Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
568/09.6TBMFR.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: DIVÓRCIO
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
SEPARAÇÃO DE FACTO
CONTAGEM DOS PRAZOS
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Se a causa de pedir invocada na acção de divórcio for a separação de facto por um ano consecutivo, necessário é que esse prazo de separação, tanto na vertente objectiva, como na subjectiva, seja decorrido à data da propositura dessa mesma acção.
II - É irrelevante que, entretanto, durante a pendência da acção, esse prazo se complete.
III – A “ruptura definitiva” é uma causa geral de divórcio, residual, que apenas funciona quando não se verifique ou invoque uma qualquer outra das demais causas previstas no art.º 1781º do Código Civil.
IV – A separação de facto por período inferior a um ano, só por si, não pode demonstrar a ruptura definitiva do casamento.
V - Também assim, fundamentando-se a acção de divórcio em separação de facto “há mais de um ano” à data da propositura da acção, e não se provando a factualidade integradora de uma tal causa de pedir, designadamente por se não demonstrar a separação com essa duração, não se poderá concluir a dita ruptura definitiva da mera circunstância – contemplada na petição inicial – de a Ré ter deixado a casa de morada de família, indo viver para outra moradia do casal, menos de um ano antes da propositura da acção.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I – “A” intentou acção com processo especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, contra “B”, alegando, e em suma, que tendo casado com a Ré em 16-01-1983, desde há mais de um ano que o A. e a Ré fazem vidas separadas, sem se relacionarem social, amorosa ou sexualmente, vindo aquela, na sequência de inúmeras discussões com o A., a abandonar a casa de morada de família, onde ficou a residir o filho menor do casal, de 14 anos de idade, em 01-09-2008

Frustrada a imperativa tentativa de conciliação e notificada a Ré para, querendo, contestar, apresentou a mesma contestação, impugnando o alegado pelo A. em matéria de separação de facto.
Sendo apenas certo que em 31 de Agosto de 2008, na sequência de pedido do A. nesse sentido, saiu de casa e, juntamente com a sua mãe e filho mudou-se para a casa do casal na A..., considerando sempre que de uma fase transitória se tratava, e encarando o afastamento não como uma ruptura mas como uma forma de terapia familiar.
Remata com a improcedência da acção.

O processo seguiu seus termos, com saneamento e condensação, vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente absolvendo a Ré do pedido.

Inconformado, recorreu o A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida padece de erro na apreciação da prova e de erro na interpretação e aplicação do direito.
2. Não podem subsistir dúvidas relativamente à inexistência de vida em comum e da ruptura definitiva do casamento em apreço, na justa medida em que ficou provado que pelo menos desde Setembro de 2008 que a ré deixou de viver na casa de morada de família, onde permaneceu o autor, aqui recorrente, passando a habitar uma outra casa pertença do casal.
3. Ficou provado que o recorrente não pretende refazer a sua vida com a ré.
4. Factualidade bastante para determinar o preenchimento do elemento objectivo e subjectivo da separação de facto, uma vez que o elemento objectivo é a falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes.
5. Ficou provado que não existe coabitação entre os cônjuges, em virtude de não haver comunhão de vida.
6. Resulta do depoimento das testemunhas “C” e “D” que as partes não partilham a mesma cama, mesa e habitação, pelo que o Tribunal a quo cometeu erro na apreciação da prova, relativamente os factos constante dos artigos 2º a 5º, 7º e 8º da base instrutória, conforme se pode aferir da reapreciação da prova gravada, concretamente, os depoimentos transcritos supra, que impõem decisão de sentido inverso à Sentença recorrida.
7. O Tribunal a quo não atendeu ao conjunto de processos e apensos apresentados pela ré, recorrida, pendentes entre o casal, e que se relacionam com as matérias tidas como essenciais ou complementares à separação dos cônjuges.
8. Factos que não careciam de ser alegados e provados, uma vez que fazem parte dos próprios autos principais e seus apensos, pelo que nos termos do disposto no art. 514 do C.P.C. deveria o Tribunal a quo ter considerado esses factos que demonstram a inexistência de vida em comum entre este casal, pelo que ora se junta os documento que os compravam, nos ternos do disposto no art. 693º-B do C.P.C.
9. Estão reunidos todos os pressupostos legais para que seja decretado o divórcio com o fundamento na al. a) do art. 1781º do C.C., uma vez que
10. Relativamente ao elemento subjectivo, o Tribunal a quo, deu como provado que, «O autor não pretende refazer a sua vida com a ré»,
11. Em relação ao elemento temporal, ficou provado pelos depoimentos das testemunhas “C” e “D” que em data anterior à saída de casa da ré, para habitar outra casa o já não havia em comum entre o casal»
12. Sendo certo que o Tribunal a quo deu como provado que «Em dia indeterminado do mês de Setembro de 2008, a ré deixou de viver na casa de morada de família, onde permaneceu o autor, passando    a mesma a habitar uma outra casa pertença do casal.»
13. Factualidade bastante para considerar preenchido este elemento, uma vez decorreu mais de um durante a pendência desta acção, pelo que deve ser atendido para efeitos de preenchimento do elemento temporal, conforme o entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores, tendo em conta o princípio da actualidade da sentença.
14. Mais se diga que sempre deveria o Tribunal a quo ter decretado o divórcio entre as partes, uma vez que a factualidade provada é bastante para aferir da ruptura definitiva do casamento, nos termos e para os efeitos da alínea d) do art. 1781º do C.C., uma vez que
15. Foi dado como provado pelo Tribunal a quo a violação do dever de coabitação, pois ficou provado que em dia indeterminado de Setembro de 2008 a ré saiu de casa, tendo o filho do casal permanecido na casa de morada de família com o recorrente, o qual não pretende refazer a vida com a ré, encontrar-se-ia sempre fundamentado o divórcio entre as partes.
16. Pelo exposto, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos art. 1781º al. a) e d) e 1782º ambos do C.C. e art. 514º e 663º ambos do C.P.C.
17.     Por tudo o exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência, ser revogada a decisão recorrida, considerando -se procedente o pedido, substituindo-se por nova decisão, sendo decretado o divórcio entre as partes.”.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado, e requerendo a condenação do A. como litigante de má-fé, em sede de recurso, para além de multa, em indemnização a favor da A.

II – Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – e presente o já definido no sobredito despacho de folhas 983, são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto nos termos pretendidos pelo Recorrente.
- se se verifica fundamento de divórcio, considerável.
***
Considerou-se assente na 1ª instância a seguinte matéria de facto:
“1. Em dia indeterminado do mês de Setembro de 2008, a ré deixou de viver na casa de morada de família, onde permaneceu o autor, passando a mesma a habitar uma outra casa pertença do casal.
2. Até à referida data, o autor e ré viveram na mesma casa, contribuindo o autor para os gastos e despesas da ré e suportando os encargos da casa de morada de família.
3. Aquando da saída da ré da casa de morada de família, o filho permaneceu na casa de morada de família.
4. O autor não pretende refazer a sua vida com a ré.
***
II-1 – Da impugnação da decisão da primeira instância quanto à matéria de facto.
1. Pretende o Recorrente que deveria ter sido considerada totalmente provada a matéria dos art.ºs 2º a 5º, 7º e 8º da base instrutória, a saber:
- que há mais de um ano o autor e a ré deixaram de tomar refeições juntos,
- e de ter relações amorosas e sexuais,
- e de fazer vida social em comum,
- vivendo embora na mesma casa,
- desde a data em que a ré abandonou a casa de morada de família, que o autor e a ré deixaram de ter qualquer tipo de convivência em comum,
- continuando sem se relacionarem, quer socialmente, quer amorosa ou sexualmente.

E isto, assim, apelando, por um lado, aos depoimentos das testemunhas “C” e “D”.
E, por outro, à circunstância de a aqui Ré ser Requerente em apensos vários, a saber, providência cautelar de arrolamento e de prestação de alimentos provisórios, para além de incidentes de incumprimento e de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, esta integrante dos “autos principais de divórcio”.

2. Tendo-se consignado, na fundamentação da decisão da matéria de facto, e no que aqui agora interessa, como segue:
«A decisão da matéria de facto pela forma que antecede fundou-se na análise do conjunto da prova testemunhal produzida, nos termos que adiante se exporão, cumprindo desde logo notar que os demonstrados fundamentos da contradita em nada fizeram desmerecer a credibilidade do depoimento prestado pela testemunha “C”, não obstante as insuficiências que se assinalarão, radicadas nas concretas razões de ciência afirmadas pela testemunha, e não na natureza das suas particulares relações com o autor.
(…)
Todas as testemunhas ouvidas, quer oferecidas pelo autor, quer as da ré, convergiram na afirmação de que a ré saiu da casa de morada de família para residir noutra casa pertença do casal em Setembro de 2008.
No que respeita à decisão dos arts. 2° a 6°, a mesma, traduzindo-se essencialmente numa resposta de teor negativo, fundou-se na grande insuficiência e imprecisão dos depoimentos prestados pelas testemunhas “D”, “E” e “C”, em conjugação com a contraprova realizada, consistente nos depoimentos claros, seguros e coerentes prestados pelas testemunhas “F” e “G”, conforme de imediato se explicitará.
Assim, a testemunha “D”, irmã do autor, declarou frequentar a casa de morada de família por ocasião de festas familiares, tendo reconhecido que a convivência com as partes não chegava a uma regularidade mensal. Declarou que "por fim já só havia aparência de casamento", "havia muito pouco relacionamento entre ambos, falavam pouco, havia pouca intimidade, o que a testemunha presenciava", "havia uma situação de desgaste, motivada por várias razões", mas que no entanto "a separação foi uma surpresa" para a testemunha. Aludiu ainda a testemunha a uma viagem que o autor e o filho realizaram juntos, sem que a ré os tivesse acompanhado. Declarou ainda a testemunha desconhecer se autor e ré tomavam as refeições juntos.
Tal depoimento revelou-se manifestamente insuficiente para fundar a convicção de que o autor e a ré deixaram de fazer vida em comum, pela forma quesitada nos arts, 2°, 3° e 4°, apenas se podendo extrair do referido depoimento, no limite, a existência de algum mal-estar nas relações entre o casal e ainda assim em termos concretamente não definidos.
As mesmas considerações valem para o depoimento prestado pela testemunha “C”, que afirmou uma relação de amizade com ambas as partes, no contexto da qual foi visita regular da casa de morada de família até ao ano de 2005.
A referida testemunha afirmou a existência de um afastamento entre o casal, em data anterior à saída de casa pela ré, cuja percepção a testemunha assentou, em síntese, nos seguintes fundamentos: a viagem de férias ao estrangeiro realizada pelo autor e pelo filho, sem a companhia da ré; a vontade manifestada pelo autor no sentido de que a ré exercesse actividade profissional, o que não acontecia (reconhecendo porém ao mesmo tempo a testemunha não poder afirmar que tal fosse causa de atrito entre o casal); em conversas que a testemunha manteve com o autor no âmbito das quais o autor lhe manifestava que a ré lhe exigia que voltasse para casa quando o autor se encontrava em reuniões profissionais no Porto, o que, na perspectiva da testemunha, constituiria sinal de que "não reinaria no lar uma vontade comum das partes".
Revelou a testemunha desta forma desconhecer a concreta forma de vida do casal e a natureza das relações estabelecidas entre ambos em data posterior ao ano de 2005, designadamente se autor e ré deixaram de tomar refeições juntos e de manter entre si relações amorosas e sexuais, ao mesmo tempo que admitiu que a vida social do casal sempre foi muito reduzida.
Relativamente ao depoimento da testemunha “E”, que presta funções profissionais como assistente do autor, o mesmo assumiu escassa relevância, uma vez que a testemunha revelou não manter relação de convívio com o casal, assentando a sua afirmação de que "antes da saída de casa da ré, verificava-se já a degradação do casamento" no circunstancialismo de que a ré desistiu da viagem ao Brasil, que o autor e o filho acabaram por realizar sozinhos - factos de que tomou conhecimento, por ter ajudado o autor com telefonemas no sentido da suspensão das reservas -, aludindo ainda à tensão e nervosismo manifestados pelo autor, que lhe transmitia existir uma situação de conflito conjugal, sem mostrar porém a testemunha qualquer conhecimento directo de tal conflito e dos seus particulares termos.
Em contraposição, da prova testemunhal produzida pela ré resultaram sinais de vida em comum no tempo que antecedeu a saída de casa por parte da ré.
Assim, a testemunha “F”, que mantém relação de amizade com a ré, tendo frequentado a casa de morada de família em data anterior a Setembro de 2008, declarou que:
- apesar de nunca ter tomado refeições em conjunto com o casal, assistiu à preparação pela ré do jantar, que aguardava a chegada do autor a casa;
- observava o relacionamento entre o casal, que "sempre lhe pareceu normal";
- o casal realizou uma viagem de férias à Malásia em Julho de 2008, na companhia do filho;
- no mesmo mês, autor e ré dirigiram-se juntos para entregar o filho na festa de aniversário do filho da testemunha, o que a testemunha presenciou, num conjunto de observações que tornaram credível a afirmação de uma vida em comum até Setembro de 2008, não obstante o reconhecimento de um diferendo entre o casal por referência à já referida viagem ao Brasil.
A testemunha “G”, amiga da ré e visita também da casa de morada de família, declarou ter observado a partilha de refeições entre o autor e a ré até à data de saída de casa da ré, bem como afirmou a realização da viagem à Malásia do casal com o filho, em consonância com o conhecimento revelado pela testemunha “F”.
No que respeita ao período posterior à data de saída de casa da ré, a testemunha “C” declarou ter observado algumas vezes a presença do autor na casa que a ré passou a habitar, revelando porém desconhecimento das concretas circunstâncias e razões da sua presença na habitação, limitando-se à afirmação de que "lhe foi dito que a ré pedia ao autor para lhe tratar da piscina ou do jardim".
A testemunha “D” declarou ter conhecimento de que o autor se deslocava à casa onde passou a viver a ré, manifestando porém desconhecimento sobre as circunstâncias ou motivos de tais deslocações.
A testemunha “F” declarou que várias vezes se cruzou com o autor quando este saia da casa onde passou a viver a ré, afirmando a manutenção da relação conjugal até Outubro de 2009, com base no que lhe era relatado pelo filho do casal.
A testemunha “G” afirmou também a presença do autor na habitação da ré por observar o carro do mesmo estacionado à porta da casa da ré à hora do jantar, embora tenha declarado desconhecer se o autor aí pernoitava.
Do exposto, resulta a convergência da prova testemunhal no sentido da presença do autor na casa que a ré passou a habitar, por forma a infirmar a invocada ausência de relacionamento, o que fundou a resposta negativa dos arts. 7° e 8° da base instrutória.».

3. Está aqui assim em causa a hipótese contemplada no art.º 712º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, a saber, ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados, sendo impugnada, nos termos do art.º 685º-B, a decisão com base neles proferida.
A reforma processual de 1995/96, implementando “um verdadeiro segundo grau de jurisdição no âmbito da matéria de facto, já resultante de diploma anteriormente aprovado”, veio ampliar os poderes do Tribunal da Relação quanto a tal matéria, transformando-a num tribunal de instância que não já “apenas” um tribunal de “revista” quanto à subsunção jurídica da factualidade assente.
Com recusa, porém, de soluções que contemplassem ou impusessem a realização de novo julgamento integral em segunda instância.
Ainda assim, um tal sistema acarreta riscos, e, desde logo, o de se “atribuir equivalência formal a depoimentos substancialmente diferentes, de se desvalorizarem alguns deles, só na aparência imprecisos, ou de se dar excessiva relevância a outros, pretensamente seguros, mas sem qualquer credibilidade”...
Pois “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencie, e que jamais podem ficar gravados ou registados, para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”. 
É de relembrar que "os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidos. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.". 
E a fixação da matéria de facto, há-de ser o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz, pelo que, não raras vezes se constata que o julgamento daquele possa não ter a correspondência directa nos depoimentos concretos (ou falta destes), mas seja o resultado lógico da conjugação de alguns outros dados, sobre os quais o seu sentido crítico se exerceu.
Assim a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto, só sobrelevará no Tribunal da Relação se resultar demonstrada, através dos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de erro na apreciação do seu valor probatório, tornando-se necessário, para equacionar aquele, que os aludidos meios de prova apontem, inequivocamente, no sentido propugnado pelo mesmo recorrente.
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido, já que: “I - A plena efectivação do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância - um novo julgamento, no sentido de produzir ex novo, respostas aos quesitos da base instrutória -, mas, apenas, verificar, mediante a análise da prova produzida, nomeadamente a que foi objecto de gravação, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir. II - A reapreciação da matéria de facto é feita nos termos do princípio da livre apreciação da prova, obtida a partir do registo dos depoimentos que a 1.ª instância pôde valorar com respeito pela regra da imediação, de forma a apurar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.”.
E, na mesma linha, o Acórdão desta Relação, de 10-11-2005: “II - A alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação nos termos do artigo 712º do Código de Processo Civil só pode ter lugar quando os elementos fornecidos pela análise do processo, incluindo os concernentes à prova testemunhal que haja sido gravada, imponham de forma clara tal solução e não quando essa análise possa apenas sugerir ou possibilitar decisão diversa da matéria de facto;”.
Ponderado tendo o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 198/2004, de 24/03/2004, in DR, Série II, de 2 de Junho de 2004, que: «A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o tribunal (…) permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo.
A imediação, que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamada “princípio subjectivo”, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.» (o negrito é nosso).

Mantendo as citadas referências doutrinárias e jurisprudenciais toda a sua pertinência e actualidade, mesmo após a última “reforma” do regime recursório, operada pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que, neste particular, não alterou significativamente o quadro normativo considerável.

4. Ora reproduzido o registo áudio dos depoimentos prestados constata-se mostrar-se a motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto em absoluta correspondência com o que em tal audição se colhe.

4.1. Assim, e apenas respigando, temos que a Testemunha “D” – irmã do A. – foi expressa em reportar a “separação” do casal a Setembro de 2008.
O que, não deixou de referir, “Na altura foi uma surpresa para mim “.
Mais referindo que, no entanto, já aquando da viagem de férias ao Brasil, em Abril desse ano, a Ré pôs como condição para ir também com o A. e o filho, que o primeiro não levasse o telemóvel de serviço.
O que aquele terá assim recusado, mas apontando esse contexto, para que ainda não teria ocorrido separação de facto dos cônjuges.
E embora às perguntas, nessa fase, indutoras, do mandatário do A. concedesse que anteriormente haveria “pouco relacionamento” – “falavam pouco” – revelou desconhecer se anteriormente a tal “separação” já não tomavam refeições juntos, ou já não se relacionavam amorosa/sexualmente.
Dando conta de fazerem A. e Ré, enquanto viveram juntos, pouca vida social.
Tratando-se de testemunha que não mantinha uma convivência cerrada com o casal, não sendo os contactos sequer mensais, mas pontuais, por ocasião de festas ou comemorações.
Desconhecendo se após a ida da Ré para a outra casa do casal o A. ali foi dormir ou tomar refeições.
Mas admitindo que o seu irmão, já depois de “a “B”” ter ido viver para a outra casa, ali foi várias vezes…
…E que estando já a viver nessa outra casa, a Ré pelo menos uma vez foi à casa onde ficou o A.: “A “B” foi lá, o meu irmão não estava”, estando a testemunha “e o “H””, e concedendo que a Ré, nessa ocasião, “não tocou à porta”, entrando pura e simplesmente.
A testemunha “C” – a quem o A. fez empréstimos para negócios que surgiram àquele, estando ligado como colaborador e sócio a diversas empresas que o A. tem vindo a impulsionar e de que é sócio e presidente, vd. folhas 141 – assumindo-se como amigo de infância do A. e da Ré, embora não mantenha contactos com esta, tendo-se mudado, há cerca de 5 anos, para uma casa em frente daquela onde vive a “D.ª “B””, disse que “até 2003, 2004, 2005, não sei precisar”, convivia muito regularmente com o casal.
Apontando igualmente a data de Setembro de 2008 como sendo a da separação do casal, passando a Ré a viver sozinha na outra casa do casal.
Desconhecendo as razões porque a Ré não foi na viagem com o A. e o filho que teve lugar anteriormente, e que situa uns anos…antes da separação em Setembro de 2008, “talvez menos tempo”.
Referindo-se às “relações difíceis” que o casal já teria antes da separação, concluídas do que o “Dr. “A”” lhe contava e daquilo “que via” (?) mas nunca tendo presenciado discussões entre o casal, nem tendo concretizado o que viu…
Confirmando que após a Ré ter ido viver para a tal “outra casa”, “Ao princípio, durante os primeiros tempos, o Dr. “A” foi lá, andou lá, andava à volta da piscina”.
Depois já “não o tenho visto”.
Embora não possa afirmar que o Dr. “A” não continue a ir lá, e aí tome refeições ou durma.
Sendo que a testemunha sai de manhã para o seu trabalho e volta à noite…

Não sendo assim retirável, do depoimento destas duas testemunhas, que o A. e a Ré, há mais de um ano – à data da propositura da acção, em 24-03-2009 – deixaram de tomar refeições juntos, de ter relações amorosas e sexuais, de fazer vida social em comum…vivendo embora na mesma casa.

4.2. Sendo certo que os depoimentos das testemunhas da Ré também não sustentam o provado de tal matéria.
Antes indo no sentido da manutenção do relacionamento do casal no período que antecedeu a saída da Ré da então casa de morada de família, e contemplando mesmo alguns contactos, por razões e em circunstâncias não bem esclarecidas, entre A. e Ré, durante algum tempo após aquela saída.
Assim sendo que a testemunha do A., “F”, refere ter relação de amizade com a Ré, desde há cinco anos, por via de serem um seu filho e o filho da Ré colegas na escola.
E que o filho da D.ª “B”, após a ida desta para a “outra casa” – “no final do verão de 2008” – ficou a viver com a mãe.
Sendo que tal ida da “B” para essa outra casa, e tanto quanto então lhe referiu a “B”, foi por acordo do casal, “para dar um tempo”.
“Eu via a “B” numa casa e o “A” na outra casa”.
Mas, “várias vezes me cruzei com o “A” à saída de casa e à entrada de casa, quando ia pôr o “I” (seu filho) a casa, e muitas vezes o “I” me dizia que tinha visto o “A” lá em casa (a “outra casa” onde a Ré passou a viver).
E “Ruptura, ruptura mesmo, em que o casal se chateou mesmo, eu penso que foi talvez, não sei, em Outubro de 2009”…
“Não estava dentro de casa, não sei o que se passava em casa, mas pelo menos pelo que eu me apercebi e vi, e pelo que a “B” falava comigo, foi mais ou menos nessa altura” a ruptura “definitiva”.
Sendo que anteriormente à ida da Ré para a “outra casa”, e pelo que lhe era dado constatar, faziam, A. e R., a sua vida em comum, tendo observado esta a preparar refeições para o A., cuja chegada a casa aguardava, e aqueles a “saírem juntos ao fim de semana.”.
Tendo A. e Ré ido juntos, em Julho/Agosto, de 2008, “não posso precisar”, deixar o filho numa festa organizada pelo filho da testemunha, de nome “I”.
Isto depois de “talvez” em Junho terem ido A. e Ré, mais o filho de ambos, em viagem à Malásia.

Por seu turno, a testemunha “G”, foi visita do casal até 2007, “na outra casa”, onde ficou o A.
Tendo o casal resolvido viver em casas separadas em finais de 2008.
“Eu ia lá regularmente a casa” onde o casal vivia, até que a D.ª “B” foi viver para a outra casa, passando então a ir visitar a D.ª “B” à nova casa desta.
Havendo convívio entre o filho da D.ª “B” e uma irmã da testemunha, um pouco mais velha do que aquele.
Até então viu o A. e a Ré, “algumas vezes”, a tomar refeições juntos, havendo uma relação de casal normal.
A ida da D.ª “B” para a outra casa foi uma decisão do casal, para “dar um tempo”, ao que lhe contou aquela, e no que acredita.
Recorda-se de terem ido A. e Ré, com o filho, de férias, à Malásia.
Depois da separação de casas via por vezes o A. na casa da D.ª “B”.
Assim, “o ano passado na altura do verão”.
Sendo a ruptura definitiva em Outubro “do ano passado.” (2009).
O que sabe porque “deixei de o ver lá e a Dr.ª “B” tinha-me dito que quando o Sr. “A” fosse para lá ela ligava-me e se ele demorasse mais que um x tempo para eu lá aparecer”, porque “tinha medo”.
Recorda-se de ver o A. ir lá a casa da D.ª “B”, “à hora do jantar”.
Tendo-lhe aquela referido, numa ocasião, que tinha tido relações sexuais com aquele, já na sua actual casa, antes da ruptura definitiva.
Aquando da viagem ao Brasil, A. e Ré ainda “saíam juntos, conviviam com as outras pessoas.”.

5. Quanto aos “apensos”, e requerimento de alteração do acordo quanto ao exercício das responsabilidades, temos que o requerimento de providência cautelar de alimentos provisórios deu entrada em 23 de Dezembro de 2009 – vd. folhas 303 – portanto cerca de nove meses depois de instaurada a acção – em 24-03-2009, cfr. folhas 14 – e em consonância, de resto, com o depoimento de uma das testemunhas da Ré, no sentido de que a “separação definitiva” apenas havia acontecido em Outubro de 2009…
E o de arrolamento em 23 de Outubro de 2009…também assim cerca de sete meses depois de instaurada a acção de divórcio.
Sendo, e por último, que o requerimento de alteração foi apresentado pela Recorrida, nestes autos, em 30 de Abril de 2010, vd. folhas 126 a 136.
Não permitindo assim a circunstância do desencadeamento de tais procedimentos e requerimento, e na conjugação com os depoimentos prestados, sustentar a ocorrência de separação de facto iniciada mais de um ano antes da propositura da acção, nem tão pouco desde 1 de Setembro de 2008.  
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Improcedendo assim, aqui, as conclusões do Recorrente, sendo de manter a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

II – 2 – Do fundamento para o peticionado decretamento de divórcio.
1. A causa de pedir invocada e substanciada pelo A./recorrente, na sua petição inicial, foi a separação de facto dos cônjuges, que “há mais de um ano (…) começaram a distanciar-se”, e “Desde a data que a R. abandonou a casa de morada de família” – em 01 de Setembro de 2008 – “deixaram de ter qualquer tipo de convivência em comum”.
Sendo que aquele articulado, recorda-se, deu entrada em 2009-03-24.         
Nos termos do art.º 1781.º alínea a), do Código Civil – na redacção introduzida pela Lei n.º 61/08, de 31-10, ex vi dos art.ºs 9º e 10º, da mesma Lei – é fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges “A separação de facto por um ano consecutivo;”.
Entendendo-se “que há separação de facto (…) quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.”, cfr. art.º 1782º, n.º 1, do Código Civil.

Provado estando que em dia indeterminado do mês de Setembro de 2008, a ré deixou de viver na casa de morada de família, onde permaneceu o autor, passando a mesma a habitar uma outra casa pertença do casal; até à referida data, o autor e ré viveram na mesma casa, contribuindo o autor para os gastos e despesas da ré e suportando os encargos da casa de morada de família; aquando da saída da ré da casa de morada de família, o filho permaneceu na casa de morada de família; o autor não pretende refazer a sua vida com a ré.

Tendo-se considerado na sentença recorrida que:
“Como se apurou, pelo menos até ao início do mês de Setembro de 2008, os cônjuges viveram na mesma casa, em economia comum, não se tendo demonstrado qualquer factualidade susceptível de integrar o elemento objectivo da situação de separação de facto.
Demonstrou-se que em dia indeterminado do mês de Setembro de 2008, a ré deixou de viver na casa de morada de família, onde permaneceu o autor, passando a mesma a habitar uma outra casa pertença do casal.
A saída de casa por parte da autora, para passar a habitar uma outra casa do casal, não constitui factualidade suficiente para integrar o referido elemento objectivo da separação de facto, não permitindo nomeadamente presunção no sentido de que os cônjuges não mais partilharam a mesma cama, a mesma mesa, momentos de lazer e convívio social.
De qualquer forma, sempre o preenchimento do elemento temporal estaria prejudicado, na medida em que a acção foi intentada em 24 de Março de 2009, impendendo sobre o autor o ónus de prova da verificação dos factos reconduzíveis à situação de separação de facto pelo menos desde 24 de Março de 2008, que não logrou fazer.
Não demonstrou pois o autor factualidade suficiente para integrar a verificação da separação de facto nos termos previstos nos referidos arts. 1781º, al. a) e 1782º, n.º 1 do CC.”.

Ao que contrapõe o Recorrente – e assim, aparentemente, mesmo para a hipótese, concretizada, de naufrágio da deduzida impugnação da matéria de facto – que tendo ficado provado que pelo menos desde Setembro de 2008 a ré “deixou de viver na casa de morada de família, onde permaneceu o autor, aqui recorrente, passando a habitar uma outra casa pertença do casal” e que “o recorrente não pretende refazer a sua vida com a ré.”, tal é “factualidade bastante para determinar o preenchimento do elemento objectivo e subjectivo da separação de facto, uma vez que o elemento objectivo é a falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes.”.
Sendo, acrescenta, que no tocante à duração de tal separação, por força do princípio da “actualidade” da sentença importará considerar preenchido o correspondente requisito, na circunstância de, “durante a pendência da acção”, haver decorrido mais de um ano desde a data em que a Ré passou a habitar uma outra casa, pertença do casal.

Vejamos:
2. No tocante à inexistência de comunhão de vida – elemento objectivo da separação de facto[1] – aquela, e no que respeita ao período decorrido até à saída da Ré da casa de morada de família, em 1 de Setembro de 2008, é de todo insustentável.
Mas também relativamente ao período subsequente, até à propositura da acção, assim acontece.
Pois não se poderá pretender que a circunstância de terem A. e Ré passado a viver em casas diferentes implica a absoluta ausência de contactos não meramente “funcionais” – para resolução de assuntos pendentes de interesse comum – entre ambos.
Isto sem prejuízo, e desde logo, de se não poder, em via de presunções, dar como provados factos que em sede de julgamento da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, esta Relação confirmou como não provados.

3. Já no que concerne ao elemento subjectivo – o tal “propósito” da parte de ambos os cônjuges ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial – o mesmo resulta da factualidade apurada, vd. ponto 4. do elenco respectivo.
Sem embargo de dever aquele reportar a todo o período exigível de absoluta inexistência de comunhão de vida…

4. Mas ainda quando se devesse entender que a simples “divisão do habitat” – para utilizar a expressão de Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira[2] – era bastante para se concluir pela integração do referido elemento objectivo, e que o elemento subjectivo se satisfazia com a sua verificação no momento da propositura da acção de divórcio, não seria de dar por verificado o invocado fundamento de divórcio.

Com efeito:
É pacífica a natureza substantiva do prazo de duração da separação de facto, exigido para que esta releve enquanto fundamento de divórcio.
Já se não podendo afirmar o mesmo no tocante ao momento até ao qual aquele se deverá perfazer.
Assim, a Relação do Porto[3] e a Relação de Évora,[4] têm entendido, que um tal prazo tem de verificar-se à data do pedido, irrelevando que, entretanto, durante a pendência da acção, esse prazo se complete.
Nesse mesmo sentido indo, na doutrina, José Alberto dos Reis,[5] F. Brandão Ferreira Pinto, [6] Abel Pereira Delgado,[7] e Miguel Teixeira de Sousa.[8]

Já o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdãos de 3-11-2005 e 06-03-2007,[9] julgou ser atendível na decisão o prazo de separação de facto que se completou na pendência da lide, face ao principio da actualidade da decisão constante do artigo 663º Código de Processo Civil.

José Lebre de Freitas . A. Montalvão Machado . Rui Pinto,[10] anotam que “Na vigência do C.P.C. de 1939, o art.º 663 constituía a única sede de regulamentação da superveniência de factos integradores da causa de pedir (…) e, na falta de preceito correspondente ao actual art.º 506º, a questão da alteração ou ampliação da causa de pedir punha-se diferentemente. Não deixava, porém, de ser contraditória a aceitação, por um lado, da admissibilidade da ocorrência do facto constitutivo na pendência da causa e a negação, por outro, da admissibilidade do completamento dum prazo dilatório de direito substantivo da mesma natureza também depois de proposta a acção (…) Perante o actual art.º 506, a ocorrência do facto constitutivo (…) deve ser alegada e provada em articulado superveniente; mas o simples decurso dum período que falte para se completar um prazo sem o qual a acção não possa proceder talvez dispense a invocação em articulado superveniente.” (o realce a negrito é nosso).

Sem prejuízo do muito respeito que nos merecem os seguidores da tese da sobrelevância do princípio da actualidade da decisão, não podemos acolher uma tal orientação.
É que a causa de pedir na acção de divórcio é o facto material e concreto que integra qualquer uma das várias categorias previstas na lei.
E, assim, se a causa de pedir invocada for a separação de facto por um ano consecutivo, necessário é que esse prazo de separação, tanto na vertente objectiva, como na subjectiva, seja decorrido à data da propositura dessa mesma acção.
Enquanto esse prazo não estiver perfeito, o direito ao divórcio não nasce na esfera jurídica do cônjuge que se pretende divorciar com aquele fundamento.
O legislador entendeu ser necessário um mínimo de tempo decorrido como demonstrativo da verificação da ruptura da vida em comum.
Por isso, se à data em que foi proposta a acção ainda não tinha decorrido esse período de tempo reputado como necessário para que se considere verificada a ruptura da vida em comum, é irrelevante que, entretanto, durante a pendência da acção, esse prazo se complete.
Como expendia J. A. dos Reis,[11] “Aqui temos um caso nítido em que a lei substancial obsta a que o facto superveniente exerça influência sobre o julgamento a proferir. O art.º 1472.º, posto que inserto no Cód. de Proc., contém uma norma de natureza substancial; e tanto pela letra como pelo espírito da disposição, é óbvio que os requisitos requeridos pelo artigo hão-de verificar-se no momento em que se apresenta ao Tribunal o pedido de divórcio ou de separação. Logo, se não existirem nesse momento, o juiz tem de indeferir o pedido, pouco importando que já existam à data da decisão.”.
E, diga-se, a tese propugnada pelo Recorrente conduziria a resultados inaceitáveis.
Por um lado, e no limite, poderia qualquer dos cônjuges propor a acção de divórcio, com fundamento na separação de facto, no dia seguinte à ocorrência da separação, contando com a demora do processo, para perfazer o ano exigido na lei.
O que iludiria por completo o espírito da lei, não encontrando suporte na letra da mesma, que “não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação.”.[12]
Por outro lado, permitir-se-ia a sanação, em via de operatividade do princípio da actualidade da decisão, da manifesta improcedência do pedido de divórcio em que se invocasse a separação de facto por período inferior a um ano, justificadora de indeferimento liminar, nos quadros do art.º 234º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou de julgamento da improcedência da acção, logo no saneador.
*
Improcedendo por igual nesta parte as conclusões do Recorrente.
 II – 3 – Da considerabilidade de outros fundamentos para o peticionado divórcio.
Mais sustenta o Recorrente, no entanto, que a factualidade provada “é bastante para aferir da ruptura definitiva do casamento, nos termos e para os efeitos da alínea d) do art. 1781º do C.C.”.
E, desse modo, por isso que “ficou provado que em dia indeterminado de Setembro de 2008 a ré saiu de casa, tendo o filho do casal permanecido na casa de morada de família com o recorrente, o qual não pretende refazer a vida com a ré”.
Nos termos da citada disposição legal são ainda fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, “Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.”.
Como se assinala no ponto n.º 3 da exposição de motivos constante de projecto de lei apresentado à Assembleia da República, de que veio a resultar a lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, «(…) Se o sistema do “divórcio ruptura” pretende reconhecer os casos em que os vínculos  matrimoniais se perderam independentemente da causa desse fracasso, não há razão para não admitir a relevância de outros indicadores fidedignos da falência do casamento. Por isso, acrescenta-se uma cláusula geral que atribui relevo a outros factos que mostram claramente a ruptura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo. O exemplo típico, nos sistemas jurídicos europeus, é o da violência doméstica – que pode mostrar imediatamente a inexistência da comunhão de vida própria de um casamento (…)”.
Tratando-se pois esta, de uma causa geral de divórcio, residual, que apenas funciona quando não se verifique ou invoque uma qualquer outra das demais causas previstas no art.º 1781º do Código Civil.
Daí que, como refere Tomé D’Almeida Ramião,[13] “não se possa, por exemplo, intentar acção de divórcio baseada na ruptura definitiva do casamento invocando a separação de facto por um período inferior a um ano, já que a separação de facto, enquanto causa autónoma, só constitui fundamento para o divórcio desde que ocorra por um período de um ano consecutivo. Dito de outro modo, a separação de facto, só por si, nessa circunstância, não pode demonstrar a ruptura definitiva do casamento.”.
Também assim, fundamentando-se a acção de divórcio em separação de facto “há mais de um ano” à data da propositura da acção, e não se provando a factualidade integradora de uma tal causa de pedir, designadamente por se não demonstrar a separação com essa duração, não se poderá concluir a dita ruptura definitiva – necessariamente à data da propositura da acção – da mera circunstância – contemplada na petição inicial – de a Ré ter deixado a casa de morada de família, indo viver para outra moradia do casal, menos de um ano antes da propositura da acção.
E isto independentemente do provado de não pretender o Autor refazer a sua vida com a ré.
Pois que se não mostra consagrado no nosso ordenamento jurídico o divórcio por vontade unilateral discricionária de um dos cônjuges.

Diversa seria a situação quando, alegados na petição inicial, tivessem resultado provados factos de que resultasse ter a saída da Ré da casa de morada de família, tido lugar em circunstâncias, ou sido determinada por razões – designadamente as que anteriormente interessariam à definição da culpa na violação do correspondente dever de coabitação – no confronto das quais a manutenção do casamento representasse para o “cônjuge médio”, segundo as concepções dominantes no círculo respectivo, um sacrifício que excedesse o limite do razoável, quando o casamento deixou de constituir o centro da sua realização pessoal, quando se perderam os afectos.
Ora, do que alegado vinha, com eventual pertinência nesta sede, nada resultou provado.

Com improcedência das conclusões do Recorrente, também aqui.

II – 4 – Da pela Recorrida, requerida condenação do Recorrente como litigante de má-fé.
Como decorre de quanto se deixou dito, designadamente em sede de separação de facto, não é equacionável a dedução pelo Recorrente de pretensão, em fase recursória, cuja falta de fundamento não podia, ou não devia, ignorar, ou que haja aquele feito do processo, nesta mesma fase, um uso manifestamente reprovável… (cfr. art.º 456º, n.º 1 e 2, alíneas a) e d), do Código de Processo Civil.
Por um lado, e assim acompanhando o que a propósito suscitou a Recorrida, tratou-se, em sede de impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, de pretender fazer sobrelevar os depoimentos das testemunhas do A., “apreciados”, naturalmente, sob a óptica do mesmo Recorrente.
Sendo certo que a testemunha “D” começou por ensaiar transmitir uma situação de desagregação conjugal já anteriormente à saída da Ré da casa de morada.
E que a testemunha “C” se referiu às “relações difíceis” que o casal já teria antes da separação,
Tratando-se por outro lado, a por aquele propugnada, e no particular da actuação do princípio da actualidade da decisão, de interpretação defendida em arestos do nosso mais alto tribunal.
E, no particular da “ruptura definitiva”, enquanto fundamento de divórcio, deparamo-nos com um conceito recente, não sedimentado, carecido de uma maior elaboração doutrinária e jurisprudencial.
Apenas no que tange à verificação, no confronto da factualidade apurada, do elemento objectivo da separação de facto – em quanto transcende a questão do prazo da sua duração – se podendo conceder o desapoio na lei da sua abordagem.
Sem contudo se tratar de posição de claro afrontamento de lei expressa.

Não havendo pois lugar à condenação do Recorrente, a título de litigante de má-fé.
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III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.
Taxa de Justiça nos termos da Tabela I-B, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

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Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 713º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, como segue:
I - Se a causa de pedir invocada na acção de divórcio for a separação de facto por um ano consecutivo, necessário é que esse prazo de separação, tanto na vertente objectiva, como na subjectiva, seja decorrido à data da propositura dessa mesma acção. II - É irrelevante que, entretanto, durante a pendência da acção, esse prazo se complete. III – A “ruptura definitiva” é uma causa geral de divórcio, residual, que apenas funciona quando não se verifique ou invoque uma qualquer outra das demais causas previstas no art.º 1781º do Código Civil. IV – A separação de facto por período inferior a um ano, só por si, não pode demonstrar a ruptura definitiva do casamento. V - Também assim, fundamentando-se a acção de divórcio em separação de facto “há mais de um ano” à data da propositura da acção, e não se provando a factualidade integradora de uma tal causa de pedir, designadamente por se não demonstrar a separação com essa duração, não se poderá concluir a dita ruptura definitiva da mera circunstância – contemplada na petição inicial – de a Ré ter deixado a casa de morada de família, indo viver para outra moradia do casal, menos de um ano antes da propositura da acção.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2011

Ezagüy Martins
Maria José Mouro
Maria Teresa Albuquerque
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[1] Vd. Antunes Varela, in “Direito da Família”, Livraria Petrony, 1982, pág. 411.
[2] In “Curso de Direito da Família”, Vol. I, 2ª Ed., Coimbra Editora, 2001, pág. 630.
[3] Vd. os Acórdãos de 14-06-2010, proc. 318/09.7TBCHV.P1; de 25-05-2006, proc. 0632604, de 25-01-2001, proc. 0031753, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[4] Vd. o Acórdão de 27-01-2005, proc. 2645/04-2, in www.dgsi.pt/jtre.nsf.
[5] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. V, pág. 91.
[6] In “Causas de Divórcio, Doutrina Legislação”, Almedina, 1992, pág. 123.
[7] In “O divórcio”, 2ª Ed., Livraria Petrony, Lda., 1994, pág. 108, nota 2.
[8] In ““ O Regime Jurídico do Divórcio”, 1991, pág. 
[9] Proc. 05B2266, e 07A297, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[10] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 656, 657.
[11] In op. et loc. cit. supra.
[12] Oliveira Ascensão, in “Introdução ao Estudo do Direito”, Ano lectivo de 1970/71, 1º Ano, 1ª turma, Ed. dos SSUL, pág. 346.
[13] In “O divórcio e Questões Conexas . Regime Jurídico Actual”, 2ª ed., Quid Júris, 2010, pág. 74.