Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6/11.4YRLSB-4
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: GREVE
SERVIÇOS MÍNIMOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: O tribunal arbitral, ao fixar como serviços mínimos a prestar, na empresa Soflusa e no dia da greve geral- 24 de Novembro de 2010–, um total de 15 carreiras fluviais das 94 habitualmente realizadas, entre o Barreiro e o Terreiro do Paço, incidindo a sua grande maioria nas chamadas “horas de ponta”, não violou os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, sendo que a alternativa de não fixar quaisquer serviços mínimos não é compatível com as normas que regulam o direito à greve, pois está em causa uma empresa de transportes públicos fluviais que a lei classifica como empresa que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
                       
                        O Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agência de Viagens, Transitários e Pescas interpôs recurso do acórdão proferido pelo tribunal arbitral constituído no âmbito do processo de arbitragem obrigatória n.º 48/2010-SM que, relativamente à greve geral convocada pelas centrais sindicais – UGT e CGTP para o dia 24 de Maio de 2010, decidiu quais os serviços mínimos que deviam ser prestados pelos trabalhadores da SoFlusa- Sociedade Fluvial de Transportes, SA durante o período de greve.
                        Paralelamente, argui expressa e separadamente, nos termos do artº 77º, nº 1, do Cod. Proc. Trabalho, a nulidade do mesmo, por falta de fundamentação, já que não esclarece quais as necessidades sociais impreteríveis a satisfazer, nem as razões em que assenta a discriminação que consagra, assegurando a realização de determinadas carreiras de transporte fluvial e não de outras.
                        No recurso, formulou as seguintes conclusões:
(…)
                        A Soflusa apresentou contra-alegações.
                                                                             x
                              Foram colhidos os vistos legais.
                              Cumpre decidir:
                              Questões a decidir:
                        - nulidade do acórdão do tribunal arbitral, por falta de fundamentação;
                        - se esse acórdão, fixando serviços mínimos, limitou o direito à greve, por as restrições nela impostas não serem indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
                                                                             x
                              Como circunstancialismo relevante a ter em conta temos:
                        1 - O recorrente e o SNTSF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário), o SITEMAQ (Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiras de Terra), e o STFCMM (Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha Mercante), comunicaram, de acordo com o texto dos avisos prévios, a sua adesão à greve geral a decorrer no dia 24 de Novembro de 2010, , com a paralisação total do trabalho durante todo o período de funcionamento correspondente àquele dia;
                              2 - Os serviços mínimos não estão regulados no instrumento de regulamentação colectiva aplicável.
            3 - Tal como decorre da acta de 10 de Novembro de 2010, realizou-se nesse dia uma reunião no MTSS, nas instalações da Direcção de Serviços das Relações Profissionais de Lisboa, convocada ao abrigo do disposto no n.º2 do artigo 538º do CT, para negociação de um acordo sobre os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar.
                              4 - No âmbito dessa reunião não foi alcançado acordo quanto aos serviços mínimos.
                              5 -  A Soflusa, SA, apresentou proposta de serviços mínimos.
                        6- Os sindicatos discordaram, tendo reiterado a posição já assumida nos avisos prévios, reafirmando a sua disponibilidade para assegurar "os serviços mínimos que sempre asseguraram e se têm revelado suficientes", bem como, ''no decorrer da greve, quaisquer outros serviços que em função de circunstâncias concretas e imprevisíveis, venham a mostrar-se necessários à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”.
                        7- É o seguinte o teor do acórdão recorrido do tribunal arbitral:
                        “I - DO PROCESSO
                        Por comunicação electrónica de 11 de Novembro de 2010, a Direcção Geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT) do Ministério do Trabalho e da Solidariedade remeteu à Secretária-Geral do Conselho Económico e Social (CES) os seguintes documentos:
                        a) Aviso - prévio de adesão à greve geral decretada pelas centrais sindicais CGTP e UGT  para 24 de Novembro próximo, subscrito pelos Sindicatos: SNTSF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário), SITEMAQ (Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiras de Terra), SIMAMEVIP (Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pescas) e STFCMM (Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha Mercante);
                        b)- Acta da reunião convocada pela DGERT nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo do Código de Trabalho, e que teve lugar no dia 10 de Novembro de 2010 com a participação de representantes dos referidos sindicatos e da SOFLUSA - Sociedade Fluvial de Transportes, S.A.
                        Na referida reunião a Empresa sustentou que a definição de serviços mínimos deverá ter em conta o decidido no Acórdão relativo à greve de 30 de Maio de 2007 - Proc. 23/2007 - SM, por se tratar igualmente de uma paralisação por um período de 24 horas no âmbito de uma greve geral, enquanto os Sindicatos reiteraram a posição já constante do pré aviso de greve, reafirmando a sua disponibilidade para assegurar "os serviços mínimos que sempre asseguraram e se têm revelado suficientes", bem como, ''no decorrer da greve, quaisquer outros serviços que em função de circunstâncias concretas e imprevisíveis, venham a mostrar-se necessários à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”.
                        Face à impossibilidade de se obter um acordo naquela reunião, e tendo em conta que a actividade da Empresa, incluída no sector empresarial do Estado, se integra no âmbito da satisfação de necessidades sociais impreteríveis nos termos da alínea h) do nº 2 do artigo 537º do Código de Trabalho, e ainda que a definição dos serviços mínimos não se mostra regulada pelo instrumento de regulamentação colectiva aplicável (CCT SOFLUSA/SNTSF e outros com texto consolidado e publicado no BTE nº 45/2005, de 8 de Dezembro), impôs-se a constituição de Tribunal Arbitral para definição dos serviços mínimos a assegurar.
                        (...)
                        O Tribunal, com a referida constituição, reuniu no dia 16 de Novembro pelas 14h00, nas instalações do CES, tendo decidido ouvir as partes que foram convocadas para as 14h30, os representantes dos Trabalhadores e para as 15h00 os representantes da Empresa, tendo comparecido e apresentado as respectivas credenciais ou procuração, em representação das respectivas entidades:
SNTSF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário) -
SITEMAQ (Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra) -
SIMAMEVIP (Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pescas) -
STFCMM (Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha Mercante) Todos representados por JM....
SOFLUSA - Sociedade Fluvial de Transportes, S.A., representada por A... T..., R... e J....
                        Os representantes das partes prestaram os esclarecimentos que lhes foram pedidos e responderam a todas as perguntas que lhes foram feitas, nomeadamente sobre os fundamentos das respectivas posições, tendo ainda a SOFLUSA, S.A., juntado ao processo um documento contendo a proposta da Empresa no que se refere à determinação dos serviços mínimos e um gráfico representativo dos fluxos de passageiros transportados e respectivos horários.

                        II - DA DECISÃO
                        O Tribunal Arbitral não vê razão para alterar a jurisprudência já estabelecida em Acórdãos anteriores, nomeadamente tendo em conta os critérios de ponderação fixados no Acórdão 22/2007 -SM que se transcrevem:
                        "a)«-  O facto de se tratar de uma greve que, declaradamente, se insere num projecto de greve geral susceptível de atingir, em medida não previsível, o funcionamento do sistema de transportes, no seu conjunto;
                        b) O facto de estar excluída a possibilidade de programação de soluções alternativas de transporte colectivo entre os pontos servidos pela empresa;
                        c)- O facto de os serviços de transporte assegurados pela empresa terem cáracter marcadamente pendular, com faixas horárias em que a procura está fortemente concentrada;
                        d)- A consideração de que, nessas faixas horárias, a não realização de serviços poderia redundar num prejuízo desmesurado e irremediável do direito de deslocação e de outros direitos fundamentais de que ele é instrumental;
                        e)- A necessidade de salvaguardar o exercício de direito à greve na máxima extensão compatível com o respeito mínimo por outros direitos constitucionalmente garantidos;
                        f)- A necessidade de garantir a segurança dos serviços a efectuar, nomeadamente no toca ao respeito pela lotação das embarcações"
                        Assim, nos termos do nº 1 do artigo 5980 do Código de Trabalho, o Tribunal Arbitral decide fixar os serviços mínimos no seguinte:
                        1. Prestação dos serviços adequados à segurança e à manutenção do equipamento e instalações;
                        2. Realização dos serviços de transporte constantes do quadro anexo”.
                        8. Nesse quadro em anexo foram discriminadas as seguintes carreiras:
                         Barreiro - Terreiro do Paço - Barreiro:    1:00,  6:15, 6:45, 7:15, 7:45, 8:15, 8:45, 9:20, 14:20, 17:30, 18:25, 19:05, 19:40, 20:40 e  22:30.
                        9. O árbitro de parte trabalhadora apresentou a seguinte declaração de voto:
                        “Não me parece que a fixação de um certo número de carreiras fluviais, em determinados períodos do dia, corresponda à satisfação de necessidades sociais de natureza impreterível.
                        Esse processo de fixação de serviços mínimos tenderá, em minha opinião, a atenuar os efeitos da greve e a minorar os incómodos que lhe estão subjacentes, mas não a prever a satisfação das referidas necessidades sociais impreteríveis.
                        Acresce que essa oferta de transporte poderá ser utilizada não pelos utentes carenciados cuja identificação, em rigor, me parece impossível mas apenas por aqueles que em primeiro lugar conseguirem aceder a esse tipo de transporte, o que desde logo se me afigura perverter o objectivo subjacente a esta deliberação.
                        Nestes termos discordo da presente deliberação por se me afigurar não ser a mais adequada à plena observância dos princípios constitucionais inerentes ao exercício do direito à greve”.
                                                           x
                                               x
                                               x
            -  a primeira questão - nulidade do acórdão:
                              Como acima se referiu, o recorrente entende que a decisão do tribunal arbitral é nula por falta de fundamentação. 
                              Tal como acontece nas hipóteses da al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC, o que releva aqui, para efeitos de tal nulidade, é a absoluta falta de fundamentação, e não a fundamentação errada ou insuficiente, conducente a um erro de julgamento.
Quando o julgador mais não faz do que seguir determinado raciocínio, se esse raciocínio está certo ou errado, trata-se de uma questão diversa, que terá a ver com eventual erro de julgamento, mas que não constitui nulidade da sentença.
Conforme referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pag. 687, “para que a sentença careça de falta de fundamentação não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente, é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos de direito”. E quanto aos fundamentos de direito os mesmos autores referem que “o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas pretensões, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador”.


                              Como resulta da transcrição do acórdão recorrido,  facilmente se verifica que o mesmo não padece da referida nulidade ao fixar serviços mínimos postos em causa pelo recorrente, baseando-se nas considerações explanadas nos pontos a) a f) da sua parte decisória, designadamente tratar-se de uma greve de âmbito geral, a impossibilidade de soluções alternativas de transportes colectivos, a concentração da procura dos serviços da Empresa em determinadas faixas horárias nos fundamentos indicados, o prejuízo sério do direito à deslocação e a segurança dos serviços a efectuar.
                              É certo que estamos perante uma fundamentação sumária, com remessa para acórdãos anteriores, mas nem por isso se pode dizer que o tribunal arbitral deixou de fundamentar a sua decisão, não assistindo por isso razão ao recorrente quanto à nulidade do acórdão, sendo que a mera discordância quanto aos fundamentos da decisão não consubstancia a sua falta de fundamentação.
                              - a segunda questão:
                              Aqui  o recorrente invoca que a decisão proferida pelo tribunal arbitral traduz uma limitação do direito à greve, já que se apresentava como desnecessária a fixação dos serviços mínimos, que não eram indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
                              Vejamos se é assim.
                        Dispõe o nº 1 do artº 57º da Constituição (CRP) que “É garantido o direito à greve”.
                        E o nº 3 estabelece: “A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços mínimos necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”.
                        Mas se o direito à greve é um direito constitucional, não é  um direito absoluto, podendo sofrer determinados restrições, que, contudo, só podem verificar-se em contextos legalmente estabelecidos e têm de conter-se dentro de limites bem definidos.
                        É o que resulta do disposto no artº 18º, nº 2, da CRP: “A lei só pode restringir os direitos, (…) nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direito ou interesses constitucionalmente protegidos”.
                              E o nº 3 do mesmo artigo rege, na parte que agora nos interessa, que: “As leis restritivas de direitos, (…) não podem (…) diminuir a extensão e o alcance da conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
                              E um dos direitos tutelados constitucionalmente é o direito de deslocação – artº 44º da CRP.
                        No que se refere à fixação dos serviços mínimos durante a greve, entendeu-se no Ac. do STA de 26/06/2008 (in www.dgsi.pt):
                              “…o direito à greve não é absoluto visto o seu nº 3 introduzido no texto constitucional pela Revisão de 1997, autorizar que a lei ordinária defina "as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis", o que constitui uma limitação ao seu exercício irrestrito, como também o nº 2 do seu artº 18º consente que esse exercício possa ser constrangido quando seja "necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos". O que quer dizer que, apesar fundamental, o direito à greve pode ser regulamentado e esta regulamentação pode constituir, objectivamente, numa restrição ao seu exercício sem que tal possa ser considerado como uma violação inconstitucional do direito à greve. Ponto é que ela se destine a ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a promover a segurança e manutenção de equipamentos e instalações e se limite ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”                  
                              O direito à greve encontra-se regulado nos art.ºs 530º e ss do Código do Trabalho de 2009 (CT).
                              A lei confere aos trabalhadores aderentes à greve determinados deveres, que podem implicar a necessidade de prestação de serviços durante a mesma. É o que decorre do nºs 1, 2 e 3 do artº 537 do CT, e que se verificam em duas situações:
                              - Os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações (nº 3);
                              - Quando estão em causa empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis (nºs 1 e 2).
                              Escreveu-se, a este propósito, no recente acórdão desta Relação de Lisboa de 7/12/2010 (Relatora Desembargadora Paula Sá Fernandes), disponível em www.dgsi.pt:
                              ”Nesta última situação – satisfação de necessidades sociais impreteríveis – os seus limites revestem-se de alguma complexidade pois pressupõem a articulação de dois conceitos relativamente indetermináveis: - a satisfação de necessidades socialmente impreteríveis e os serviços mínimos que devem ser prestados para assegurar a referidas necessidades, pelo que os seus limites hão-de ser integrados em função e à luz de cada situação.
                              A doutrina tem entendido a possibilidade e a necessidade de desenvolver um critério qualificador das necessidades sociais impreteríveis, de entre o conjunto das necessidades inerentes aos bens e interesses constitucionalmente protegidos em sede de direitos fundamentais, designadamente, Monteiro Fernandes, em “Manual do Direito do Trabalho”, 13ª edição, pág. 926. Também no mesmo sentido, Liberal Fernandes, em obra recente, “A obrigação de serviços mínimos como técnica de regulação da Greve nos serviços essenciais”, a pág.457, refere que: “Em sentido laboral, os serviços mínimos compreendem a actividade que os trabalhadores em greve ficam obrigados a prestar (ou a continuar a prestar, uma vez que, por definição, a satisfação das necessidades sociais impreteríveis não admite interrupções) durante a paralisação colectiva; esta dimensão está directamente relacionada com os limites que a ordem jurídica impõe ao exercício do direito à greve e traduz a quota de prestação laboral que não pode ser interrompida ou suspensa, sob pena de lesão dos direitos fundamentais dos cidadãos.”
                              Por outro lado, o legislador reconhecendo as dificuldades de concretização do referido conceito enuncia, no nº2 do art.º537 do CT, alguns sectores que integram empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação das necessidades socais impreteríveis, nos quais se inclui o sector dos transportes, incluindo os relativos a passageiros, sendo certo que o direito de deslocação é tutelado na Constituição, no art.º44, como um direito fundamental”. 
            No caso que nos ocupa, não oferece qualquer tipo de dúvida que a empresa Soflusa tem uma actividade que se integra no satisfação de necessidades sociais impreteríveis, tendo por isso participado no processo de definição dos serviços mínimos a que se refere do artº 538º do CT, uma vez que o instrumento de regulamentação colectiva aplicável não prevê a sua definição.
                              O que se passa é que o recorrente discorda da definição dos serviços mínimos fixados pelo tribunal arbitral, alegando que não foram respeitados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, como impõe o nº 5 do mesmo artº 538º do CT.
                              Como decorre de tudo o exposto e, fundamentalmente, das disposições constitucionais e legais citadas, a definição dos serviços mínimos a fixar para ocorrer à satisfação das referidas necessidades sociais impreteríveis pode pôr em causa  o exercício do direito à greve, sendo mister que a sua delimitação obedeça aos referidos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
                        Daí que a salvaguarda dos direitos dos utentes, nomeadamente do  direito de deslocação, não possa, em situações como a que nos ocupa, ser transformada num limite que anule o exercício da greve.
                              E não nos parece que tenha ocorrido, no caso em apreço, essa limitação.
                              O tribunal arbitral fixou como serviços mínimos a prestar no dia da greve geral- 24 de Novembro de 2010 – um total de 15 carreiras, entre o Barreiro e o  Terreiro do Paço, incidindo a sua grande maioria nas chamadas “horas de ponta” e sendo que entre as 9,20 horas e as 14, 20 horas não foi estabelecida qualquer carreira
                              Como se constata pela leitura do gráfico de fls. 44, a empresa Soflusa realiza diariamente, no percurso em questão  e em dias úteis da semana, um total de 94 carreiras em cada sentido, transportando habitualmente 32.000 passageiros.
                              Por outro lado, e como bem salienta a empresa Soflusa, nas suas contra-alegações, a greve em questão foi um greve geral, a qual, por definição e historicamente, tem assumido carácter pontual e esporádico, sendo que, e isso é que é relevante, afecta todos os sectores de actividade, nomeadamente os transportes, não oferecendo alternativa de deslocação a todos aqueles que, por razões e necessidades várias, têm, obrigatoriamente, de efectuar as suas deslocações em transportes colectivos, sendo em elevado número, infelizmente, os portugueses que não dispõem de viatura própria.
                              Também, e salvo o devido respeito, não podemos concordar com argumentação do acórdão citado pelo recorrente, que terá sido proferido em relação a outra empresa de transporte fluvial- a Transtejo- de que “é previsível que se verifique uma redução significativa da procura dos serviços de transportes nesse dia, afastando, assim, eventuais cenários de perturbação da ordem pública resultante de um trânsito caótico na zona da Grande Lisboa”, para assim justificar a não fixação de serviços mínimos.
                              Tal entendimento não tem, na nossa modesta opinião, em conta as necessidades impreteríveis de pessoas que se deslocam por variadas razões, designadamente de emprego, deslocações a hospitais, tribunais, pessoas com deficiência, de idade, em estado de gravidez e outras, sendo que muitas delas não têm recurso a outros meios de transporte. Não esquecendo também todos aqueles em que, estando sujeitos ao comummente chamado ( e sem preocupação de rigor conceitual) “emprego precário”, uma falta a um dia de trabalho pode assumir significativa relevância na manutenção desse seu emprego.
            Assim, somo somos de parecer que o estabelecimento de tal mínimo, que representou cerca de 15% das percursos habitual e diariamente efectuados, em caso algum determinou a violação dos aludidos invocados princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
            A alternativa de não fixar quaisquer serviços mínimos, como entende o recorrente, não é compatível com as normas que regulam o direito à greve, pois está em causa uma empresa do sector dos transportes que a própria lei considera como empresa que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis e como tal têm de ser assegurados os serviços mínimos à satisfação daquelas necessidades.
            Voltando a citar o referido Ac. desta Relação de 7/12/2010, “Se é certo que a inegável imprescindibilidade da empresa em causa, que assegura um direito fundamental de deslocação, não pode ser factor de limitação do direito à greve dos seus trabalhadores, a Constituição impõe que, nessa circunstância, sejam assegurados os serviços mínimos indispensáveis à satisfação das necessidades sociais impreteríveis que são objecto da actividade da referida empresa, nas condições impostas pela lei que impõe a sua definição (art.º538 do CT/2003). Não basta assim que as associações que convoquem a greve declarem o compromisso genérico de assegurar os serviços mínimos pois a lei determina a sua fixação, por acordo entre o empregador e o representante dos trabalhadores, e, não sendo possível, o recurso à decisão arbitral quando se trata, como é o caso, de uma empresa do sector empresarial do Estado – n.º4 do art.º 538 do CT”.
                              Não podem, pois, proceder os fundamentos do recurso.
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                              Decisão:
Nesta conformidade, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.

                        Custas pelo apelante.

Lisboa, 16 de Março de 2011

Ramalho Pinto
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas
Decisão Texto Integral: