Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
171/11.0TTPDL.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: COMISSÃO DE SERVIÇO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I – A comissão de serviço é um contrato de trabalho especial que se rege pelas normas do seu regime específico e pelo regime geral do contrato de trabalho, tem de ser reduzido a escrito, pode ser denunciado pelas partes em qualquer altura e sem apresentação de justificação e tem na sua base uma relação de particular confiança, atentas as funções que são exercidas ao seu abrigo.
II – Mesmo que possa ser aposto um termo certo ao contrato de comissão de serviço – o que é duvidoso por conflituar com a própria razão da sua existência social e jurídica, pois torna-se difícil conceber uma relação de confiança a prazo e o mesmo é susceptível de denúncia, sem necessidade de justificação, a todo o momento e independentemente de tal termo, sem mais consequências do que a eventual indemnização por violação do prazo legal da dita comunicação extintiva –, o prazo em questão não é, de qualquer maneira, juridicamente vinculativo, de forma a consentir a caducidade do contrato de comissão de serviço, nos termos do artigo 343.º, alínea a) do Código do Trabalho de 2009, sendo sempre necessária a realização da referida denúncia prévia para provocar a cessação desse negócio jurídico.
III – Mesmo que se admita a aposição de tal termo ao contrato de comissão de serviço, a mesma tem que obedecer aos ditames e restrições do regime do contrato de trabalho a termo certo.
IV – O acordo inicial – a ser admitido – entre trabalhador e empregador relativamente ao prazo da comissão de serviço não dispensa o segundo de pagar ao primeiro a correspondente indemnização dos artigos 164.º, número 1, alínea c) e 366.º do Código do Trabalho de 2009, pois tal só não acontece nas situações de cessação daquele contrato que forem da responsabilidade única e exclusiva do empregado, o que não é o caso do dito acordo, que resulta da vontade e declaração de ambas as partes.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO

AA, (…), veio instaurar, em 25/04/2011, os presentes autos de acção declarativa de condenação com processo comum laboral contra BB, S.A., (…), pedindo, em síntese, a condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia 16.235,23 €, correspondente às seguintes prestações parcelares:
1) 3 022,73 €, a título de 19 dias de férias não gozadas referentes a 2010;
2) 3 500,00 €, a título de subsídio de férias referentes ao ano de 2010;
3) 437,50 €, a título de 2/12 de proporcionais de férias do ano de 2011;
4) 437,50 €, a título de 2/12 a proporcionais do subsídio de férias do ano de 2011;
5) 437,50 €, a título de 2/12 de proporcionais de subsídio de Natal do ano de 2011
6) 8.400,00 €, a título de indemnização por cessação do contrato de comissão de serviço.

Alega, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de comissão de serviço em 15 de Fevereiro de 2008, e que a 2 de Dezembro de 2010 lhe foi comunicado que o contrato de comissão de serviço não iria ser renovado, produzindo a comunicação os seus efeitos a partir de 14 de Fevereiro de 2011, não lhe tendo sido liquidadas as prestações e quantias acima indicadas.
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Foi agendada data para a realização da Audiência de partes e ordenada a citação da demandada (despacho de fls. 19), que se concretizou a fls. 20 e 22, através de carta registada com Aviso de Recepção.
Mostrando-se inviável a conciliação das partes, foi a Ré notificada, no quadro da Audiência de Partes, para, no prazo e sob a cominação legal, contestar (fls. 25 e 26), o que a Ré fez, em tempo devido e nos termos de fls. 27 e seguintes, sustentando, em síntese, não assistir à Autora direito a indemnização, porquanto o contrato de comissão de serviço cessou no termo previsto (caducidade) e não por virtude da comunicação à mesma efectuada, sendo certo que esta, desde 1 de Janeiro de 2011, passou a auferir a remuneração ilíquida total de € 3.190,00, por força do artigo 19.º, números 1, alínea b) e 9, alínea t) da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011, só lhe sendo devido, nessa medida, a título das demais prestações reclamadas, o montante global de € 7.141,25, que a Ré aceita pagar à Autora.
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A Autora, notificada da contestação (fls. 54), não veio responder à mesma, dentro do prazo legal.

Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento - cuja data tinha desde logo sido designada em sede de Audiência de Partes -, com observância do legal formalismo, não tendo a prova aí produzida sido objecto de registo-áudio (fls. 75 e 76).
A Decisão sobre a Matéria de Facto provada e não provada consta de fls. 77 a 79, não tendo as partes, que se encontravam presentes no acto de leitura da mesma, deduzido qualquer reclamação.
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Foi proferida, a fls. 81 a 86 e com data de 29/09/2011, sentença que, em síntese, decidiu o seguinte:
“Julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, decido:
a) Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de 7.702,60 € (sete mil, setecentos e dois euros e sessenta cêntimos), acrescidos de juros, calculados à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.
b) Absolver a Ré do demais peticionado.
Custas por Autora e Ré na proporção do decaimento – art.º 446.º do C.P.C.
Notifique e registe.”
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A Autora, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 89 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 109 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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A Apelante apresentou, a fls. 91 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
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A Ré, notificada de tais alegações, veio responder-lhes dentro do prazo legal, tendo para o efeito apresentado as contra-alegações de fls. 98 e seguintes, onde não formulou conclusões mas pugnou pela manutenção da sentença recorrida.
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O ilustre magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso (fls.????).
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As partes, notificadas para se pronunciarem acerca do parecer do ilustre magistrado do Ministério Público, nada disseram dentro do prazo legal.
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Cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS

O tribunal da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

1. - Em 15/02/2008, a Autora celebrou com a Ré um contrato de comissão de serviço, nos termos do qual lhe foi atribuída a categoria de Directora Administrativa e Financeira, mediante a retribuição base de 2.800,00 €, acrescida de 700,00 €, a título de isenção de horário, tudo perfazendo a remuneração total de 3.500,00 € (art.º 1.º da p.i.)
2. - No desempenho das suas funções, a Autora, por ordem sob a direcção e fiscalização da Ré, desempenhava as tarefas correspondentes à sua categoria profissional (art.º 2.º da p.i.).
3. - No dia 2 de Dezembro de 2010, a Ré comunicou por escrito à Autora a cessação do Contrato de Comissão de Serviço, e informou-a que não iria renovar o mesmo, produzindo a comunicação efeitos a partir do dia 14 de Fevereiro de 2011 (art.º 3.º da p.i.).
4. - A Ré não pagou à Autora indemnização, os proporcionais de férias e subsídio de férias referentes ao ano de 2010 e os proporcionais do subsídio de férias, Natal e férias não gozadas (art. 6º da p.i.).
5. – Na cláusula 1.ª do contrato firmado entre Autora e Ré, ficou expresso que “a segunda outorgante encontra-se em regime de licença sem vencimento, da sua anterior entidade patronal, desde a presente data pelo período de 3 anos, regressando ao serviço daquela entidade, após o decurso daquele período”e que a comissão de serviço “terá a duração de 3 (três) anos, com início a 15 de Fevereiro de 2008 e termo a 14 de Fevereiro de 2011” (art.º 4.º da contestação).
6. – Não ficou consignado no contrato de comissão de serviço a possibilidade de prorrogação ou renovação do contrato de comissão de serviço (resposta restritiva aos artigos 3.º, 5.º e 6.º da contestação).
7. - Não foi solicitado à CC, S.A. a prorrogação da vigência da licença sem vencimento concedida à Autora (art.º 7.º da contestação).
8. – A partir de 1 de Janeiro de 2011, a remuneração ilíquida total da Autora passou a ser de 3.190,00 € (art.ºs 18.º e 19.º da contestação).

Factos não Provados:

a) A Ré não previu a possibilidade de prorrogação ou renovação do contrato de comissão de serviço, nem propôs à Autora a prorrogação (artigos 3.º, 5.º e 6.º da contestação).
Pode ainda ler-se na Decisão sobre a Matéria de Facto de fls. 77 e seguintes, que “ao restante alegado não se respondeu por se considerar matéria de direito e/ou alegação conclusiva”.
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III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 25/04/2011, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 1/1/2008) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e que só se aplicaram aos processos instaurados a partir de 01/1/2008 (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal) bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas excepções que não tem relevância na economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal), mas este último regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância tem para a economia deste processo judicial.
Será, portanto, ao abrigo do regime legal decorrente da actual redacção do Código do Processo do Trabalho e da reforma do processo civil de 2007 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12 e Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica apenas a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos relevantes que se discutem no quadro deste recurso terem ocorrido, quer na vigência do Código do Trabalho de 2003, quer na do actual Código do Trabalho, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, os sucessivos regimes dos mesmos decorrentes que aqui irão ser chamados à colação.

B – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A Recorrente não veio impugnar a Decisão sobre a Matéria de Facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-B e 712.º do Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, a recorrida requerido a ampliação subordinada do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 684.º-A do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.

C – OBJECTO DO RECURSO

Atendendo ao teor da decisão judicial recorrida, é natural que as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas, questionem unicamente a circunstância do tribunal da 1.ª instância não ter condenado a Ré a pagar à Autora a indemnização por esta reclamada e devida, em seu entender, ao abrigo do disposto nos artigos 164.º, alínea c) e 366.º do Código do Trabalho de 2009.
Tal sentença, para fundar a não atribuição da referida indemnização à Apelante, sustentou o seguinte:
“O contrato de trabalho em comissão de serviço, à semelhança dos demais contratos de trabalho, pode cessar por caducidade (verificação de um evento ao qual a lei atribui este efeito), por iniciativa do empregador, por iniciativa do trabalhador, ou por acordo de ambos os sujeitos.
No caso em apreço, o contrato de trabalho em comissão de serviço cessou por caducidade, ou seja, no termo do prazo convencionado para a duração da comissão (três anos), sendo esta caducidade comunicada à Autora a 2 de Dezembro de 2010, ou seja, com respeito pelo prazo de aviso prévio de 60 dias, anterior ao termo previsto para o contrato (14 de Fevereiro de 2011).
Invoca a Autora o disposto no artigo 164.º, al. c), do C.T. para fundamentar a sua pretensão indemnizatória. Este preceito prevê o direito do trabalhador a uma indemnização calculada nos termos do art.º 366.º, nos casos em que a comissão de serviço cessa por iniciativa do empregador.
Não sendo este claramente o caso de que nos ocupamos, na medida em que o contrato de trabalho em comissão de serviço de que cuidamos cessou por caducidade, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, não assistir à Autora direito à indemnização peticionada, ou qualquer outra, porquanto não prevê a lei qualquer tutela indemnizatória para estes casos.”

C1 – REGIME LEGAL DO CONTRATO DE COMISSÃO DE SERVIÇO

Importará, para já - e atendendo à circunstância da Autora e Ré terem subscrito o documento que se mostra junto a fls. 7 e seguintes e que denominaram de “Contrato de Comissão de Serviço”, em 15/02/2008, ou seja, na vigência do Código do Trabalho de 2003 -, fazer apelo às disposições legais que aí regulavam tal figura e que eram os artigos 103.º, número 1, alínea e) – “Estão sujeitos a forma escrita, nomeadamente: e) Contrato de trabalho em comissão de serviço” – e 244.º a 248.º, com a redacção seguinte (cf., no quadro do actual Código do Trabalho, os artigos 161.º a 164.º):

Artigo 244.º
Objecto
Podem ser exercidos em comissão de serviço os cargos de administração ou equivalentes, de direcção dependentes da administração e as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos, bem como outras, previstas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, cuja natureza também suponha, quanto aos mesmos titulares, especial relação de confiança.
Artigo 245.º
Formalidades
1 - Do acordo para o exercício de cargos em regime de comissão de serviço devem constar as seguintes indicações:
a) Identificação dos contraentes;
b) Cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de comissão de serviço;
c) Actividade antes exercida pelo trabalhador ou, não estando este vinculado ao empregador, aquela que vai exercer aquando da cessação da comissão de serviço, se for esse o caso.
2 - Não se considera sujeito ao regime de comissão de serviço o acordo não escrito ou em que falte a menção referida na alínea b) do número anterior.
Artigo 246.º
Cessação da comissão de serviço
Qualquer das partes pode pôr termo à prestação de trabalho em comissão de serviço, mediante comunicação escrita à outra, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha durado, respectivamente, até dois anos ou por período superior.
Artigo 247.º
Efeitos da cessação da comissão de serviço
1 - Cessando a comissão de serviço, o trabalhador tem direito:
a) A exercer a actividade desempenhada antes da comissão de serviço ou as funções correspondentes à categoria a que entretanto tenha sido promovido ou, se contratado para o efeito, a exercer a actividade correspondente à categoria constante do acordo, se tal tiver sido convencionado pelas partes;
b) A resolver o contrato de trabalho nos 30 dias seguintes à decisão do empregador que ponha termo à comissão de serviço;
c) A uma indemnização correspondente a um mês de retribuição base auferida no desempenho da comissão de serviço, por cada ano completo de antiguidade na empresa, sendo no caso de fracção de ano o valor de referência calculado proporcionalmente, no caso previsto na alínea anterior e sempre que a extinção da comissão de serviço determine a cessação do contrato de trabalho do trabalhador contratado para o efeito.
2 - Salvo acordo em contrário, o trabalhador que denuncie o contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço não tem direito à indemnização prevista na alínea c) do número anterior.
3 - A indemnização prevista na alínea c) do n.º 1 não é devida quando a cessação da comissão de serviço resultar de despedimento por facto imputável ao trabalhador.
4 - Os prazos previstos no artigo anterior e o valor da indemnização previsto na alínea c) do n.º 1 podem ser aumentados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho.
Artigo 248.º
Contagem do tempo de serviço
O tempo de serviço prestado em regime de comissão de serviço conta como se tivesse sido prestado na categoria de que o trabalhador é titular.

As partes, quando celebraram o acordo escrito vertido no Documento de fls. 7 a 9, tinham tal regime jurídico como pano de fundo, assim acontecendo igualmente connosco na análise do presente recurso.

C2 – CONTRATO DE COMISSÃO DE SERVIÇO

A nossa doutrina define a comissão de serviço como um contrato de trabalho especial, de natureza necessariamente temporária e com as seguintes características fundamentais, aqui enunciadas por Irene Gomes, em “Principais aspectos do regime jurídico do trabalho exercido em comissão de serviço”, estudo publicado a páginas 241 e seguintes da obra colectiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Março de 2004, ainda que no quadro do Decreto-Lei n.º 409/91, de 16/10:
“Assim, o primeiro ponto a salientar é que o regime jurídico do con­trato individual de trabalho continua a ser a matriz geral da comissão de serviço, como resulta do preceituado no art.º 6.º que manda aplicar a esta modalidade de trabalho o regime laboral comum, salvo o disposto em contrário no diploma.
O segundo ponto a reter do regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 404/91 é que, quanto à constituição da comissão de serviço, o legislador exige a sua redução a escrito, nos termos do preceituado no art.º 3.º, n.º 1.
Em terceiro lugar, o legislador confere a ambas as partes a possibili­dade de fazer cessar, a todo tempo, a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, nos termos do art. 4.º, n.º 1”.
Julgamos que o Código do Trabalho de 2003 (e depois o de 2009) não veio modificar tais traços essenciais e definidores do contrato de comissão de serviço, como é possível extrair do que Maria do Rosário Palma Ramalho afirma em “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, Julho de 2006, páginas 284 e seguintes, no âmbito do primeiro diploma assinalado, e João Leal Amado, no quadro do actual Código do Trabalho, sustenta em “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, numa publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, páginas 150 e seguintes.
O regime que antes constava do artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16/10 e que depois ressaltou dos artigos 246.º e 163.º dos dois sucessivos Códigos do Trabalho constitui o elemento que distingue verdadeiramente tal instituto do contrato de trabalho em geral (inclusive, do contrato de trabalho a termo certo e incerto), suscitando mesmo, junto de alguns autores e com referência, v. g., à comissão de serviço externa sem garantia de emprego, dúvidas de constitucionalidade, tal como se pode ver em Jorge Leite, “Comissão de Serviço”, Questões Laborais, n.º 16, Ano VII, 2000, páginas 152 a 161 e em João Leal Amado, obra citada, página 153.
Luís Miguel Monteiro, em “Regime Jurídico do Trabalho em Comissão de Serviço”, publicado igualmente a fls. 507 e seguintes da obra colectiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Março de 2004, refere, acerca de tal problemática e também no quadro do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16/10, o seguinte:
“De acordo com a leitura do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 64/91, de 4 de Abril de 1991, o que subjaz à comissão de serviço e as­segura a sua constitucionalidade, designadamente quando a cessação da­quela é acompanhada pela extinção do contrato de trabalho, é o "evidente carácter fiduciário” dos cargos dirigentes ou a eles equiparados, "de tal forma que, pela sua própria natureza, são exercidos pelos titulares de forma precária". Em todos os casos para que a lei admite o recurso à comissão de serviço verifica-se "aquela modificação no conteúdo ou na es­sencialidade do dever de lealdade que MONTEIRO FERNANDES (ob. cit., p. 190) considera típica dos cargos de direcção ou de confiança". É o que basta para o "Tribunal reconhecer que, nestes casos (itálico nosso), há fun­damento material para um regime de cessação do contrato, restrito ao con­trato ou acordo de comissão de serviço, que o fará terminar com a cessação da relação de confiança considerada essencial. Neste caso, a quebra da relação fiduciária torna absolutamente impossível o serviço comissionado, como se de impossibilidade objectiva se tratasse, não tendo sentido falar-se de derrogação de normas inderrogáveis a este propósito".
Neste pressuposto, a conformidade constitucional do instituto será posta em causa se este for aplicado a cargos em que a obrigação de leal­dade constitui um dever acessório e não uma parcela essencial da posição jurídica do trabalhador. Tanto bastaria para suportar uma declaração de inconstitucionalidade da cláusula da convenção colectiva ao abrigo da qual a relação de comissão de serviço foi constituída, se ao Tribunal Cons­titucional se reconhecesse jurisdição para tanto”. (cf., no mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, obra e local citados).
Sendo assim, na base daquelas três características existe ainda o elemento fiduciário ou de confiança, que constitui, ao que parece, a raiz da figura em apreço, atentas as funções que são exercidas ao abrigo da mesma.

C3 – TERMO CERTO E DENÚNCIA DO CONTRATO DE COMISSÃO DE SERVIÇO

No que toca este ponto, questionamo-nos relativamente à possibilidade das partes aporem um prazo fixo a um negócio jurídico como o da comissão de serviço, por tal termo certo parecer ser um contra-senso social e jurídico, atentos a génese, fundamento, conteúdo e regime legal aplicável a esse vínculo laboral de cariz especial.
Se, de acordo com Maria do Rosário Palma Ramalho (obra e local citados) «o âmbito de incidência da figura da comissão de serviço é limitado às funções laborais cujo desempenho pressupõe uma relação de especial confiança entre o empregador e o trabalhador», compagina-se dificilmente uma relação de estreita e particular confiança com um termo certo (ou mesmo incerto) – é possível predeterminar no tempo a duração dessa confiança qualificada, que é como quem diz, é concebível as partes contratarem, logo no início da comissão de serviço, no sentido dessa confiança só se ir manter ao longo do prazo combinado? -, como parece ser, estranhamente, o caso dos autos (a não ser que, no fundo e em rigor, nos encontremos face a um contrato de trabalho a termo certo encapotado, para o qual a dita confiança não é tida nem achada!).
Dir-se-á, todavia, que tal cláusula temporal visa satisfazer interesses pessoais da Autora (devido à sua situação de licença sem vencimento, no que toca à sua entidade empregadora original) bem como exigências legais de outro tipo, que se prendem, nomeadamente, com a natureza específica da Ré, da actividade por si exercida e da optimização da sua estrutura, organização e funcionamento.
Ora, mesmo a admitir tal aposição de um limite temporal ao vínculo jurídico resultante da comissão de serviço, afigura-se-nos que a faculdade de denúncia em qualquer altura por qualquer uma das partes – ao contrário do que acontece com o contrato de trabalho a termo certo (cf. artigo 393.º do Código do Trabalho de 2009) –, confere a tal prazo uma natureza meramente indicativa ou instrumental (e não juridicamente vinculativa, por forma a consentir a sua caducidade, nos termos do artigo 343.º, alínea a) do Código do Trabalho de 2009).
Recorde-se, desde logo, a circunstância de tal denúncia antes do referido termo não ter mais consequências – quando as tem, bastando a comunicação de cessação da relação laboral respeitar os prazos legalmente fixados! -, para além das previstas no artigo 163.º, número 2 (antes, artigo 246.º, sem a previsão desse número 2, que só poderia ser eventualmente repescada no artigo 448.º do Código do Trabalho de 2003, quanto à falta de cumprimento do prazo de aviso prévio), sendo certo que as contempladas no artigo 164.º do Código do Trabalho de 2009 (antes, 247.º) sempre se verificariam, de qualquer maneira.
Bastará atentar, por outro lado, no estatuído nos artigos 340.º, alínea a) e 343.º a 348.º do Código do Trabalho de 2009, para encontrar um quadro típico e estanque de situações laborais em que a aposição de um prazo limite pode gerar a oportuna caducidade do vínculo jurídico correspondente, dado a extinção da relação laboral por decurso do prazo (caducidade) só se mostrar elencada para os contratos de trabalho a termo certo e incerto.
Tudo isto para dizer, por esta via, que nos parece de muito duvidosa legalidade o termo aposto no contrato dos autos mas, ainda que o seja, nunca pode o mesmo gerar, pelo seu simples decurso, a cessação da respectiva relação laboral.
Tal termo, ainda que juridicamente concebível, não dispensa a concretização da denúncia reclamada pelo artigo 163.º do citado diploma legal (isto é, tal denúncia tem de ser sempre efectuada, desde que a comissão de serviço não se extinga por outra das vias legalmente admitidas).
Sendo assim, a Autora teria direito a receber a indemnização calculada nos termos do artigo 366.º do Código do Trabalho de 2009, por força da aludida alínea c) do número 1 do artigo 164.º (realce-se o facto da mesma ter deixado de laborar em absoluto para a recorrida, dado nos acharmos perante uma comissão de serviço externa, sem garantia de emprego, dado a trabalhadora estar de licença sem vencimento no que toca à sua entidade empregadora originária)

C4 – CONTRATO DE COMISSÃO DE SERVIÇO E TERMO CERTO

Mas, ainda que não se concorde com tal posição (não admissão de prazo no contrato de comissão de serviço e não verificação da sua caducidade por mero decurso do termo acordado), concebendo-se um negócio desse tipo temporalmente (de)limitado e com a sua extinção por caducidade no final do período consensualizado, não se pode olvidar, todavia, a esse propósito, as especiais restrições e exigências, formais e materiais, que, ao nível do direito laboral, vigoram relativamente à aposição de termo resolutivo nos contratos de trabalho.
Constituindo, no fundo, a comissão de serviço um contrato de trabalho especial que, fora do seu núcleo normativo próprio específico, está sujeito ao regime geral laboral (neste sentido, veja-se o que Maria do Rosário Palma Ramalho, obra citada, página 287, sustenta: “o recurso à comissão de serviço fora dos casos previstos comina uma situação de nulidade, por contrariedade à lei”), suscita-se desde logo a seguinte dúvida: pode ser aposto a um contrato de comissão de serviço um prazo de vigência (um termo certo, como é juridicamente qualificado), como aconteceu no caso dos autos, fora das condições e circunstâncias legalmente previstas, nos artigos 128.º e seguintes do Código do Trabalho de 2003, ou seja, ao arrepio do regime legal do contrato de trabalho a termo certo que, conforme determina o referido artigo 128.º, só pode ser afastado pela regulamentação colectiva de trabalho (com excepção da alínea b) do número 3 do artigo 129.º - contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego)?
Pensamos que a resposta tem de ser necessariamente negativa, por entendermos que nada ressalta, quer da raiz e razão de ser da comissão de serviço, quer do seu regime especial, que permita subtrair tal figura a esse regime jurídico, restritivo e específico, da aposição de um termo resolutivo a um vínculo laboral (ainda que precário como a comissão de serviço).
Logo, resultando do cruzamento do teor do contrato de comissão de serviço firmado entre as partes com o disposto no artigo 129.º do Código do Trabalho de 2003 a manifesta nulidade de tal termo de 3 anos aposto ao acordo em questão, tal repõe em toda a sua necessidade e eficácia jurídicas, a carta de denúncia remetida pela Ré à Autora em 1/12/2010 (fls. 11 - Doc. n.º 3) bem como o regime conjugado constante dos artigos 246.º e 247.º, número 1, alínea c) – melhor dizendo, dos artigos 163.º e 164.º, número 1, alínea c) do Código do Trabalho de 2009, aplicáveis na altura da cessação, de acordo com os artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 7/2009, de 12/02 –, o que, ainda que nos movendo no quadro da interpretação defendida pela Apelada e partilhada pela sentença recorrida, nos devolve à conclusão a que chegámos no ponto anterior.

C5 – INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 164.º DO CÓDIGO DO TRABALHO

Levemos a posição da Ré e reflectida na decisão judicial recorrida a um extremo e encaremos como lícito quer o prazo de 3 anos aposto no contrato de comissão de serviço, quer a desnecessidade de denúncia atempada por parte do empregador ou do trabalhador desse negócio jurídico, dado se achar, desde logo e inicialmente previsto o fim do mesmo no seu clausulado, ou seja, haver logo, no momento da celebração da comissão de serviço, a simultânea denúncia do seu fim, nos termos e para os efeitos do artigo 246.º do Código do Trabalho de 2003 (atenta a data da sua assinatura).
Tal questão prende-se com o disposto no artigo 247.º, números 1, alínea c), última parte, 2 e 3 desse mesmo diploma legal (hoje, artigo 164.º, número 1, alínea c)] e com a correcta e exacta interpretação desse regime.
Não podemos deixar de estabelecer uma ligação do que se deixou dito com o estatuído no número 1 do artigo 149.º e 344.º, número 2 do actual Código do Trabalho (antes, artigos 140.º e 388.º) e com a polémica doutrinal e jurisprudencial que tem rodeado a leitura e aplicação de tais preceitos.
Com a devida vénia, trazemos à liça o que já defendemos noutro local acerca de tal problemática:
A nossa doutrina – aquela que admite como juridicamente válida a cláusula prevista no número 1 do artigo 149.º do Código do Trabalho, como é o nosso caso - dá respostas diversas a tal questão (direito à compensação do artigo 344.º), podendo distinguir-se três posições distintas relativamente a tal matéria:
1) Apesar de tal cláusula no sentido da sua não renovação constar desde logo do contrato de trabalho a termo certo, tal não dispensa a entidade empregadora de efectuar a referida comunicação, nos termos do artigo 388.º, número 1 do Código do Trabalho, o que implica o direito ao recebimento da compensação prevista no seu número 2 – Dr. Filipe Fraústo da Silva, “Trinta anos de contrato de trabalho a termo”, págs. 215 e seguintes, com especial relevância para págs. 265 e 266, em “A Reforma do Código do Trabalho”, Coimbra Editora, 2004 e Pedro Romano Martinez e outros, Código de Trabalho Anotado, 2.º Edição revista, Coimbra, 204, págs. 250 e 251, citado pelo primeiro autor indicado, em nota de rodapé;
2) Dispensa da referida comunicação, em virtude da celebração da referida cláusula no contrato de trabalho a termo certo, com não direito ao recebimento de compensação, por a caducidade ter origem no acordo das partes e não em declaração unilateral do empregador – Dr.ª Paula Ponces Camanho, “O contrato de trabalho a termo”, págs. 293 e seguintes, com especial relevância para págs. 300 a 303, Nota 23, em “A Reforma do Código do Trabalho”, Coimbra Editora, 2004;
3) Dispensa da referida comunicação, em virtude da celebração da referida cláusula no contrato de trabalho a termo certo, com direito ao recebimento de compensação, por a caducidade ter ainda origem numa declaração do empregador, embora em conjunto com a do trabalhador (só a declaração unilateral e individual do trabalhador no sentido da não renovação do contrato de trabalho a termo desonera a entidade patronal de pagar qualquer compensação) – Dr.ª Maria Irene Gomes, “ Considerações sobre o regime jurídico do contrato de trabalho a termo certo no Código do Trabalho”, Questões Laborais, Ano XI, N.º 24, 2004, págs. 137 e seguintes, com especial relevância para fls. 166 a 169, que cita também Albino Mendes Batista, “Inovações do Código do Trabalho em matéria de contrato a termo resolutivo”, PDT (2004), n.º 68, Coimbra Editora, pág. 72 e Paula Morgado de Carvalho, “Percurso pelo regime da cessação do contrato de trabalho, no Código do Trabalho”, Sub Judice, n.º 27 (2004), pág. 17.
Tomando posição quanto às divergências doutrinárias acima sintetizadas, consideramos que a última posição exposta é a que mais se harmoniza com o regime legal referenciado – que, com uma frequência muito superior à desejável, não é muito feliz na sua formulação -, pois mal se compreenderia que o legislador consagrasse numa norma o direito à compensação, quando a caducidade operasse por iniciativa da entidade patronal e depois, com a possibilidade das partes acordarem logo no momento da celebração do contrato de trabalho a termo certo a possibilidade da sua não renovação, praticamente escancarasse uma porta por onde tal obrigação seria facilmente contornada, tanto mais que o trabalhador, ao subscrever a referida cláusula, nem sequer se aperceberia dos efeitos jurídicos da mesma (desnecessidade de aviso prévio e não pagamento de qualquer compensação), convindo ainda lembrar que uma coisa é acordar na não renovação do aludido negócio jurídico e outra, muito diversa, é a desoneração da entidade empregadora de qualquer compensação (no fundo, levamos um pouco mais longe o raciocínio do Dr. Fraústo da Silva e, muito embora não entendamos como necessária uma cláusula expressa em que seja dispensado o aviso prévio, já o mesmo não acontece quanto à dispensa da referida compensação, que não parece, todavia, ser contratualmente possível, face ao artigo 139.º do Código do Trabalho, que só permite que o regime do contrato de trabalho a termo resolutivo seja afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho).
A aludida cláusula de não renovação do contrato de trabalho a termo certo, firmada ou, pelo menos, assinada por ambos, contém ínsita, desde logo, a manifestação da vontade do empregador no sentido de querer fazer cessar a relação laboral na data ou prazo estabelecidos, bem como a informação ou comunicação à parte contrária (o trabalhador) dessa intenção (não sendo a mesma anulada ou compensada por idêntica e recíproca declaração deste último).
A este propósito importa citar a Dr.ª Maria Irene Gomes, na obra e local citados, quando refere o seguinte: “Relativamente ao problema prévio pronunciamo-nos no sentido da desnecessidade de cumprimento de aviso prévio. Na verdade, cremos que a possibilidade de excluir a renovação do contrato a termo certo, que acarreta consequências jurídicas relevantes, tem precisamente como um dos objectivos desonerar as partes da necessidade de posteriormente comunicar, por escrito e com antecedência prévia, a cessação do mesmo, consagrando-se a sua caducidade automática ou, pelo menos, considerando-se que o aviso prévio já foi feito no momento da celebração do contrato de trabalho a termo certo quando se estabeleceu uma cláusula de não renovação do mesmo. Já no que respeita ao segundo problema em discussão, ou seja, o problema de saber se nestes casos de exclusão por acordo da possibilidade de renovação do contrato a termo certo se mantém ou não o direito à compensação, é que discordamos, sob reserva de maior reflexão, da posição daqueles que advogam a inexistência da referida compensação. A este propósito, por exemplo, PAULA PONCES CAMANHO defende que não haverá lugar a compensação, utilizando como um primeiro argumento o raciocínio de que “a caducidade não decorre da declaração do empregador, nos termos do artigo 388, n.ºs 1 e 2, mas antes de acordo das partes ao abrigo do artigo 140.º, número 1”, afastando, consequentemente, a aplicação do n.º 2 do artigo 388.º, “pensado para situações de cessação unilateral pela entidade patronal”. Ora, em nossa opinião, a resolução do problema tem de ter em consideração as consequências práticas que tal interpretação acarreta. Na verdade, julgamos que se não pode esquecer que este acordo das partes no sentido da não renovação do contrato é obtido no início da relação laboral onde o poder negocial do empregador é, obviamente, superior, e, consequentemente, pode não corresponder à real vontade do trabalhador. Assim, esta leitura poderá levar, tal como, aliás, PAULA CAMANHO reconhece, à “previsibilidade” de em todos os contratos se estabelecer “a caducidade automática, para o empregador ficar desobrigado do pagamento da compensação”, ainda que também consideremos, tal como a autora, que este procedimento poderá representar eventuais desvantagens para o empregador, mas não, na nossa opinião, suficientemente dissuasoras para evitar este tipo de comportamento. Por outro lado, deixar a solução da eventual ilicitude do comportamento do empregador entregue aos princípios gerais, nomeadamente à figura da fraude à lei, parece-nos não acautelar adequadamente os interesses dos trabalhadores, sobretudo para quem, como nós, entenda que o pagamento desta compensação reveste uma natureza mista, correspondendo, por um lado, a um montante devido pelo exercício lícito do direito de denúncia pelo empregador e, por outro lado, a uma quantia resultante da precariedade do vínculo. De facto, se esta compensação existisse apenas por estar associada a um vínculo precário, ela seria devida em todos os casos de verificação do termo, independentemente dos motivos ou da parte que deixou operar a caducidade, leitura que se afasta clamorosamente da letra do art. 388.º, n.º 2. Mas se entendermos que esta compensação também existe como o “preço” a pagar pelo empregador por intervenções lícitas, já nos parece justo defender a subsistência da compensação sempre que a caducidade também ocorra por vontade do empregador. Assim, parece-nos que a interpretação do art. 388.º, n.º 2, deve ser no sentido de se considerar que o direito à compensação existe sempre nos casos de a caducidade associada à vontade unilateral do empregador e, ainda, nos casos em que essa vontade do empregador, apesar de associada à do trabalhador, foi igualmente relevante para a caducidade operar. Em resumo, defendemos que a compensação será sempre devida nas situações em que a caducidade tem associada uma vontade do empregador no sentido da não manutenção do vínculo, seja a título exclusivo, seja em acordo com a vontade do trabalhador. De fora do alcance da norma e, consequentemente, sem direito à compensação, ficariam apenas as situações em que só a declaração do trabalhador tenha sido relevante para a caducidade operar”.
Muito embora o artigo 146.º do Código do Trabalho, quando se refere à igualdade de tratamento entre os trabalhadores contratados a termo e os demais, com vínculo permanente, não tenha uma aplicação directa à questão agora em análise, permite, ainda assim, fazer estranhar a dicotomia de regimes, ou seja, a imposição da igualdade profissional entre contratados sem prazo e a prazo, ao mesmo tempo que permite a diferenciação nesta matéria da compensação, sem justificação real e plausível, entre trabalhadores contratados a termo.
Importa frisar ainda que, destinando-se a compensação legalmente prevista, nas palavras de Susana Sousa Machado, obra citada, página 275, “a ressarcir o trabalhador pela qualidade precária do vínculo, tornando mais onerosa para o empregador a contratação a termo”, mal se compreende que não haja igualmente lugar a tal “indemnização”, dado os motivos para a sua atribuição, quer de índole material como formal, se acharem presentes também na situação em análise. (…)
Esta nossa posição seria radicalmente diferente, sustentando igualmente a inconstitucionalidade do preceito, caso a admissibilidade do acordo inicial de não renovação do contrato de trabalho a termo certo implicasse, por falta da comunicação formal do empregador ao trabalhador do fim da relação laboral em questão, o não recebimento, por parte deste último da aludida compensação contemplada no artigo 344.º do Código do Trabalho, aí acompanhando o que o Professor Jorge Leite sustenta a este respeito.”
Transportando para o contrato de comissão de serviço tal doutrina (face aos pressupostos de que partimos), também se nos afigura manifesto que o respectivo regime só afasta o direito à indemnização do trabalhador no caso de a cessação do mesmo acontecer por única e exclusiva responsabilidade deste último – isto é, quando for ele a denunciar o dito negócio jurídico ou tiver sido alvo de despedimento com justa causa – e já não em situações em que o fim do correspondente vínculo acontece devido ao empregador ou por sua interferência conjunta ou isolada (como é o caso da cláusula de estabelecimento de um prazo para o fim do contrato, que resulta do acordo de vontades de ambos).
Se considerarmos a hipótese da rescisão com justa causa promovida pelo trabalhador (artigos 394.º a 399.º do Código do Trabalho de 2009), em que existe somente uma declaração unilateral e receptícia do assalariado, facilmente se constata que não é por esse facto que o mesmo não tem direito a receber a correspondente indemnização (ainda que qualificada, nos termos do artigo 396.º do mesmo diploma legal, que, por isso e nessa medida, se sobrepõe à do artigo 366.º).
Logo, também por aqui não poderia a Autora ver-se privada do recebimento da indemnização prevista nos artigos 164.º, número 1, alínea c) e 366.º do Código do Trabalho de 2009 (indemnização composta por retribuição-base + diuturnidades), ou seja, no valor de € 7.806,00.
Expliquemos tal valor a que chegámos:

a) Face à redução da remuneração que a Autora sofreu a partir de 1 de Janeiro de 2011, em virtude artigo 19.º, números 1, alínea b) e 9, alínea t) da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011, a mesma deixou de auferir € 3.500,00 mensais para passar a receber € 3.190,00 mensais;
b) Aquele valor inicial decompunha-se nas seguintes parcelas: € 2.800,00, a título de retribuição-base e € 700,00, a título de isenção do horário de trabalho;
c) A aludida redução incidiu sobre o valor de € 2.000,00 e numa percentagem de 3,5% e sobre o montante restante numa percentagem de 16%;
d) Logo, a primeira tranche retributiva ficou diminuída para € 1.930,00 e a segunda, no que concerne à retribuição-base (€ 800,00), viu-se afectada em 16%, o que implicou que a Apelante passasse a perceber a esse propósito o montante de € 672,00;
e) Sendo assim, a Autora passou a ter de salário-base (que é o que interessa para efeitos de aplicação do artigo 366.º do Código do Trabalho) a importância de € 2.602,00 mensais (este valor + € 588,00, que resulta da multiplicação de € 700,00 por 84%, perfaz a retribuição global dada como provada de € 3.190,00);
f) 3 anos (tempo do contrato e mínimo legal) x € 2.602,00 = € 7.806,00.
Logo, o presente recurso de apelação tem de ser julgado procedente (o facto da Autora reclamar € 8.400,00 e só ter direito a receber o aludido valor de € 7.806,00 reflecte-se antes na parcial procedência da acção e no pagamento das custas referentes ao decaimento), com a inerente revogação da sentença nessa parte.
IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1 do Código de Processo de Trabalho e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA, com a subsequente alteração da sentença recorrida, decidindo-se, em sua substituição, pela procedência parcial da acção nessa parte, com a inerente condenação da Ré no pagamento da quantia de € 7.806,00, a título de indemnização devida nos termos dos artigos 164.º, número 1, alínea c) e 366.º do Código do Trabalho de 2009.

Custas da acção e também nesta parte na proporção do decaimento e do presente recurso a cargo da Apelada – artigo 446.º do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Março de 2012

José Eduardo Sapateiro
Maria José Costa Pinto
Seara Paixão
Decisão Texto Integral: