos, nenhum deles foi capaz de afirmar categoricamente que, no período em causa, os salários não foram efectivamente pagos, resultando antes das suas declarações que houve atrasos nos pagamentos e que a total falta de pagamento em alguns salários, quando muito terá ocorrido em 2004/2005.
É também isto que resulta da restante prova produzida, designadamente dos recibos de vencimento, declarações de IRS e do conjunto dos depoimentos dos trabalhadores prestados em audiência donde se deriva que os salários foram sendo pagos ainda que, por vezes, com atrasos, até porque como foi afirmado, quer pelos arguidos, quer pelas testemunhas ouvidas, foi sempre política da empresa encetar todos os esforços possíveis para manter a sua actividade e recuperar financeiramente, dando manifesta prioridade aos pagamentos dos salários e fornecedores, sendo de notar que as dificuldades começaram a partir de 2000 e a sociedade se manteve (inequivocamente) em actividade no período em causa e até, pelo menos, ao ano de 2005, o que significa que alguma liquidez havia – que não foi canalizada para os pagamentos devidos à Segurança Social –, pois de outra forma vê-se como difícil que a empresa se tivesse mantido em laboração durante tão longo período de tempo.
Por outro lado, dúvidas não há, do que já acima se deixou dito, que os três arguidos eram os administradores da sociedade em causa, que geriam de facto, tomando decisões ou nelas participando, ainda que tivesse resultado à evidência que o primeiro arguido para além de ser o Presidente do Conselho de Administração era o principal decisor, sendo certo que os demais participavam nas decisões, estando ao corrente do que se passava na sociedade e das decisões que eram tomadas, designadamente quanto aos não pagamentos devidos à Segurança Social, não colhendo as declarações do arguido D... na parte em que referiu que apenas participou na administração da empresa a partir de 2002, designadamente a partir de 9.9.2002, pelas razões já expostas a que cumpre apenas acrescentar que não obstante ter sido registada na Conservatória do Registo Comercial a nomeação na data referida, consta também das certidões juntas aos autos que o arguido foi nomeado para vogal do Conselho de Administração da sociedade arguida no triénio de 1999/2001 (fls. 451), conforme deliberação de 26.7.2001, constando igualmente o arguido das actas de fls. 564 a 582, o que conjugado com as declarações do primeiro arguido (e que não foram postos em causa pelo segundo) e das testemunhas ouvidas designadamente T2… (que não teve dúvidas em afirmar que participava no período em causa em reuniões com os três administradores), não deixa dúvidas de que as decisões também por ele eram tomadas ou nelas participava.
Por outro lado, a circunstância de os arguidos terem feito vários esforços para recuperar a empresa, desde a mudança de instalações, a convocação de várias Assembleias tendentes a superar a asfixia financeira, a injecção de dinheiros próprios na empresa ou mesmo empréstimos feitos à mesma, ainda que não possa, como a seguir se verá, deixar de ser atendida em sede de determinação da pena, não exclui o conhecimento e a vontade dos arguidos em não entregar os montantes devidos à Segurança Social e que retiveram nos vencimentos.
Por outras palavras, pese embora se compreenda as dificuldades com que se debateu a sociedade arguida para fazer face às suas obrigações, mormente fiscais, a verdade é que a factualidade alegada na contestação e que se deu como provada não pode relevar para a exclusão da responsabilidade dos arguidos na entrega à Segurança Social dos valores acima mencionados, competindo aos arguidos cumprir as suas obrigações fiscais independentemente da referida situação financeira, não sendo despiciendo referir que muitos dos esforços dos arguidos começaram a ser encetados no final do período em causa e com mais incidência nos anos de 2003, 2004 e 2005.
Quanto aos factos não provados para além do que já acima se foi dizendo, por nenhuma prova cabal, irrefutável ou consistente ter sido quanto aos mesmos produzida, o tribunal não podia deixar de os considerar como tal, cumprindo apenas acrescentar, quanto ao ponto 5), que, pese embora os arguidos tenham de forma genérica referenciado tal facto, a verdade é que o mesmo não se mostra comprovado por qualquer documento junto aos autos, mesmo pelo documento de fls. 415 e sgs., o qual pelo seu teor bem se vê que não tem a virtualidade de provar que a sociedade fez pagamentos por conta da dívida à Segurança Social, porquanto apenas se trata de uma proposta de Regularização da Dívida dirigida À DRSS, onde a sociedade refere ter feito pagamentos por conta, o que, para além de não se mostrar confirmado por qualquer prova irrefutável e cabal, veio a mostrar-se esclarecido pela funcionária da Segurança Social ouvida, nos termos já atrás expostos.
Em relação às condições pessoais dos arguidos e situação económica da empresa arguida e certidão acima mencionada, o tribunal considerou declarações dos arguidos e do Administrador de Insolvência.”.

3.

A primeira questão colocada pelos recorrestes prende-se com a extinção, por prescrição, do procedimento criminal.
Entendem os recorrentes que por cada um dos exercícios deverá ser tido em conta por si só, e não considerar-se os mesmos numa única situação de continuação criminógena.
Sendo cada um dos exercícios anuais, por si só considerado, concluem então os Recorrentes que os factos já se mostram prescritos.
A questão está interligada com a relativa à definição dos factos susceptíveis de integrarem um crime continuado, questão que também os recorrentes trouxeram à apreciação deste Tribunal.

Os Recorrentes, e demais co-arguidos, foram condenados pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal em relação à Segurança Social p. e p. pelo art. 107.º, n.º 1, em conjugação com o art. 105.º, n.º 1, ambos do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001, de 05 de Junho, com fundamento no facto de não terem entregue o valor correspondente às prestações devidas à Segurança Social no período compreendido entre Novembro de 2001 e Dezembro de 2003.

Da sentença resultou provado que os Recorrentes, actuando em representação da sociedade arguida, retiveram e não entregaram à Segurança Social a importância global de € 90.701,27, que havia sido previamente descontada, ao longo dos meses, para tal efeito, às remunerações dos respectivos trabalhadores e dos membros dos órgãos sociais, no período de tempo compreendido entre o mês de Novembro de 2001 a Dezembro de 2003.
Dispõe o art. 30.º, n.º 2, do Código Penal (doravante designado por CP) que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”.
Conforme refere a decisão recorrida:
(…)
“Como a este propósito doutrina Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, II Vol., pág. 209, o “pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de forma e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao arguido que se comporte de maneira diferente (...)”.
Ora, no caso vertente, feita a análise do quadro factual supra traçado, desde logo se verifica o preenchimento in casu de todos os pressupostos da continuação criminosa, uma vez que os arguidos, enquanto gerentes da sociedade arguida, realizaram por várias vezes o mesmo tipo de crime, que actuaram sempre de idêntico modo e que as suas actuações foram facilitadas pela sua inércia dos serviços da Segurança Social e pelo intuito de manter a empresa em actividade, devido às dificuldades económicas que atravessava. “(…).
Se é certo que as dificuldades da empresa não constituem causa justificativa da conduta, para além do mero efeito atenuativo geral, já poderão constituir o factor exógeno que facilitou a repetição criminosa ao longo do referido período temporal, tornando gradual e sucessivamente menos exigível ao agente que adoptasse conduta conforme com a lei o que releva ara efeitos de aglutinação da sua acção delituosa que foi sendo sucessivamente renovada, num quadro de menor exigibilidade integrador da figura do crime continuado.

No presente caso, perante o quadro factual apurado, verifica-se o preenchimento in casu de todos os pressupostos da continuação criminosa, uma vez que os recorrentes, enquanto gerentes da sociedade arguida, realizaram por várias vezes o mesmo tipo de crime, actuaram sempre de idêntico modo e as suas actuações foram facilitadas pela inércia dos serviços da Segurança Social e pelo intuito de manter a empresa em actividade, devido às dificuldades económicas que atravessava.

Conforme refere º MºPº na resposta ao recurso :
(…)
“Assim, estamos em face de uma reiteração de condutas, perante situações que se foram repetindo, com carácter de homogeneidade, violando os Recorrentes o mesmo tipo de ilícito criminal, ao longo de um período temporal apreciável, se bem que com periódicas manifestações de fidelização ao direito, com intermitências de cumprimento, seguidas de novas sucumbências.
Se conforme referido, constituindo o crime continuado, segundo a definição do n.º 2 do art. 30.º, do CP, “a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, e tendo o conta a, ao tempo, conhecida lentidão da administração fiscal e dos serviços de fiscalização da segurança social, que conduzia a situações de verdadeira impunidade, não pode haver qualquer dúvida que se mostram preenchidos os elementos constitutivos do crime continuado.”

Nos crimes continuados o prazo de prescrição só corre desde o dia da prática do último acto da continuação criminosa (art.º 119.º, n.º 2, b), do CP) .

O contribuinte após o termo do exercício tem o dever de auto-liquidar e pagar a contribuição até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disser respeito (cfr. artigos 5.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09 de Maio e 18.º, do Decreto-Lei n.º 140-D/86, de 14 de Junho).
No caso, o crime consumou-se, pois, no dia 15 Janeiro de 2004.

Decorre da sentença recorrida que :“Decorridos 90 dias sobre o termo desse prazo sem que ocorra a entrega das contribuições deduzidas nas remunerações pagas aos trabalhadores pela entidade empregadora e, sendo dado diferente destino aos montante retidos, consuma-se o crime, o que significa que, no caso concreto, tratando-se de um crime continuado, o prazo prescricional conta-se a partir do último acto, acrescido dos referidos 90 dias, ou seja, o prazo de 5 anos previsto no art. 15º, n.º 1 do RGIT ocorria no dia 15 de Abril de 2009.
Sucede, porém que, de acordo com a enumeração taxativa do art. 121º do CP a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a constituição de arguido, a notificação da acusação ou a declaração de contumácia.
Tendo presente que os arguidos requerentes A..., C... e D... foram constituídos como arguidos (facto que interrompeu a prescrição), respectivamente em 8.11.2007, 8.11.2007 e 9.11.2007 e foram notificados da acusação no dia 11.11.2008 (fls. 342-344), facto que interrompeu e suspendeu a prescrição do procedimento criminal (art.s 120º, n.º 1, al. b) e 121º, al. al. b), do Código Penal), pelo que está longe o termo do prazo prescricional (inicio do prazo prescricional a partir de 15.04.2004 - 5 anos + 3anos + 2 anos e meio).” (cfr. sentença do Tribunal a quo).

Ora não este raciocínio não corresponde inteiramente ao nosso entendimento, embora também se conclua pelo não decurso do prazo máximo do prazo prescricional .
Porém, o início de contagem do mesmo, segundo defendemos e pelas razões que de seguida alinharemos, inicia-se em 15.1.2004 e uma vez que os arguidos requerentes A..., C... e D... foram constituídos como arguidos (facto que interrompeu a prescrição), respectivamente em 8.11.2007, 8.11.2007 e 9.11.2007 e foram notificados da acusação no dia 11.11.2008 (fls. 342-344), facto que interrompeu e suspendeu a prescrição do procedimento criminal (art.s 120º, n.º 1, al. b) e 121º, al. al. b), do Código Penal), pelo que tendo-se iniciado em 15.1.2004, e não em 15.4.2004, o decurso prazo máximo apenas ocorrerá em 15.10.2014.

O crime de abuso contra a segurança social, sendo um crime omissivo puro, consuma-se com a não entrega dolosa, no tempo devido, à segurança social das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores e corpos sociais.
Tratando-se de omissão de dever de entregar as contribuições à segurança social, serão as datas limite para o cumprimento de tal dever a ter em conta para efeito da responsabilidade penal pelos ilícitos correspondentes, atento o disposto no nº2 do já citado art.º 5º do RGIT.
Dispõe, porém o nº 4 do art.º 105º do RGIT, aplicável ex vi art.º 107º do mesmo diploma, na redacção vigente à data dos factos, que “os factos só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação”. Actualmente continua a existir disposição idêntica embora sob a al. a) do referido nº4.
Coloca-se então aqui a questão de saber se este prazo não deve ser tido em conta no prazo da prescrição que se inicia com a prática do crime, o qual se tem por consumado na data em que termina o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários, ou se, ao invés, como decidiu o tribunal recorrido e se decidiu nos arestos da Relação do Porto de 11/11/2009 e de 25/03/2009 e no aresto da Relação de Coimbra de 28.10.2008 (acessíveis em http://dgsi.pt/jtrp), deverá tal prazo de 90 dias ser tido em conta, só devendo contar-se o início do prazo de cinco anos de prescrição do procedimento criminal a partir do termo de tal prazo.
Este prazo de 90 dias tem sido considerado, à semelhança do prazo estabelecido na actual al. b) do nº4 do art.º 105º do RGIT, relativamente ao qual incidiu o acórdão de fixação de jurisprudência nº6/2008 de 9.04.2008, uma condição objectiva de punibilidade.

Conforme se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa da 3ª Secção, proferido no processo n.º 2191/08.3 LSB-A.L1 : “ (…) “as condições objectivas de punibilidade são circunstâncias que se situam fora do tipo de ilícito e da culpa e de cuja presença depende a punibilidade do facto, ou seja, são um pressuposto para que o actuar anti jurídico importe consequências penais. São condições em que uma ponderação das finalidades extra-penais tem prioridade em face da necessidade da pena. Uma vez que não pertencem ao tipo nem sequer sejam abrangidas nem pelo dolo nem pela negligência a aparição das condições objectivas de punibilidade é indiferente para o lugar e tempo da infracção.
Não sendo pois este prazo de 90 dias um elemento do tipo, na esteira do que defende Tolda Pinto e Reis Bravo não será reportado a este elemento que se atenderá para início do prazo de prescrição. Segundo estes autores o momento a atender “não é o do termo do prazo de 90 dias mas sim o do termo do prazo legal da entrega da prestação. A dilação de tal prazo contende apenas com aspectos relacionados com o atendimento de circunstâncias geralmente relevantes, no âmbito do relacionamento jurídico-tributário, para a contemporização com situações de justificado atraso na entrega da prestação” (Regime Geral das Infracções Tributárias e Regimes Sancionatórios Especiais, pág. 333).
Não podemos ignorar que esta condição objectiva da punibilidade configura, objectivamente, uma situação mais favorável para o eventual agente do crime, sendo objectivo inequívoco do legislador conceder uma possibilidade de o agente evitar a punição da sua conduta omissiva.
Se assim é, ao não se considerar esse prazo para efeitos de prescrição, está-se por um lado a agravar a posição processual do agente na medida em que se está a prorrogar o prazo normal da prescrição legalmente previsto e, por outro está-se a aplicar uma “causa de suspensão” da prescrição, não prevista no C. Penal e a violar, por isso, o princípio da legalidade penal.
Posto isto e, em conclusão, entendemos que este prazo de 90 dias previsto no nº4 do art.º 105º do RGIT, sendo uma condição objectiva de punibilidade que não impede que possa ser exercida a acção penal, apenas impede que possa ter lugar a punição, em nada interfere no decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal que, nos crimes de abuso de confiança contra a segurança social se inicia na data em que o crime se consumou, isto é, na data em que nos termos do nº2 do art.º 5º do RGIT terminou o prazo para o cumprimento da entrega das contribuições à segurança social.”

Como tal, o procedimento criminal instaurado contra os Recorrentes e que integra o crime de abuso de confiança à segurança social, não se encontra prescrito.
Pelo exposto, improcedem as questões suscitadas pelos recorrentes, quer relativamente ao preenchimento do crime continuado, quer quanto à prescrição do procedimento criminal.

3.2.
Dispõe o art. 129.º, do CPP que “Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.”.

Os recorrentes não impugnam matéria de facto tida como provada, nem em audiência suscitaram qualquer questão acerca do depoimento da testemunha T1… ou da necessidade de o esmo ser confrontado com outros meios de prova.
Também da motivação da sentença resulta que o Tribunal a quo socorreu-se do depoimento prestado pela testemunha T1…, afirmando que a mesma é funcionária da Segurança Social e que no essencial “confirmou basicamente os valores em dívida, esclarecendo a forma de apuramento dos mesmos, afirmando que em relação a todos os valores apurados foram feitas as competentes declarações à Segurança Social não tendo, contudo, sido enviados os correspondentes meios de pagamento”, tendo ainda especificado que efectivamente foram pagas algumas quantias e que as mesmas foram imputados aos juros devidos.
Ou seja, não resulta de tal motivação que a testemunha se terá referido a factos que ouviu dizer de terceiros, tendo sido todo o seu depoimento baseado em factos que conhece por si própria e por causa do exercício da sua actividade profissional, pelo que o facto de a testemunha ter ou não elaborado o mapa/quadro exarado no despacho de acusação é irrelevante, uma vez que não tendo os recorrentes impugnado a matéria de facto com pedido de renovação de qualquer prova atinente a factos relativamente aos quais utilizou o depoimento referido como meio para fundamentar a respectiva convicção não é possível a este Tribunal sindicar as razões que estiveram na base da formação tal convicção, pelo que não assiste qualquer razão aos recorrentes, não se vislumbrando que tenha havido qualquer violação do disposto no art. 129.º, do CPP.

3.3.
Invocam também os recorrentes que não se mostram preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social p. e p. pelos artigos 105.º e 107.º, ambos da Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho (RGIT) uma vez que não retiveram qualquer valor da Segurança Social, esta retenção foi formal (apenas feita nas declarações) e a não entrega deveu-se apenas à falta de meios financeiros para o fazer; os arguidos não favoreceram qualquer credor e não enriqueceram o seu património, não obstante, terem, sem obrigação, injectado capital pessoal na empresa.

Nos termos do art. 107.º, n.º 1, do RGIT “as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidos com as penas previstas nos nº 1 e 5 do artigo 105º.”.
São elementos objectivos do tipo de crime :
a) A apropriação;
b) A prestação tributária deve ter sido deduzida nos termos da lei;
c) O agente estar legalmente obrigado a entregá-la à Segurança Social.

A apropriação consiste na não entrega da prestação devida à Segurança Social com quem se estabelece, nos termos legais, uma relação de confiança.
É, como se disse, um crime omissivo puro, que se consuma com a não entrega da prestação devida. Neste sentido, atente-se que o agente detém o montante, na qualidade de depositário, possuindo-a e detendo-a licitamente, se bem que a título precário e temporário. Com a sua não entrega ao Estado, o agente altera o título da posse ou detenção, passando a dispor da coisa, como se a mesma estivesse sob seu domínio, na sua disponibilidade.

Como refere o MºPº na resposta:
“A apropriação não tem de ser reconduzida ao gasto ou consumo em proveito próprio ou alheio, podendo traduzir-se na mera fruição ou na disposição “ut dominus”, pelo devedor de cada uma das prestações retidas que estava obrigado a entregar à Segurança Social.
O que se tutela, com o presente normativo é o património tributário do Estado, sancionando-se criminalmente o incumprimento do dever de entrega de prestação tributária que o agente detém por força dos deveres de colaboração impostos pelas leis fiscais, com base numa relação de confiança (cfr. Ac. do STJ, de 18/12/2008) e aqui estamos já no último elemento objectivo do crime, qual seja, a existência de uma relação de confiança, mediante a qual o sujeito activo está obrigado a deduzir ou a reter as contribuições devidas à Segurança Social ao valor das remunerações dos trabalhadores e dos membros dos corpos sociais, na qualidade de depositário temporário dessas prestações, com vista a que posteriormente proceda à sua entrega à Segurança Social, a quem elas são devidas.
Conforme se dispõe na douta sentença e que acompanhamos Nestas situações de substituição, a relação de confiança reside no facto da prestação deduzida ou retida ter sido legalmente confiada à entidade substituta para que ela a devolva posteriormente. Esta relação de confiança é quebrada quando há uma inversão do título da posse e o arguido passa a dispor “animus domini” da prestação tributária (cfr. neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 19/02, 2003, acessível em www.dgsi.pt/jstj).
Importa dizer, que mesmo – o que, como se viu em sede de fundamentação de facto, não é o caso – que tivesse sido apurado que no período em causa nos autos houve salários efectivamente não recebidos, tal consubstanciaria de igual modo a prática pelos arguidos do crime em causa, porquanto, o art. 105º, n.º 1 do RGIT ao estabelecer que “quem não entregar à administração…” deixa claro, quanto a nós, que o que conta é a não entrega dos meios de pagamento, que o agente declara ter retido no envio das declarações à Segurança Social, não importando apurar se houve ou não pagamento efectivo das remunerações, pois, não deixa, como já se entendeu nos tribunais superiores em relação ao IVA, de haver apropriação não porque o agente “faz sua quantia que recebeu, mas porque faz sua, ou continua a fazer sua quantia que deveria sair do seu património e não sai.” (cfr. sentença).

Quando a entidade empregadora deduz uma quantia da remuneração de um seu trabalhador, ou órgão social, com a finalidade de a entregar ao Fisco ou à Segurança Social e não a entrega, apropria-se da mesma. Apropria-se porque inverte o título da posse dessa quantia, passando a dispor da mesma como se fosse sua, afectando-a a outra finalidade.
A apropriação dá-se através de um acto de inversão do título da posse, o que é característico dos crimes de abuso de confiança. A intenção de apropriação é, neste caso, óbvia, porque corresponde ao “animus” da inversão do título da posse.

Não houve qualquer modificação dos elementos do tipo, com a entrada em vigor do RGIT e com a nova redacção do art. 105º, em substituição do art. 24º do RJIFNA.
O art. 24º do RJIFNA, na redacção do Dec. Lei 294/03, de 24/11, ao falar em apropriação de prestação tributária que se estava obrigado a entregar ao credor fiscal, não conflitua com o disposto no art. 105º do RGIT (Lei 15/01, de 5/6), que lhe sucedeu, uma vez que este último, embora não fale expressamente de apropriação, a ideia permanece no espírito do novo texto, ao acentuar a recusa ilegal de entrega à administração tributária da prestação.
Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 23-04-2003, processo 620/03-3 segundo o qual: “Na verdade, se o agente não faz a entrega ao fisco das prestações que deduziu e era obrigado a entregar, é porque se apropriou delas, no sentido de que lhes deu destino diferente daquele que era imposto por lei, já que a ideia fulcral do crime de abuso de confiança, seja ele fiscal ou não, é a de que dá a valores licitamente recebidos um ruma diferente daquele a que se está obrigado”.

Por outro lado, a motivação ou finalidade do agente e a consequente afectação que fez das quantias de que se apropriou, são irrelevantes para este efeito. Pode até prosseguir o mais elevado dos fins; para a questão de saber se houve ou não abuso de confiança, tal não interessa.
As quantias que descontou não eram suas; estavam-lhe confiadas para serem entregues à Segurança Social e não lhe cabia (não podia) portanto decidir qual a melhor maneira de as aplicar. O mesmo se passa com o furto, que não deixa de o ser pelo facto de o agente utilizar o dinheiro furtado para pagar aos trabalhadores e, assim, salvar a empresa da falência.
Não tem assim qualquer razão de ser a tese sustentada pelos arguidos, segundo a qual não houve intenção de apropriação, quando a mesma resulta clara e evidente do facto de terem descontado tais quantias das remunerações (pois não as entregou aos trabalhadores) e não as ter entregue à Segurança Social. Os arguidos só teriam razão se, efectivamente, não tivessem feito os descontos, ou seja, se tivesse pago aos trabalhadores a totalidade da remuneração, pois nesse caso não se teria apropriado das quantias e, sem apropriação, não poderia haver (como é óbvio) intenção de apropriação».

Nessa linha, veja-se também o aresto Acórdão da Relação de Lisboa de 15/2/2007 –
«1. No crime de crime de abuso de confiança fiscal, a «apropriação» não tem de ser reconduzida ao gasto ou consumo em proveito próprio ou alheio, bastando para a sua consumação a não entrega, total ou parcial, da prestação tributária deduzida nos termos da lei;
2. No crime de abuso de confiança em relação à segurança social (art. 27.°-B do Dec.-Lei n.° 20-A/90, de 15.01) o acto de entrega não translativo da propriedade, traduz-se na circunstância da entidade empregadora estar legalmente investida do poder de deduzir e reter, nos vencimentos do seus trabalhadores, os montantes pecuniários correspondentes às contribuições devidas à segurança social;
3. A apropriação não tem de ser necessariamente material, podendo ser - como quase sempre é - apenas contabilística; 4. Na hierarquia de valores em causa, o interesse do Estado está a um nível muito superior do interesse privado do arguido em pagar os salários e viabilizar a manutenção da empresa».


Por fim, é elemento subjectivo deste tipo de crime conhecer e querer os elementos materiais do tipo, ou seja, o dolo em qualquer uma das suas modalidades.
Perante os factos dados como provados, os recorrentes, actuando em representação da sociedade arguida, retiveram e não entregaram à Segurança Social a importância global de € 90.701,27, que havia sido previamente descontada, ao longo dos meses, para tal efeito, às remunerações dos respectivos trabalhadores e dos membros dos órgãos sociais, no período de tempo compreendido entre o mês de Novembro de 2001 a Dezembro de 2003 e o teor do art. 107.º, n.º 1, do RGIT, e subsumindo os mesmos ao referido normativo, fácil é concluir que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal mencionado.
Além de típica, é a conduta dos arguidos ilícita, porque violadora do bem tutelado pela censura penal: o interesse da Segurança Social enquanto credora de prestações a ela devidas.

Concluiu, portanto, bem o Tribunal a quo ao entender que a “conduta é imputável aos arguidos a título de dolo directo (cfr. nº 1 do artigo 14º do Cód. Penal): estes arguidos bem sabiam que a importância acima referida devia ser entregue à Segurança Social, por ter sido descontada para tal efeito, e, não obstante, quiseram fazê-la reverter em benefício da sociedade arguida.”.

Improcede, pois, in totum a alegação dos recorrentes.

4. Acordam, as juízas nesta Secção em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes com t.j. fixada em 5 UC.

Lisboa 20 de Março de 2012

Relator: Filomena Lima;
Adjunto: Ana Sebastião;