Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
241/10.2TJLSB.L1-1
Relator: MANUEL MARQUES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA EXCLUSIVA
VELOCIDADE EXCESSIVA
MANOBRA PERIGOSA
PREVISIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Ao condutor só é humanamente exigível contar com o aparecimento na via por onde circula de obstáculos normalmente previsíveis, em face das circunstâncias concretas.
2. Circulando o veículo por si conduzido numa cidade, em que a velocidade instantânea máxima permitida é de 50 Kms/h, a distância de 30 metros do veículo que o precedia, era, em princípio, suficiente para permitir a paragem daquele veículo.
3. Tal só não ocorreu devido à manobra, imprevista, do condutor do veículo que seguia à sua frente, que ao travar e imobilizar a viatura que conduzia, de forma súbita e repentina, sem necessidade e sem sinalizar tal manobra, reduziu aquela distância de segurança, dando origem à colisão.
4. Assim, apesar do veículo da autora ter embatido na retaguarda do veículo que seguia à sua frente, foi o condutor deste último o exclusivo culpado na produção do acidente.
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. A ( Transportes SA ) intentou a presente acção declarativa, sob a forma sumária, contra B ( Seguros, SA) , pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €6.344,73 a título de indemnização por danos causados à autora, sendo €2.442,78 a título de danos directos e €3.901,95 a título de privação de uso, quantias estas acrescidas de juros de mora vincendos contados desde a citação da ré.
Alegou, em síntese, que é legítima proprietária de um veículo pesado de passageiros, de marca mercedes-benz, com a matrícula 00-AF-00; que no dia 30 de Março de 2007, pelas 07:37 horas, o supra identificado veículo circulava no Viaduto Infante D. Henrique, em ……, no sentido norte/sul, pela semi-faixa situada mais à direita; que à sua frente seguia o veículo ligeiro de passageiros, de marca Opel, modelo Corsa, com matrícula 00-00-AP, seguro na ré; que o condutor do veículo da A, desde que avistou o veículo seguro na R, circulou sempre à retaguarda daquele veículo, a uma distância aproximada de 30 metros; que de súbito, sem nenhuma sinalização, pisca ou stopes, e sem qualquer razão aparente, sem veículos, peões ou animais e ou qualquer outro obstáculo móvel ou fixo à sua frente, travou e imobilizou repentinamente a viatura que conduzia; que o condutor do veículo da A, perante tal situação, ainda olhou para a via de circulação à sua esquerda, mas como a mesma se encontrava ocupada por outros veículos, colocou o pé no travão, a fim de tentar evitar a colisão, o que não conseguiu, vindo a embater, com a sua parte dianteira, na traseira do veículo 00-00-AP; e que em consequência de colisão com veículo seguro na ré, o veículo propriedade da autora sofreu danos e esteve imobilizado durante o período de imobilização.
A ré contestou, tendo alegado, além do mais, que o condutor do veículo AP travou, sem que o tivesse feito de forma brusca, por ter vislumbrado o que lhe pareceu ser um obstáculo e que o veículo da autora circulava a uma velocidade superior à deste, não tendo logrado parar no espaço livre e visível à sua frente, violando o disposto no art. 18 do CE.
Proferido o despacho saneador, foi dispensada a elaboração de base instrutória.
Realizado o julgamento, e após ter sido fixada a matéria de facto dada como provada, foi proferida sentença, na qual se considerou que ambos os condutores contribuíram culposamente e de igual forma para o acidente, com a inerente redução a metade da indemnização peticionada, tendo em consonância se decidido julgar parcialmente procedente a acção de condenar a ré a pagar à autora a quantia de €3.172,37; acrescida dos juros de mora, contados à taxa supletiva legal, desde a citação e até integral pagamento.
Inconformada, veio a autora interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
1. A A. e ora Recorrente instaurou Acção Declarativa com a forma de Processo Sumário, pedindo a condenação da Recorrida a pagar-lhe a quantia de € 6.344,73 (seis, mil trezentos e quarenta e quatro euros e setenta e três cêntimos), a título de indemnização por danos causados à ora Recorrente, sendo € 2.442,78 (dois mil quatrocentos e quarenta e dois euros e setenta e oito cêntimos), a título de danos directos e € 3.901,95 (três mil novecentos e um euros e noventa e cinco cêntimos), a título de privação de uso, quantias essas acrescidas de juros de mora vincendos contados desde a citação da Recorrida.
2. Para tanto a Recorrente alegou em síntese que, em consequência de colisão com veículo seguro na Recorrida, o veículo propriedade da A., ora Recorrente, sofreu danos cuja reparação importou a quantia indicada no artigo imediatamente anterior do presente articulado
3. E que a ora Recorrente sofreu prejuízos durante o tempo em que o seu veículo esteve imobilizado, para reparação, uma vez que o não pode utilizar, para a sua actividade, comercial.
4. Mais alegou a A., ora Recorrente, que a colisão se deu por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Recorrida, pelo que a responsabilidade deverá ser assacada à Recorrida, por via do contrato de seguro titulado pela Apólice 034/00599285/000.
5. Concluindo-se assim, que deve ser a Recorrida a ressarcir todos os danos causados à ora Recorrente.
6. Devidamente citada para contestar, veio a Recorrida apresentar uma versão diferente dos factos, impugnando a versão do acidente apresentada pela ora Recorrente, alegando que o condutor do veículo por si seguro, não deu causa ao acidente, tendo sido sim a conduta do condutor da Recorrente a provocar o acidente de viação, primando pela absolvição do pedido.
7. Após o que se realizou a Audiência de Discussão e Julgamento e foi proferida Sentença, com provimento parcial para a ora Recorrente, condenando a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de € 3.172,37 (três mil cento e setenta e dois euros e trinta e sete cêntimos).
8. Assim, na douta Sentença Recorrida, o Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
8.1 - A A. é legítima proprietária do veículo pesado de passageiros, de marca MERCEDES-BENZ, modelo, 0510 (444 203), com a matrícula 00-AF-00;
8.2 - No dia 30 de Março de 2007, pelas 07:37 horas, o supra identificado veículo circulava na Av. Infante D. Henrique, em ……;
8.3 - E era conduzido pelo Exmo. Senhor Jorge …….. motorista e empregado da A, e no âmbito da .sua actividade profissional, por conta e ao serviço da A.;
8.4 - Na data, hora e local referidos, o motorista do veículo da A. dirigia-se para o Terminal Rodoviário de Cabo Ruivo, em …..;
8.5 - E circulava no Viaduto Infante D. Henrique, no sentido norte/sul;
8.6 - Aquela via é composta por uma faixa de rodagem dividida por separador central, tendo duas vias de circulação em cada um dos sentidos opostos;
8.7 - A via em referência é uma recta de boa visibilidade;
8.8 - O trânsito fluía normalmente, sendo que o piso se encontrava seco e em bom estado de conservação;
8.9 - A velocidade máxima permitida naquele local é de 50km por hora;
8.10 - O condutor do veículo da A, seguia o seu sentido de marcha pela via da direita;
8.11 - O veículo ligeiro de passageiros, de marca Opel, modelo Corsa, com matrícula 00-00-AP circulava na mesma via de circulação do veículo da A., e à frente deste;
8.12 - O veículo com matrícula 00-00-A.P é propriedade de Pedro ……e era conduzido, na data referida, por Carlos …….;
8.13 - Por contrato de seguro celebrado com a Ré….. Seguros, S.A., titulado pela Apólice n.º 034/00599285/000, foi transferida para esta seguradora a responsabilidade civil por danos causados a terceiros ,emergentes da circulação do veículo 00-00-AP;
8.14 - O condutor do veículo da. A, desde que avistou o veículo seguro na R., circulou sempre à retaguarda daquele veículo, a uma distância aproximada de 30 metros;
8.15 - De súbito, e sem nenhuma sinalização, pisca ou stopes, o condutor do veículo seguro na R. travou repentinamente;
8.16 - O condutor do veículo seguro na R., sem qualquer razão aparente, sem veículos, peões ou animais e ou qualquer outro obstáculo móvel ou fixo à sua frente, travou e imobilizou repentinamente a viatura que conduzia.
8.17 - O condutor do veículo da A, perante tal situação, ainda olhou para a via de circulação à sua esquerda, mas como a mesma se encontrava ocupada por outros veículos, colocou o pé no travão, a fim de tentar evitar a colisão.
8.18 - Vindo a embater, com a sua parte dianteira, na traseira do veículo 00-00-AP.
8.19 - Como consequência necessária e directa da colisão, o veículo da A sofreu danos no pára-choques e grelha frontal.
8.20 - O veículo da A ficou, face ao sinistro sofrido, imobilizado, não tendo servido as funções para as quais foi adquirido.
8.21 - A R. é associada da Associação Portuguesa de Seguradores e subscritora do Acordo de Paralisação com a ANTROP.
8.22 - A A é associada da ANTROP.
8.23 - Os termos do Acordo de Paralisação, celebrado entre a Associação Portuguesa de Seguradores e a ANTROP, os valores de indemnização de dano de paralisação de veículo com as características do veículo da A, foram fixados no quantitativo diário de €260,13.
8.24 - A R. realizou peritagem ao veículo da A, em 09.04.2007.
8.25 - A reparação dos danos provocados no veículo da A foi avaliada na quantia de €2.442,78; acrescida de IV A, e o tempo de reparação foi estimado em 4 dias úteis.
8.26 - Em consequência do embate o veículo garantido na contestante sofreu uma projecção, acabando por parar 27,20m após o local em que ficou imobilizado o veículo da A.
8.27 - A travagem protagonizada pelo condutor do veículo seguro na R. não produziu quaisquer rastos no pavimento.
9. Essencial à decisão da causa, foi, por um lado, apurar a responsabilidade pela verificação do acidente de viação em causa, e, por outro lado, aferir da existência de danos indemnizáveis, e sua imputação.
10. No que respeita à responsabilidade pela produção do acidente, a Meritíssima Juiz teve em consideração os seguintes factos como provados:
10.1 - O condutor do veículo da A. seguia o seu sentido de marcha pela via da direita;
10.2 - O veículo ligeiro de passageiros, de marca Opel, modelo Corsa, com matrícula 00-00-AP, circulava na mesma via de circulação do veículo da A., e à frente deste;
10.3 - O condutor do veículo da A., desde que avistou o veículo seguro na R., circulou sempre à retaguarda daquele veículo, a uma distância aproximada de 30 metros;
10.4 - De súbito, e sem nenhuma sinalização, pisca ou stopes, o condutor do veículo seguro na R., travou repentinamente;
10.5 - O condutor do veículo seguro na R., sem qualquer razão aparente, sem veículos, peões ou animais e ou qualquer outro obstáculo móvel ou fixo à sua frente, travou e imobilizou repentinamente a viatura que conduzia;
10.6 - O condutor do veículo da A., perante tal situação, ainda olhou para a via de circulação à sua esquerda, mas como a mesma se encontrava ocupada por outros veículos, colocou o pé no travão, a fim de tentar evitar a colisão;
10.7 - Vindo a embater com a sua parte dianteira na traseira do veículo 00-00-AP;
11. A Sentença, da qual se recorre foi construída nos factos dados como provados, os quais, conjugados à luz fio direito, determinaram a atribuição da responsabilidade pela produção do acidente não só ao condutor do veículo segure na Recorrida, como também ao condutor do veículo da ora Recorrente.
12. Salvo o devido respeito que é muito, pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, não ajuizou de forma correcta_ o Tribunal Recorrido ao decidir-se pela concorrência de culpa por ambos os condutores, na mesma graduação, para a produção do sinistro, decidindo julgar parcialmente procedente por provada a acção intentada pela ora Recorrente.
13. Conforme já referido no artigo 9º do presente Recurso, a questão essencial para a decisão da causa, é determinar a culpa pela produção do sinistro.
14. Da matéria de facto dada como provada, foi pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, concluído que o condutor do veículo da ora Recorrente, não logrou parar o veículo por si conduzido no espaço livre e visível à sua frente, conforme exige o art. 24º, n.º 1 do Código da Estrada.
15. De igual modo, também conclui que, nas circunstâncias do caso em concreto, a necessidade de realização de tal manobra não era previsível, visto que não existia qualquer obstáculo na via, e o trânsito fluía normalmente, tendo o condutor do veículo seguro na Recorrida, travado sem qualquer razão justificada, nos termos do n.º 2 do artigo 24° do C.E.
16. Mais concluiu a Meritíssima Juiz do tribunal a quo, por via dos factos dados como provados, que o veículo da ora Recorrente não circulava a uma velocidade superior à legalmente permitida para o local, ou que a velocidade a que seguia não era adequada às condições de trânsito, estado da via ou condições meteorológicas, pelo facto de não ter resultado quaisquer rastos visíveis no pavimento.
17.Concluiu ainda o Tribunal a quo, por via dos factos provados, que, o facto do condutor do veículo da ora Recorrente não ter logrado parar o veículo que conduzia em segurança e antes da colisão se deveu ao facto de ter sido surpreendido por manobra imprevisível realizada pelo condutor do veículo da Recorrida.
18. Concluindo, por último, que o condutor do veiculo da ora Recorrente não manteve, entre este e o veículo seguro na Recorrida, distância de segurança adequada, para uma ocorrência de paragem súbita, que permitisse uma paragem em segurança, nos termos do artigo 18.°, n.º 1 do Código da Estrada.
19. Salvo melhor entendimento, não parece que da matéria dada como provada, se possa concluir, que o condutor e o veículo da ora Recorrente, não manteve uma distância adequada, face ao veículo que o precedia, que lhe permitisse uma paragem em segurança.
20. Tanto mais, que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, conclui que, o facto do condutor do veículo da da ora Recorrente não ter logrado parar_ o veículo que conduzia em segurança e antes da colisão, se deveu ao facto de ter sido surpreendido por manobra imprevisível realizada pelo condutor do veículo da Recorrida, conforme referido no artigo 17° do presente Recurso, e não por não ter mantido distância suficiente para o veículo que o precedia.
21. Aliás, dos factos dados como provados, salvo melhor opinião, não se consegue retirar a conclusão, plasmada no artigo 18° do presente Recurso.
22. O condutor do veículo da A., desde que avistou o veículo seguro na R., circulou sempre à retaguarda daquele veículo, a uma distância aproximada de 30 metros (vide ponto 3 do artigo 10º do presente Recurso,) no que respeita aos factos provados, ao que concerne à responsabilidade pela produção do acidente).
23. De súbito, e sem nenhuma sinalização, pisca ou stopes, o condutor do veículo seguro na R. travou repentinamente (Vide ponto 4 do artigo 10º do presente Recurso, no que respeita aos factos provados, ao que concerne à responsabilidade pela produção do acidente).
24.O condutor do veículo seguro na R., sem qualquer razão aparente, sem veículos, Peões ou animais e ou qualquer outro obstáculo móvel ou fixo à sua frente, travou e imobilizou repentinamente a viatura que conduzia (Vide ponto 5 do artigo 10º do presente Recurso, no que respeita aos factos provados, ao que concerne à responsabilidade pela produção do acidente).
25. O condutor do veículo da A., perante tal situação, ainda olhou para a via de circulação à sua esquerda, mas como a mesma se encontrava ocupada por outros veículos, colocou o pé no travão, a fim de evitar a colisão (Vide ponto 6 do artigo 10º do presente Recurso, no que respeita aos factos provados, ao que concerne à responsabilidade pela produção do acidente).
26. Parece existir, salvo melhor opinião, uma errada interpretação nas conclusões retiradas dos factos dados como provados.
27. Assim, se o Tribunal a quo, deu por provado que o condutor do veículo da ora Recorrente, sempre circulou a uma distância, aproximada de 30 metros do veículo da Recorrida.
28. E que o condutor do veículo da Recorrente não circulava com velocidade excessiva para o local em apreço, por não haver rastos de travagem na via.
29. E ainda que, o facto de o condutor do veículo da Recorrente não ter conseguido lograr parar o veículo em segurança antes da colisão, se deveu ao facto do condutor do veículo seguro na Recorrida ter efectuado uma manobra imprevisível e desnecessária.
30, Como poderá assim, o Tribunal a quo, concluir que a produção do acidente também se deveu à falta de distância adequada por parte do condutor da ora Recorrente, para com o veículo seguro na Recorrida, que o precedia.
31.Quando o condutor do veículo seguro na Recorrida, subitamente, e sem nenhuma sinalização, pisca stopes, travou repentinamente, sendo que o fez, sem qualquer razão aparente, sem veiculo, Peões ou animais e ou qualquer outro obstáculo móvel ou fixo à sua frente.
32. Refira-se que os 30 metros que distanciavam os dois veículos intervenientes, eram suficientes para evitar acidentes, não só em condições normais, mas também nos casos de súbita paragem, porque são actos previsíveis.
33. Agora travar de forma brusca e repentina, como fez o condutor do veículo seguro na Recorrida, quando nada o fazia esperar, por não haver qualquer obstáculo à sua frente, conforme é facto assente, é um acto imprevisível.
34. Ao condutor do veículo da ora Recorrente, salvo melhor entendimento, não lhe poderá ser atribuída culpa na produção do acidente,
35. Isto porque o condutor de veiculo da Recorrida, sem qualquer razão aparente, sem veículos, Peões ou animais e ou qualquer outro obstáculo móvel ou fixo à sua frente, travou e imobilizou repentinamente a viatura que conduzia,
36. Situação essa que o veículo da ora Recorrente não podia prever.
37. Sendo certo, que em condições previsíveis, 30 metros seriam suficientes para o condutor do veículo da Recorrente, parar a viatura que conduzia, com segurança.
38. Poder-se-á afirmar que há culpa quando o agente podia e devia ter agido de outro modo.
39. Mas como poderia actuar o condutor do veículo da ora Recorrente, de modo diverso, da conduta que teve, perante um acto imprevisível.
40. Pelo que, não nos parece, salvo melhor entendimento, que a conduta que o condutor do veículo da Recorrente teve, se possa coadunar a uma responsabilidade pela produção do acidente.
41.Sendo que o entendimento é de que a produção para o acidente se deveu exclusivamente ao condutor do veículo da Recorrida, por todas as razões supra expostas.
42. Do supra exposto, vem a Recorrente requerer que seja a douta Sentença Recorrida substituída por outra que condene a Recorrida a pagar à ora Recorrente a quantia total de € 6.344,73 (seis mil trezentos e quarenta e quatro euros e setenta e três cêntimos), e não a quantia de €3.172,37 (três mil e setenta e dois eirós e trinta e sete cêntimos).
A apelada apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:
1. A A, é legítima proprietária de um veículo pesado de passageiros, de marca MERCEDES-BENZ, modelo, O510 (444203), com a matrícula 00-AF-00.
2. No dia 30 de Março de 2007, pelas 07:37 horas, o supra identificado veículo circulava na Av. Infante D. Henrique, em ….. .
3. E era conduzido pelo Exmo. Senhor Jorge ……motorista e empregado da A, e no âmbito da sua actividade profissional, por conta e ao serviço da A.
4. Na data hora e local referidos, o motorista do veículo da A dirigia-se para o terminal Rodoviário de Cabo Ruivo, em ….
5. E circulava no Viaduto Infante D. Henrique, no sentido norte/sul.
6. Aquela via é composta por uma faixa de rodagem dividida por separador central, tendo duas vias de circulação em cada um dos sentidos opostos.
7. A via em referência é uma recta de boa visibilidade.
8. O trânsito fluía normalmente, sendo que o piso se encontrava seco e em bom estado de conservação.
9. A velocidade máxima permitida naquele local é de 50km por hora.
10. O condutor do veículo da A seguia o seu sentido de marcha pela via da direita.
11. O veículo ligeiro de passageiros, de marca Opel, modelo Corsa, com matrícula 00-00-AP, circulava na mesma via de circulação do veículo da A., e à frente deste.
12. O veículo com matrícula 00-00-AP é propriedade de Pedro ….., e era conduzido, na data referida, por Carlos ……..
13. Por contrato de seguro celebrado com a ré B , titulado pela apólice nº0000000000 , foi transferida para esta seguradora a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo 00-00-AP.
14. O condutor do veículo da A, desde que avistou o veículo seguro na Ré circulou sempre à retaguarda daquele veículo, a uma distância aproximada de 30 metros.
15. De súbito, e sem nenhuma sinalização, pisca ou stopes, o condutor do veículo seguro na R., travou repentinamente.
16. O condutor do veículo seguro na R., sem qualquer razão aparente, sem veículos, peões ou animais e ou qualquer outro obstáculo móvel ou fixo à sua frente, travou e imobilizou repentinamente a viatura que conduzia.
17. O condutor do veículo da A, perante tal situação, ainda olhou para a via de circulação à sua esquerda, mas como a mesma se encontrava ocupada por outros veículos, colocou o pé no travão, a fim de tentar evitar a colisão.
18. Vindo a embater, com a sua parte dianteira, na traseira do veículo 00-00-AP.
19. Como consequência necessária e directa da colisão, o veículo da A sofreu danos no pára-choques e grelha frontal.
20. O veículo da A ficou, face ao sinistro sofrido, imobilizado, não tendo servido as funções para as quais foi adquirido.
21. A R. é associada da Associação Portuguesa de Seguradores e subscritora do Acordo de Paralisação com a ANTROP.
22. A A é associada da ANTROP.
23. Os termos do Acordo de Paralisação, celebrado entre a Associação Portuguesa de Seguradores e a ANTROP, os valores de indemnização de dano de paralisação de veículo com as características do veículo da A, foram fixados no quantitativo diário de €260,13.
24. A R. realizou peritagem ao veículo da A, em 09.04.2007.
25. A reparação dos danos provocados no veículo da A foi avaliada na quantia de €2.442,78; acrescida de IV A, e o tempo de reparação foi estimado em 4 dias úteis.
26. Em consequência do embate o veículo garantido na contestante sofreu uma projecção, acabando por parar 27,20m após o local em que ficou imobilizado o veículo da A.
27. A travagem protagonizada pelo condutor do veículo seguro na R. não produziu quaisquer rastos no pavimento.
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III. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
A questão a decidir resume-se a saber se na produção do acidente é apenas responsável o condutor do veículo segurado na ré, como pretende a apelante, ou se foram ambos responsáveis, como se decidiu na sentença recorrida.
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IV. Da questão de mérito:
Nas alegações sustenta a apelante que da factualidade apurada não se pode retirar a conclusão de que o condutor do veículo da apelante não manteve uma distância adequada do veículo que seguia à sua frente, tanto mais que na sentença se concluiu que o facto do condutor do veículo da autora não ter conseguido parar o mesmo em segurança antes da colisão se deveu à circunstância do condutor do veículo segurado na ré ter efectuado uma manobra imprevisível e desnecessária, situação que aquele não podia prever.
Assim, a apelante, embora não argua a nulidade da sentença, considera que a mesma enferma de erro de raciocínio silogístico que foi determinante no apuramento das responsabilidades dos condutores intervenientes no embate.
Analisemos esta questão à luz dos comportamentos estradais destes.
Do comportamento do condutor do veículo AP, segurado na ré:
Como se decidiu na sentença, e não foi impugnado em sede de recurso, o condutor do veículo AP contribuiu de forma culposa para a produção do acidente estradal em apreço.
Este, ao travar repentinamente e imobilizar na via o veículo que conduzia, sem que tivesse necessidade de executar essa manobra e sem sinalizar a mesma, causando um acidente, violou na sua materialidade o disposto nos arts. 11º, n.º 2, 21º, n.º 1, 24º, n.º 2, e 60º, n.º 2, al. d) do CE aprovado pelo Dec. Lei n.º 114/94, de 3/5 (na redacção em vigor à data do acidente, ou seja na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 44/2005, de 23/02).
Deste modo, o condutor do veículo segurado na ré actuou de forma negligente, pois que lhe era exigível, nas circunstâncias apuradas, outro comportamento.
Do comportamento do condutor do veículo AF (pertença da autora/apelante):
A questão que se coloca no recurso é essencialmente a de saber se o condutor do AF, contribuiu também para a ocorrência do acidente, o mesmo é dizer se violou, de forma culposa, o disposto no art. 24º, n.º 1, do C.E.
Estatui o citado normativo que:
O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas e ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”.
Ora apurou-se que o condutor do AF não conseguiu imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, porquanto, de forma súbita e repentina, o condutor do veículo AP, que seguia à sua frente, travou e imobilizou a viatura que conduzia, o que, naturalmente, reduziu a distância de segurança existente entre ambos (30 metros), dando origem à colisão.
Significará isso que o condutor do veículo da apelante (o AF) circulava em velocidade excessiva?
Vejamos.
A figura de velocidade excessiva não se confina ao ultrapassar os limites de velocidade instantânea, que “in casu” se não provou.
Ao condutor pede-se o controlo de si, da máquina e da situação.
Assim, todo o condutor deve regular a velocidade de acordo, nomeadamente, com as características da via e a intensidade do trânsito, e de modo que possa, em condições de segurança, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
Se tal não ocorrer, circula em velocidade excessiva.
Mas isto é assim em relação às “manobras cuja necessidade seja de prever” (art. 24º, n.º 1).
Efectivamente, o condutor não é obrigado a prever ou contar com a falta de prudência dos restantes utentes da via – veículos, peões ou transeuntes – antes devendo razoavelmente partir do pressuposto de que todos cumprem os preceitos regulamentares do trânsito e observam os deveres de cuidado que lhes subjazem – Acs. STJ de 6-11-2003 e de 12-04-2005, in www.dgsi.pt.
Ao condutor só é humanamente exigível contar com o aparecimento de obstáculos normalmente previsíveis, em face das circunstâncias concretas, não sendo exigível a um condutor medianamente prudente uma previsibilidade para além do normal, na medida em que tal implicaria que acabasse por ser responsabilizado pela imprudência alheia.
Nesta linha de raciocínio, considerou-se na sentença que “o condutor do veículo da autora não logrou parar o veículo por si conduzido no espaço livre e visível à sua frente conforme exige o artigo 24º nº 1 do Código da Estrada; no entanto, nas circunstâncias do caso em concreto, a necessidade de realização de tal manobra não era previsível, visto que não existia qualquer obstáculo na via, e o trânsito fluía normalmente, tendo o condutor do veículo seguro na ré travado sem qualquer razão justificada (artigo 24º nº2 do Código da Estrada) ”.
“Do exposto resulta que se não pode concluir que o condutor do veículo da autora seguia em excesso de velocidade relativa, pois que o facto de não ter logrado parar o veículo em segurança e antes da colisão deveu-se ao facto de ser surpreendido por manobra imprevisível realizada pelo condutor do veículo seguro na ré”.
Concordamos com esta visão das coisas.
Efectivamente:
Apurou-se que o veículo da autora é um veículo pesado de passageiros e que o acidente ocorreu numa recta (num viaduto) de boa visibilidade.
Consequentemente, o motorista do veículo AF conduzia num plano superior ao do veículo AP
Sendo assim, o mesmo podia avistar todo o trânsito que circulava à sua frente, bem como do AP, e ter uma percepção de todo e qualquer obstáculo que se deparasse a este, que determinasse a necessidade de uma redução súbita da velocidade.
Ora, uma vez que imediatamente à frente do AP não circulavam veículos, nem se encontravam peões ou animais, ou qualquer outro obstáculo móvel, não era exigível ao condutor do veículo da autora que contasse com a manobra executada pelo condutor daquele veículo, ao travar subitamente e imobilizar o veículo na via, sem qualquer motivo para tal.
A travagem do condutor do AP, nas circunstâncias apuradas, ultrapassou toda a previsibilidade normal de um qualquer condutor medianamente diligente, pelo que o dever geral e especial de cuidado não tornava exigível que o condutor do AF contasse com aquela travagem repentina.
Diferentemente se passariam as coisas se o condutor do veículo da autora circulasse na retaguarda de um veículo que, por exemplo, pela sua envergadura, lhe retirasse a visibilidade à frente do mesmo.
Num caso com estes contornos, por não poder ter a exacta percepção do que se passava à frente do veículo precedente, já seria exigível que contasse com aquela súbita redução da velocidade.
Porém, nas circunstâncias do caso em apreciação tal situação não ocorreu, pois que o condutor do veículo da autora tinha a plena percepção do trânsito que seguia à sua frente e da inexistência de qualquer obstáculo na via, sendo, pois, inesperada para o homem médio a manobra do condutor do AP, residindo aí a razão para que aquele não tivesse conseguido parar o AF no espaço livre e visível à sua frente, e não por seguir em velocidade excessiva.
Não obstante na sentença se ter chegado a uma conclusão idêntica, entendeu-se nesta que:
“Sem embargo, poder-se-á concluir que o condutor do veículo da autora não manteve, entre este e o veículo seguro na ré, uma distância de segurança adequada (art. 18º nº l do Código da Estrada), visto que ocorrendo paragem súbita do veículo que o precedia, tal distância não foi suficiente para permitir uma paragem em segurança.
Resulta portanto que quer a conduta do condutor do veículo da autora, quer a conduta do condutor do veículo da ré foi ilícita, uma vez que infringiram ambos normas do Código da Estrada; e culposa, pois que podiam e deviam agir de outra forma”.
Com o devido respeito, esta conclusão não é concordante com a consideração de que não era previsível para o condutor do AF a necessidade de realização da manobra de paragem do veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente.
Senão, vejamos.
Prescreve o citado art. 18º, n.º 1, que:
O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste”.
Ora, apurou-se que o AF seguia a uma distância de cerca de 30 metros do AP.
Circulando os veículos num local em que a velocidade instantânea máxima legalmente permitida é de 50 Kms/h (e não se apurou que o AF circulasse a velocidade superior, nem a ré seguradora alegou tal), a distância a que os veículos circulavam um do outro era uma distância de segurança, pois que, como é sabido, a essa velocidade a distância média de paragem de um veículo é de 22 metros (sendo 10 metros o tempo de reacção, para um condutor com reflexos em ¾ do segundo, e 12 metros a distância de travagem) – cfr. Eurico Heitor Consciência, Código da Estrada, 2ª edição revista e actualizada, pag. 59).
Tal distância era, em princípio, suficiente para permitir a paragem do veículo AF e tal só não ocorreu devido à manobra, imprevista, do condutor do veículo AP, que ao travar e imobilizar a viatura que conduzia, de forma súbita e repentina, e sem necessidade, reduziu aquela distância de segurança (30 metros), dando origem à colisão.
Sendo assim, não se pode concluir ter o condutor do AF infringido o estatuído no art. 18º,n.º 1, do C.E. e muito menos que o tivesse feito de forma culposa – cfr. neste sentido o Ac. STJ de 10-12-96, Proc. n.º 517/96, citado por Eurico Heitor Consciência, ob. cit. pag. 56..
Concluímos assim no sentido de que se não provou a contribuição culposa do condutor do AF para a produção do acidente em causa nos autos e pela culpa exclusiva do condutor do AP segurado na ré
Consequentemente, a apelada seguradora é responsável pelo pagamento do valor da totalidade dos danos decorrentes do acidente para a autora/apelante referentes ao custo da reparação do AF e à privação de uso, computados na sentença, sem impugnação na apelação, nos montantes de €2.442,78 e €3.901,95, respectivamente.
A ré é, pois, responsável pelo pagamento à autora dessas quantias, no valor global de €6.344,73 (e não de apenas a quantia arbitrada em 1ª instância: €3.172,37), acrescida dos juros de mora referidos na sentença desde a citação até integral pagamento.
Sumário
Ao condutor só é humanamente exigível contar com o aparecimento na via por onde circula de obstáculos normalmente previsíveis, em face das circunstâncias concretas.
1. Circulando o veículo por si conduzido numa cidade, em que a velocidade instantânea máxima permitida é de 50 Kms/h, a distância de 30 metros do veículo que o precedia, era, em princípio, suficiente para permitir a paragem daquele veículo.
2. Tal só não ocorreu devido à manobra, imprevista, do condutor do veículo que seguia à sua frente, que ao travar e imobilizar a viatura que conduzia, de forma súbita e repentina, sem necessidade e sem sinalizar tal manobra, reduziu aquela distância de segurança, dando origem à colisão.
3. Assim, apesar do veículo da autora ter embatido na retaguarda do veículo que seguia à sua frente, foi o condutor deste último o exclusivo culpado na produção do acidente.
***

V. Decisão:
Pelo acima exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, na parte impugnada no recurso, condenando-se a ré/apelada a pagar à autora a quantia de €6.344,73 (seis mil, trezentos e quarenta e quatro euros e setenta e três cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Custas devidas em 1º instância e nesta Relação pela apelada.
Registe e notifique.

Lisboa, 4 de Outubro de 2011

Manuel Marques - Relator
Pedro Brighton - 1º Adjunto
Teresa Sousa Henriques - 2º Adjunto