Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2994/08.9YXLSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: ACÇÃO INIBITÓRIA
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
CLÁUSULAS NULAS
CONSENTIMENTO
FORO CONVENCIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Do art.º 9/b do DL 149/95 resulta a obrigação paradigmática do locador que é a de conceder o gozo da coisa objecto do contrato de locação financeira, o que abrange todos deveres acessórios resultantes do pontual cumprimento obrigacional e de acordo com os princípios da boa fé. O fornecedor do bem não é parte no contrato de locação, é sim parte num contrato conexo que o locador outorga com vista à efectivação da locação financeira. A cláusula 4/2 tem apenas este sentido: o locador desresponsabiliza-se totalmente da questão da falta da entrega do bem ao locatário no prazo acordado, devendo essa questão ser resolvida entre o locatário o fornecedor com quem o locatário nenhuma relação tem e, na falta de acordo entre essa pessoas dentro do prazo de 30 dias o locador tem a faculdade de resolver o contrato com reembolso ao locador de todas as importâncias por este despendidas. É uma desresponsabilização total do locador da sua obrigação de entrega do bem locado. que o locador tem de garantir ao locatário e que não fica dependente, sequer, da averiguação do grau de culpa do locador no atraso dessa entrega.
II- Essa desresponsabilização com as características de renúncia antecipada do locatário a qualquer indemnização pela falta de entrega da viatura em clara violação do art.º 809 do CCiv, encontra a sua consagração expressa na cláusula 7/4 e bem assim como nas cláusulas 8/1 e 8/2 sendo essa desresponsabilização não acobertada pela ccg 18/c, consequentemente absolutamente proibida e por isso nula.
III- A transmissão da posição contratual, que é também consequência necessária da transmissão do direito de propriedade do locador sobre a coisa, pode ser consequência de qualquer outro negócio que não a transmissão dessa propriedade, donde inexistir um decalque de situações do art.º 1057 do CCiv e do art.º 15/1 das cláusulas contratuais gerais a justificar qualquer a aplicação desse regime à transmissão da posição contratual que fica sempre sujeita às regras gerais do art.º 424 e ss do CCiv.
IV- O consentimento a que se refere o art.º 424, n.ºs 1 e 2, tal como se refere na sentença é uma declaração de vontade expressa, não uma autorização genérica predisposta pelo predisponente, sem qualquer identificação do cessionário a que o aderente pura e simplesmente adere, sem que se exija uma posterior declaração expressa de vontade anterior ou posterior ao negócio da cessão, o que manifestamente ocorre na cláusula 15 que por isso é absolutamente proibida e nula, nos termos do art.º 18/l das ccg.
IV- Os inconvenientes para os locatários da existência de foro predisposto, (em regra consumidores pessoas singulares), resulta do facto 10 e devem ter-se por graves, sobretudo numa altura como aquela que o país passa, grassa o desemprego que atinge cerca de 13% da população, os salários sofreram cortes graves, o preço dos bilhetes dos transportes colectivos sofreu aumentos significativos, tudo factos notórios que não carecem de prova.
V- A cláusula contratual geral que predispõe o foro de Lisboa para a resolução de qualquer litígio decorrente do incumprimento contratual, tem, hoje, um âmbito muito restrito; fora pois das acções a que se refere o art.º 74/1, a possibilidade do foro convencionado encontra-se restrita a meia dúzia de situações contratuais como por exemplo a de resolução por alteração de circunstâncias. Nas outras situações do art.º 74/1 a acção é sempre proposta no domicílio do réu, que é como quem diz na do locatário incumpridor, sendo nula qualquer convenção contrária. Nas acções residuais, precisamente por o serem do ponto de vista estatístico, não é possível concluir-se por um interesse sério a justificar a manutenção da cláusula.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE/RÉ NA ACÇÃO INIBITÓRIA: “A” (Sucursal em Portugal) (Representada em juízo, entre outros, pela ilustre advogada ..., com escritório em Lisboa, conforme instrumento de procuração de 29/7/2004 de fls. 50  dos autos).

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APELADO/AUTOR NA ACÇÃO INIBITÓRIA: MINISTÉRIO PÚBLICO
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Com os sinais dos autos.
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ACÇÃO ISENTA DE CUSTAS (ART.º 29 DO DL 446/85 E ART.º 2/1/A DO CCJ)
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I.1.O Ministério Público propôs em 11/11/2008 contra a Ré a presente acção inibitória a que deu o valor de 30.000,01 EUR, valor que a Meritíssima juíza por despacho de 25/01/2012 fixou em definitivo nos termos do art.º29/2 do DL 446/85 de 25/10 e 24/1 da Lei 3/99 de 13/1, onde pede que se declarem nulas as cláusulas 4/2, 7/4 e 8, n.ºs 1 e 2 nas partes em que se referem à exoneração da responsabilidade, cláusula 15/1 e 26/1, com especificação do âmbito de proibição nos termos do art.º 30/1, também a condenação da Ré a dar publicidade a tal proibição nos termos do art.º 30/2 desse diploma e ainda a remessa ao Gabinete de Direito Europeu de certidão de sentença para os fins da Portaria 1093 de 6/9 em suma alegando:
· A Ré (tem por objecto operações bancárias e todas as conexas nomeadamente o financiamento de vendas de veículos automóveis e de todos os bens às redes comerciais construtores automóveis, bem como a toda a outra clientela de acordo com qualquer outra modalidade, todas as prestações a título acessório), no exercício da sua actividade apresenta aos interessados que com ela pretendam contratar um clausulado já impresso, previamente elaborado com o título contrato de locação financeira – condições gerais, juntamente com as condições particulares que os interessados assinam em impresso com espaço reservado ao locador, locatário e eventual fiador, sendo que aquela clausulado está sujeito ao regime do DL 446/85 de 25/10, redacção dos DL 220/95 de 31/08 e 249/99 de 7/7 (art.ºs 1 a 10).
· As cláusulas 4/2, 7/2 e 8, n.sº 1 e 2 excluem a responsabilidade da Ré pelo não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso em caso de dolo ou culpa grave em violação absoluta da proibição contida no art.º 18/a do DL 446/85 (art.ºs 11 a 26)
· A cláusula 15/1 que estabelece uma autorização dada pelo locatário ao locador de transmissão da posição contratual assumida pelo locador e garantias inerentes, sem efectiva concordância do locatário em cada caso concreto, impõe uma limitação da responsabilidade inicialmente existente em violação do art.º 18/l do DL 446/85;
· A cláusula 26/1 que estabelece como foro competente o foro de Lisboa para a resolução de qualquer litígio é nula por força do art.º 100/1, do CPC, nulidade de conhecimento oficioso (art.º 110/1 do CPC), redacção dada pela Lei 14/2006 de 26/4, nulidade essa que abarca os contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor da Lei 14/06 por força do Ac Uniformizador de Jurisprudência 12/07 in DR I de 6/12/07, nulidade essa que nesta acção inibitória de ccg resulta do art.º 19/g do DL 446/85 de 25/10.
I.2. A ré citada veio contestar, pugnando pela improcedência da acção, em suma dizendo:
· Neste tipo contratual o locador obriga-se a adquirir o bem a  um terceiro sob a indicação do locatário para lhe proporcionar o respectivo gozo e o locatário obriga-se a pagar uma renda que não é o correspectivo do valor de uso do bem locado mas parcelas de execução da obrigação de reembolso dos fundos adiantados pelo locador na sua aquisição e o locatário tem a expectativa de aquisição do bem no final do contrato, não tendo a locadora qualquer contacto com o bem que é entregue ao locatário no local de venda, também por si escolhido (art.ºs 1 a 13)
· Apesar de não ter contacto directo com o bem, o locador permanece seu proprietário na vigência do contrato, contudo não suporta os riscos inerentes ao uso do bem, nem dele pode dispor, tendo o locatário o direito de gozo do bem embora onerado com os riscos que normalmente cabem ao proprietário, mas não pode dispor do bem e está obrigado a respeitar o fim do contrato, sendo que a propriedade do locador e financiador sobre o bens visa por uma lado garantir o risco económico de incumprimento do locatário, em relação ao capital adiantado e, por outro, assegura a instrumentalidade no que toca à realização do financiamento, apenas assumindo os riscos do intermediário financeiro, isto é de incumprimento ou insolvência do locatário (art.ºs 14 a 20)
· Da lei não resulta a obrigação a cargo do locador de entregar o bem e assegurar o seu funcionamento, o locador só paga o bem ao fornecedor depois de receber o auto de recepção de equipamento que serva para o locador ter a confirmação que existe o bem locado e que o mesmo foi entregue ao locatário, marcando o momento em que o locador como comprador paga o preço ao fornecedor, devendo o mutuário diligentemente comunicar ao locador a não entrega do bem no prazo acordado ou o seu defeito e não assinando o auto de recepção, evitando o pagamento do preço, pelo que fica sempre afastada a possibilidade de a locadora actuar com dolo ou culpa grave, afastando, também a nulidade daquelas cláusulas (art.ºs 21 a 47)
· A redacção da cláusula 15/1 não belisca o art.º 18//l das ccg que apenas proíbe a livre transmissão da posição contratual sem consentimento do contraente e não é isso que da ccg consta estando em conformidade com o art.º 11/4 do DL 149/95, além do que, correndo o risco de perda e deterioração do bem locado pelo locatário nos termso do art.º 15 do DL 149/85 de 24/7 aquela transmissão não limita a sua responsabilidade (art.ºs 48 a 60)
· Nada na petição inicial é alegado que demonstre os “graves inconvenientes” para os locatários no foro convencional de Lisboa, sendo que toda a estrutura organizacional, incluindo os serviços jurídicos, que custos têm se encontram centralizados em Lisboa, local da sua sede, os clientes da Ré são dos mais variados pontos de Portugal e a litigância em diversas comarcas do país causa à Ré inconvenientes estruturais e financeiros que justificam aquela cláusula, que corresponde assim a um interesse sério; face à Lei 14/06 de 26/4 a Ré não reorganizou os seus serviços manteve a sua sede, localização de serviços e mandatários judiciais, daí que sendo recíprocos os inconvenientes e não exclusivos dos locatários, sendo que o Supremo já se pronunciou  aos 19/09/06 no sentido e não ser nula cláusula desse jaez (art.ºs 61 a 98).
I.3.Proferido saneador tabelar, organizados os factos assentes e os controvertidos na base instrutória, instruídos os autos, procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo e gravação de prova, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto controvertida que nenhuma reclamação teve.
I.4.Inconformada com a sentença de 6/8/2010 que, julgando a acção parcialmente procedente, em consequência, declarou nulas as cláusulas 4/2, 7/4, 8, n.ºs 1 e 2, 15/1 e 26/1 das Condições do contrato, dela apelou a Autora em cujas alegações conclui:
a) O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito do 10º Juízo Cível, 1ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, processo n.º 2994/08.9YXLSB que julgou parcialmente procedente a acção declarativa de condenação de processo sumário que lhe move o Ministério Público ao abrigo dos artigos 25º e seguintes do Dec- Lei nº 446/85 de 25 de Outubro.
b) Na douta sentença recorrida são declaradas nulas as cláusulas 4ª, nº 2; 7ª, nº 4 e 8ª nºs 1 e 2, 15ª nº 1 e 26º nº 1 das condições gerais do contrato de locação financeira celebrado pela recorrente.
c) A decisão recorrida, com todo o respeito, faz uma errada apreciação e aplicação do direito aplicável à situação em análise, violando as regras de interpretação e o regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.
d) Em primeiro lugar devemos ter em atenção a realidade jurídica em causa, o art.º 1º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho define-a: “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.
e) Com efeito, neste tipo contratual, o locador obriga-se a adquirir o bem a um terceiro, sob a indicação do locatário para lhe proporcionar o respectivo gozo, em contrapartida, o locatário obriga-se a pagar uma renda, que corresponde a parcelas de execução da obrigação de reembolso dos fundos adiantados pelo locador na sua aquisição e o locatário tem a expectativa de aquisição do bem no final do período acordado para a locação.
f) De onde se destaca que o bem objecto da locação é sempre escolhido pelo locatário, a locadora não tem qualquer contacto com o mesmo o qual é entregue ao locatário no local de venda, também por si escolhido.
g) Atenta a natureza de financiador do locador e a função do direito de propriedade que mantém sobre a coisa, importa aferir, se é obrigação do locador assegurar o transporte, a entrega e o funcionamento do bem, tal como é decidido na douta sentença recorrida.
h) Desde logo, o regime jurídico aplicável não consagra expressamente, ao enunciar os deveres do locador, a obrigação de entrega da coisa.
i) O artº 9º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Junho dispõe:
1. São, nomeadamente, obrigações do locador:
a) Adquirir ou mandar construir o bem a locar;
b) Conceder o gozo do bem a locar;
c) Vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato.
j) O legislador não indicou como obrigação do locador a entrega do bem. E não faz sentido que tendo sido tão rigoroso ao determinar os deveres e direitos das partes (artigos 9º e 10º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Junho), tivesse optado por não indicar aqueles que segundo a posição defendida na douta sentença recorrida são essenciais.
k) Sendo certo que o artigo 12º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Junho dispõe: “O locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no artigo 1034º do Código Civil.”  
l)“Compreende-se o disposto neste artigo porquanto, «por um lado, a vocação principal do locador é a de intermediário financeiro, de “capitalista” financiador. Por outro lado, foi o locatário que fez a prospecção do mercado, que escolheu o equipamento destinado à sua empresa e é ele que o vai utilizar, com opção de compra findo o contrato. Nada mais natural, portanto, do que a transferência legal para o locatário dos riscos e responsabilidades conexos ao gozo e disponibilidade material da coisa que passa a ter após a entrega, incluindo a sua manutenção e conservação (artº 10º, nº1 als. E) e f), do Decreto-lei nº 149/95) e o risco do seu perecimento ou da sua deterioração (ainda que) imputável a força maior ou caso fortuito (art.15º do Decreto-lei nº 149/95). No fundo é co-natural ao leasing que a sociedade locadora se obrigue a adquirir e a conceder o gozo da coisa ao locatário mas se desinteresse ou exonere dos riscos e da responsabilidade relativos à sua utilização (CALVÃO DA SILVA, Direito Bancário, 2001, p. 425). Cfr. Abílio Neto, Contratos Comerciais, Legislação, doutrina e jurisprudência, 2º edição, 2004, pag. 400. 
m) Não podemos ignorar que o Dec-lei nº 171/79 de 6 de Junho estabelecia, no artigo 20º, que o locador financeiro “não responde pelos vícios da coisa locada ou pela sua inadequação face aos fins do contrato….”. No projecto de alteração do Dec-lei nº 171/79 de 6 de Junho, afirmou-se que é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina e que o contrato se considera “não cumprido quando a coisa locada apresentar vícios que não lhe permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ….” De seguida são estabelecidas excepções a tais regras, nomeadamente a de o locador não responder pelos vícios da coisa ou pela sua inadequação ao fim a que é destinada “se a coisa tiver sido escolhida pelo locatário junto do vendedor ou contratada por ele com o empreiteiro.” Contudo, tais alterações não foram adoptadas e o Dec-lei nº 149/95 de 24 de Junho que veio alterar o Dec-lei nº 171/79 de 6 de Junho, manteve no artº 12º o regime do artigo 20º deste diploma.
n) Trata-se de um sinal evidente que o legislador não ignorou a posição do locador de meramente financiar e não ter qualquer contacto material com o bem locado, não intervindo na sua escolha nem na escolha do fornecedor. Pelo que não podia o legislador exigir ao locador deveres que estavam ligados a essa posse que nunca se verificou.
o) Por outro lado, dispõe o artº 9º do C.C.: “1. A Interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”
p) Ora, face ao exposto quando às alterações do regime da locação financeira é absolutamente contrário às regras de interpretação da lei afirmar a existência de um quarto dever a cargo do locador que não está contemplado no artº 9º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Junho, nem as restantes normas permitem tal interpretação. Do contexto da alteração legislativa a esta matéria, resulta que o legislador entendeu não colocar a cargo do locador a obrigação de entrega do bem locado.
q) A posição em sentido contrário não tem qualquer correspondência com o direito positivo aplicável, violando o disposto no artº 9º do C.C., sendo ainda mais forçada quando se alega que essa é a obrigação nuclear, pois sem a entrega do bem o locador não pode conceder o gozo do bem conforme dispõe o artº 9º do Dec-lei nº 149/95.
r) Relevante é igualmente o disposto no artº 13º do Dec-Lei nº 149/95 de 24 de Junho: “O locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada.” Ora, se o locador fosse o responsável pela entrega e funcionamento do bem locado, não fazia sentido a lei estabelecer a possibilidade de o locatário demandar directamente o fornecedor por “todos os direitos relativos ao bem locado”.
s) De facto, o locatário financeiro tem uma participação activa na operação financeira que não pode ser desconsiderada, já que é ele que escolhe quem lhe vai entregar o bem.
t) Por outro lado, no caso da responsabilidade contratual prevista na al. c) do artº 18º do Dec-lei nº 446/85 de 25 de Outubro, as restrições dizem apenas respeito a situações de dolo ou de culpa grave.
u) Ora, sendo o bem objecto do contrato escolhido pelo locatário, sem qualquer intervenção da locadora, sendo recebido pelo locatário directamente do vendedor, sem que a locadora em algum momento tenha a posse material do mesmo, pelo que não se pode sequer hipoteticamente configurar uma situação em que haja dolo ou culpa grave por parte da locadora. E atento que só com recepção do auto de recepção assinado pelo locatário a atestar a entrega e conformidade do bem, paga o respectivo preço e dá inicio ao contrato, fica, pois, completamente afastada a possibilidade de a locadora actuar com dolo ou culpa grave.
v) Pelo que não se podem considerar nulas as cláusulas 4ª, nº 2, 7ª, nº 4 e 8ª, nºs 1 e 2 das condições particulares do contrato.
w) Na douta sentença recorrida foi julgada, igualmente, nula a cláusula 15ª nº 1 das condições gerais do contrato, porquanto prevê a cessão da posição contratual do locador sem identificação concreta do cessionário o que impede que o contraente avalie se os seus interesses estão acautelados.
x) Na realidade, com tal cláusula, a locadora obtém o consentimento prévio do contraente para a transmissão da sua posição contratual – “O locatário desde já autoriza …”
y) Situação expressamente prevista na lei, já que o artº 424º do C.C. dispõe: “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.” E o nº 2: “Se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento.
z) Por outro lado, a previsão da al. l) do artº 18º visa impedir a limitação da responsabilidade do contraente.
aa) Ora, no caso de um contrato como o dos autos, locação financeira, em que a locadora cumpre a sua obrigação com a entrada em vigor do contrato, nomeadamente pagando o preço do bem ao fornecedor para que este entregue o bem ao locatário,
bb) E em que os principais direitos e deveres da partes estão previstas na lei, nomeadamente no Dec-lei nº 149/95 de 24 de Julho, nos artigos 9º e 10º.
cc) Sendo certo que cabe ao locatário: “Assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente,” Cfr. al. e) do artº 10º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Julho. E: “Efectuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados;” Cfr. al. J) do artº 10º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Julho. Em que o risco da perda ou deterioração do bem locado corre por conta do locatário, nos termos do disposto no artº 15º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Julho. E que o locatário está obrigado a pagar todos os encargos inerentes ao uso do bem, incluindo os fiscais.
dd) Efectivamente, do regime legal aplicável, resulta que o locador está à margem dos riscos inerentes ao uso do bem locado. Pelo que a transmissão da posição contratual da locadora não vai limitar a sua responsabilidade nessa qualidade.
ee) O que resulta expressamente da lei, nomeadamente do nº 4 do artº 11º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Junho: “O contrato de locação financeira subsiste para todos os efeitos nas transmissões da posição contratual do locador, ocupando a mesma posição jurídica do seu antecessor.”
E do artº 1057º do C.C. que dispõe que a transmissão da posição contratual do locador ocorre sempre que haja transferência do direito com base no qual foi celebrado o contrato.
ff) Trata-se de uma alteração subjectiva da pessoa do locador que não vai interferir com os direitos do locatário, já que o “novo” locador assume a titularidade dos direitos e obrigações que derivam do contrato.
 E atento que no caso da locação financeira os riscos relacionados com o gozo da coisa correm por conta do locatário, assim como os respectivos impostos, multas ou contra-ordenações, não se pode alegar que está em causa uma possível limitação da responsabilidade.
gg) Pelo que analisando a natureza do contrato e o regime jurídico aplicável, igualmente se conclui que a cláusula 15º, nº 1 das condições gerais não é nula.
hh) Declara-se, ainda, na douta sentença recorrida a nulidade da clausula 26ª nº 1 das condições gerais do contrato,
ii) O artigo 19º do Dec-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro sobre a epígrafe (Cláusulas relativamente proibidas) diz: “São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as clausulas contratuais gerais que:
(…) 
g)) “Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem;”
jj) Trata-se de cláusula relativamente proibidas, ou seja, são cláusulas que funcionam em determinados contextos e noutros não. Daí que tenham sido usados conceitos que necessitam de valorização. Sendo que neste caso os conceitos indeterminados são “graves inconvenientes” e “os interesses”.
kk) A lei não considera nula a cláusula só porque dela podem resultar desvantagens para uma das partes: na previsão legal admite-se a possibilidade dessa desvantagem face a interesses relevantes da outra parte.
ll) Fala-se em “graves inconvenientes”, o que significa que não pode ser um simples transtorno ou desvantagem, antes algo de relevantemente penoso para a generalidade das pessoas.
mm) Ora, in casu, apenas consta dos factos provados que a recorrente dispõe de possibilidades económicas muito superiores à generalidade das pessoas individuais que para uso não profissional são destinatários do contrato e que a fixação da competência do tribunal de Lisboa provoca inconvenientes aos destinatários que não residem nas comarcas mais próximas, nomeadamente com deslocações, suas e dos mandatários ou com a procura de mandatário na zona.
nn) Desde logo, os locatários podem sempre alegar a insuficiência económica, beneficiando de apoio judiciário, sendo as respectivas despesas suportadas pelo Estado.
oo) Por outro lado, a recorrente é uma sucursal em Portugal de uma sociedade comercial e desenvolve a sua actividade com objectivos de lucro, empregando várias pessoas e contribuindo para o desenvolvimento económico do país. Anualmente tem de apresentar as suas contas aos accionistas e ficar sujeita à respectiva avaliação de manutenção ou não da representação no país. Pelo que na sua estrutura organizacional tem uma gestão e controlo de custos.
Todos os seus serviços, incluindo os jurídicos, estão centralizados em Lisboa, local onde se situa a sua sede, não tendo quaisquer outros serviços em qualquer outra parte do país, conforme ficou provado nos autos – ponto 27 dos factos provados.
Sendo inequívoco o seu interesse em instaurar as acções emergentes de contratos que celebra no tribunal da comarca de Lisboa.
pp) Para a recorrente litigar em todos e cada um dos casos judiciais em diferentes comarcas do país causa-lhe obviamente inconvenientes quer financeiros quer estruturais. Inconvenientes que justificam o interesse da recorrente na estipulação de um foro, o qual não é aleatório e que não demonstra qualquer intenção de prejudicar os aderentes ao contrato, mas corresponde ao da sua sede.
E este é um interesse sério, objectivo e ponderável dentro do quadro negocial padronizado, ou seja, neste contexto não se poderá julgar tal cláusula como proibida.
qq) Sendo certo que os prejuízos que existem para os aderentes ao contrato não se podem ter como graves, ou pelo menos são tão graves como os da generalidade dos casos em que as partes residem em comarcas diferentes daquelas em que correm os processos judiciais.
Aliás, tais inconvenientes estão cada vez mais atenuados, por via dos meios tecnológicos e informáticos de que os tribunais dispõem – fax, Internet,
rr) Daí que sendo recíprocos os inconvenientes e não exclusivos dos locatários e sérios e atendíveis os interesses da recorrente na manutenção da cláusula 26ª, nº 1 das condições gerais, não se pode considerar verificada a situação de “graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem”.
ss) “Em acção inibitória também não é proibida nos termos da al. g) do artº 19º do mesmo decreto-lei, a cláusula contratual geral que fixa a competência exclusiva do tribunal da comarca de Lisboa para os litígios emergentes da execução do contrato em causa” Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/206, proc. 06ª2616 in www.dgsi.pt.
tt) Improcede em absoluto a declaração de nulidade da cláusula 26ª nº 1 das condições gerais do contrato de aluguer nos termos da al.g) do artº 19º do Dec-lei nº 446/85 de 25 de Outubro.
uu) Face ao exposto, a douta sentença ao decidir como decidiu faz uma interpretação errada das normas legais a aplicar às questões em discussão, violando as regras de interpretação nomeadamente o disposto no artigo 9º do C.C. e o regime estabelecido no Dec-Lei nº 149 de 24 de Junho.
Termos em que deverá ser revogada a decisão proferida, como é de Justiça.
I.6.Em contra-alegações o Ministério Público em suma conclui:
a) O locador tem a obrigação decorrente do art.º 9/1, alíneas a) e b) do DL 149/95 de adquirir ou mandar construir o bem a locar e conceder o gozo do bem para os fins a que se destina, tendo obrigações instrumentais em relação á concessão do gozo, sendo o fornecedor o auxiliar o locador nos termos do art.º 800/1 do CCiv no cumprimento da obrigação da entrega da coisa, poderá haver culpa do locador nas modalidades de dolo e culpa grave no que respeita às instruções dadas aos fornecedor ou ao acompanhamento da sua actuação e escolha do auxiliar no cumprimento da obrigação de entrega, tendo a interpretação almejada na sentença recorrida a necessária correspondência verbal naquela obrigação, havendo violação do art.º 18/c das ccg (conclusões 1 a 32);
b) Ao pretender a aplicação do art.º 424 do cCiv, desatendendo ao art.º 18/l das ccg a Recorrente esta a fazer transitar sem fundamento para tal o tratamento jurídico da cláusula em questão do regime especial das ccg para a disciplina comum dos contratos e havendo norma especial que á da cláusula 15 é ela que se aplica ficando preterida a disposição do art.º 424 e essa autorização expressa ab initio equivale ao que o legislador entendeu qualificar de cessão sem o acordo de contraparte, dada a total liberdade do proponente para o fazer, sendo que o acordo referido na cláusula é algo acrescido em relação ao contrato, corresponde em termos de regime geral dos contratos ao consentimento na transmissão anterior ou posterior à celebração daquele exigido pelo art.º 424 do CCiv; o que está em causa no art.º 18/l da ccg não é que o novo locador assuma ou não a titularidade dos direitos e das obrigações do contrato, mas se ele tem a capacidade de assumir em termos não limitativos da responsabilidade comparativamente ao que sucedida com o anterior; a cláusula em questão deverá ser considerada abusiva se prevê a possibilidade de cessão da posição contratual por parte do profissional se esse facto for susceptível de originar uma diminuição das garantias para o consumidor (conclusões 33 a 50)
c) Inexiste um interesse relevante da Recorrente na atribuição da competência à comarca de Lisboa pelo que é nula a cláusula 26 por violação do art.º 19/g das ccg.
I.7.Recebido o recurso, elaborado o projecto, foram os autos com vista aos Meritíssimos Juízes-adjuntos que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do seu mérito.
I.8. Questão a resolver: Saber se ocorre erro de julgamento na interpretação e aplicação das disposições contidas nos art.ºs 18/c, 18/l e 19/g do DL 446/85 de 20/10 com as alterações que lhe foram introduzidas posteriormente.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal recorrido deu como provada a seguinte factualidade:
1. A Ré “A” (Sucursal em Portugal) encontra-se matriculada sob o n.º ... e com a sua constituição inscrita na 1.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, tendo a sede da sua representação permanente na Avenida ..., n.º …, ….º, em Lisboa, nos termos do documento junto a fls. 14 a 20 (alínea A) dos factos assentes).
2. A Ré tem por objecto social: “Operações bancárias bem como todas as operações conexas e nomeadamente o financiamento de vendas de veículos automóveis e de todos os bens às redes comerciais construtores automóveis, bem como a toda outra clientela de acordo com qualquer outra modalidade, todas as prestações de serviços a título acessório”, nos termos do documento junto a fls. 14 a 20 (alínea B) dos factos assentes).
3. No exercício de tal actividade, a Ré procede à celebração do “Contrato de Locação Financeira” que tem por objecto a locação financeira do equipamento nele identificado, nos termos das Condições Gerais de fls. 20 e 21 e das Condições Particulares de fls. 22 (alínea C) dos factos assentes).
4. Para tanto, a Ré apresenta aos interessados que com ela pretendam contratar um clausulado já impresso, previamente elaborado, com o título “Contrato de Locação Financeira - Condições Gerais”, nos termos do documento de fls. 20 e 21 (alínea D) dos factos assentes).
5. O clausulado referido em 4. não contém quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que em concreto se apresentem, com excepção do reservado à data e às assinaturas do locatário, do cônjuge e do fiador (alínea E) dos factos assentes).
6. Juntamente com a entrega do clausulado referido em 4., os interessados assinam um impresso, com o título “Contrato de Locação Financeira - Condições Particulares”, nos termos do documento de fls. 22, onde se encontra identificada a Ré como “Locador”, e contém um espaço reservado à identificação do locatário e do eventual fiador e consta que entre as partes: “É ajustado e reciprocamente aceite o seguinte CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA, que se rege pelos termos e condições constantes das condições gerais e particulares adiante transcritas” (alínea F) dos factos assentes).
7. As Condições Particulares dizem respeito, designadamente, à identificação do veículo objecto do contrato, à duração do contrato, ao número das rendas, à data de início, aos valores da renda base, dos seguros, de serviços, do IVA e ao valor total, bem como às garantias a prestar, nos termos do documento de fls. 22 (alínea G) dos factos assentes).
8. Constam das Condições Gerais referidas em 4., nomeadamente, o seguinte:
«CONDIÇÕES GERAIS
Cláusula Primeira (Objecto)
1. O presente contrato tem por objecto a locação financeira do equipamento identificado nas Condições Particulares.
2. O Locatário declara ter escolhido de sua livre vontade o equipamento a locar, o respectivo Fornecedor e definido, com este, todas as características do equipamento, o prazo de entrega, o preço e todos os aspectos mencionados nas Condições Particulares.
Cláusula Segunda (Início e duração do contrato)
1. A locação inicia-se na data de entrega efectiva do bem. Presume-se, iniludivelmente, como data de entrega efectiva do bem, a data posta no Auto de Recepção do Equipamento, ou a data da factura do Fornecedor no caso previsto no nº 5 da cláusula 4ª ou a data a ser determinada nos termos do nº 3 da cláusula 5ª.
(…)
Cláusula Quarta (Entrega, recepção e instalação do equipamento)
1. O Locador confere mandato ao Locatário, que o aceita, para proceder à recepção do equipamento em seu nome e por sua conta, constituindo encargo exclusivo do Locatário, todas as despesas e riscos inerentes ao transporte e respectivo seguro, a entrega, montagem, arranque e utilização do equipamento.
2. Caso o equipamento não seja entregue, por qualquer motivo, dentro do prazo de entrega indicado na Nota de Encomenda, o Locatário e o Fornecedor ajustarão entre si uma nova data para a entrega do equipamento, a qual deverá ser aprovada pelo Locador. Na falta de acordo num prazo de 30 dias, o Locador poderá resolver o presente contrato mediante comunicação ao Locatário por carta registada, originando o reembolso do Locatário ao Locador de todas as importâncias despendidas e respectivos juros, conforme referido no nº8 desta clausula
3. O Locador fornecerá o modelo do Auto de Recepção do Equipamento, o qual deverá ser datado e assinado pelo Locatário e pelo Fornecedor, e enviado por este ao Locador, devidamente preenchido, constituindo o seu recebimento por parte do Locador condição necessária para que este possa efectuar o pagamento do preço de aquisição do equipamento ao Fornecedor.
4. Do Auto de Recepção do Equipamento constarão, para além da respectiva data de entrega do equipamento, menção expressa a que este corresponde à escolha feita pelo Locatário está em perfeito estado e em conformidade com as características técnicas por si indicadas e apto a funcionar e que foram colocadas chapas de identificação a que se refere o nº 2 da cláusula 3ª.
(…)
Cláusula Sétima (Garantias do equipamento)
(…)
4. O Locatário renuncia ao exercício de quaisquer direitos contra o Locador, ficando este expressamente exonerado de toda e qualquer responsabilidade referente à entrega, funcionamento ou rendimento do equipamento que é objecto do contrato.
Cláusula Oitava (Isenção de responsabilidade do locador)
1. O Locador está isento de qualquer responsabilidade relativamente, não só à escolha, compra, transporte, entrega atempada, utilização, funcionamento, manutenção, revisão e reparação do equipamento, como também à sua conformidade com as características e especificações indicadas pelo Locatário ao Fornecedor.
2. A não entrega, total ou parcial, do equipamento, a instalação deficiente, o seu não funcionamento ou a conformidade daquele, designadamente com as características técnicas acordadas entre o Locatário e o Fornecedor, não exoneram o Locatário das suas obrigações face ao Locador, nem lhe conferem qualquer direito face a este competindo-lhe exigir directamente junto do Fornecedor toda e qualquer indemnização a que se julgue com direito, nos termos do disposto no nº1 da clausula 7º.
(…)
Cláusula Décima Quinta (Cessão de posições contratuais)
1. O Locatário desde já autoriza o Locador a transmitir a posição contratual por este assumida no presente contrato bem como as garantias a este inerentes.
(…)
Cláusula Vigésima Sexta (Foro competente)
1. Para a resolução de qualquer litígio decorrente do incumprimento contratual por parte do Locatário é exclusivamente competente o foro da comarca de Lisboa, com expressa exclusão de qualquer outro.
(…)»
(alínea H) dos factos assentes).
9. A Ré é uma empresa multinacional que dispõe de possibilidades económicas muito superiores à generalidade das pessoas individuais que, para uso não profissional, são destinatários do contrato referido em 3. (ponto 1.º da base instrutória).
10. A fixação da competência do tribunal em Lisboa provoca inconvenientes aos destinatários do contrato referido em 3. que não residem nas comarcas mais próximas, nomeadamente com deslocações, suas e do respectivo mandatário, ou com a procura de mandatário nesta zona (ponto 2.º da base instrutória).
11. O bem objecto do contrato referido em 3. e o local de venda são sempre escolhidos pelo Locatário (ponto 3.º da base instrutória).
12. A Ré não tem qualquer contacto com o bem objecto do contrato referido em 3., o qual é entregue ao Locatário no local de venda (ponto 4.º da base instrutória).
13.  Os serviços da Ré, incluindo os jurídicos, estão centralizados em Lisboa, não tendo outros serviços em qualquer outra parte do país (ponto 5.º da base instrutória).
14. A Ré em cada processo judicial tem de indicar como testemunhas os seus funcionários e colaboradores do departamento de contencioso (ponto 6.º da base instrutória).
15.A Ré tem de custear as despesas de deslocação dos seus funcionários e nessas datas fica com o seu departamento com menos trabalhadores disponíveis, podendo a ausência do trabalhador implicar um dia completo (ponto 7.º da base instrutória).

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. A questão a resolver é de saber se ocorre erro de julgamento na interpretação e aplicação das disposições contidas nos art.ºs 18/c, 18/l e 19/g do DL 446/85 de 20/10 com as alterações que lhe foram introduzidas posteriormente
III.3. 1.Entendeu a sentença recorrida em relação às cláusulas 4, 2, 7, 4 e 8 n.ºs 1 e 2 em suma:
· A circunstância de a Ré, que é a locadora e a financiadora não escolher a viatura nem ter contacto algum com ela, sendo o bem entregue ao locatário no local da venda, não significam que o locador que é a ré não tenha a obrigação da entrega do bem ao locatário, seja essa obrigação cumprida directamente quer através de auxiliares como sucede no caso da Ré em que os fornecedores entregam ao locatário os veículos automóveis objecto dos contratos de locação financeira celebrados, o que decorre dos art.ºs 1 e 9 do DL 149/95 de 24/6 e 800/1 do CCiv; dos art.ºs 12 e 13 não decorre que a locadora não deva ser responsabilizada, pelo contrário do regime legal decorre que a mesma deve poder ser responsabilizada pela não entrega do bem, sendo essa a obrigação central e primária doa locação financeira (neste sentido Calvão da Silva Direito Bancário, Almedina, 3.ª edição, 2001, pág. 424-426, Menezes Cordeiro Manual de Direito Bancário, Acs STJ 12/7/05, proc 05B1886, de 22-11-1994 CJSTJ, 1994, T III, pags 155 a 157, RL 20/5/1999 CJ 1999, T III, pág. 110, 22/01-1998 proc 0026222 RP 13/03/07 proc 0720211;
· Existe um incontornável sinalagma entre a cedência do gozo da coisa e a retribuição prevista na locação financeira que não permite desassociar a responsabilidade pela entrega do bem objecto do contrato, da celebração do mesmo.
· A exclusão de responsabilidade no caso de existência de dolo ou culpa grave não se limita à entrega do bem implica a responsabiliadde da locadora pela sua entrega atempada (mora) e pela conformidade inicial, com exclusão da inadequação ou vício do art.º 12 (Ac RL 15/01/09, procº 9574/2008-8, disponivel no sítio www.dgsi.pt.
Discorda o recorrente em suma reiterando os argumentos da contestação mais dizendo:
· O art.º 12 do DL 149/95 de 24/6 que reitera o art.º 20 do DL 171/79 de 6/6, tendo em mente que não passou ao DL a parte do projecto que referida que é obrigação do locador a de assegurar o gozo da coisa locada ao locatário, não pode ser interpretado no sentido de afirmar um 4.º dever que não está consagrado no art.º 9 do DL 149/95 não consentindo nessa interpretação as restantes normas, não tendo um mínimo de correspondência verbal a interpretação do regime legal no sentido de consagrar essa obrigação.
Indiscutido que se trata de uma acção inibitória ao abrigo dos art.ºs 25 e 26/1/c do DL 446/85 de 25/10 com vista à declaração de nulidade de cláusulas contratuais gerais e que os documentos pré-impressos contêm as referidas cláusulas contratuais gerais.
Breves considerações sobres as ccg.
Na sua versão originária o DL 446/85 contemplava apenas de acordo com o art.º 1.º e respectiva epígrafe as cláusulas contratuais gerais ou seja as cláusulas pré-formuladas com vista a disciplina uniforme de uma multiplicidade de contratos de certo tipo, a celebrar pelo predisponente ou por terceiro, âmbito esse revelador da necessidade de protecção de contraentes incapacitados. Entretanto foi publicada em 1993 a directiva sobre as cláusulas abusivas em contratos com consumidores, Directiva 93/13/CE do Conselho de 5/04/93, sendo que a legislação sobre esse assunto mais e menos abrangente: mais abrangente por se não restringir às relações de consumo e menos abrangente por se não estender a todas as cláusulas pré-formuladas e inseridas sem negociação, apenas às que revestisse a natureza de cláusulas contratuais gerais, o que motivou a transposição da mesma Directiva, falhada com o DL 220/95 de 31/08 e realizadas de forma clara com o DL 249/99 de 7/7 que acrescentou um novo número ao art.º 1.º (actual n.º 2) com o seguinte teor: “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”; a partir de então pode dizer-se que o regime especial de tutela tem por objecto os contratos de adesão. O que conta é saber se essas cláusulas são propostas ou, pelo contrário, rigidamente predispostas, se elas são comunicadas para servir de base e ponto de partida ao processo de diálogo de ajustamentos recíprocos ou se na intenção do redactor representam antes os termos definitivos do contrato em que ele se manifesta disposto a contratar.[2]
A presente acção é proposta pelo Ministério Público ao abrigo das disposições dos art.ºs 26/1/c e 27/1 do DL 446/85, de 25/10, na redacção dada pelo DL 220/95, de 31/01 (ver cabeçalho da p.i.).
Trata-se de uma acção inibitória, com características de acção de simples apreciação negativa, que não de uma acção visando simplesmente a declaração de nulidade de uma cláusula contida num determinado contrato outorgado inter partes, esta destinada às cláusula já inseridas em contratos singulares, aquela visando, no caso a não utilização ou a não recomendação de cláusulas contratuais gerais pré-elaboradas.
O Ministério Público age em nome próprio e não em representação de qualquer interessado num qualquer contrato especificamente celebrado, ou seja não reage contra um qualquer contrato pugnado pela nulidade de determinadas cláusulas do mesmo, para o qual seria própria a acção comum de nulidade do art.º 24 do DL 446/85 antes de uma forma preventiva e abstracta, como acima de disse, em conformidade com o dispostos naquelas disposições legais citadas e ainda do art.º 25.
O diploma distingue entre a fiscalização concreta em que os intervenientes se opõem quanto à validade e vigência de determinadas cláusulas e a fiscalização abstracta concretizada pela acção inibitória destinada a erradicar do tráfico jurídico as cláusulas injustas, actuando preventivamente, como é o caso dos autos, sendo a relação uma relação entre empresários, distingue-se entre as cláusulas absolutamente proibidas que actuam independentemente dos esquemas negociais em que as mesmas se incluam (art.º 18) e as relativamente proibidas que podem ser válidas para certos tipos de contratos e não para outros (art.º 17), isto a para das cláusulas proibidas em qualquer relação contratual se contrárias à boa fé (art.ºs 15 e 16).
O princípio da liberdade contratual sofre, pelo simples facto de nos movermos no domínio das cláusulas contratuais gerais a inserir em contratos de adesão, ainda que entre empresários, uma forte limitação resultante do regime legal das c.c.g[3].
Sem sombra de dúvida que, no caso concreto, nos movemos no âmbito das cláusulas contratuais gerais previstas pelo legislador do DL 446/85.
O art.º 18/b das c.c.g estatui que são em absoluto proibidas as cláusulas que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros. O legislador das c.c.g. não resolve a questão doutrinária da admissibilidade de cláusulas contratuais de irresponsabilidade contratual ou extracontratual.[4]
O art.º 18/c estatui que são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que “excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou culpa grave”
O art.º 809 do CCiv estatui: “É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º 2 do art.º 800”
Um dos direitos facultados nas divisões anteriores é justamente o direito à indemnização previsto nos artigos 562 e ss. do CCiv (correspectivo da obrigação de indemnizar constante da epígrafe da secção VIII do Título I relativo às Obrigações em Geral do Livro II do Direito das Obrigações).
O art.º 800, n.º 2, do CCiv, com a ressalva da violação dos deveres impostos por normas de ordem pública, admite a exclusão ou limitação da responsabilidade por actos dos representantes legais ou auxiliares, mediante acordo prévio dos interessados.
Concorda-se com as considerações feitas na sentença e para as quais se remete nos termos do art.º 713/5 relativas à obrigação do locador financiador: resulta claramente do art.º 9/b do DL 149/95 a obrigação paradigmática do locador que é a de conceder o gozo da coisa objecto do contrato de locação financeira, o que abrange todos deveres acessórios resultantes do pontual cumprimento obrigacional e de acordo com os princípios da boa fé. O fornecedor do bem não é parte no contrato de locação, é sim parte num contrato conexo que o locador outorga com vista à efectivação da locação financeira. A cláusula 4/2 tem apenas este sentido: o locador desresponsabiliza-se totalmente da questão da falta da entrega do bem ao locatário no prazo acordado, devendo essa questão ser resolvida entre o locatário o fornecedor com quem o locatário nenhuma relação tem e, na falta de acordo entre essa pessoas dentro do prazo de 30 dias o locador tem a faculdade de resolver o contrato com reembolso ao locador de todas as importâncias por este despendidas. É uma desresponsabilização total do locador da sua obrigação de entrega do bem locado, que o locador tem de garantir ao locatário e que não fica dependente, sequer, da averiguação do grau de culpa do locador no atraso dessa entrega.
 Essa desresponsabilização com as características de renúncia antecipada do locatária a qualquer indemnização pela falta de entrega da viatura em clara violação do art.º 809 do CCiv, encontra a sua consagração expressa na cláusula 7/4 e bem assim como nas cláusulas 8/1 e 8/2 sendo essa desresponsabilização não acobertada pela ccg 18/c, consequentemente absolutamente proibida e por isso nula.
De resto, fazem-se nossas, todas as considerações, a esse propósito, tecidas na decisão recorrida para as quais se remete nos termso do art.º 713/5.
III.3.2. A cláusula contratual geral 15/1 estabelece que “O locatário desde já autoriza o locador a transmitir a posição contratual por este assumida no presente contrato bem como as garantias a este inerentes.”
O art.º 18/l das ccg estatui: “São absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que consagrem a quem as predisponha, a possibilidade de cessão contratual, a transmissão de dívidas ou de subcontratar, sem o acordo da contraparte, salvo, salvo a identidade do terceiro constar do contrato inicial.”
Entendeu a sentença recorrida em suma:
· Da conjugação desse art.º 18/l com o art.º 424, n.ºs 1 e 2 do CCiv é forçoso concluir-se que com a proibição o legislador visou quer nas relações com empresários quer na relação com consumidores finais, por força do art.º 20 das ccg, que houvesse consentimento de quem não predispõe das cláusulas contratuais gerais no que se refere à cessão da posição contratual, pretendendo-se evitar que a ao aderente seja imposta uma cessão de posição contratual sem o seu consentimento, uma vez que para quem celebra o contrato poderá não ser indiferente a entidade com quem está a contratar, designadamente pela confiança que lhe merece.
· O escopo dessa proibição é a de prevenir que a coberto de esquemas de transmissão do contrato se venha a limitar de facto a responsabilidade bastando para tal transferir a posição de uma entidades que não tenha cobertura patrimonial para, na prática, esvaziar o conteúdo de qualquer imputação de danos - José Manuel de Araújo de Barros Cláusulas Contratuais Gerais _ Anotado, Recolha Jurisprudencial, Coimbra Editora, Abril 2010, pá. 221 citando Menezes Cordeiro.
· O que o legislador das ccg pretendeu foi que exista uma manifestação de vontade declarada no sentido de consentimento da cessão em causa, não podendo a mesma ser considerada satisfeita coma inserção no texto das cláusulas contratuais gerais dessa autorização
· O que a ccg 15/1 estabelece é uma autorização prévia e genérica do locatário a essa cessão, sem que o locatário possa saber a identidade da entidade cessionária da posição e avaliar se essa transmissão acautela os seus interesses, o que o 18/l absolutamente proíbe como se decidiu no AC RL de 12/11/2009, processo 3197/06-2
Discorda o recorrente em suma dizendo:
· Num contrato como no dos autos em que o locador cumpre a sua obrigação com a entrada em vigor do contrato, nomeadamente pagando o preço ao fornecedora para que este entregue o bem ao locatário, correndo o risco pelo locatário nos termos dos art.sº 10/e e 15 do DL 149/95 de 24/7, a transmissão da posição contratual da locadora não vai limitar a responsabilidade da locadora.
· O contrato de locação financeira, dispõe o art.º 11/4 do DL 149/95 de 24/06, subsiste para todos os efeitos nas transmissões da posição contratual do locador, ocupando a mesma posição jurídica do seu antecessor.
· A posição jurídica do locatário estará sempre assegurada face ao teor do disposto no art.º 1057 do CCiv aqui aplicável na medida em que o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo, ou seja a transmissão da posição contratual do locador ocorre sempre que haja transferência do direito com base no qual foi celebrado o contrato.
Dir-se-á, em primeiro lugar, no que toca ao regime do art.º 1057 do Cciv, que neste artigo se consagra a transmissão da posição do locador por força da transmissão da propriedade do direito com base no qual foi outorgada a locação. A transmissão da posição contratual, que é consequência necessária da transmissão do direito de propriedade do locador sobre a coisa locada, pode ser consequência de qualquer outro negócio que não a transmissão dessa propriedade, donde inexistir um decalque de situações do art.º 1057 do CCiv e do art.º 15/1 das cláusulas contratuais gerais a justificar qualquer a aplicação desse regime à transmissão da posição contratual que fica sempre sujeita às regras gerais do art.º 424 e ss do CCiv.
O consentimento a que se refere o art.º 424, n.ºs 1 e 2, tal como se refere na sentença é uma declaração de vontade expressa, não uma autorização genérica predisposta pelo predisponente, sem qualquer identificação do cessionário a que o aderente pura e simplesmente adere, sem que se exija uma posterior declaração expressa de vontade anterior ou posterior ao negócio da cessão, o que manifestamente ocorre na cláusula 15.
Já acima se disse, a propósito das obrigações do locador para com o locatário, que estas se não extinguem com o pagamento do preço da viatura ao fornecedor, na medida em que recebendo as rendas como da locação resulta pode não ter garantido o gozo efectivo da viatura automóvel ao locatário, obrigação essa que só se extingue pelo cumprimento efectivo da mesma; a transmissão da posição contratual do locador para um qualquer e não identificado terceiro, (salvaguardada pela autorização genérica da cláusula contratual geral 15) num quadro de incumprimento ou de cumprimento defeituoso da obrigação de assegurar o gozo da viatura locada ao locatário, (a que o cessionário pode ser alheio), mantendo-se o pagamento das rendas ao cessionário, garantidos os interesses financeiros do locador primitivo pelo negócio da cessão, podem tornar a posição do locatário absolutamente insustentável na medida em que não podendo gozar o bem ou não o podendo gozar na sua plenitude, está contudo obrigado a pagar ao cessionário locador as rendas da locação, o que traduz a ruptura do sinalagama genético e funcional do contrato de locação. Evitar uma tal consequência esteve, seguramente, nos objectivos do legislador das ccg.
Tal como está, a cláusula é absolutamente proibida nos termos do art.º 18/l e por isso nula.
III.3.4. Por último a sentença recorrida declarou nula a cláusula contratual geral 26/1 por violação do art.º 19/g das ccg em suma dizendo:
· A cláusula contratual geral tem agora um âmbito de aplicação reduzido, considerando a nova redacção dada aos art.ºs 74 e 110/1/a do CPC redacção DL 14/06 de 26/4 e do Ac Uniformizador de Jurisprudência 12/07 publicado no DR 6/12
· Assim sendo a Ré pode prevalecer-se da convenção do foro inserida nas cláusulas contratuais gerais em acções fundadas em alteração das circunstâncias ou de declaração de nulidade do contrato, nomeadamente pela verificação de algum vício do mesmos.
· A ser declarada a nulidade da cláusula os efeitos poderão vir a ser invocados a título incidental em processos pendentes nos termos do art.º 32/e do RJCCJ.
· Atento o tipo de contrato em causa nos autos e o respectivo objecto é de concluir que a generalidade dso consumidores que optaram pela aquisição de um veículo mediante a celebração de um contrato de locação financeira não disporá de avultados meios económicos que lhes permitam acrescer aos custos da demanda outros relacionados com as despesas que a distância geográfica em relação ao local do pleito acarretará, assim impedindo o direito de defesa
· Resulta provado que a Ré tem os seus serviços centralizados em Lisboa, sem que tenha serviços em qualquer outra parte do país e que em cada processo judicial tem de indicar como testemunhas os seus funcionários e colaboradores custeando as despesas de deslocação quando necessárias e com prejuízo no que se refere ao número de colaboradores disponíveis no departamento.
· Tendo a Ré e bem assim como outras locadoras procedido já às necessárias alterações organizacionais e de custos devido à alteração da competência territorial decorrente da Lei 14/06 de 26/04 e, sendo certo que tal abrange em termos estatísticos a maioria das acções em que a Ré é parte, não é por efeito das acções residuais não abrangidas pela mencionada Lei não serem decididas em Lisboa que terá a Ré um custo acrescido que justifique a manutenção da referidas cláusula de competência convencional.
· Existindo graves inconvenientes para os destinatários do contrato de locação financeira em causa nos autos sem que os interesses da Ré o justifiquem a cláusula 26/1 das Condições Gerais do Contrato é proibida e nula por força do art.º 19/g do RGCCJ.
Discorda a Ré em suma dizendo:
· O art.º 19 do DL 446/85 consagra uma cláusula relativamente proibida, ou seja uma proibição que funciona em determinado contexto;
· Na previsão legal admite-se a possibilidade dessa desvantagem ou seja dos graves inconvenientes da uma das partes, face a interesses relevantes da outra parte.
· Não é um simples transtorno ou desvantagem de uma das partes perante a inexistência de interesses relevante da outra que justificam a proibição devendo ser graves os inconvenientes sendo que nada se provou que demonstre que os inconvenientes para os locatários sejam graves.
· Anualmente a Ré tem de apresentar as suas contas aos accionistas e ficar sujeita à respectiva avaliação de manutenção ou não da representação no país pelo que na sua estrutura organizacional tem uma gestão e controle de custos, tendo todos os serviços centralizados em Lisboa não tendo quaisquer outros serviços em qualquer outra parte do país como provado ficou; é inequívoco o seu interesse sério e válido em instaurar acções emergentes de contratos que celebra no tribunal da comarca de Lisboa, porquanto são aos milhares esses contratos incumpridos, tem de indicar como testemunhas os seus funcionários e colaboradores do departamento do contencioso, como provado ficou, sendo que a recorrente tem de custear as despesas de deslocação ficando com os departamento mais desprotegidos nesses datas ao que da parte dos locatários dos mais variados locais de Portugal, tendo inconveniente em deslocar-se a Lisboa podem valer-se dos mais variados meios tecnológicos, meios a que a Ré se adaptou em relação às acções a correr fora de Lisboa.
O Ministério Público, por sua vez defende em suma:
· A Recorrente não está em igualdade com os consumidores.
· A Ré/recorrente que já procedeu às necessárias alterações organizacionais e de custos devidos à alteração da competência territorial decorrente da Lei 14/06, o que abrange a maioria estatística das acções em que é parte não tem um interesse relevante em manter o foro de Lisboa para resolução das questões contratuais para as acções residuais.
O direito comum permite às partes estipular o foro competente (art.ºs 99 e 100 do CPC ou escolher a lei aplicável ao negócio (art.º 41 do CCiv. Tendo em conta que através de estipulações inconvenientes de foro competente se possa coarctar o exercício dos direitos das partes tendo em conta os postulados da justiça comutativa, requer-se uma ponderação mínima de interesses para a validade dessas cláusulas, as quais não valem quando causem a uma das partes graves inconvenientes sem que interesses sérios e objectivos da outra o justifiquem, isto para além dos demais requisitos do regime geral.[5]
Como bem refere a Recorrente no seu afã interpretativo, a cláusula contratual geral de foro valerá mesmo na hipótese de envolver graves inconvenientes para os locatários se houver interesses sérios e objectivos da locadora que o justifiquem.
Temos provado que:
9. A Ré é uma empresa multinacional que dispõe de possibilidades económicas muito superiores à generalidade das pessoas individuais que, para uso não profissional, são destinatários do contrato referido em 3. (ponto 1.º da base instrutória).
10. A fixação da competência do tribunal em Lisboa provoca inconvenientes aos destinatários do contrato referido em 3. que não residem nas comarcas mais próximas, nomeadamente com deslocações, suas e do respectivo mandatário, ou com a procura de mandatário nesta zona (ponto 2.º da base instrutória).
13. serviços da Ré, incluindo os jurídicos, estão centralizados em Lisboa, não tendo outros serviços em qualquer outra parte do país (ponto 5.º da base instrutória).
14.A Ré em cada processo judicial tem de indicar como testemunhas os seus funcionários e colaboradores do departamento de contencioso (ponto 6.º da base instrutória).
15.A Ré tem de custear as despesas de deslocação dos seus funcionários e nessas datas fica com o seu departamento com menos trabalhadores disponíveis, podendo a ausência do trabalhador implicar um dia completo (ponto 7.º da base instrutória).
Os inconvenientes para os locatários, (em regra consumidores pessoas singulares),  resulta do facto 10 devem ter-se por graves, sobretudo numa altura como aquela que o país passa (é facto notório), grassa o desemprego que atinge cerca de 13% da população, os salários sofreram cortes graves, o preço dos bilhetes dos transportes colectivos sofreu aumentos significativos, tudo factos notórios que não carecem de prova. Sendo igualmente utilizáveis pelo locador e pelo locatário os novos meios tecnológicos, como é caso da videoconferência, é sabido que o julgamento não se resume à audição de testemunhas, incluindo outros meios de prova que para o locatário poderá ser mais fácil de produzir no tribunal da sua residência e tornar-se excessivamente oneroso para o mesmo fora dele, o que poderá equivaler à impossibilidade do exercício do direito de defesa.
Certo, tal como se decidiu no Ac do STJ de 20/1/2010 que aquela cláusula tem uma âmbito muito restrito, fora pois das acções a que se refere o art.º 74/1, a possibilidade do foro convencionado encontra-se restrita a meia dúzia de situações contratuais como aquela mencionada de resolução por alteração de circunstâncias. Nas outras situações do art.º 74/1 a acção é sempre proposta no domicílio do réu, que é como quem diz na do locatário incumpridor, sendo nula qualquer convenção contrária.
Nas acções residuais, precisamente por o serem do ponto de vista estatístico, não é possível concluir-se por um interesse sério a justificar a manutenção da cláusula.

IV- DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Regime da Responsabilidade por Custas: A acção está isenta de custas.

Lisboa, 15 de Março de 2012

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Pedro Martins
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[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pelo DL 303/2007 de 24/08, entrado em vigor a 1/1/08,  atenta a circunstância de a acção ter dado entrada e ter sido distribuída ao 10.º juízo 1.ª secção dos Juízos Cíveis Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa juízo em 1211/2008, como resulta dos autos e o disposto no art.º 11 e 12 do mencionado diploma; ao Código referido pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Joaquim Sousa Ribeiro, O Regime dos Contratos de Adesão: Algumas questões(…)in Comemorações do 35 anos do Código Civil(…),  Coimbra Editora, 2007, vol. III, pág. 215; segundo este autor no mesmo estudo e aportando uma fórmula do Supremo Tribunal Alemão nos acórdãos de 30.09.87 (NJW 19888, 410) de 27.03.91 (NJW 1991, 1678) e de 10.10.91 (NJW 1992, 1107), o que conta é a possibilidade real de uma influência modificadora no conteúdo da cláusula,
[3] Designaremos por c.c.g. o regime legal decorrente do DL 446/85 de 25/10 e subsequentes alterações.
[4] Mário Júlio Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra, Almedina, 1991, pág., pág. 43, entendem que não o tinha que fazer pois tal tarefa compete à Ciência do Direito.
[5] Mário Júlio de Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 48